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IPPUR - Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional

Disciplina: Planejamento Urbano e Regional no Brasil I


Professores: Adauto Lucio Cardoso e Hélion Póvoa Neto
Aluna: Carolina Portugal G Motta

Memória da Sessão 5 - 04/04/2012

A sessão foi iniciada com uma discussão mais ampla sobre os textos. Um dos textos
lidos, o de Frederico de Castro Neves trata de questão de diferentes seca - 1932 e 1942 -
no nordeste algodoeiro pecuarista. O autor tentou interpretar a intervenção do Estado
nas diversas secas, mencionando as ações que eram forma de conter e controlar a
multidão, uma vez que estas se deslocavam nos momentos de seca e invadiam as
cidades.

Por sua vez, Francisco de Oliveira, tenta perceber como o discurso da vitimização do
Nordeste é construído ideologicamente e sobre diferentes conceitos como planejamento,
Nordeste e questão regional. O professor Hélion, comentou que a partir dos textos de
Francisco de Oliveira e Wilson Cano - terceiro texto lido - pode-se interpretar que na
questão do desenvolvimento regional do Brasil há dois protagonistas: São Paulo e
Nordeste, de tal modo que os demais estão presentes, mas são coadjuvantes.

Wilson Cano, em seu texto, analisou a relação do desenvolvimento de São Paulo com o
das outras regiões do país. Ele afirmou que houve todo um contexto a partir do qual
propiciou a São Paulo uma arrancada na industrialização: terras virgens, ferrovias, mão
de obra abundante, produção de alimentos nas antigas regiões cafeeiras; abastecimento
de mercados periféricos da nação, nos momentos de crise internacional. Além disso, ele
busca também mostrar as dinâmicas regionais do final do século XX até 1930. Primeiro
ele analisou a economia da Amazônia, que possuía uma economia de "aviamento",
voltada para a exportação de borracha. Ele verificou também as características das
economias do Nordeste, extremo Sul e dos estados cafeeiros.

Segundo o texto de Francisco de Oliveira, no Nordeste, o açúcar era a cultura


predominante na região da zona da mata. O agreste era zona de transição entre a zona da
mata e o sertão, constituindo-se em áreas de pequenas propriedades. O sertão era um
reservatório de mão de obra, com a criação de pecuária extensiva e de cultivo do
algodão.
A população do sertão, segundo Francisco de Oliveira, tinha uma forma de vida muito
precária, com alguma cultura de subsistência e com a criação extensiva de gado. No
momento de seca, o fazendeiro soltava o gado na cultura dos sertanejos que, sem
alimento, iam para as cidades. Para evitar que a população do sertão se deslocasse para
as cidades é que surgiram as obras contra a seca. Estas eram feitas pelo Estado, apenas
no sertão, através do IFOCS - que posteriormente se transformou em DNOCS - e
consistiam na construção de poços ou açudes, nas grandes propriedades ou em áreas
muito próximas a estas e eram obras dominadas pelo chefe político local. O autor
ressalta que estas eram políticas regionais, uma vez que a área de atuação era
demarcada, mas que não se tratavam de políticas de planejamento.

Durante o período de análise dos capítulos estudados, a usina do Nordeste açucareiro


recriava relações de trabalho que não são especificamente capitalistas, uma vez que o
trabalhador não conseguia se sustentar com base no salário, precisando produzir outras
culturas para subsistir. No momento da entressafra, as próprias usinas irão sobreviver da
renda da venda destes outros produtos que não a cana de açúcar. É através do poder
político que eles conseguiam manter a dominação econômica e as formas de produção,
sem mudar nada. Isso teria um preço que foi a ausência de um crescimento significativo
da produtividade do trabalho. E isso, posteriormente aos anos 30, associado a
mecanismos de proteção criados pela própria oligarquia açucareira nordestina - no
âmbito do Instituto do Açúcar e do Álcool - contribuiriam para o declínio desta
economia.

