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1 | DIA ZERO

Ontem foi um dia normal, assim como os outros. Maitê acordou, fez o café da manhã, despediu-
se do filho Victor, que fora à escola, alimentou seus pássaros (o céu estava limpo) e foi para o
único Pet Shop da pequena cidade onde trabalha.

Hoje, após despedir-se do filho, ela voltou a alimentar o casal de periquitos (agora vários
pássaros sobrevoam o céu observam a cena). Esta será a última vez na qual os alimentará. Por
consequência, ambos irão morrer em poucos dias. Eles não serão os únicos a serem esquecidos.
Logo depois, saindo da rotina, voltou a dormir ao invés de ir trabalhar.

Ao despertar, pontualmente às onze horas, vai até a cozinha preparar o almoço.

Minutos após, leva um susto ao olhar o relógio e perceber a ausência de Victor. Anda pelos
cômodos da casa a procura dele, na expectativa de não o ter visto entrar. Porém, não o encontra
e sente um cheiro ruim. É o arroz queimando na panela.

Com a geladeira vazia e a comida queimada, Maitê resolve ir até o supermercado e ver se
encontra o filho pelo trajeto pois o colégio fica a poucos minutos dali.

Saindo do carro para fechar o portão, ela encontra uma mulher idosa com aparência peculiar.

— Maitê, como vai? — pergunta.

— Oi. Ah, desculpa, mas... eu te conheço?

— Você está bem? Não está me reconhecendo? Sou eu, Elga Martinez, sua vizinha.

— Claro! Elga. Minha nossa, minha cabeça está uma bagunça hoje — disse enquanto se
cumprimentam. — Acabei queimando o almoço e estou indo ao mercado comprar alguma coisa.

— Eu estava justamente indo até lá.

— Quer carona?

A velha senhora aceita e as duas seguem caminho. Maitê pergunta a sua vizinha se ela viu seu
filho. Elga diz “não” e logo muda o assunto.

Tal conversa a distrai, fazendo-lhe não ver se encontra Victor.


Chegando no mercado, Elga esboça um sorriso e comenta preferir lugares como aquele: quase
vazios e sem muitas pessoas.

— A senhora não sai muito, não é mesmo? Quase não lhe vejo sair... na verdade, penso nunca
ter visto a senhora antes. Tem certeza sobre residir na casa ao lado? Sempre vejo a casa vazia
como se não morasse ninguém lá.

— Mal consigo me lembrar de sua primeira pergunta — responde Elga. — Além do mais, dizem
que a curiosidade matou o rato — sussurrou com um ar misterioso.

— Desculpe-me. Não quis importunar a senhora.

As duas ficam em silêncio até o final da compra. Já no caixa, Maitê observa o atendente. Um
homem alto, moreno e com um olhar marcante.

Quando desvia os olhos até o carrinho, percebe ter esquecido o alho. Pede a Elga, então, para
passar sua compra até ela voltar.

Quando chega na sessão dos vegetais, ela avista uma mulher de costas, muito parecida com sua
falecida mãe e, pávida, vai até ela.

A mulher se vira e Maitê fica, de certa forma, aliviada ao olhar e não ser quem imaginava. No
mesmo instante, vê um funcionário limpando o chão. É o mesmo homem quem lhe chamara
atenção no caixa. No entanto, com outro uniforme. Não podia ser ele devido ao pouco tempo para
se trocar. Logo, pensa na possibilidade de serem gêmeos.

O rapaz vai se aproximando, deixando-a tímida. À questiona se precisa de algo. O responde e


ambos vão até a prateleira de alho. A cada passa dado, fica mais ansiosa sobre a aparência dos
homens quando decide perguntar.

— Vocês trabalham aqui? — pergunta.

— “Vocês” quem? — responde confuso.

— O cara do caixa. Ele é seu irmão? São gêmeos?

— Não tenho irmãos. Você está se confundindo.


Mais uma vez ficou confusa com os acontecimentos. Sua cabeça já não sabe mais distinguir o
real da fantasia. Estava tudo muito estranho naquele início tarde, quando sente sua pressão cair.

O funcionário ajuda trazendo uma cadeira e água para a moça.

Quando se sente melhor, volta até o caixa e sua vizinha já não está mais lá. Foi embora sem ao
menos se despedir. O atendente agora é outro, bem diferente do anterior.

No estacionamento, indo até o carro, Maitê é atropelada.

Enquanto isso, na cidade ao lado, a milionária Melina Moralles, procura uma maneira onde tire a
filha Débora, a nora Carla e os netos Pedro e Miguel da mansão onde moram, como interesse,
realizar mais uma das suas tramoias. O filho Thomaz já se encontra na empresa IOY
Medicamentos, rede farmacêutica e propriedade da família Moralles.

Melina conta com a ajuda da empregada doméstica Kallia, para deixar a casa vazia. Com a
desculpa de fazerem uma limpeza geral, auxiliada pelos outros funcionários, enquanto Débora,
Carla e seus filhos vão até o cinema, Melina fica com a casa livre.

Nesse momento, uma equipe técnica chega e começa a instalar câmeras e microfones
escondidos por toda a residência.

Quando os irmãos e enfermeiros Marlon e Vitória chegam com uma caixa, recebem ordens.

