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O gênero edital e suas características

linguístico-discursivas: para além dos manuais


de redação
Sandra Maria de Carvalho Santos* Erivaldo Pereira do Nascimento**

Resumo
Introdução
Através do projeto intitulado “Estudos
semântico-argumentativos de gêneros Sabemos que nossa comunicação é
do discurso: Redação escolar e gêneros realizada de forma oral e escrita e que
formulaicos (ESAGD)”, financiado pelo nossa escrita (produção linguística) é
CNPq, são realizadas várias investiga- formada por fonemas, morfemas, pala-
ções na Universidade Federal da Paraíba vras, sentenças, além de uma série de
com o objetivo de estudar a argumentati-
vidade presente em gêneros textuais do elementos discursivos e contextuais,
universo empresarial/oficial. Este traba- que juntos se tornam textos. Portanto,
lho faz parte dessas investigações, está “o texto pode ser tido como um tecido
vinculado a esse projeto e tem por fina- estruturado, uma entidade significati-
lidade discutir as contribuições dos estu- va, uma entidade de comunicação e um
dos sobre a teoria dos gêneros do discur-
artefato sociohistórico” (MARCUSCHI,
so, de Bakhtin (2010), para a descrição
do gênero edital. O edital é um gênero 2008, p.72).
que circula nas instituições públicas e Nós, profissionais de secretariado
privadas e que tem por fim tornar público temos o texto como um grande aliado
fatos e ações que devem ser conhecidos. e ferramenta de trabalho em nosso dia
Este trabalho é bibliográfico e aplica os a dia. Daí, muito mais do que utilizar
critérios utilizados pelo autor para apre-
sentar uma definição do gênero formulai- modelos preestabelecidos, podemos ter
co em questão. Com base na concepção na linguística uma aliada para tentar
de gênero da teoria de Bakhtin, o trabalho entender a maneira como os sujeitos uti-
pretende mostrar como é possível des- lizam a língua em diferentes contextos,
crever o edital utilizando-se os critérios de que gêneros de textos se valem e como
linguístico-discursivos.
se portam ao utilizá-los.
Palavras-chave: Gêneros do discurso. Ar- Encontramos em Mendes e Júnior
gumentatividade. Edital. (2002, p. 12), no Manual de redação da
presidência, orientações que dizem res-
peito à construção e elaboração dos atos

*
UFPB/CNPq. E-mail: sandracarvalhoufpb@gmail.com
**
UFPB/CNPq. E-mail: ery.nascimento2008@gmail.com

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e comunicações oficiais. Tais orientações e outras tantas dicas de composição
lembram que a redação oficial deve con- para elaboração de textos. Nascimento
ter características de impessoalidade, (2010) afirma que a textualidade não se
do uso do padrão culto de linguagem, constrói apenas com esses elementos e
da clareza, da concisão, da formalidade. acrescenta que, para se produzir textos
Nascimento (2010, p. 128), em seu adequados às intenções do locutor no
artigo sobre os gêneros do universo uso real da linguagem, essas regras e
empresarial/oficial, explica que “a ten- dicas para construção de textos ainda
tativa de impessoalidade pregada pelos são insuficientes. Continua explicando
manuais, bem como a padronização dos que a existência desses padrões não ga-
documentos, não somente distancia a rante a sua utilização pelo interlocutor,
língua das interações reais dos sujeitos, tampouco que os locutores os utilizem
[...] como apresenta uma visão reducio- tal qual se encontram nos manuais. De-
nista da própria linguagem”. pendendo das suas intenções, os sujeitos
A impessoalidade e a objetividade, podem modificar ou adaptar, quem sabe
tão apregoadas em cada manual de até ignorar, os padrões dos manuais de
redação oficial, os quais consultamos a redação oficial.
fim de subsidiar a elaboração dos gêne- Ainda se tem estudado pouco sobre
ros textuais/discursivos durante nossa esses gêneros, os formulaicos. Os manu-
rotina organizacional, mostram-se cada ais de redação ou de comunicação limi-
vez mais distantes do ideal, pois em cada tam-se a fornecer informações de como
texto analisado detectamos que há uma devem ser produzidos esses gêneros
forte presença de argumentatividade. textuais, como comentamos acima, isto
Como diz Ducrot (1988), “a argumen- é, sem descreverem seu funcionamento
tação está tão presente na interação linguístico-discursivo, muito menos os
humana que já está inscrita na própria efeitos gerados da/na sua produção/uti-
estrutura da língua”. Isso ocorre porque lização social.
na escolha de cada palavra para compor Nesse sentido, a investigação lin-
um texto há uma intenção, em função guística é bem-vinda para esse tipo de
da nossa expressividade (subjetividade) produção social. É por essa razão que
e quando do processo de interação com se justifica e se demonstra a necessidade
outros sujeitos (intersubjetividade). da investigação que está sendo relatada,
O profissional de secretariado neces- em parte, no presente trabalho.
sita muito mais do que algumas regras
preestabelecidas nos diversos manuais Gêneros do discurso ou
de redação, que geralmente trazem
padronização de documentos baseados textuais
em vocativos apropriados, elementos Devemos esclarecer que o estudo
básicos (coerência, clareza, concisão) sobre os gêneros é tão antigo quanto a
para construção de textos, fechamentos preocupação com a linguagem, repor-
adequados, expressões de tratamento tando-se à época de Platão, quando os