Dois conceitos trabalhados por Francisco de Oliveira: o de Nordeste e da questão


regional. No período analisado, segundo o autor, o Nordeste é conhecido como a região
da seca; região do fanatismo; é também o lugar do banditismo, do cangaço. O Nordeste
não é entendido apenas como uma área geográfica; Francisco de Oliveira entenderia
esta como a região na qual determinado grupo político e econômico se referencia, ou
seja, neste período a região, conforme apontado pelo professor Hélion, o Nordeste não
tinha a configuração atual e seus limites dependiam de diversos fatores além do
geográfico. Outro conceito trabalhado pelo autor foi a questão do planejamento que,
segundo ele, neste período, não poderia se utilizar este termo para descrever as políticas
realizadas.
O professor Adauto sugeriu que a partir da análise do texto de Francisco de Oliveira
percebe-se a existência de uma base a partir da qual as disputas sobre a região, o seu
limite, as suas características, o seu problema, tem como fundo uma forma específica de
produção do capital que envolve conflitos. Inclusive os conflitos intrarregionais entre
uma forma de produção e outras que em determinado momento podem estar disputando
o controle do território. Assim, formas mais atrasada de produção consegue conviver
com outras formas mais adiantadas, pois há um sistema político que favorece isso - o
Estado tornava possível a existência destas formas de produção.

REFERENCIAS:

CANO, Wilson. Desequilíbrios regionais e concentração industrial no Brasil (1930-


1970). São Paulo: Global, Campinas, Unicamp,1985, capítulo 2 (p.51-71).

NEVES, Frederico de Castro.Getúlio e a seca: políticas emergenciais na era Vargas.


Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 21, n. 40, p.107-131, 2001. [disponível
em forma digital]

OLIVEIRA, Francisco de. Elegia para uma re(li)gião. SUDENE, Nordeste,


planejamento e luta de classes. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. 5ªed, capítulo 1 (p.
21-44), capítulo 2 (p. 45-57), capítulo 3 (p. 59-71),capítulo 4 (p. 73-79).
IPPUR – Instituto de Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional
Disciplina: Planejamento Urbano e Regional no Brasil
Professores: Adauto Lúcio Cardoso e Helion Póvoa Neto
Aluno: Gustavo Adolfo Muñoz Gaviria

SESSÃO 9 (2/05) – A questão regional

A questão agrária no Nordeste

As referências à questão da região Nordeste tem sido feitas num âmbito geral de
informação deficiente, às vezes exagerada, devido a problemas históricos de comunicação. Para
a época de estudo, nos anos 50, fizeram-se reportagens que pintam uma revolução em gestação,
e muita angustia pelas secas. Deve-se apontar também que as análises eram muito marcadas por
ideologias, que tendiam ao exagero das dinâmicas políticas.

Pode se falar em geral, que para a época, a agricultura estava precariamente adaptada às
condições de clima, constituindo um sistema de equilíbrio relativamente instável, que nas crises
dos períodos secos gerava um excedente de povoação, fazendo com que as pessoas migrarem.
Nessas condições o pequeno agricultor dava prioridade ao gado, gerando maiores problemas
abastecimento de alimentos. Existe nesse contexto a grande propriedade, cujo dono precisa que
a população não se disperse completamente para aportar a mão de obra na próxima colheita e
para reproduzir o poder do sistema com seu voto. Esse contexto tem também um componente de
intervenção estatal, que desde o início do século XX tem visto o problema como meramente
climático, de aí a alta intervenção na construção de infraestrutura contra as secas através de
instituições como o IFOCS/DENOCS. Os açudes eram construídos perto das grandes
propriedades e o fazendeiro conseguia que os moradores ficaram perto da fazenda, retendo-os
com a promessa de trabalho nas obras públicas. Configurava-se assim uma política e uma
indústria ligada às secas, para a reprodução do poder político no Nordeste. Em alguns casos o
problema chegava até as cidades, e por isso se organizavam “campos de concentração” a partir
de 1915, onde se retinha a população migrante (também chamados de flagelados e retirantes),
para evitar que chegassem às cidades. Pode-se falar então de uma crise de produção, ligada a
uma baixa precipitação, agravada pela concentração na propriedade da terra.

