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COBRANÇA DE DÍVIDAS E BANCOS DE CADASTROS DE CONSUMIDORES

À LUZ DA TEORIA DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL

1 INTRODUÇÃO

A constitucionalização do Direito Privado é uma realidade. Oriunda do


pensamento do jurista italiano Pietro Perlingeri, ganhou, com a constituição
cidadã, bases jurídicas, axiológicas e ontológicas, base forte. A superação da
visão piramidal kelsiana de ápice do sistema normativa, para o sol, do sistema
jurídico, acima de ser elemento de validade das demais normas jurídicas, é a
Constituição a fonte hermenêutica maior, dentro de uma deontologia estatal.
O presente texto, humildemente, busca tecer brevíssimos comentários
acerca desta constitucionalização e a interpretação das normas do Código de
Defesa do Consumidor. Trazendo, por fim, a defesa da incidência das normas
de direitos e garantias fundamentais, nas relações privadas, como já
sedimentado na jurisprudência do Excelsa Corte.

2. DA COBRANÇA DE DÍVIDA

Para uma análise mais aprofundada do tema, pedimos vênia, para que,
sempre que possível, possamos transcrever artigos de lei, para uma melhor
assimilação e discussão sobre o tema.
Assevera o artigo 42 do CDC que “na cobrança de débitos, o consumidor
inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de
constrangimento ou ameaça.”
Com aguçada sobriedade, traz, a presente norma, a cristalização da
Dignidade da Pessoa Humana (art.1, III, CRFB). Não pode o consumidor ser
exposto ao ridículo, coagido moralmente, a pagar determinada dívida.
Outrossim, cabe tal entendimento, não somente à pessoa natural, como também
à jurídica, mais precisamente, em relação à sua honra objetiva, reputação social.
Força do art. 2º do CDC.
O parágrafo único do mesmo artigo traz a previsão que “o consumidor
cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual
ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros
legais, salvo hipótese de engano justificável.”
Como percebe-se, a norma visa coibir a cobrança desarrazoada perante
o consumidor, trazendo consigo clara limitação. Todavia, in fine, traz o artigo
cláusula geral exculpante, v.g., alguém que, se utilizando de documentos de
outras pessoa, contrai dívidas, mesmo tomando o devido cuidado, não pode-se
exigir do fornecedor que arque com a torpeza de outrem, sem que tenha dado
causa, além disso, veda-se o locupletamento ilícito da vítima, que, mesmo depois
de indenizada pela parte autora, ainda receberia o indébito em dobro com
correção pelo fornecedor
Incluído pela Lei 12.039/2009, o artigo 42-A, busca trazer mais segurança
a essa cobrança, exigindo que em todos os documentos de cobrança de débitos
apresentados ao consumidor, deverão constar o nome, o endereço e o número
de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas – CPF ou no Cadastro Nacional de
Pessoa Jurídica – CNPJ do fornecedor do produto ou serviço correspondente.

