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Efetividade de ações planejadas em comitê de bacia hidrográfica após

implantação da cobrança: o caso da bacia do rio Doce

Andréia Ruas das Neves¹, Eliane Meire de Souza Araújo 2, Jesana Fonseca Soares 3, Ranielle Almeida
Fraga4
1
Universidade Federal do Espirito Santo,email: andreiaruas@gmail.com; 1Universidade Federal do Espirito
Santo,e-mail: eliane.engamb@gmail.com; 3Universidade Federal do Espirito Santo,e-mail:
jesanafs@yahoo.com.br; 4Universidade Federal do Espirito Santo,e-mail: fragamsc@gmail.com

Palavras-chave: Cobrança pelo uso da água; CBH Doce; Efetividade de ações.

Resumo

A Cobrança pelo uso da água é um instrumento econômico da Política Nacional de Recursos Hídricos, que tem como
objetivo reconhecer a água como bem econômico, incentivar seu uso racional e obter recursos financeiros para o
financiamento de ações planejadas no âmbito dos Comitês de Bacia Hidrográfica (CBH). No CBH Doce a
implementação da cobrança foi instituída em 2011 após amplo processo de discussão de seus mecanismos. Desde então,
o processo de efetivação das ações do Plano Integrado de Recursos Hídricos da bacia hidrográfica do rio Doce (PIRH
Doce) é conduzido pela entidade delegatária equiparada a função de agência de bacia, o Instituto Bio Atlântico (Ibio
AGB Doce). Neste sentido, o presente artigo se propôs a avaliar e discutir a efetividade das ações planejadas pelo CBH
Doce a partir do momento em que foi implementado o instrumento cobrança pelo uso da água e delegada à agência de
bacia. Estas discussões foram orientadas pelo seminário “Regulação de Recursos Hídricos no Contexto da Gestão do
Território Promovendo Desenvolvimento” realizado no âmbito do Programa de Mestrado Profissional em Gestão e
Regulação de Recursos Hídricos - PROFÁGUA/UFES. Observaram-se que os recursos oriundos da implementação do
instrumento cobrança são insuficientes para garantir a atuação adequada da agência de bacia e a consequente
efetividade de ações planejadas, apesar da efetividade estar relacionada com aspectos operacionais, institucionais e
sociais, não apenas econômicos.

Introdução

A cobrança pelo uso de recursos hídricos é um dos instrumentos da Política Nacional de recursos hídricos
regulamentado pela na Lei 9.433/ 97. A cobrança objetiva reconhecer a água como bem econômico indicando seu real
valor; incentivar a racionalização do uso da água e obter recursos financeiros para o financiamento dos programas e
intervenções contemplados nos planos de recursos hídricos, sendo que são cobrados os usos de recursos hídricos
sujeitos a outorga (BRASIL, 1997).
A implementação da cobrança na bacia do rio Doce assim como o desenvolvimento do Plano Integrado de Recursos
Hídricos da Bacia Hidrográfica do rio Doce (PIRH-DOCE) e a escolha da agência de bacia são resultados de um
processo inédito de articulação e integração. Este envolveu os dez comitês com atuação na bacia hidrográfica do rio
Doce, na época, e os órgãos gestores atuantes na bacia, ANA 1, IEMA2 (atualmente AGERH) e IGAM3, pactuados no
“Acordo de Cooperação Técnica para Gestão Integrada das Águas na Bacia Hidrográfica do rio Doce”, também
chamado de Pacto da Bacia do rio Doce, juntamente com os governos do Estado de Minas Gerais e Espírito Santo
(AMORIM et al., 2011).
A discussão da cobrança foi feita em toda bacia do rio Doce através de oficinas (de setembro de 2009 a outubro de
2010) e reuniões nos comitês (de junho de 2010 a maio de 2011), o que possibilitou que fossem acordados os
mecanismos e valores para cobrança de forma bem harmônica e homogênea entre os diversos comitês com atuação na
bacia. Os valores dos preços públicos unitário (PPU‟s) adotados para cobrança consideraram além da viabilidade
financeira da agência, o orçamento dos programas do Plano Integrado de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do
rio Doce (planejamento quadrienal do PIRH-Doce), os recursos públicos disponíveis para execução dos projetos e
programas previstos no PIRH-Doce (oriundos dos programas/ações do Plano Plurianual 2008/2011 -PPA 2008/2011 do
Governo Federal e dos fundos estaduais de recursos hídricos) e a necessidade de arrecadação complementar (através da