— Farão o trabalho no quarto localizado no subsolo. Façam silêncio! Não quero minha família
tendo conhecimento agora. Sendo assim, a troca de turno dos dois ocorrerá durante a madrugada
quando todos estiverem dormindo.

Ela cede as ordens quando recebe uma ligação do Hospital Lorenzo Moralles, outra propriedade
da família. Quem liga é uma médica.

— Dona Melina, ligo informando a entrada da paciente Maitê Garcia no hospital devido um
atropelamento no início da tarde, há poucas horas. A senhora é a única parente a quem eu pude
ligar, o ex-marido não atende. — informa.

— Por mim, que morra. — responde.


— Mesmo a relação entre vocês ser negativa, eu preciso da sua presença aqui para confirmar
alguns dados... espere um pouco! Chegou um homem aqui dizendo ser o marido dela. Desculpe
o incômodo. — a moça desliga.

No hospital, o homem exige ver a amada e a médica pede paciência até ela acordar.

Ao abrir os olhos, Maitê recebe a médica Polyana, que atualiza seu quadro.

— Olá, mamãe. A senhora pode ficar despreocupada. Não aconteceu nada com o bebê.

Sob efeitos de medicamentos, ela custa acreditar estar grávida.

— Qual bebê?

— Ah, me desculpe. Não sabia da gravidez? Está com três meses.

— Impossível doutora. Não me relaciono com alguém há anos.

— Pedirei a seu marido adentrar.

— Meu marido? — pergunta confusa.

Polyana sai do quarto e manda o homem entrar. Maitê se assusta vendo o homem do mercado.

— Boa tarde, amor.

— Você? Você não é o funcionário do...?

— Ei, sou eu. Nelson. Seu marido.

Sem entender nada, ela finge o conhecer e tenta lembrar-se dele. Vagas memórias surgem.

— Está tudo bem com você. Foi apenas um susto. Já podemos voltar à nossa casa. — acalma.

A ambulância os leva de volta à cidade ao lado. No caminho, ela começa a conhecer pela
primeira vez o pai do segundo filho. Um homem lindo, carismático e agradável. Não deve ter sido
difícil se apaixonar por ele, mas quem é ele?

Em meio a tantas perguntas e devaneios, o único questionamento é esquecido: onde está Victor?
Já era noite quando chegaram em casa. Nelson buscou o carro, deixado no estacionamento,
enquanto sua mulher descansava. Ao chegar, preparou algo para ambos comerem.

Foi muito reconfortante receber cuidados.

Durante o jantar, ela acaba convencida de sempre o conhecer.

A mesa arrumada como nas novelas, guardanapos séricos, taças de vinho, um gole aqui outro ali,
uma uva na boca, um ou dois beijinhos, aviãozinho com sorvete, uma faca deslizando pela
garganta e um grito.

Tic-tac.

Um segundo para Maitê se levantar. Bem menos para agir e escolher entre sair correndo e testar
a sorte ou acabar com aquilo ali mesmo pegando a faca na pia e continuar vivendo com o peso
de uma morte.

Segunda opção.

A cor do sangue de Nelson contrastou bem com a cor do vinho.

Intacta e assassina, o que fazer agora? Apesar de não ser a primeira pessoa a quem matou, ela
não é uma assassina em série com conhecimentos para ocultar um corpo.

Desesperada, vai correndo até a casa da vizinha Elga pedir ajuda. Coincidentemente, Pablo
Martinez, marido de Elga, chegava do bar quando avista Maitê correndo até sua direção. Ela
explica, ali mesmo o ocorrido. Por sua vez, pede que entre em sua casa e receba os cuidados da
velha mulher enquanto ele vai até a cena do crime. Pablo então desaparece na escuridão.

No mesmo momento, ela entra no escuro casebre.

— Elga? A senhora está aí? Está acordada? — pergunta enquanto segue a fraca luz vista por
baixo de uma das portas. Quando abre, depara-se com uma espingarda apontada para seu rosto.

— Escutei quando disse ter matado Nelson. Nelson Martinez, meu filho.

— Ele tentou... perdoe-me por favor. Não tive escolha. Abaixe a arma por favor.
Elga entrega a arma e pede que a mate também, pois não conseguiria viver sem o filho. Maitê se
nega a atirar na vizinha clamando pela morte.

Ouvindo as negações, a caduca mulher começa a se mutilar em silêncio e em respeito a Nelson.

Maitê solta a espingarda, sai correndo e vai até o ponto de ônibus mais próximo só com as
roupas do corpo. Ela precisa decidir se deve ou não pedir ajuda a quem tanto prejudicou e foi
prejudicada.

Depois desse dia “maluco”, nada mais poderia dar errado. Decide, então, ir até a mansão
Moralles pedir ajuda a Thomaz, seu ex-marido.

Na mansão, ao abrir a porta, Melina leva um susto ao ver quem é.

— Maitê? O que faz aqui, sua desgraçada?

Ao escutar a confusão, Thomaz e sua atual esposa Carla descem para descobrir o motivo dos
gritos.

— Por que essa maldita está aqui? — esbraveja Carla.

— Não sejam dura com ela. Não percebem que está assustada? — defende Thomaz.

A discussão é interrompida quando ouvem gritos vindo do porão. Melina desespera-se.

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