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estudos se voltavam, principalmente, a riqueza e a diversidade dos gêneros dos
para os gêneros literários. Aristóteles (s. discursos são infinitas porque são ines-
d.), no entanto, foi quem primeiro apre- gotáveis as possibilidades da multiforme
atividade humana e porque em cada campo
sentou uma classificação dos gêneros do
dessa atividade é integral o repertório e gê-
discurso, classificando-os deliberativo, neros do discurso, que cresce e se diferencia
demonstrativo e judiciário. à medida que se desenvolve e se complexifi-
Ao longo do tempo, a noção de gêne- ca um determinado campo.
ro se amplia cada vez mais e vai sendo Para Bakhtin (2010), o processo de
associada a uma categoria distinta de formação do gênero tem relação direta
discurso, falado ou escrito, com relação com as ações humanas, pois são essas
direta às condições e finalidades das ações que desencadeiam a preservação
atividades humanas. ou a transformação no uso dos gêneros
Em relação a esse tipo de estudo, em um referido campo de atividade.
dos gêneros, Marcuschi (2008, p. 149) Esse estudioso considera os gêneros
aponta uma dificuldade natural devido do discurso tipos relativamente estáveis
à abundância e diversidade das fontes e de enunciados: “[...] cada enunciado par-
perspectivas de análise. Explicando-nos, ticular é individual, mas cada campo de
diz que utilização da língua elabora seus tipos
[...] a análise de gêneros engloba uma análi- relativamente estáveis de enunciados, os
se do texto e do discurso e uma descrição da quais denominamos gêneros do discur-
língua e visão da sociedade, e ainda tenta
so” (BAKHTIN, 2010, p. 262). O autor
responder a questões de natureza sociocul-
tural no uso da língua de maneira geral. O justifica essa relativa estabilidade pelo
trato dos gêneros diz respeito ao trato da caráter sócio-histórico dos gêneros.
língua em seu cotidiano nas mais diversas Assim, sempre que interagimos, fa-
formas. lamos ou escrevemos para alguém, em
Assim, os gêneros passam a ser alguma circunstância social, utilizamos
compreendidos como instrumentos os mais diferentes gêneros, tanto em
dinâmicos utilizados para realizar as situações formais ou informais, de uso
mais diferentes interações, de acordo da língua. Essas circunstâncias não são
com a finalidade de cada uma delas. aleatórias nem desordenadas, e a for-
Exatamente como explica Bazerman mulação de cada enunciado produzido
(2006, p. 31), quando nos diz que gêneros reflete as condições particulares e os
emergem nos processos sociais quando objetivos de cada uma dessas esferas/
as pessoas tentam compreender uma às campos de atividade humana.
outras a fim de coordenar atividades e Marcuschi (2008) defende que “todas
compartilhar significados com vistas a as atividades humanas estão relacio-
seus propósitos práticos. Confirmando nadas ao uso da língua, que se efetiva
o pensamento desses autores, Bakhtin através dos enunciados (orais e escritos)”
(2010, p. 262) situa que (2008, p. 155). Correlacionando esse po-
sicionamento à questão dos gêneros tex-
tuais/discursivos, chega-se à conclusão