O problema das secas continua existindo. Mais é normalmente exagerado para justificar
a inversão de recursos na região. No período estudado houve duas secas marcantes: a de 1952
no governo Vargas, e 1958 no governo de Juscelino Kubitschek (JK). Normalmente em
períodos de grandes secas se tomavam medidas consideradas de impacto, Banco de
Investimentos Regionais, depois de 58, bem como a iniciativa da Superintendência do
Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE).

No governo JK com a indústria como uma forma de alcançar o desenvolvimento, o


Nordeste pode aparecer como um aspecto deixado de lado pela política governamental.
Incentivou-se nesse então o processo de industrialização no Centro Sul, a Construção de
Brasília, bem como a construção da rodovia Belém-Brasília. Consolidou-se o processo de
desenvolvimento do Centro Sul e uma e expansão pro Centro Oeste que já vinha desde o Estado
Novo, e com a Marcha para o Oeste. Em 1956, JK anuncia que o Nordeste vai ser sua meta
número 31. Em 1956 vai se constituir um grupo de trabalho para o diagnóstico e proposta de
plano, a que é convidado Celso Furtado.
Sobre o Celso Furtado

Nasceu na Paraibana, estudou economia no Brasil, e fez doutorado na França, onde


estudou a formação econômica do Brasil desde o período colonial ate o inicio da
industrialização, trabalho que se tornaria num texto de referência para o estudo da economia
brasileira. Trabalhou na ONU, na CEPAL durante cerca de dez anos, CEPAL-Banco
Desenvolvimento Econômico, teve por tanto um recorrido internacional reconhecido. Foi
convidado para coordenar o Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN)
que produziu o documento de diagnóstico e proposta de plano de ação para a problemática do
Nordeste.

Celso Furtado foi influenciado pelos debates sobre planejamento do Plano Marshall
para a reconstrução da Europa depois da Segunda Guerra Mundial, e pelos métodos das
economias planificadas dos estados soviéticos; mesmo pelo “Desenvolvimentismo” europeu, o
que lhe coloca em uma posição “estruturalista” em termos de desenvolvimento, e que lhe faz
entrar no debate contra as posições “monetaristas”, de menos intervenção estatal. Furtado teve
grande curiosidade por visitar a União Soviética, mas não conseguiu por conta do hermetismo
da Guerra Fria e sua não inscrição num partido comunista. Não então, ele visita um congresso
de juventudes na Yugoslávia sobre temas de reconstrução, o que vai ser apontado contra ele por
seus detratores como proba de que ele teria inclinações comunistas.

Dentre o final da sua obra, foram resaltados três livros: Fantasia organizada,
relacionada com seus anos de juventude até o governo JK, sua historia na CEPAL, e sua relação
com Raúl Prebisch, quem fora secretário econômico da CEPAL. A fantasia desfeita, que conta
sobre a experiência da SUDENE. E Os ares do mundo, sobre o período no exílio na França.

O plano GTDN

Em Fevereiro de 1959, no governo JK, é lançada a Operação Nordeste com presencia de