1
ANA- Agência Nacional de Água
2
IEMA- Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Espirito Santo; AGERH- Agência Estadual de Recursos
Hídricos do Espirito Santo.
3
IGAM- Instituto Mineiro de Gestão das Águas
cobrança) considerando diferentes cenários. Além disso, foram estabelecidos valores de PPU‟s progressivos de 2011 a
2015, condicionados ao alcance das metas de desembolso pela Agência de Água da Bacia (ANA, 2010).
Nos diversos cenários trabalhados para definição dos mecanismos e valores da cobrança, inclusive no escolhido, ficou
claro que a arrecadação com a cobrança não seria suficiente para arcar totalmente com a viabilidade financeira de uma
agência compatível com uma bacia do porte da Bacia do rio Doce, uma vez que o custeio da agência é limitado a 7,5 %
do valor arrecadado, e nem com todos os programas previstos no PIRH-Doce, onde alguns tiveram que ser priorizados e
a integrar o Plano de Aplicação Plurianual (PAP).
Cinco anos após a implementação da cobrança, a arrecadação chega a 84.696 milhões de reais e alguns questionamentos
se fazem necessários: Os recursos arrecadados estão compatíveis com os estimados e estão sendo repassados de forma
satisfatória para a agência de bacia? Qual a relação entre os valores arrecadados e os gastos nos programas previstos
para a bacia? O recurso financeiro é o único limitador da execução dos programas do PIRH-Doce?
Este artigo objetiva analisar o instrumento cobrança na bacia do rio Doce e o quanto o mesmo impacta na efetividade da
implementação dos programas previstos no PIRH-Doce.

Metodologia

Para discussão e aprofundamento do tema foi promovido o „Dia de atividades em Recursos Hídricos &
Desenvolvimento‟ na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) pelo curso Mestrado Profissional em Gestão e
Regulação de Recursos Hídricos – PROFÁGUA4. Este seminário proporcionou a discussão dos discentes, docentes,
órgão gestor de recursos hídricos e membros de comitês de bacia com representante da agência de bacia do rio Doce -
IBIO AGB Doce5. Diferentes temas foram abordados durante o dia de atividades, sendo discutido neste artigo a
implementação das ações do Plano Integrado de Recursos Hídricos da bacia hidrográfica do rio Doce (PIRH) em
comparação com o que foi aprovado. Além de discutir os valores sobre o potencial de arrecadação comparado com o
que foi arrecadado pela cobrança de uso dos recursos hídricos. A discussão e análise foi realizada com base em pesquisa
bibliográfica, relatórios de prestação de contas disponíveis na ANA e na IBIO AGB Doce e notas técnicas da AGERH,
IBIO AGB Doce e ANA.