3. DOS BANCOS DE DADOS E CADASTROS DE CONSUMIDORES

Saber quem são os bons e maus pagadores é um imperativo do mundo


dos negócios. Além disso, é a concretização de outro princípio constitucional: a
igualdade material. Não se pode exigir que o consumidor que sempre honre com
suas dívidas, seja tratado, v.g., para adquirir crédito, da mesma forma que um
que não honre seus compromissos.
Todavia, não existe direito absoluto. Não pode o consumidor ter seus
dados inscritos nos Cadastros de Informações Negativas de Crédito de forma
indefinida, é o que afirma o parágrafo primeiro do artigo 43 do CDC, ao dizer que
“os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros
e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações
negativas referentes a período superior a cinco anos.” (grifo nosso)
Outrossim, pode o consumidor exigir que “sempre que encontrar
inexatidão nos seus dados e cadastros, poderá exigir sua imediata correção,
devendo o arquivista, no prazo de cinco dias úteis, comunicar a alteração aos
eventuais destinatários das informações incorretas”, conforme preceitua o
parágrafo terceiro
A própria jurisprudência vem entendendo que: “A melhor interpretação do
preceito contido no parágrafo 3o do artigo 43 do Código de Defesa do
Consumidor constitui a de que, uma vez regularizada a situação de
inadimplência do consumidor, deverão ser imediatamente corrigidos os dados
constantes nos órgãos de proteção ao crédito, sob pena de ofensa à própria
finalidade destas instituições, já que não se prestam a fornecer informações
inverídicas a quem delas necessite” (STJ, REsp.
255.269, Rei. Min. Waldemar Zveiter, 3a T., p. 16/04/01).
Impende alertar que, infelizmente, muitas instituições, se utilizando da
ignorância de boa parte dos consumidor, acabam cobrando por dívidas em um
prazo superior ao de cinco anos, fazemos aqui a defesa da aplicação do artigo
171 do Código Penal Brasileira a essas condutas, pois vislumbramos nesse caso
conduta abrigada no núcleo do tipo “Obter, para si ou para outrem, vantagem
ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante
artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento”, tornando, assim, mais
gravosa essa prática odiosa.
A instituição tem o dever de informar por inscrito que está a inscrever o
consumidor no Banco de Dados, porque não basta que a informação seja clara
e objetiva, ela deve chegar ao seu destinatário, conforme preceitua o parágrafo
2º do mesmo artigo 43.
Todavia, a norma acaba, na realidade, esvaziada. Quantas e quantas
vezes, os consumidores, na grande maioria de baixa renda, acabam sofrendo
constrangimento, humilhações, tendo sua honra objetiva e subjetiva atingidas,
quando ao irem realizar o pagamento de suas compras, tem a nefasta surpresa
que estão “negativados”
É assim que vem se posicionando a corte Cidadã: “Consoante
jurisprudência afirma da nesta Corte, de acordo com o artigo 43, § 2o, do Código
de Defesa do Consumidor, e com a doutrina, obrigatória é a comunicação ao
consumidor de sua inscrição no cadastro de proteção ao crédito, sendo, na
ausência dessa comunicação, reparável o dano oriundo da inclusão indevida”
(STJ, REsp. 768.988, Rel. Min. Jorge Scartezzini, 4a T., p. 12/09/05).
É imprescindível a ciência ao consumidor, para não eivar de ilegalidade a
inscrição do consumidor, mesmo que exista dívida: “Consumidor.
Recurso especial. Registros de proteção ao crédito. Inscrição. Necessidade de
prévia comunicação ao consumidor. Ausência. Ilegalidade da inscrição (...). Os
requisitos legais previstos no §2°, do art. 43, do CDC devem ser cumpridos para
se garantir a aptidão, a procedibilidade da inscrição. Após isso é que caberá a
discussão sobre a exigibilidade ou não do débito que deu origem à inscrição e,
conseqüentemente, se esta é devida ou não. Sem o cumprimento dos
mencionados requisitos, a inscrição deverá ser cancelada por ilegalidade”
(STJ,REsp.735.701, Rei. Min. Nancy Andrighi, 3a T., p. 15/05/06).
Cabe a empresa que mantém o cadastro o dever de fazer essa
comunicação, em posicionamento já assentado, conforme jurisprudência: “A