ministros de Estado, governadores, e o Don Helder. Nessa reunião é entregue o documento de
diagnóstico e plano de ação para a abordagem do problema de desenvolvimento do Nordeste. O
plano vai receber críticas de um lado e vai ser apoiado por outro. Devido à importância e
sensibilidade na questão agrária, na verdade são criticados tanto o plano como o próprio
Furtado. A imprensa brasileira faz uma referência ao plano como o fim do assistencialismo, o
início de investimentos produtivos, e a diminuição da seca como a grande questão regional, que
daria um enfoque econômico ao problema. Furtado vai receber acusações contrarias: de ser um
“comunista oculto”, bem como de ser um filho de latifundiário. Em 1962 Eugenio Gudin,
reconhecido monetarista, faria a critica ao plano baseado em sua opinião de que não era
necessária a modificação da constituição para realizar uma reforma agrária. Igualmente,
Chateaubriand (1963) o acusaria de ser um “comunista Chinês”, que não quereria entendimento
nenhum com ocidente. Um tema que tinha por trás dessa discussão eram os medos sobre a
forma, sobre como seriam pagas a terras desapropriadas. Em 1962 Furtado é recebido na Casa
Branca pelo presidente Kennedy como autor de um plano que favoreceria aos Estados Unidos
no controle do comunismo e a promoção do desenvolvimento capitalista no Nordeste brasileiro;
nesta visita, Furtado foi bem recebido pela imprensa Norte-americana. No âmbito de
radicalização da Guerra Fria, o problema do Nordeste era visto desde Estados Unidos como um
problema iminente de reforma o revolução. A maior crítica analisada é a de Francisco de
Oliveira, que será comentada ao final desta memória.
O documento contendo o plano do GTDN aborda a questão do Nordeste para alem das
secas, com uma visão declaradamente técnica e econômica, e que estaria, segundo Furtado,
isolada dos determinantes políticos da região. O documento analisa a ideia da disparidade de
ritmo de desenvolvimento entre as regiões, de como as relações econômicas com o Centro Sul
tenderiam à transferência de recursos para a região mais desenvolvida e de que o Estado só
investiria nos períodos das secas em gastos não produtivos, assistencialistas que não resolveriam
o problema estrutural.

Destacaram-se três aspetos fundamentais do plano:

Elementos dinâmicos da economia nordestina:

Um setor externo em crise desde os anos 20 frente ao seu caráter periférico dentro e fora
do país. Um setor público com gasto disperso e capturado (em termos de Francisco de Oliveira)
pelas oligarquias. E um setor industrial frágil, que não pode liderar o processo de superação da
situação periférica da região.

Aspectos econômicos do problema das secas:

O semiárido nordestino é uma área complementar à zona açucareira, da mata; e recebe


os excedentes populacionais da economia açucareira. Com pequena agricultura e atividade
pecuária. (situação que hoje é diferente pela diversificação e aproveitamento agropecuário mais
eficiente). O efeito da secas destrói o equilíbrio e gera excedente um demográfico. Então para
atacar o problema, as medidas econômicas gerariam aumento da produtividade e porem um
aumento de população, ai entra a área maranhense como receptora desse excedente, que ainda
nesse momento, anos 50, teria a capacidade de receber população.

Plano de ação:

O plano de ação se concentra em três frentes principais: a) A reformulação do processo


de aproveitamento de uso de solo e água; b) A reorganização do semiárido e apertura para o
maranhão, Centro Oeste do Nordeste em geral (processo de migração que já vinha desde o
século XIX, em função do desenvolvimento no eixo Belém-Brasília, incluída a construção de
Brasília, que seria depois insumo para a conexão com a Amazônia). Neste processo a fronteira
agrícola aparece como o amortecedor das pressões pela terra; c) intensificação dos
investimentos industriais como a única possibilidade de levar o desenvolvimento ao Nordeste,
dando uma importância política à industrialização como criadora de uma classe política nova
(moderna, empreendedora, e com raízes na região) que fizesse um melhor manejo dos recursos,
o que demonstra a percepção negativa do grupo de trabalho sobre a classe dirigente nordestina,
essa indústria daria emprego nas cidades do Nordeste.

O plano fala da articulação das mediadas em uma “coordenação com ataque global ao
problema”, por médio da seguinte disposição: No Litoral-Zona da mata, aumentar a
diversificação para fornecimento de alimentos. No Sertão, aumento da produtividade. No
Maranhão, absorver a excedente populacional. E nas cidades o desenvolvimento da indústria.

O plano assim concedido tinha uma visão técnica da solução, informada pela percepção
da economia internacional que Furtado aprendeu na Europa e na América Latina. Essa visão
técnica serviu para ele se defender de acusações políticas sobre a reforma agrária. Ele teria sido
influenciado pela concepção europeia do desenvolvimento, onde o problema não seria a terra,
mais a questão da intensificação da produção, um capitalismo próspero e um Estado forte
regulando o sistema econômico e fazendo redistribuição. O equilíbrio social se alcançaria com o
desenvolvimento do capitalismo num regime democrático e com um estado regulador. Furtado
faria a defesa do plano invocando um perigo de desunião nacional se as condições que
reproduziam as desigualdades regionais persistirem.