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de que “não se pode tratar o gênero do a. Conteúdo temático ou aspecto temático
discurso independente de sua realidade – está relacionado ao tipo de assunto que
social e de sua relação com as atividades é veiculado nos gêneros, ou seja, o objeto
humanas” (2008, p. 155). do discurso, os conteúdos gerados numa
Bakhtin (1997, p. 281) sistematizou esfera discursiva com suas realidades
os gêneros em dois grupos, conforme a socioculturais e que são veiculados por
complexidade da esfera de uso: os gê- determinado gênero.
neros do discurso primários (simples) Dependendo da esfera onde ocorre
e os gêneros do discurso secundários o gênero discursivo, o conteúdo terá um
(complexo). Os gêneros primários são os tratamento específico, dado pelo autor.
produzidos numa comunicação verbal es- Segundo Bakhtin (1997, p. 300), pode
pontânea, ligados ao plano do cotidiano e ter um tratamento exaustivo ou não; o
que mantêm uma relação imediata com que o determinará será a necessidade
as situações nas quais são produzidos. de cada esfera comunicativa pelo intuito
Os secundários são os mais desenvolvi- discursivo ou o querer-dizer do locutor
dos, aparecem nas situações de condição que determina o enunciado, revelando
de convívio complexo, em circunstâncias as intenções de quem escreve.
de uma comunicação cultural mais de-
senvolvida (romance, teatro, discurso b. Estilo ou aspecto expressivo – conside-
científico etc.). Podemos entender que ra-se a seleção lexical, frasal, gramatical
nesse grupo estariam os gêneros produ- formas de dizer que têm sua compreen-
zidos pelas instituições tanto públicas são determinada pelo gênero. Bakhtin
como privadas. (1997, p.283) entende que “o estilo lin-
Nascimento (2010, p. 130) lembra güístico ou funcional nada mais é senão o
que há ainda um problema não resolvido estilo de um gênero peculiar a uma dada
pela linguística, no que diz respeito à esfera da atividade e da comunicação
nomenclatura dos gêneros do discurso, humana”.
“pois coexistem termos como gêneros dis- É através dos enunciados que con-
cursivos e gêneros textuais”. No entanto, seguimos nos comunicar e, conforme
os termos atendem praticamente ao mes- afirma Bakhtin (1997), os enunciados
mo fenômeno: os textos que produzimos refletem uma individualidade, possuem
e com os quais lidamos diariamente. Por um estilo individual. Porém, há gêneros
essa razão, adota um termo pelo outro, mais propícios e outros não a essa indi-
posicionamento que também assumimos vidualidade. Os mais propícios seriam
neste trabalho. os gêneros literários. Os chamados por
Adotamos para a definição dos gê- ele de “padronizados”, que possuem uma
neros do discurso os critérios básicos forma padronizada, ou seja, os formulai-
deixados por Bakhtin (1997, p. 279) cos, teriam condições menos favoráveis
para definir qualquer gênero: conteú- para refletir essa individualidade. O
do temático, estilo verbal e construção edital se insere neste último grupo, quer
composicional. dizer, é menos favorável à influência da

