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Andréia Ruas das Neves¹, Eliane Meire de Souza Araújo 2, Jesana Fonseca Soares 3, Ranielle Almeida
Fraga4
1
Universidade Federal do Espirito Santo,email: andreiaruas@gmail.com; 1Universidade Federal do Espirito
Santo,e-mail: eliane.engamb@gmail.com; 3Universidade Federal do Espirito Santo,e-mail:
jesanafs@yahoo.com.br; 4Universidade Federal do Espirito Santo,e-mail: fragamsc@gmail.com
Resumo
A Cobrança pelo uso da água é um instrumento econômico da Política Nacional de Recursos Hídricos, que tem como
objetivo reconhecer a água como bem econômico, incentivar seu uso racional e obter recursos financeiros para o
financiamento de ações planejadas no âmbito dos Comitês de Bacia Hidrográfica (CBH). No CBH Doce a
implementação da cobrança foi instituída em 2011 após amplo processo de discussão de seus mecanismos. Desde então,
o processo de efetivação das ações do Plano Integrado de Recursos Hídricos da bacia hidrográfica do rio Doce (PIRH
Doce) é conduzido pela entidade delegatária equiparada a função de agência de bacia, o Instituto Bio Atlântico (Ibio
AGB Doce). Neste sentido, o presente artigo se propôs a avaliar e discutir a efetividade das ações planejadas pelo CBH
Doce a partir do momento em que foi implementado o instrumento cobrança pelo uso da água e delegada à agência de
bacia. Estas discussões foram orientadas pelo seminário “Regulação de Recursos Hídricos no Contexto da Gestão do
Território Promovendo Desenvolvimento” realizado no âmbito do Programa de Mestrado Profissional em Gestão e
Regulação de Recursos Hídricos - PROFÁGUA/UFES. Observaram-se que os recursos oriundos da implementação do
instrumento cobrança são insuficientes para garantir a atuação adequada da agência de bacia e a consequente
efetividade de ações planejadas, apesar da efetividade estar relacionada com aspectos operacionais, institucionais e
sociais, não apenas econômicos.
Introdução
A cobrança pelo uso de recursos hídricos é um dos instrumentos da Política Nacional de recursos hídricos
regulamentado pela na Lei 9.433/ 97. A cobrança objetiva reconhecer a água como bem econômico indicando seu real
valor; incentivar a racionalização do uso da água e obter recursos financeiros para o financiamento dos programas e
intervenções contemplados nos planos de recursos hídricos, sendo que são cobrados os usos de recursos hídricos
sujeitos a outorga (BRASIL, 1997).
A implementação da cobrança na bacia do rio Doce assim como o desenvolvimento do Plano Integrado de Recursos
Hídricos da Bacia Hidrográfica do rio Doce (PIRH-DOCE) e a escolha da agência de bacia são resultados de um
processo inédito de articulação e integração. Este envolveu os dez comitês com atuação na bacia hidrográfica do rio
Doce, na época, e os órgãos gestores atuantes na bacia, ANA 1, IEMA2 (atualmente AGERH) e IGAM3, pactuados no
“Acordo de Cooperação Técnica para Gestão Integrada das Águas na Bacia Hidrográfica do rio Doce”, também
chamado de Pacto da Bacia do rio Doce, juntamente com os governos do Estado de Minas Gerais e Espírito Santo
(AMORIM et al., 2011).
A discussão da cobrança foi feita em toda bacia do rio Doce através de oficinas (de setembro de 2009 a outubro de
2010) e reuniões nos comitês (de junho de 2010 a maio de 2011), o que possibilitou que fossem acordados os
mecanismos e valores para cobrança de forma bem harmônica e homogênea entre os diversos comitês com atuação na
bacia. Os valores dos preços públicos unitário (PPU‟s) adotados para cobrança consideraram além da viabilidade
financeira da agência, o orçamento dos programas do Plano Integrado de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do
rio Doce (planejamento quadrienal do PIRH-Doce), os recursos públicos disponíveis para execução dos projetos e
programas previstos no PIRH-Doce (oriundos dos programas/ações do Plano Plurianual 2008/2011 -PPA 2008/2011 do
Governo Federal e dos fundos estaduais de recursos hídricos) e a necessidade de arrecadação complementar (através da
1
ANA- Agência Nacional de Água
2
IEMA- Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Espirito Santo; AGERH- Agência Estadual de Recursos
Hídricos do Espirito Santo.