Resultados e Discussão

Estágios de Implementação da Cobrança no Rio Doce e Bacias Afluentes


O Comitê da Bacia Hidrográfica do rio Doce, foi o quarto comitê a implementar a cobrança pelo uso de recursos
hídricos em rios de domínio da união, instituindo a cobrança em novembro de 2011, a partir da assinatura do contrato
de gestão 072/ANA/2011, publicado no Diário Oficial da União de 04 de novembro de 2011, onde o IBIO 6 tornou-se a
entidade delegatária que passa a exercer a função de agência da Bacia do rio Doce. A Resolução do Conselho Nacional
de Recursos Hídricos Resolução CNRH nº 168 de 2015 prorrogou o prazo da delegação de competência ao IBIO para
desempenhar as funções de Agência de Água da Bacia Hidrográfica do rio Doce até 2020.
Na porção Mineira, a cobrança é regulamentada pela Lei MG no 13.199, de 29 de janeiro de 1999 e pelos Decretos
nº41.578/ 2001, 44.046/2005 e 44.547/2007 (ANA, 2010). Foi implementada depois da aprovação pelos comitês e pelo
Conselho Estadual de Recursos Hídricos – CERH -MG, através da Deliberação CERH – MG nº 295/ 2011, da
equiparação do IBIO- AGB Doce à agência de bacia hidrográfica no âmbito das bacias hidrográficas dos Rios Piranga,
Piracicaba, Santo Antônio, Caratinga, Suaçui e Manhuaçu e celebração de Contrato de Gestão nº 001/2011 entre o
IGAM e o IBIO – AGB Doce, entidade equiparada, com a anuência dos Comitês (Contrato publicado no DOE-MG em
10 de janeiro de 2012).
No Espírito Santo, a Lei que dispunha, à época, sobre a Política Estadual de Recursos Hídricos e instituía o Sistema
Integrado de Gerenciamento e Monitoramento dos Recursos Hídricos do Estado do Espírito Santo (SIGERH-ES), Lei nº
5.818/98, determinava em seu artigo 58, que os critérios gerais para a cobrança pela utilização de recursos hídricos
seriam estabelecidos por lei específica e por não ser editada, acabou atrasando o processo de implementação da
cobrança no Estado. Em função disso, os comitês do Rio Guandu e do Rio São José que já haviam deliberado, em 2011,
sobre os mecanismos e valores de cobrança pelo uso de recursos hídricos em suas respectivas bacias, tendo sido
inclusive aprovados no CERH -ES 7(Resoluções CERH ES nº 034/2012 e 035/2012), não conseguiram dar andamento a
implementação da cobrança.
Outro fato que justifica o atraso da implantação da cobrança na porção capixaba do Doce é a existência de subbacias
que ainda não haviam instituídos seus Comitês de Bacias. Embora os estudos e a confecção dos Planos de Ação de
Recursos Hídricos-PARHs, feitos para cada subbacia do Doce, tenham considerado no estado do Espírito Santo a
divisão em três áreas, referentes aos três comitês que já haviam sido instituídos, os comitês do Rio Guandu e do Rio
Santa Maria do rio Doce, na margem direita do rio Doce, e o Comitê do Rio São José, abrangendo toda área capixaba da
margem esquerda do rio Doce, estes comitês não cobriam a extensão da porção capixaba da bacia do rio Doce. Existia
4
Programa de Mestrado Profissional e Gestão e Regulação de Recursos Hídricos em Rede- Polo UFES
5
IBIO AGB DOCE - Instituto BioAtlântica, entidade delegatária que exerce a função de agência de bacia do Comitê do
rio Doce.
6
Instituto BioAtlântica
7
Conselho Estadual de Recursos Hídricos do Espírito Santo
uma região significativamente extensa com vazio institucional.
Neste aspecto, o CERH-ES criou a resolução nº 036/2012 que buscou a redefinição da área de atuação dos comitês de
bacias hidrográficas do estado do Espírito Santo, que embora ainda não possuam a abrangência das áreas definidas na
resolução, uma vez que outros comitês foram criados, pelo menos serviu para acabar com os vazios institucionais
existentes. A situação até agosto de 2017 é que a porção capixaba do Doce está dividida pela atuação de 5 Comitês,
conforme figura 1.

Figura 1: porção capixaba do rio Doce com a atuação dos comitês de bacia hidrográficas do Espírito Santo.
Fonte:
Em março de 2014, foi publicada a Lei Estadual 10.174, em substituição a Lei ES nº 5.818/98, onde a cobrança foi
regulamentada, porém em seu artigo 41, traz o estabelecimento de diretrizes complementares a serem feitas pelo CERH,
para regular a forma de apresentação e encaminhamento pelos comitês da fundamentação na definição das propostas de
mecanismos e valores para cobrança. As exigências estabelecidas por essa resolução (Resolução CERH-ES 004/2015),
tem atrasado a implementação da cobrança na Bacia do Rio Guandu e do Rio São José, onde o processo está mais
adiantado.

Expectativas do Potencial de Arrecadação


A construção dos cenários e mecanismos de cobrança propostos no PIRH Doce se baseou em experiências vivenciadas
nas bacias hidrográficas dos rios Paraíba do Sul e Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ). O cálculo de previsão de
arrecadação da cobrança pelo uso de água foi realizado para dez unidades de análise, sendo seis afluentes no estado de
Minas Gerais, três no Espírito Santo e a calha principal do rio Doce sob responsabilidade do comitê de bacia federal.
(PIRH, 2010)
A Resolução CNRH8 nº 123, de 29 de junho de 2011 e a Deliberação CBH-DOCE9 Nº 26, de 31 de março de 2011
institui os parâmetros e equação básica para implantação da cobrança na calha do rio Doce e nos afluentes do estado de
Minas Gerais. Na tabela 1 estão descritos os valores estabelecidos para os Preços Públicos Unitários (PPU) de cobrança
pelo uso de corpos hídricos de domínio da União na bacia hidrográfica do rio Doce.

