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O CONHECER-SE PELA DOR

"Todos quantos sejam feridos no coração por reveses e decepções da vida, consultem
serenamente a sua consciência, remontem pouco a pouco à causa dos males que os afligem, e
verão, se as mais das vezes, não poderão confessar: se eu tivesse feito, ou se não tivesse feito
tal coisa, não estaria nesta situação." (Allan Kardec. O Evangelho Segundo o Espiritismo.
Capítulo V. Bem-Aventurados os Aflitos.)

A transgressão aos limites da nossa liberdade de ação, dentro do equilíbrio natural que rege
as existências, é quase sempre por nós reconhecida somente através das consequências colhidas
através dos efeitos das reações que nos atingem. A semeadura é livre, a colheita é obrigratória.
"Quem semeia ventos, colhe tempestades." Pela dor retificamos as nossas mazelas do ontem
longínquo ou próximo: de outras existências ou da presente vida. Indubitavelmente, os processos
de sofrimento, nas suas mais variadas formas, provocam, na nossa alma, o despertar da
consciência e a ampliação do nosso grau de sensibilidade, para percebermos os aspectos
edificantes que o coração, nas suas manifestações mais nobres, pode realizar.
Quando enfermos, vítimas do nosso próprio desequilíbrio, sofremos os males físicos das
doenças contraídas pela falta de vigilância, que abre nossas defesas vibratórias às investidas
bacterianas no campo orgânico. É no tratamento e no restabelecimento da saúde que somos
naturalmente levados a meditar sobre as origens e os motivos da doença. Se estamos
conformados e obedecemos as orientações médicas, mais rapidamente nos recompomos; se,
porém, somos inflexíveis e descremos da necessidade de mudar nossos hábitos, mais lentamente
nos restabeleceremos. Quem passa por um período de tratamento, sente e sabe o que sofreu e,
nem que seja apenas por autodefesa, toma certos cuidados, como mudar seus costumes,
transformar sua conduta, para que não venha a ter uma recaída e, assim, sofrer as mesmas dores,
repetir as experiências desagradáveis.
Realiza-se, desse modo, um processo de autoconhecimento com relação a alguns aspectos
de nosso comportamento, de nossa forma de vida. Nessas ocasiões em que adoecemos, muitas
vezes somos obrigados a permanecer imóveis num leito, semiconscientes ou sentindo dores
dilacerantes, à beira do desespero, por vários dias. E quando recebemos o alívio confortador de
uma vibração suave, transmitida por um coração amigo que nos cuida ou nos visita, como ficamos
agradecidos! Como reconhecemos os valores aparentemente insignificantes dessas expressões de
carinho! E quem recebe desperta em si o desejo de proporcionar a outros o mesmo alívio, o mesmo
bálsamo. Amplia-se, assim, a nossa sensibilidade ao sofrimento do próximo, além do fortalecimento
da fé na bondade do Criador e dos próprios corações humanos.
Quantas criaturas não se transformam radicalmente depois de uma grave enfermidade?
Quantos não descobrem dentro de si os valores eternos do espírito, após terem sofrido longos
períodos de tratamento ou perdas irreparáveis de entes queridos, após padecerem com dores
morais, desilusões de caráter afetivo ou dificuldades materiais, que nos ensinam a valorizar as
coisas simples da vida? Quantos que, estando à beira da morte, hoje valorizam a vida, praticando
caridades e distribuindo carinho ao próximo?
As dores, sob qualquer forma, ensinam-nos profundamente a nos conhecer, a nos
transformar, e, por mais que soframos, precisamos ter a disposição íntima de agradecer, porque no
mundo de facilidades e de atrativos para os impulsos do ser imediatista e físico que ainda
abrigamos, são as oportunidades que a dor nos proporciona, algumas das maneiras mais eficazes
de transformação desse homem animalizado e insensível. Valorizemos a nossa dor, tomemos a
nossa cruz e com ela caminhemos para a nossa redenção.

Ney P. Peres – Livro: Manual Prático do Espírita

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