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individualidade. No entanto, devemos sua construção composicional, já temos
esclarecer que mesmo nesse tipo de gê- uma perspectiva do seu conteúdo e das
nero, que não é considerado favorável, prováveis intenções que podem estar
revelam-se marcas de individualidade presentes neste gênero de texto.
deixadas pelo locutor. Para a área de secretariado, os es-
tudos dos gêneros textuais/discursivos
c. Construção composicional ou aspecto são de importância impar, pois, muito
formal do texto – para Bakhtin (1997, mais do que oportunizar o conhecimento
p. 301) “o locutor, adapta-se e ajusta-se linguístico, os estudos descritivos dos
ao gênero escolhido, compõe-se e desen- gêneros mostram como se estruturam, se
volve-se na forma do gênero determina- organizam e funcionam discursivamente
do”. Afirma ainda que, “nossos enun- os diferentes gêneros. Esses estudos ser-
ciados dispõem de uma forma padrão e virão, conforme Nascimento (2010), de
relativamente estável de estruturação base para que se derrubem preconceitos
de um todo”. em relação aos documentos produzidos e
Em sua construção composicional, que circulam nas instituições, por vezes
os gêneros estão carregados de procedi- colocados em segundo plano nas inves-
mentos, relações, organização, partici- tigações linguísticas; para que possamos
pações que se referem à estruturação e conhecer como realmente funcionam, se
acabamento do texto, levando em conta estruturam, fugindo de fórmulas pron-
os participantes. No caso dos editais, tas e, por fim, elaborar novos materiais,
esse conteúdo pode conter diversos itens. que consideram o uso real dos textos
Nos editais de concurso, por exemplo, que circulam nas instituições públicas
aparecem itens como: disposições pre- e privadas.
liminares; da validade do concurso; da
inscrição; da disciplina, pré-requisitos, Procedimentos
regime de trabalho, classe e vagas; da
remuneração; da aplicação das provas; metodológicos
do resultado de exames; da investidura A pesquisa realizada adotou abor-
no cargo; das disposições gerais etc. dagem qualitativa, caracterizada pelo
E é exatamente pela estrutura enfoque descritivo-interpretativo, atra-
apresentada, por essa forma padrão de vés de pesquisa documental, aquela que,
que o autor fala, que reconhecemos o segundo Gil (2002) e Severino (2007),
gênero a que pertence determinado texto tem como fonte documentos, quer dizer,
e prevemos as intenções do sujeito que não só os documentos impressos, como
o produziu. Especificamente na nossa também fotos, filmes, jornais, grava-
esfera comunicativa, no universo em- ções, documentos legais. Na pesquisa
presarial e oficial, podemos, pela forma documental o pesquisador desenvolverá,
como o texto se apresenta, reconhecer os provavelmente, sua investigação com um
diversos documentos pertencentes a esta material ou texto que ainda não recebeu
esfera. Reportando-nos ao edital, pela nenhum tratamento analítico. Nesta

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investigação, partirmos da observação públicas e privadas, na sua relação diá-
do corpus para, de acordo com o mesmo, ria com a sociedade, têm sido mediadas
elaborar respostas para a problemática pelo edital.
em questão, por meio das discussões A descrição do gênero edital faz
teóricas levantadas. parte das investigações desenvolvidas
A fim de efetivar a pesquisa, o corpus pelo LASPRAT (Laboratório Semântico-
para a investigação foi coletado na rede Pragmático de Textos), Campus I, e no
mundial de computadores, mantendo-se LAEL (Laboratório de Estudos Lingüís-
a privacidade e a idoneidade das insti- ticos), Campus IV, da UFPB, através do
tuições e pessoas envolvidas no processo projeto ESAGED. Essas investigações
de produção. têm como objetivo descrever a estrutura
Foram coletados os editais para: semântico-argumentativa dos gêneros
• para abertura de concurso para e não descrever cada gênero em sua
provimento de cargos públicos (do- totalidade.
cente e técnico-administrativo); No entanto, percebemos que para
• para licitação (concorrência públi- descrever a argumentatividade deve-
ca, pregão); ríamos, inicialmente, definir os gêne-
• para bolsa de estudo (diversas). ros, os quais compreendem o universo
oficial/empresarial, apresentando uma
Aplicando a teoria caracterização como primeiro passo
para se começar a enxergar esses tex-
bakhtiniana no tos. Assim, constitui-se objetivo deste
gênero edital trabalho a definição do gênero edital a
partir de critérios linguístico-discursivos
O edital tem como finalidade tornar de base bakhtiniana. Por conseguinte,
público determinado fato ou ato, seja por aplicaremos os três critérios definidos
cautela, seja por publicidade, seja para por Bakhtin ao gênero objeto de estudo.
cumprir um requisito legal. Segundo
Medeiros (2008, p. 298), edital indica ato a) Conteúdo – Segundo Bakhtin
pelo qual se publica pela imprensa, ou (1997, p. 301) “o querer-dizer do locutor
nos lugares públicos, certa notícia, fato se realiza acima de tudo na escolha de
ou ordenança que deve ser divulgada um gênero do discurso” (grifo do autor).
para conhecimento das pessoas nele E essa escolha será determinada de
mencionadas e de outras tantas que acordo com a intenção e o objetivo do
possam ter interesse no assunto. locutor. Considerando a função social do
O edital é um gênero do discurso edital, nos seus mais diferentes tipos,
de uso corrente em grande parte das sua intenção será sempre tornar público
instituições públicas e privadas do nos- fato ou ato que deve ser conhecido por
so país. Diversos profissionais lidam todos. No entanto, de acordo com o que
diariamente com esse gênero, bem como se queira tornar público, o edital não só
a sociedade de maneira geral, uma vez adquire características discursivas pró-
que muitas das ações das instituições