Tabela 1: Valores de PPU por tipo de uso. Fonte: Deliberação 26/2011 CBH-rio Doce

Na época de implantação da cobrança, os estudos de viabilidade demonstraram uma arrecadação de 29 milhões para
efeito de estimativa orçamentária do potencial de recursos da bacia. No primeiro ano de implantação da cobrança no
CBH Doce a arrecadação total na bacia foi de R$ 10.204.668,71.
8
Conselho Nacional de Recursos Hídricos
9
Comitê de Bacia Hidrográfica do rio Doce
Em comparativo, a tabela 2 apresenta o total de usuários e estimativa de valores após 04 anos de implantação da
cobrança a ANA e IGAM, responsáveis pela cobrança na calha principal e nos rios afluentes do Estado de Minas
Gerais, respectivamente. Observa-se um aumento do número de usuários e por consequência o aumento de estimativa
de arrecadação em 2016. Cabe ressaltar que os Espirito Santo ainda não instituiu a cobrança nos seus afluentes.
Observa-se uma pequena mudança no perfil dos usos outorgados ao longo dos 04 anos de instituição de cobrança:
inicialmente o setor indústria representava 55% do total previsto em 2012, enquanto em 2016 a indústria representava
44%. Houve também aumento de usuários em outros setores, principalmente abastecimento/saneamento e irrigação.

Usuários Cadastrado e Estimativa de Arrecadação 2016


Setor Quantidade % de Valor cobrado 2016 % do Valor
Usuário Cobrado
ANA Abastecimento e 27 R$ 3.586.908,47 18,30%
32%
IGAM Saneamento 139 R$ 3.357.215,86 17,13%
ANA 21 R$ 7.307.285,57 37,29%
Indústria 18%
IGAM 70 R$ 1.401.862,23 7,15%
ANA 63 R$ 114.595,77 0,58%
Mineração 19%
IGAM 37 R$ 2.136.152,49 10,90%
ANA 31 R$ 17.537,45 0,09%
Irrigação 10%
IGAM 22 R$ 3.369,13 0,02%
ANA 11 R$ 11.924,82 0,06%
Diversos/Outros 20%
IGAM 92 R$ 1.660.608,48 8,47%
Total Usuário 513 100%
Estimativa Total R$ 19.597.460,27
Tabela 2: Usuários Cadastrados e Estimativa de Arrecadação 2016. Fonte: ANA (2016).

A análise comparativa das estimativas de arrecadação e do valor arrecadado entre 2012 e 2016 demonstra uma redução
do percentual de inadimplência após 4 anos de cobrança, indicando que o instrumento de gestão está se consolidando. O
gráfico 1 mostra a aproximação entre os valores estimados e os arrecadados. Ainda é possível constatar que o percentual
de inadimplência junto ao IGAM é menor, quando comparado com a ANA.

Gráfico 1: Comparativo de valores Cobrado e Arrecadado 2012-2016. Fonte: ANA

O Espirito Santo está em processo de implantação e discussão da cobrança em todos os Comitês Estaduais, nos comitês
do rio Guandu e Jucu a discussão está mais avançada, com mecanismos e valores aprovados, além do comitê do rio
Benevente que se encontra discutindo mecanismos e valores a serem aprovados para a bacia. A AGERH10 realizou
estudo de estimativa de cobrança para a bacia do Rio Guandu com 188 interferências outorgadas na bacia, incluído o
SAAE de Baixo Guandu. Os valores detalhados estão na tabela 3. Este estudo poderá ser utilizado como parâmetro de
estimativa no futuro para estudos de implantação da cobrança nas outras bacias do estado.