Francisco de Oliveira: o problema dos conflitos de classe

Na década de 50, quando o plano para o desenvolvimento do Nordeste foi criado, a


questão era vista como um problema de ritmo de desenvolvimento, como um retraso no “take
off” da economia. Francisco de Oliveira vai chamar atenção sobre a disparidade regional como
um conflito de classe. O problema estaria numa burguesia industrial em consolidação desde os
anos 30 desde o Centro Sul que se diferencia em seus interesses das oligarquias rurais. Desde
parte do império até a era Vargas, a apolítica econômica era formulada segundo os interesses
dos agro-exportadores. Essa hegemonia na imposição do modo de produção se iria diluindo na
mediada em que a burguesia industrial ganhava poder. Um aspecto que ajudou nesse processo
foi a chamada proletarização do colono, que se daria pelo afastamento do colono-agricultor da
pose da terra para passar a viver do salário, claro exemplo o constituem os “boias-frias”, cuja
relação com o fazendeiro é uma forma de dominação no plano econômico, mas quando o
trabalhador mora na fazenda, se criam outras relações de subordinação pessoal com muita
restrição à mobilidade, ele fica “preso” nesse relacionamento.

O surgimento do proletariado rural vai estar associado ao crescimento da produção que


precisava de uma grande massa trabalhadora com mobilidade para as cidades dado o caráter
sazonal da produção, esta foi uma característica inicialmente presente em São Paulo. Não
entanto, no Nordeste, essa proletarização do trabalhador urbano não vai se estender a toda à
região, permanecendo ainda relações de colonato como moradia de condição, onde ainda vai
existir a agricultura de subsistência. Este tipo de relação é preservado, mais nem em toda a
região. Estas formas de trabalho são uma evidência de que a economia de mercado recria formas
de dominação e exploração do trabalhador.

Para Oliveira, o Estado estaria intervindo como planejador quando for preciso atacar as
debilidades do processo de acumulação capitalista e para assegurar a forma de dominação da
burguesia, em principio regional, mas depois nacional. Este objetivo será então completado
através de uma instituição como a SUDENE, por médio da qual, se buscaria a homogeneização
regional expandindo as relações de produção do Centro Sul para o Nordeste. A intervenção
estatal favoreceria o processo de expansão do capitalismo monopolístico ao tempo que se dava
um passo para à centralização do poder executivo no Brasil. Ao serem introduzidas essas novas
formas de reprodução capitalista desde o Centro Sul, o Francisco de Oliveira veria com
nostalgia a desaparição do Nordeste como região, no entendido de uma região ser uma forma
especial de reprodução do capital, bem como da ideologia do planejamento como forma neutra
de promoção do desenvolvimento.

Bibliografia:

FURTADO, Celso. Uma política de desenvolvimento econômico para o Nordeste (GTDN)


[1959]. In: O Nordeste e a saga da Sudene. Rio de Janeiro: Contraponto, 2009 (p. 83-164).
OLIVEIRA, Francisco de. Elegia para uma re(li)gião: SUDENE, nordeste, planejamento e
conflitos de classes. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977, capítulo 5 (p. 81-97), capítulo 6 (“As
condições de criação da Sudene, p. 99-137).

FURTADO, O Nordeste e a saga da Sudene. Rio de Janeiro: Contraponto, 2009 (p. 29-81).
IPPUR - Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional
Disciplina: Planejamento Urbano e Regional no Brasil I
Professores: Adauto Lucio Cardoso e Hélion Póvoa Neto
Aluna: Delba Machado Barros

Memória da Sessão 15 (26/09/2012): A continuidade da questão regional


nordestina

Nesta sessão é retomada a discussão do Nordeste com vistas a examinar o


processo de desenvolvimento regional sob a coordenação da Sudene, com
destaque, em um dos textos indicados, para o sertão nordestino na ditadura
militar. Os autores Mônica Dias Martins (Açúcar no sertão: a ofensiva
capitalista no Nordeste do Brasil) e José Elesbão de Almeida em parceria com
José Bezerra de Araújo (Um modelo exaurido: A Experiência da Sudene) foram
os referenciais adotados para esse debate.