legitimidade passiva para responder por dano moral resultante da ausência
da comunicação prevista no art. 42, parágrafo 3º, do CDC, pertence ao banco
de dados ou à entidade cadastral a quem compete, concretamente, proceder à
negativação que lhe é solicitada pelo credor. Precedentes do STJ” (STJ, REsp.
742.590, Rei. Min. Aldir Passarinho Júnior, 4a T., p. 18/09/06).
Assim o sendo: “Apenas os órgãos responsáveis pela manutenção dos
registros de proteção ao crédito é que têm legitimidade passiva ad causam para
a demanda que visa à exclusão do nome do consumidor dos referidos registros
e tem com causa de pedir a ilegalidade da inscrição, por descumprimento da
obrigação prevista no §2°, do art. 43, do CDC” (STJ, REsp. 735.701, Rel. Min.
Nancy Andrighi,3ª T., p. 15/05/06).
O tema acabou sendo sumulado: “Cabe ao órgão mantenedor do cadastro
de proteção ao crédito a notificação do devedor antes de proceder à inscrição”
(STJ, Súmula 359)
Posicionamento, infelizmente adotado pelo STJ é de que basta a
comprovação do envio e não o efetivo recebimento, o que pensamos ir de
encontro o mens legem da norma, todavia, é o majoritário: “é suficiente para
cumprir o disposto no art. 43, § 2o, do Código de Defesa do Consumidor que o
órgão de proteção ao crédito comprove que enviou a notificação sobre a inclusão
do nome do consumidor em cadastro restritivo de crédito” (STJ, AgRg no Ag
101.93.70, 4ª T., DJ 23/06/08). Sendo inclusive objeto da súmula nº 404 do STJ
: “dispensável o Aviso de Recebimento (AR) na carta de comunicação ao
consumidor sobre a negativação de seu nome em banco de dados e cadastros”.
Com a devida vênia, não nos parece, como já dito, o melhor posicionamento,
pois além do fator temporal, demora para os Correios entregar
correspondências, o geográfico, em muitos locais, o serviço postal não faz
entrega, como ficam essas pessoas, na maioria de baixa renda? Reafirmamos,
não nos parece a melhor hermenêutica.
Outro entendimento, lamentavelmente, seguido pela Corte Cidadã é de
que não há necessidade de ciência ao consumidor, quando os dados estão em
Banco de Dados Público, como os de cartórios de protesto de títulos, ou os
relativos às custa judiciais: “É desnecessária a comunicação prévia ao
consumidor prevista no art. 43, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor nos
casos em que o arquivista apenas reproduz informações de domínio público”
(STJ, AgRg no REsp 102.12.34, Rei. Min. Sidnei Beneti, 3a T.,DJ 16/06/08). “A
negativação do nome do devedor, quando não proveniente de entidades de
caráter público, tais como cartórios de protestos de título e de distribuição de
processos judiciais, deve ser-lhe comunicada com antecedência, ao teor do art.
43, § 3o, do CDC, gerando lesão moral se a tanto não procede a entidade
responsável pela administração do banco de dados” (STJ, REsp 992.168, Rei.
Min. Aldir Passarinho Júnior, 4a T., DJ 25/02/08). Ora, o que vem se tornando
comum é formação de convênios entre órgãos do judiciário e clubes de diretores
lojistas, para que estes tenham acesso à dados constantes nos processos
judiciais (NETTO, 2013), o que ao nosso ver configura um conluio nefasto em
desfavor do consumidor, perpetrado justamente por que deveria protege-lo.
Segundo o STJ, cabe ao credor comunicar o pagamento da dívida e dar
baixa no cadastro no prazo de cinco dias (STJ, REsp 1.149.998, Rei. Min. Nancy
Andrighi, 3a T., 15/08/12). Sendo, nesse caso, possível até a aplicação do art.
73 do CDC.
Quanto às dívidas que estão sendo discutidas em juízo, a priori, não se
pode ser feita a inscrição, todavia, para coibir condutas de má-fé, v.g., entrar com
uma Ação Revisional, para não ter o nome inscrito, vem se posicionando o STJ
da seguinte forma: “O só ajuizamento de ação judicial para discutir o valor do
débito não inibe a inscrição do nome do devedor nos cadastros de proteção ao
crédito; é preciso que a demanda tenha o fumus boni juris e que o montante
incontroverso da dívida seja depositado ou pago” (STJ, AgRg no REsp. 856.278,
Rei. Min. Ari Pargendler, 3a T., j. 07/05/07, DJ 04/06/07).