10
AGERH- Agência Estadual de Recursos Hídricos do Espirito Santo
Volume
Valor médio Volume
Finalidade de anual Arrecada Volume anual
arrecadado anual Arrecadação
uso outorgado ção (R$) médio (m³)
(R$) outorgado
(m³)
Abastecimento
234.035,08 7.847,27 4.979,47 166,96 2,4% 3,3%
industrial
Abastecimento 221.737,5
6.335.357,30 703.928,59 24.637,50 64,1% 94,5%
público* 1
Irrigação 3.320.714,81 5.120,57 30.465,27 46,98 33,6% 2,2%
Volume
Finalidade de Carga DBO Arrecada Carga média Arrecadação
anual Arrecadação
uso (kg/ano) ção (R$) (Kg DBO/ano) média (R$)
outorgado
Aquicultura 17.387,89 2.782,06 1.931,99 309,12 0,2% 1,2%
Diluição de 144.369,20 23.099,07
18.046,15 2.887,38 1,5% 9,8%
efluentes
Tabela 3: Usuários Cadastrados e Estimativa de Arrecadação 2016 na bacia do rio Guandu-ES

Arrecadação e Aplicação dos Recursos da Cobrança


Após o levantamento do potencial de arrecadação e do planejamento das ações passa-se a implantar a cobrança
propriamente dita, arrecadando os valores correspondentes dos usuários passíveis de cobrança. Os relatórios anuais
divulgados pela ANA, bem como as informações disponíveis no sítio da AGB Doce serviram como subsídio para
avaliar a aplicação realizada em comparação com o valor arrecadado anualmente.
Os valores arrecadados na calha principal do rio Doce são repassados pela ANA, enquanto a arrecadação nos afluentes
mineiros pelo IGAM. A cobrança na bacia do rio Doce foi instituída em 2011, sendo iniciada a arrecadação junto aos
usuários no ano seguinte, em 2012. Nos gráficos 2 e 3 é possível conferir os valores arrecadados, que corresponde ao
que efetivamente foi pago via boleto pelo conjunto de usuários e os valores repassados à agência de bacia, sendo que a
diferença existente se deve ao repasse da última parcela (dezembro) que é realizada no ano seguinte.

Gráfico 2: Valores arrecadados e repassados anualmente oriundos da cobrança na calha principal do rio Doce.

É possível observar que o total arrecadado foi crescente de 2012 a 2015, o que se deve ao aumento de usuários
cadastrados, considerando que ainda não houve aumento dos preços públicos unitários estabelecidos na resolução que
aprovou a cobrança na bacia.
Gráfico 3: Valores arrecadados e repassados anualmente oriundos da cobrança nos comitês afluentes mineiros.

Nas bacias mineiras afluentes do Doce a arrecadação e o repasse também seguem um movimento crescente, tal como
aconteceu na calha federal. Importante destacar que os repasses realizados, tanto pela ANA quanto pelo IGAM,
obedecem a um contrato de gestão firmado com a IBIO AGB DOCE. Considerando o repasse das duas agências chega-
se ao montante de 84.696 milhões de reais em cinco anos. A aplicação desse recurso inclui o que pode ser gasto com o
custeio da agência e os programas de investimento na bacia.
Para avaliar a relação entre o que foi arrecadado e o que foi gasto nos programas previstos para a bacia, foram
compilados na tabela 4 os valores aplicados a cada ano, conforme divulgação da IBIO AGB-DOCE.

Fonte do Recurso 2012 2013 2014 2015 2016


utilizado (mil R$) (mil R$) (mil R$) (mil R$) (mil R$)

Cobrança Federal 2721 5581 383 6576 895

Cobrança MG 93 8830 2238 7180 31

Fonte do Recurso 2012 2013 2014 2015 2016


utilizado (mil R$) (mil R$) (mil R$) (mil R$) (mil R$)

Repasse adicional 289 - - 3 119


ANA

Repasse 51 174 - - -
FHIDRO/MG

Recurso Privado - - - 13 30

TOTAL ANUAL 3154 14585 2621 13772 1075

TOTAL (2012-2016) 35207


Tabela 4: Valores efetivamente aplicados em diferentes programas na Bacia do rio Doce.

Observa-se, que o aporte financeiro para os programas deteve não só a cobrança como fonte de recurso, mas também
repasse adicional da ANA, do Estado de Minas Gerais, por meio do FHIDRO (Fundo de Recuperação, Proteção e
Desenvolvimento Sustentável das Bacias Hidrográficas do Estado de Minas Gerais) e ainda com recursos privados.
A partir do observado na tabela 4 nota-se que em cinco anos foi aplicado o montante de 35 milhões de reais em
diferentes ações previstas nos programas do PIRH. E de acordo com o que foi compilado nos gráficos 01 e 02 o total
repassado para a agência, no mesmo período, foi de cerca de 85 milhões. Nota-se, portanto, que os valores aplicados em
diferentes programas estão abaixo dos valores arrecadados.