3
IGAM- Instituto Mineiro de Gestão das Águas
cobrança) considerando diferentes cenários. Além disso, foram estabelecidos valores de PPU‟s progressivos de 2011 a
2015, condicionados ao alcance das metas de desembolso pela Agência de Água da Bacia (ANA, 2010).
Nos diversos cenários trabalhados para definição dos mecanismos e valores da cobrança, inclusive no escolhido, ficou
claro que a arrecadação com a cobrança não seria suficiente para arcar totalmente com a viabilidade financeira de uma
agência compatível com uma bacia do porte da Bacia do rio Doce, uma vez que o custeio da agência é limitado a 7,5 %
do valor arrecadado, e nem com todos os programas previstos no PIRH-Doce, onde alguns tiveram que ser priorizados e
a integrar o Plano de Aplicação Plurianual (PAP).
Cinco anos após a implementação da cobrança, a arrecadação chega a 84.696 milhões de reais e alguns questionamentos
se fazem necessários: Os recursos arrecadados estão compatíveis com os estimados e estão sendo repassados de forma
satisfatória para a agência de bacia? Qual a relação entre os valores arrecadados e os gastos nos programas previstos
para a bacia? O recurso financeiro é o único limitador da execução dos programas do PIRH-Doce?
Este artigo objetiva analisar o instrumento cobrança na bacia do rio Doce e o quanto o mesmo impacta na efetividade da
implementação dos programas previstos no PIRH-Doce.
Metodologia
Para discussão e aprofundamento do tema foi promovido o „Dia de atividades em Recursos Hídricos &
Desenvolvimento‟ na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) pelo curso Mestrado Profissional em Gestão e
Regulação de Recursos Hídricos – PROFÁGUA4. Este seminário proporcionou a discussão dos discentes, docentes,
órgão gestor de recursos hídricos e membros de comitês de bacia com representante da agência de bacia do rio Doce -
IBIO AGB Doce5. Diferentes temas foram abordados durante o dia de atividades, sendo discutido neste artigo a
implementação das ações do Plano Integrado de Recursos Hídricos da bacia hidrográfica do rio Doce (PIRH) em
comparação com o que foi aprovado. Além de discutir os valores sobre o potencial de arrecadação comparado com o
que foi arrecadado pela cobrança de uso dos recursos hídricos. A discussão e análise foi realizada com base em pesquisa
bibliográfica, relatórios de prestação de contas disponíveis na ANA e na IBIO AGB Doce e notas técnicas da AGERH,
IBIO AGB Doce e ANA.
Resultados e Discussão
Figura 1: porção capixaba do rio Doce com a atuação dos comitês de bacia hidrográficas do Espírito Santo.
Fonte:
Em março de 2014, foi publicada a Lei Estadual 10.174, em substituição a Lei ES nº 5.818/98, onde a cobrança foi
regulamentada, porém em seu artigo 41, traz o estabelecimento de diretrizes complementares a serem feitas pelo CERH,
para regular a forma de apresentação e encaminhamento pelos comitês da fundamentação na definição das propostas de
mecanismos e valores para cobrança. As exigências estabelecidas por essa resolução (Resolução CERH-ES 004/2015),
tem atrasado a implementação da cobrança na Bacia do Rio Guandu e do Rio São José, onde o processo está mais
adiantado.
Tabela 1: Valores de PPU por tipo de uso. Fonte: Deliberação 26/2011 CBH-rio Doce
Na época de implantação da cobrança, os estudos de viabilidade demonstraram uma arrecadação de 29 milhões para
efeito de estimativa orçamentária do potencial de recursos da bacia. No primeiro ano de implantação da cobrança no
CBH Doce a arrecadação total na bacia foi de R$ 10.204.668,71.