4. DANO MORAL E BANCOS DE CADASTROS NEGATIVOS

Como dito alhures, é bastante comum a inserção do nome dos


consumidores, sem a devida ciência, entende a jurisprudência nacional que:
“Consoante jurisprudência firmada nesta Corte, de acordo com o artigo 43, § 2º,
do Código de Defesa do Consumidor, e com a doutrina, obrigatória é a
comunicação ao consumidor de sua inscrição no cadastro de proteção ao
crédito, sendo, na ausência dessa comunicação, reparável o dano oriundo da
inclusão indevida” (STJ, REsp. 768.988, Rei. Min. Jorge Scartezzini, 4a T., p.
12/09/05). Assevera ainda o Egrégio Tribunal que “a indenização por dano moral
deve se revestir de caráter indenizatório e sancionatório de modo a compensar
o constrangimento suportado pelo consumidor, sem que caracterize
enriquecimento ilícito e adstrito ao princípio da razoabilidade” (STJ, REsp.
768.988, Rei. Min. Jorge Scartezzini, 4a T., p. 12/09/05). Cabe alertar que já
tendo o consumidor algum “fama” de mau pagador, a mera não ciência, deve ser
sopesada, não se lhe pode depreender mesmo tratamento dado ao bom
pagador, igualdade material, nesse sentido: “Hipótese excepcional em que o
devedor não nega, na inicial, existência da dívida, aliás uma' dentre outras,
tampouco prova que já a quitou, o que exclui a ofensa moral, apenas determina
o cancelamento da inscrição” (STJ, REsp 992.168, Rei. Min. Aldir Passarinho
Júnior, 4a T., DJ 25/02/08).
Aspecto importante é sobre a necessidade de prova prejuízo concreto.
Segue, o STJ, o entendimento de que não se faz mister, bastando a
comprovação da inserção no cadastro negativo: “A inscrição indevida do nome
do autor em cadastro negativo de crédito, a par de dispensar a prova objetiva do
dano moral, que se presume, é geradora de responsabilidade civil para a
instituição (...)”. (STJ, REsp. 432.177, Rei. Min. Aldir Passarinho Júnior, 4a T., j,
23/09/03, p. DJ 28/10/03). O STJ, dessa forma, em casos tais, considera “a
exigência da prova satisfeita com a demonstração da inscrição indevida” (STJ,
REsp. 293.669, Rei. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, 3a T., j. 15/10/01, p.
DJ 04/02/02). “A manutenção do nome daquele que já quitou dívida em cadastro
de inadimplentes gera direito à indenização por dano moral, independentemente
da prova objetiva do abalo à honra e à reputação sofrida pelo autor, que se
permite, na hipótese, presumir. O valor da indenização deve ser fixado sem
excessos, evitando-se enriquecimento sem causa da parte atingida pelo ato
ilícito” (STJ, REsp. 631.329, Rei. Min. Nancy Andrighi, 3a T., p 02/08/04). Em
vários julgados posteriores essa orientação foi confirmada (STJ, AgRg no Ag
1.192.721, Rei. Min. Raul Araújo, 4a T„ DJ 16/12/10). “A devolução indevida do
cheque por culpa do banco prescinde da prova do prejuízo” (STJ, REsp. 698.772,
Rei. Min. Nancy Andrighi, 3a T., p. 19/06/06). Com semelhante argumentação,
embora de modo mais amplo: “Na concepção moderna da reparação do dano
moral prevalece a orientação de que a responsabilidade do agente se opera por
força do simples fato da violação, de modo a tomar-se desnecessária a prova do
prejuízo em concreto” (STJ, REsp. 331.517, Rei. Min. César Asfor Rocha, 4a T.,
j. 27/11/01, p. DJ 25/03/02).
Impende alertar que, como já dito, tendo o consumidor já sido inscrito de
forma regular, sucedânea inscrição irregular, não lhe assiste direito ao dano
moral, posicionamento duvidoso da Egrégia Corte: “Da anotação irregular em
cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando
preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento” (STJ,
Súmula 385). Acaba por transformar uma inscrição anterior em mancha de
honra, como se se por ter errado uma vez, perde o consumidor todos os atributos
de defesa de sua dignidade.
O quatum da indenização também deve ser sopesado, há por parte do
STJ um interesse de se evitar o locupletamento ilícito do devedor: “A indenização
por dano moral deve se revestir de caráter indenizatório e sancionatório de modo
a compensar o constrangimento suportado pelo consumidor, sem que
caracterize enriquecimento ilícito e adstrito ao princípio da razoabilidade” (STJ,
REsp. 768.988, Rei. Min. Jorge Scartezzini, 4ª T., p. 12/09/05.
Quanto ao prazo prescricional decorrente da Ação de Indenização por
inscrição no cadastro negativo são de dez anos (STJ, REsp 1.276.311, Rei. Min.
Luis Felipe Salomão, 4a T., DJ 17/10/11).
Para finalizar cabe informar que: “A prescrição a que se refere o art. 43, §
5º do Código de Defesa do Consumidor é a da ação de cobrança e não da ação
executiva” (STJ, AgRg no REsp. 844.523, Rei. Min. Nancy Andrighi, 3a T., p.
02/10/06).
6 CONCLUSÃO

Diante da atual conjuntura constitucional, verificamos que muitos julgados


trazem em seu bojo, entendimento que vai de encontro aos interesses dos
consumidores, demonstrando que a luta pela efetivação dos direitos dos
consumidores precisará ainda de muitos anos, para que solidifique. Todavia, as
perspectivas hodiernas, principalmente no campo constitucional-civil, trazem
uma brisa de que em um futuro, não distante, possa-se superar os
entendimentos jurisprudências que vão de encontro aos interesses dos
hipossuficientes.

7. BIBLIOGRAFIA

Braga Netto, Felipe Peixoto. Manual de direito do consumidor: à luz da


jurisprudência do STJ/Felipe Peixoto Braga Netto. - Salvador: Edições
Juspodivm: 2013.

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