Compatibilização de ações do Plano de Recursos Hídricos com os recursos da cobrança


O Plano de Recursos Hídricos da bacia do rio Doce (PIRH-Doce) publicado em 2010 apresentou 17 programas, 5
subprogramas, 6 projetos, 2 propostas de estudos e uma ação a serem executadas em um horizonte previsto de até 20
anos. Estas proposições estão divididas em 7 (sete) grupos temáticos: qualidade da água; quantidade da água;
susceptibilidade a enchentes; universalização do saneamento; incremento de áreas legalmente protegidas;
implementação dos instrumentos de recursos hídricos e; implementação das ações do PIRH Doce. Durante o processo
de elaboração do plano de recursos hídricos da bacia, os CBHs priorizaram as ações a serem executadas, propondo que
as mais críticas fossem iniciadas em 2010 e as menos críticas no ano de 2018. Tanto o CBH Doce, quanto os CBHs das
bacias afluentes participaram deste processo de priorização. Destaca-se que as ações priorizadas para as sub-bacias do
rio Doce foram reunidas em documentos específicos, denominados Planos de Ação de Recursos Hídricos (PARH), para
cada CBH afluente, totalizando 9 PARHs anexos ao PIRH Doce (PIRH, 2010).
Em 2011, já como agência delegatária da bacia, o Ibio passou a administrar e aplicar os recursos arrecadados com a
cobrança pelo uso da água na bacia executando as ações do plano, entre outras atribuições. No ano seguinte, foi
aprovado o Plano de Aplicação Plurianual (PAP) da bacia hidrográfica do rio Doce, com orientações dos estudos,
programas e projetos a serem executados com os recursos da cobrança para o período de 2012 a 2015.
Assim, dos 31 programas, projetos, estudos e ações planejadas no PIRH Doce, o primeiro PAP orientou o início da
execução de 11 (onze), a seleção das ações a serem executadas foram hierarquizadas de acordo com os critérios
estabelecidos no Art. 15 da Deliberação Normativa CBH-Doce Nº 32, de 26 de abril de 2012. Assim, os programas
previstos foram: P11 - Programa de Saneamento da Bacia; P13 - Programa de Apoio ao Controle de Efluentes em
pequenas e microempresas; P22 - Programa de incentivo ao uso racional da água na agricultura; P24 - Programa
Produtor de Água; P31 - Programa de Convivência com as Cheias; P41 - Programa de Universalização do Saneamento;
P52 - Programa de recomposição de APPs e nascentes; P61 - Programa de monitoramento e acompanhamento da
implementação da gestão integrada dos recursos hídricos; P71 - Programa de comunicação social; P72 - Programa de
educação ambiental; P73 - Programa de treinamento e capacitação.
O PAP vigente, instituído sob Deliberação AD Referendum Nº 48 de 01 de dezembro de 2015 para o período de 2016 à
2020, deliberou sobre a continuidade de execução dos programas prioritários já estabelecidos. Adicionalmente, para
execução dos programas hidro ambientais, incorporou-se aos critérios de priorização de ações o cenário de
vulnerabilidade da bacia, por meio de estudos complementares realizados pela AGB Doce para ampliar o conhecimento
sobre o território da bacia e auxiliar os processos de tomada de decisão dos CBHs (CBH DOCE, 2015).
Com o desastre ambiental do rompimento da barragem de rejeitos de Fundão, em Mariana/MG, instaurou-se um novo
cenário para a gestão de recursos hídricos na bacia e, consequentemente, execuções de ações. Assim, os CBHs que
compõem a bacia hidrográfica do rio Doce foram acionados para participar dos trabalhos de articulação e mobilização
buscando entender e replanejar a nova realidade da bacia. Além disso, observou-se o aumento dos investimentos
financeiros necessários a antecipação do programa P61.2 do ano de 2017 para o ano de 2016, para o CBH Piranga, CBH
Suaçuí, e CBH Santo Antônio e realocação de recursos de outro programa, a fim de atender as novas demandas (IBIO
AGB DOCE, 2017).
De acordo com o Relatório Anual de Acompanhamento de Ações (2016), as principais dificuldades para execução das
ações planejadas para a bacia no último ano de gestão foram: a dificuldade de mobilização das prefeituras para
execução dos programas voltados para o saneamento (P11 e P41); falta de comprometimento dos produtores rurais
indicados para participarem do P22, além de recorrente não oficialização do uso da água pela outorga de direito de uso;
participação e envolvimento da sociedade; atrasos nas definições junto aos CBHs a respeito do desenvolvimento dos
programas P12, P52 e P42; dificuldades de mobilização dos produtores para participação do Programa Reflorestar, do
Espírito Santo, atrasos no sistema online do Reflorestar, tornar os CBHs conhecidos pela sociedade.
Além disso, constatou-se que os 7,5% dos recursos arrecadados pela cobrança dos recursos hídricos são insuficientes
para suprir as despesas administrativas da agência de bacia para dar suporte a todos os CBHs que compõem a bacia do
rio Doce, esta porcentagem não assegura a sustentabilidade do modelo de gestão dos recursos hídricos da bacia. Durante
o Seminário “Efetividade da Implementação de Planos de Recursos Hídricos: O Caso da Bacia Hidrográfica do rio
Doce”, esta questão também foi abordada como uma das maiores dificuldades hoje enfrentadas pela agência e uma das
causas apontadas para esta dificuldade seria a ausência de discussão sobre atualização dos valores cobrados (ou ainda
não cobrados) na maioria dos CBHs. A AGB Doce tem realizado estudos técnicos e econômicos para subsidiar este
debate dentro dos CBHs, mas as aprovações de novos valores dependem do entendimento dos gestores de sua
necessidade.