A Sudene foi criada em 1959, no governo Kubitscheck, embasada no


documento técnico elaborado pelo Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento
do Nordeste (GTDN), sob a coordenação de Celso Furtado (mentor e dirigente
da Sudene até o golpe militar). A partir de 1964, a Sudene teve suas diretrizes
redirecionadas com perda de autonomia decisória e legitimidade. Durante o
regime militar ela esteve vinculada ao Ministério do Interior. A partir de 1999,
passou para o Ministério da Integração Nacional no governo FHC e, foi extinta,
por esse mesmo governo, em 2001. Em seu lugar foi criada a Agência de
Desenvolvimento do Nordeste, nas palavras de Almeida e Araújo (p.105) “uma
espécie de Sudene piorada, com parcos recursos e praticamente sem poder de
coordenação”. Em 2007, no governo Lula, ela foi recriada, no entanto, Profº
Helion observou que, no site da instituição, as ações, ainda hoje, estão
descritas no futuro. Uma reportagem publicada, no início do ano, na Folha de
São Paulo demonstrou que composições políticas partidárias têm pautado a
indicação da presidência da instituição.

A área de abrangência da Sudene, desde sua criação, abarcava além do


Nordeste, o norte de Minas Gerais (Vale de São Francisco - área semi-árida) e,
a partir de 1998, o Vale do Jequitinhonha - MG e o norte do Espírito Santo.

O GTDN, criado em 1956, fez um diagnóstico que apontou grandes


disparidades econômicas e sociais entre o Nordeste e o Centro Sul. No início
da década de 50, o Nordeste vivenciou uma grande crise econômica tendo sido
incluído “entre as áreas de maiores índices de pobreza do hemisfério sul”
(Almeida e Araújo, p.98). As questões econômicas associadas a outras de
caráter político institucional (movimento das Ligas Camponesas, a pressão por
reforma pela Igreja católica, a eleição em 1958 de governadores reformistas e
as experiências das revoluções na China e em Cuba) levaram o Estado a
encarar o Nordeste como um problema de segurança nacional. Portanto, a fim
de reduzir as desigualdades e as tensões sociais no Nordeste, o GTDN
elaborou um plano de ação estruturado em quatro diretrizes, a saber: -
industrialização, transformação da economia agrícola da faixa úmida,
transformação da economia das zonas semi-áridas e deslocamento da fronteira
agrícola do Nordeste com vistas a criar um centro autônomo de expansão
manufatureira, proporcionar oferta de alimentos nos centros urbanos, elevar a
produtividade no semi-árido e integrar o Maranhão para que o mesmo
absorvesse os excedentes populacionais da região.

Para fomentar o desenvolvimento industrial, o Estado se dispôs a conceder


incentivos para a indústria de base (principalmente, siderurgia), para indústria
de mecânica simples (fabricação de implementos agrícolas e móveis
metálicos), para indústrias que aproveitassem a matéria-prima regional e para
indústria têxtil e alimentar. Almeida e Araújo (p.103) sinalizaram que “apesar de
ficar clara a presença do Estado como agente impulsionador do
desenvolvimento – mediante investimentos em infra-estrutura básica,
instituição de incentivos fiscais e financeiros e, até mesmo, como investidor
direto -, o principal papel nesse processo era reservado a iniciativa privada”.
Tal fato é demonstrado na Revista Realidade sobre o Nordeste, publicada em
1972, com a manchete: “O Nordeste é uma empresa com 220 mil acionistas”.
Uma outra reportagem, na mesma revista, destacava o crescimento da região,
o que foi corroborado por Almeida e Araújo (p.97) ao afirmarem que, nos 40
anos de existência da Sudene, “a produção industrial da região duplicou
fazendo o PIB do setor saltar de 12% em 1960 para 26% em 1999”.