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prias, como também uma denominação a realizar as diversas etapas do processo
específica. ao qual será submetido.
Medeiros (2008, p. 298) afirma que A intenção de abordar o assunto do
os editais recebem denominação própria edital de forma exaustiva está direta-
segundo seu objetivo ou seu fim. Al- mente ligada ao objetivo do edital. Nos
guns tipos de editais são: de casamento editais, como, por exemplo, um edital de
(proclamas), de citação, de abertura de abertura de concurso público para provi-
concurso para provimento de cargos mento de cargo de professor, o candidato
públicos, de ciência, de concorrência, de deverá receber orientações necessárias
convocação, de disponibilidade, de ha- a cada etapa do processo a que irá se
bilitação, de inscrição, de intimação, de submeter, com riqueza de detalhes. Já
notícia (arrecadação de bens), de praça em edital destinado a proclamas (casa-
(de leilão ou hasta pública), de publica- mento), ou mesmo para convocação de
ção, de licitação e de resultado. uma assembleia, ocorre o contrário: são
Em relação ao conteúdo, Bakhtin editais simples, estruturados com poucos
afirma que o um dos “mais importantes itens e com poucos detalhes, pois sua
critérios de acabamento do enunciado é finalidade não exige um detalhamento
a possibilidade de responder” (grifo do exaustivo do objeto ou conteúdo.
autor), (1997, p. 299) e que um dos fa-
tores mais relevantes é o chamado “tra- b) Estilo - Bakhtin (1997, p. 283) afir-
tamento exaustivo” do tema, que varia ma que “estilo lingüístico ou funcional
de acordo com as esferas comunicativas. nada mais é senão o estilo de um gênero
Em relação ao conteúdo, Bakhtin peculiar a uma dada esfera da atividade
afirma que o um dos “mais importantes e da comunicação humana”. Portanto, e
critérios de acabamento do enunciado é a segundo os manuais de redação oficial, o
possibilidade de responder” (1997, p. 299, estilo de linguagem que deve se apresen-
grifo do autor), e que um dos fatores mais tar no gênero edital utiliza-se do padrão
relevantes é o chamado “tratamento culto de linguagem, recomendado na
exaustivo” do tema, que varia de acordo redação oficial, devendo-se caracterizar
com as esferas comunicativas. pela impessoalidade, pela clareza, conci-
Em relação ao conteúdo do edital, são, formalidade e uniformidade.
podemos dizer que esse fator é, aparen- Porém, já nas primeiras investiga-
temente, contemplado quando consta- ções que estamos realizando podemos
tamos os diversos itens que compõem perceber que a linguagem do edital não é
o edital, tais como instruções, ordens, tão simples e tão objetiva como propõem
permissões distribuídas ao longo do seu os manuais de redação. Observamos a
texto. A grande quantidade de itens no existência da argumentatividade no gê-
edital se constitui em detalhes neces- nero com a presença de modalizadores,
sários para uma possível resposta do revelando a complexidade da construção
interlocutor, ou seja, do interessado, pelo do sentido no referido gênero. Essa argu-
fato ou propósito que determina o edital mentatividade, por sua vez, tem se ma-