Considerações finais

Com base no PIRH Doce e na análise da cobrança na bacia do rio Doce verifica-se que os valores arrecadados com a
cobrança de água na calha principal e nos afluentes do Estado de Minas Gerais são crescente no período analisado em
razão do aumento do número de usuários cadastrados; que o percentual de inadimplência da cobrança é maior na calha
federal; e quanto ao financiamento dos programas do PIRH os valores aplicados estão abaixo do arrecadados, mesmo
considerando a aplicação de aporte financeiro vindo de outras fontes.
As principais dificuldades observadas para execução das ações planejadas estavam ligadas a dificuldade de integração e
mobilização com políticas municipais e de saneamento; envolvimento e sensibilização de agricultores e sociedade; e
organização, cumprimento de prazos por parte dos CBHs e fortalecimento junto a sociedade como fórum de discussão e
decisão sobre gestão de recursos hídricos. Além da necessidade de revisão dos valores dos PPU‟s, inclusão de outros
parâmetros para cobrança de lançamento de efluentes, de recategorização de usos insignificantes, principalmente de
indústria e mineração, principal atividade da bacia no Estado de Minas Gerais e do Espirito Santo.
Recomenda-se, o desenvolvimento de mecanismo de gestão da agência AGB-Doce criativos para angariação de verba
com outras entidades parceiras, objetivando o cumprimento de ações do PIRH, possibilitando desta forma um
percentual maior de desembolso do recurso da cobrança, conforme os requisitos do contrato de gestão, permitindo
sustentabilidade da agência AGB-Doce e execução das ações.
O contínuo debate e discussão junto aos CBH do Doce e afluentes MG/ES é essencial para o consolidação,
aprimoramento e avanço da cobrança no território da bacia, pactuando valores mais harmônicos com a realidade. Além
de promover uma maior conscientização da sociedade quanto a importância da cobrança, e tornando-a realmente um
instrumento que possibilite a efetivação das ações do Plano de Bacia Hidrográfica.
Por fim, constata-se que o recurso financeiro não é o único limitador da execução dos programas do PIRH-Doce, sendo
necessário o fortalecimento do arranjo institucional existente, integração das ações junto a outros atores, e
principalmente junto aos Municípios da Bacia.

Agradecimentos

Agradecimento especial ao Edmilson Costa Teixeira pela orientação no desenvolvimento deste artigo, como professor
responsável pela disciplina Tópicos Especiais em Regulação e Governança de Recursos Hídricos: Água e
Desenvolvimento, desenvolvida no âmbito do Programa de Mestrado Profissional em Rede Nacional em Gestão e
Regulação de Recursos Hídricos – PROFÁGUA, programa o qual se estende este agradecimento.
Agradecimento também à CAPES e à Agência Nacional de Águas, pelo apoio técnico-acadêmico, além de
infraestrutura físico-financeira disposta através do PROFÁGUA.

Referências bibliográficas

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