Até meados dos anos 80, os incentivos fiscais para atrair investimentos no
Nordeste se constituíram como um grande mecanismo de promoção para o
desenvolvimento da região do ponto de vista contábil. Em termos de
planejamento brasileiro esses incentivos foram considerados inovadores.
Tratava-se de isenção total ou parcial do imposto de renda para indústrias
novas ou já instaladas que utilizassem matéria prima regional e isenção de
impostos à importação de equipamentos novos sem similar na produção
nacional. Destarte, desde a Constituição de 1934 já havia sido garantido
incentivos para o polígono das secas, de 3% do orçamento nacional.

Esse sistema de incentivos fiscais expandiu-se do ponto de vista setorial


(inclusão da pesca, turismo e reflorestamento) e do espaço geográfico
(Amazônia- SUDAM- 1966/1967, SUDECO, SUVALE, etc). Portanto, ao longo
dos anos 60, deixou de existir a exclusividade do Nordeste como único
merecedor desses incentivos fiscais.

“A dinâmica econômica promovida no Nordeste pelo aporte de investimentos


públicos e privados imprimiu um ritmo de crescimento excessivamente elevado
do produto regional na década de 70, embora nas décadas seguintes tenha se
atenuado” (Almeida e Araújo, p. 117). Esses investimentos não se deram de
forma igual na região, isto é, houve maior concentração nos estados de
Pernambuco, Bahia e Ceará em função das condições favoráveis apresentadas
por esses estados bem como “pela própria estratégia de promoção de
desenvolvimento regional comandada pelo capital monopolista nacional e
internacional, que tinha como premissa fundamental a busca de economias de
escala”. (Almeida e Araújo, p.109). De todo modo, O PIB do Nordeste nas
décadas de 70, 80 e 90 cresceu em média mais do que o PIB nacional muito
em função desses incentivos ora referidos. No entanto, esses autores
chamaram atenção que tal crescimento não reduziu na mesma proporção as
questões sociais.

No começo dos anos 60, a Sudene atuou de acordo com o Plano Diretor tal
como foi pensado por Celso Furtado. Nos anos 70, os planos da Sudene foram
partes dos Planos Nacionais de Desenvolvimento (PND). O primeiro no
governo Médici, o segundo no governo Geisel, o terceiro no governo Figueiredo
e o Plano de Desenvolvimento da Nova República.

Os resultados alcançados pela Sudene, ao longo de sua existência, não


corresponderam propriamente dito ao que foi pensado, inicialmente, pelo
GTDN. A industrialização que ganhou força, durante o período militar e nos
anos 70 e 80 foram os complexos industriais de base. Foram instalados vários
pólos industriais, como exemplos, o pólo Petroquímico de Camaçari, na Bahia,
o pólo Cloro-químico de Alagoas e Sergipe, o pólo Minero-Metalúrgico no
Maranhão, o Complexo Agroindustrial de Petrolina/juazeiro, entre outros
projetos. Além destes, os pólos de Fruticultura irrigada do Rio Grande do Norte
também tiveram apoio da Sudene. Uma das críticas que se faz a esse
processo de industrialização é que a “a região Nordeste, de tradicional
produtora de bens primários (principalmente) para exportação, transformou-se
nos anos pós-1960 (notadamente, nas décadas de 1970 e 1980) numa região
mais especializada na produção de insumos industriais para as modernas
fábricas do Sudeste do país” (Almeida e Araújo, p.124). Embora os incentivos
fiscais e financeiros tenham sido importantes, os recursos naturais e energia
elétrica existentes na região também favoreceram a instalação desses
complexos industriais.