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terializado principalmente no sentido de Trecho 02 – Ed, 03
direcionar o leitor/interlocutor a agir de
3.4. As inscrições também poderão
determinada maneira (e não de outras),
ser feitas por VIA POSTAL EXPRES-
tomando determinadas atitudes, como
SA, desde que a postagem ocorra dentro
nos exemplos abaixo, retirados do nosso
do prazo estabelecido no item 3.1 deste
corpus de análise.
Edital.
Trecho 1 – Ed, 01
O que encontramos no trecho 02 é o
5.1. A inscrição deverá ser efetuada modalizador poderão, classificado aqui
conforme procedimentos especificados a como deôntico de possibilidade, expresso
seguir: 5.1.1. O valor da Taxa de inscri- de maneira impessoal, sem especificar
ção para os cargos da Classe E (Nível Su- exatamente a quem se dirige. Recupe-
perior) é de R$ 45,00 (quarenta e cinco rando o contexto, podemos entender
reais), para os cargos da Classe D (Nível como uma instrução dada aos pretensos
Intermediário) R$ 35,00 (trinta e cinco candidatos aos cargos de que trata o
reais), para os cargos da Classe C (Nível edital. Essa instrução, no entanto, não
Intermediário) R$ 30,00 (trinta reais) é uma ordem, mas uma permissão para
e para os cargos da Classe B (Nível de que as inscrições também sejam feitas
Apoio) R$ 25,00 (vinte e cinco reais). por via postal.
Assim,o locutor expressa o conteúdo
No trecho acima, retirado de um proposicional, o qual se refere às inscri-
edital de concurso público, o modali- ções a serem feitas por via postal, dei-
zador deverá expressa caráter de obri- xando a critério do interlocutor adotá-lo
gatoriedade, algo que precisa ocorrer. ou não. Estratégia diferente se encontra
Podemos constatar que o locutor dá uma no trecho abaixo:
instrução/ordem através do modalizador
deverá. Trata-se, portanto, de um mo- Trecho 3 – Ed, 01
dalizador deôntico, que não estabelece
5.5. A inscrição do candidato implica
uma ordem direta ao interlocutor, já que
o conhecimento e a tácita aceitação das
está na terceira pessoa do singular, mas
normas e condições estabelecidas neste
considerando o contexto discursivo e o
Edital, em relação às quais o candidato
gênero em questão, o edital, percebe-se
não poderá alegar desconhecimento.
que essa instrução é dada aos pretensos
candidatos aos cargos de que trata o
No trecho 03 verificamos o modali-
referido edital.
zador deôntico de proibição: não poderá.
Funcionamento diferente possui o
A modalização proibitiva recai sobre a
verbo poder no trecho abaixo.
alegação de desconhecimento e tem um
caráter deôntico proibitivo diretamente
expresso ao interlocutor, o candidato.
Assim, o candidato fica proibido de