8
Conselho Nacional de Recursos Hídricos
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Comitê de Bacia Hidrográfica do rio Doce
Em comparativo, a tabela 2 apresenta o total de usuários e estimativa de valores após 04 anos de implantação da
cobrança a ANA e IGAM, responsáveis pela cobrança na calha principal e nos rios afluentes do Estado de Minas
Gerais, respectivamente. Observa-se um aumento do número de usuários e por consequência o aumento de estimativa
de arrecadação em 2016. Cabe ressaltar que os Espirito Santo ainda não instituiu a cobrança nos seus afluentes.
Observa-se uma pequena mudança no perfil dos usos outorgados ao longo dos 04 anos de instituição de cobrança:
inicialmente o setor indústria representava 55% do total previsto em 2012, enquanto em 2016 a indústria representava
44%. Houve também aumento de usuários em outros setores, principalmente abastecimento/saneamento e irrigação.
A análise comparativa das estimativas de arrecadação e do valor arrecadado entre 2012 e 2016 demonstra uma redução
do percentual de inadimplência após 4 anos de cobrança, indicando que o instrumento de gestão está se consolidando. O
gráfico 1 mostra a aproximação entre os valores estimados e os arrecadados. Ainda é possível constatar que o percentual
de inadimplência junto ao IGAM é menor, quando comparado com a ANA.
O Espirito Santo está em processo de implantação e discussão da cobrança em todos os Comitês Estaduais, nos comitês
do rio Guandu e Jucu a discussão está mais avançada, com mecanismos e valores aprovados, além do comitê do rio
Benevente que se encontra discutindo mecanismos e valores a serem aprovados para a bacia. A AGERH10 realizou
estudo de estimativa de cobrança para a bacia do Rio Guandu com 188 interferências outorgadas na bacia, incluído o
SAAE de Baixo Guandu. Os valores detalhados estão na tabela 3. Este estudo poderá ser utilizado como parâmetro de
estimativa no futuro para estudos de implantação da cobrança nas outras bacias do estado.
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AGERH- Agência Estadual de Recursos Hídricos do Espirito Santo
Volume
Valor médio Volume
Finalidade de anual Arrecada Volume anual
arrecadado anual Arrecadação
uso outorgado ção (R$) médio (m³)
(R$) outorgado
(m³)
Abastecimento
234.035,08 7.847,27 4.979,47 166,96 2,4% 3,3%
industrial
Abastecimento 221.737,5
6.335.357,30 703.928,59 24.637,50 64,1% 94,5%
público* 1
Irrigação 3.320.714,81 5.120,57 30.465,27 46,98 33,6% 2,2%
Volume
Finalidade de Carga DBO Arrecada Carga média Arrecadação
anual Arrecadação
uso (kg/ano) ção (R$) (Kg DBO/ano) média (R$)
outorgado
Aquicultura 17.387,89 2.782,06 1.931,99 309,12 0,2% 1,2%
Diluição de 144.369,20 23.099,07
18.046,15 2.887,38 1,5% 9,8%
efluentes
Tabela 3: Usuários Cadastrados e Estimativa de Arrecadação 2016 na bacia do rio Guandu-ES
Gráfico 2: Valores arrecadados e repassados anualmente oriundos da cobrança na calha principal do rio Doce.
É possível observar que o total arrecadado foi crescente de 2012 a 2015, o que se deve ao aumento de usuários
cadastrados, considerando que ainda não houve aumento dos preços públicos unitários estabelecidos na resolução que
aprovou a cobrança na bacia.
Gráfico 3: Valores arrecadados e repassados anualmente oriundos da cobrança nos comitês afluentes mineiros.
Nas bacias mineiras afluentes do Doce a arrecadação e o repasse também seguem um movimento crescente, tal como
aconteceu na calha federal. Importante destacar que os repasses realizados, tanto pela ANA quanto pelo IGAM,
obedecem a um contrato de gestão firmado com a IBIO AGB DOCE. Considerando o repasse das duas agências chega-
se ao montante de 84.696 milhões de reais em cinco anos. A aplicação desse recurso inclui o que pode ser gasto com o
custeio da agência e os programas de investimento na bacia.
