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07/05/2018 Polêmica: em defesa de Sérgio Buarque
baseara nele, que entretanto foi publicado em setembro de 2017. Seu autor,
nitidamente envaidecido pela reação de seu fã-clube, aderiu sem qualquer
precaução à tese e tratou de dar entrevistas a respeito, sem esconder que promovia
a própria obra. Mas bastaria que algum daqueles entusiasmados se desse ao
trabalho de consultar o site da Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de
Janeiro (LIESA) para verificar que o título não consta da bibliografia que
acompanha a sinopse do enredo da Tuiuti, ou que algum conhecedor do mundo do
samba os avisasse que em setembro, quando o livro saiu, o desfile já estava em
fase de finalização, com coreografias em ensaios finais, as alegorias quase prontas,
todas as fantasias definidas, bem como a sequência das alas e das alegorias e assim
por diante. Diante deste espetáculo constrangedor, aceitamos o risco de produzir
um simples esboço de caracterização do autor daquele livro. A fonte de todas as
informações que seguem, não custa repetir, é o próprio livro.
significa simplesmente mal feito, mas como consequência pode significar falso ou,
pior, falsificado (no caso de alguma bebida), como no lunfardo. Se era de
falsificação que o autor queria falar, por que não empregou as palavras comuns do
discurso científico: falacioso, falaz (mentiroso), simplesmente falso, ou mesmo
falsificado? O emprego de palavras como “fajuto” é forte indicativo da definição
de um público leitor: aquele mesmo que foi tão duramente criticado, a saber, a
classe média que, conforme caracterizada no livro, é igualmente grosseira e
superficialmente alfabetizada, além de odiar os pobres sem sentimento de culpa. Se
nossa hipótese etimológica estiver correta, eis que estamos diante de um caso de
burla involuntária: a desqualificação do trabalho intelectual em termos conhecidos
por uma certa classe média que odeia pobres e no entanto, por simples ignorância,
fala a língua do submundo do tango e da prostituição portenhos… (eis uma
situação bem divertida para apreciadores de um gênero que também se caracterizou
como “burlón y compadrito”…).
E já que resvalamos para o terreno da galhofa, não custa destacar mais uma
desatenção linguística do nosso cientista social, especialmente preocupado com o
“estado atual dos conhecimentos científicos”. Em seu livro (que cobra de
Raymundo Faoro atenção para “filigranas conceituais” e se apresenta como
empenhado no combate a “ideias velhas”) topamos com o emprego da expressão
“o sol nasce” por mais de uma vez. Se nos lembrarmos de que até a Igreja Católica
já reconheceu que estava errada na condenação do heliocentrismo de Galileu (é
verdade que só em 1992), está mais do que na hora de encontrar expressão mais
adequada do que esta, de teor geocêntrico, para designar fenômenos naturais como
alvorecer, luz do dia e outros, mesmo por parte de escritores católicos.
Indício de pouco interesse por literatura, nosso autor usa sem saber a expressão
“escravos de todas as cores” criada por seu inimigo-mor – Sérgio Buarque de
Holanda – no prólogo de uma peça para teatro de revista chamada Antinous. A
intenção naquele trabalho era indicar que, ao contrário do discurso oficial, a
escravidão persistia no Brasil dos anos de 1920 e não se restringia mais aos negros.
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nativos e africanos como não-gente), para não dizer nada de sua efetiva
participação em todos os demais crimes da colonização, incluindo o tráfico de
nativos da América do Sul para as Antilhas e de africanos para o Brasil (São Paulo
de Luanda era um entreposto de embarque de africanos escravizados sob o controle
dos jesuítas).
Quanto aos desmandos de uma operação como a Lava Jato, com a intenção de
evitar inferências apressadas, convém dar um esclarecimento preliminar, a ser
desenvolvido oportunamente: entender que os funcionários do Ministério Público e
do Judiciário têm o dever constitucionalmente definido de proteger o patrimônio
público dos ataques por parte dos inúmeros candidatos a seus assaltantes das
esferas pública e privada, não corresponde a aceitar como legítimos (nem mesmo
como legais) os atos praticados ao arrepio da lei, da justiça e dos códigos penal e
de processo penal vigentes. Aliás, a maioria dos atos aplaudidos pela mídia
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também pode ser descrita com apoio em Sérgio Buarque: seus praticantes são
funcionários que tratam o Estado como se fosse coisa sua e seus atos se
transformaram em questão pessoal. Em vez de justiça, dedicam-se a uma variante
nacional da vendeta, como se estivéssemos em plena Idade Média. Este tipo de
anomalia no exercício das funções públicas também concorre para a caracterização
do homem cordial.
Para encerrar o capítulo das omissões, que está longe de ter sido exaustivo, o autor
promete mais de uma vez expor o “conceito” de escravidão e não o faz, bem como
o de “estoque cultural”, ainda que este último provenha da teoria de Pierre
Bourdieu e o livro se demore na exposição de outros aspectos da teoria das trocas
simbólicas do sociólogo francês.
Como esta amostra já contém material suficiente para exemplificar algumas das
proposições presentes no excerto do livro Raízes do Brasil que introduz a figura do
“intelectual cordial”, passemos a palavra ao Mestre: “a personalidade individual
dificilmente suporta ser comandada por um sistema exigente e disciplinador. É
frequente, entre os brasileiros que se presumem intelectuais, a facilidade com que
se alimentam, ao mesmo tempo, de doutrinas dos mais variados matizes e com que
sustentam, simultaneamente, as convicções mais díspares. Basta que tais doutrinas
e convicções se possam impor à imaginação por uma roupagem vistosa: palavras
bonitas ou argumentos sedutores. A contradição que porventura possa existir entre
elas parece-lhes tão pouco chocante, que alguns se alarmariam e se revoltariam
sinceramente quando não achássemos legítima sua capacidade de aceitá-las com o
mesmo entusiasmo.” (Raízes do Brasil. Capítulo 6, “Novos tempos”).
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[1] Não custa informar que, embora seu orçamento conte com amplos fundos
públicos, a Universidade de Heidelberg é administrada por jesuítas, como a nossa
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PUC-Rio.
[2] Aos não familiarizados com o tom dos profetas do Antigo Testamento,
apresentamos alguns excertos das invectivas de Ezequiel: “Não será como antes: os
humildes serão exaltados e os exaltados serão humilhados” (21: 26); “O povo da
terra pratica extorsão e comete roubos; oprime os pobres e necessitados” (22: 29);
“Ela se entregou como prostituta a toda a elite dos assírios” (23: 7); “Que agora a
usem como prostituta, pois isso é tudo o que ela é” (23: 43).
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