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alegar desconhecimento das normas do tidura no cargo; da isenção da taxa de
discurso. inscrição; das disposições gerais; nome
Conforme se percebe nos trechos da autoridade competente com cargo ou
analisados, parece ser característica função etc.
linguística desse gênero a presença de É comum que os itens sejam também
verbos modais (como dever e poder), organizados em subitens, conforme a
utilizados pelo locutor do texto para necessidade e complexidade em relação
expressar instruções, dar ordens, per- ao seu objetivo.
missões ou, ainda, determinar proibições Como o edital é determinado pelo
a seu interlocutor. seu objetivo e fim, sua composição está
diretamente ligada ao que se propõe.
c) Construção Composicional – Con- Assim, da mesma forma que é possível
forme Lima (2003, p. 95), em geral os encontrar editais com uma grande quan-
editais apresentam em sua estrutura: tidade e variedade de itens, também se
designação do órgão/unidade; título do encontram editais com poucos itens.
edital, com letras maiúsculas, seguido
de número de ordem e da data; texto Considerações finais
dividido em itens e subitens e, por fim, o
nome do emitente e do respectivo cargo. Concordamos que a aplicação dos
Quanto à construção composicional, critérios básicos na visão bakhtiniana
o edital geralmente apresenta uma es- permite uma descrição e definição dos
trutura composta por diversos itens, de gêneros textuais muito mais clara,
acordo com seu objetivo. Alguns editais objetivando dar conta do texto em sua
apresentam variação nessa estrutura, totalidade.
no entanto é comum a presença de itens A aplicação desses critérios ao edital
como os que seguem: da abertura, com nos permitiu enxergar esse gênero de
um texto apresentando documentos que forma mais completa, não tão superficial
garantem o direito legal da referida ação quanto nos é apresentado nos manuais
proposta pelo edital; das informações de redação que circulam no meio em-
preliminares; das condições para parti- presarial/oficial. Podemos compreender
cipação; dos procedimentos; das provi- melhor o querer-dizer do locutor pelo
dências, esclarecimentos e impugnações conteúdo apresentado, pelo aspecto ex-
ao ato convocatório; da representação e pressivo menos favorável à influência
do credenciamento; da apresentação dos individual e pelo aspecto formal do texto,
envelopes; dos preços; dos prazos em com seus procedimentos, organizações
geral; do julgamento e classificação das e divisões no que se refere à estrutura
propostas comerciais; do julgamento e desse gênero.
da desqualificação dos documentos; dos Na construção do gênero edital, o
recursos administrativos; da validade profissional de secretariado ou outros
do concurso; das vagas; da inscrição; profissionais que lidam com esse tipo
das provas; dos requisitos para inves- de documento, na esfera das institui-

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ções públicas e privadas, possivelmente The announcement gender
terá melhores condições de perceber o and its linguistic-discursive
texto e se libertar dos critérios mera- characteristics: beyond the
mente normativos no que se refere ao writing manuals
seu conteúdo e à forma de dizer desse
conteúdo. O que queremos dizer não é Abstract
que o produtor do texto deva desprezar
Through the project “ESTUDOS SEMÂN-
as orientações para construção desse TICO-ARGUMENTATIVOS DE GÊNE-
gênero, mas acrescentar e materializar ROS DO DISCURSO: Redação escolar
esse texto – o edital – de forma mais e gêneros formulaicos (ESAGD)”, sup-
completa. Assim, esse profissional será ported by CNPq, several investigations
capaz de utilizar a língua de maneira a are conducted at the Federal University of
Paraíba to study the argumentativeness
atingir seu interlocutor, indicando como
in textual genres related to the business/
esse deve agir. official world. This paper is part of these
Repetindo o que falamos anterior- investigations and aims at discussing
mente, a literatura em relação às orien- the contributions of studies on Bakhtin´s
tações para construção desse gênero (2010) theory of speech genres to descri-
ainda é precária e carece de critérios be the edict genre. This kind of text cir-
culates in public and private institutions
linguístico-discursivos mais consisten- and its main objective is to make public
tes. Isso é necessário pela própria função facts and actions that must be known. It
social desse gênero: sabemos que as is a descriptive study in which the criteria
instituições privadas e públicas man- proposed by the author are applied in or-
têm, em grande parte, sua relação com der to present a definition of the formulaic
genre. Based on the genre conception
a sociedade através do edital.
of Bakhtin’s theory, this research aims at
Talvez resida nessa carência a gran- showing how it is possible to describe the
de dificuldade de produção que os edict genre by using linguistic-discursive
profissionais da área, entre os quais criteria.
os secretários executivos e advogados,
possuem para produzir esse gênero, bem Key words: Discursive genre. Argumenta-
tion. Edict.
como a grande quantidade de recursos a
que são submetidos os órgãos públicos e
privados em decorrência de problemas de
interpretação ou aplicações indevidas de
termos presentes nos editais.
Enfim, conhecendo os gêneros em
sua potencialidade, na sua estrutura, na
forma de dizer e no que dizer, os profis-
sionais se tornarão mais eficientes, pois
saberão escolher o gênero apropriado a
cada necessidade no intuito de atingir
seus propósitos comunicativos.

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Referências
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Dionísio, Judith Chambliss Hoffnagel. São
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DUCROT, Oswald. Polifonia y argumenta-
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