Para avaliar a relação entre o que foi arrecadado e o que foi gasto nos programas previstos para a bacia, foram
compilados na tabela 4 os valores aplicados a cada ano, conforme divulgação da IBIO AGB-DOCE.
Repasse 51 174 - - -
FHIDRO/MG
Recurso Privado - - - 13 30
Observa-se, que o aporte financeiro para os programas deteve não só a cobrança como fonte de recurso, mas também
repasse adicional da ANA, do Estado de Minas Gerais, por meio do FHIDRO (Fundo de Recuperação, Proteção e
Desenvolvimento Sustentável das Bacias Hidrográficas do Estado de Minas Gerais) e ainda com recursos privados.
A partir do observado na tabela 4 nota-se que em cinco anos foi aplicado o montante de 35 milhões de reais em
diferentes ações previstas nos programas do PIRH. E de acordo com o que foi compilado nos gráficos 01 e 02 o total
repassado para a agência, no mesmo período, foi de cerca de 85 milhões. Nota-se, portanto, que os valores aplicados em
diferentes programas estão abaixo dos valores arrecadados.
Considerações finais
Com base no PIRH Doce e na análise da cobrança na bacia do rio Doce verifica-se que os valores arrecadados com a
cobrança de água na calha principal e nos afluentes do Estado de Minas Gerais são crescente no período analisado em
razão do aumento do número de usuários cadastrados; que o percentual de inadimplência da cobrança é maior na calha
federal; e quanto ao financiamento dos programas do PIRH os valores aplicados estão abaixo do arrecadados, mesmo
considerando a aplicação de aporte financeiro vindo de outras fontes.
As principais dificuldades observadas para execução das ações planejadas estavam ligadas a dificuldade de integração e
mobilização com políticas municipais e de saneamento; envolvimento e sensibilização de agricultores e sociedade; e
organização, cumprimento de prazos por parte dos CBHs e fortalecimento junto a sociedade como fórum de discussão e
decisão sobre gestão de recursos hídricos. Além da necessidade de revisão dos valores dos PPU‟s, inclusão de outros
parâmetros para cobrança de lançamento de efluentes, de recategorização de usos insignificantes, principalmente de
indústria e mineração, principal atividade da bacia no Estado de Minas Gerais e do Espirito Santo.
Recomenda-se, o desenvolvimento de mecanismo de gestão da agência AGB-Doce criativos para angariação de verba
com outras entidades parceiras, objetivando o cumprimento de ações do PIRH, possibilitando desta forma um
percentual maior de desembolso do recurso da cobrança, conforme os requisitos do contrato de gestão, permitindo
sustentabilidade da agência AGB-Doce e execução das ações.
O contínuo debate e discussão junto aos CBH do Doce e afluentes MG/ES é essencial para o consolidação,
aprimoramento e avanço da cobrança no território da bacia, pactuando valores mais harmônicos com a realidade. Além
de promover uma maior conscientização da sociedade quanto a importância da cobrança, e tornando-a realmente um
instrumento que possibilite a efetivação das ações do Plano de Bacia Hidrográfica.
Por fim, constata-se que o recurso financeiro não é o único limitador da execução dos programas do PIRH-Doce, sendo
necessário o fortalecimento do arranjo institucional existente, integração das ações junto a outros atores, e
principalmente junto aos Municípios da Bacia.
Agradecimentos
Agradecimento especial ao Edmilson Costa Teixeira pela orientação no desenvolvimento deste artigo, como professor
responsável pela disciplina Tópicos Especiais em Regulação e Governança de Recursos Hídricos: Água e
Desenvolvimento, desenvolvida no âmbito do Programa de Mestrado Profissional em Rede Nacional em Gestão e
Regulação de Recursos Hídricos – PROFÁGUA, programa o qual se estende este agradecimento.
Agradecimento também à CAPES e à Agência Nacional de Águas, pelo apoio técnico-acadêmico, além de
infraestrutura físico-financeira disposta através do PROFÁGUA.
Referências bibliográficas
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