A crise no preço do petróleo, na década de 1970, impulsionou os investimentos


nos setores energéticos no Brasil com vistas a reduzir a dependência do país
na importação do petróleo e seus derivados. Ao mesmo tempo, no nível
internacional existia uma tendência dos países industrializados de transferir
suas indústrias mais sujas ou mais dependentes de petróleo para países que
oferecessem incentivos fiscais e energia elétrica abundante. Diante disso, o
governo Geisel, II PND, deu início a construção de várias hidrelétricas para
atrair o capital externo e, também, para o abastecimento da própria região. No
Nordeste, a construção das usinas de Tucuruí, Sobradinho, Itaparica, Moxotó e
outras foram importantes no fornecimento de energia elétrica abundante e
barata para esses grandes projetos industriais e, fundamentais para
transformar o Brasil num grande exportador desse tipo de produto. A
hidrelétrica de Tucuruí começou a ser construída em 1974 e terminou no
governo Sarney com a finalidade de atender os projetos de metalurgia do
alumínio. Algumas hidrelétricas geraram deslocamentos populacionais
relevantes, como exemplo, Sobradinho (70.000 pessoas) e Itaparica (45.000
pessoas). Em Sobradinho, o reassentamento praticamente não existiu, o que
foi diferente no caso de Itaparica que teve uma organização maior em função
da experiência de Sobradinho e a influência do movimento dos atingidos por
barragens - MAB (no sul do país- barragens do rio Uruguai).

Os setores industriais geram menos emprego em função da tecnificação e,


portanto, pouca absorção da força de trabalho, além de utilizarem insumos e
tecnologias de fora da região e produzirem para fora da região. Trata-se de
uma “industrialização complementar ao Centro Sul”, segundo Tânia Bacelar e
Internacional, o que contradiz o que foi inicialmente pensado pelo GTDN de
tornar o Nordeste em um centro de industrialização autônomo de produção
manufatureira.

A causa do Nordeste esteve associada ao tema nacionalista e,


especificamente, a autonomia regional. O projeto da ditadura militar era
promover a integração nacional. Para Inaiá de Carvalho, o Projeto da Sudene
sobreviveu mesmo durante os dois primeiros governos militares (Castelo
Branco e Costa e Silva) porque esses governos “reconheceram a prioridade da
questão regional, a urgência do desenvolvimento e a necessidade de
compatibilizar o crescimento da economia, por meio dos incentivos fiscais à
iniciativa privada, com as demandas sociais” (Martins, p.41).

Em 1970, uma nova seca fez ressurgir a ênfase na solução hidráulica –


irrigação e a retomada de algumas idéias do GTDN, pelo então presidente
Médici. Segundo Martins (p.43), nessa década, “o Estado enfatizou a
integração nacional das economias regionais e o desenvolvimento rural. Nas
palavras do general Médici, o mais importante projeto da área agrícola, o
Programa de Integração Nacional (PIN)/Programa de Redistribuição de Terras
e de Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste (Proterra) solucionaria dois
problemas: o do homem sem terras no Nordeste e o da terra sem homens na
Amazônia. Na prática, serviu ao propósito de dirigir o excedente populacional
nordestino para a construção da transamazônica”.

A idéia do vazio demográfico na Amazônia era falsa, pois desde o final do


Império já havia um processo migratório em função das atividades extrativistas,
tanto da borracha quanto do garimpo. O projeto de colonização da Amazônia
foi um projeto contra a reforma agrária, embora o governo chamasse de
colonização/reforma agrária, pois, tratava-se de assentar os nordestinos em
lugar que não tinha que desapropriar a terra de ninguém. A questão nordestina
e a questão Amazônica passaram a ser encaradas em conjunto. A Amazônia
(terra) e o Nordeste (trabalho - homens sem terra) tinham que se integrar ao
Sudeste (foco do desenvolvimento capitalista no país) para serem fornecedores
de matéria prima e consumidores dos bens industrializados, isto é, funcionar
de forma complementar a economia do Sudeste. O discurso da época era a
integração, o que constituiu uma mudança de paradigma da questão regional.
Tratava-se de “Integrar para não entregar”, pois a Amazônia era cobiçada
internacionalmente. Do ponto de vista geopolítico, os militares primaram por
manter a integridade do território nacional, portanto, a manutenção da
Amazônia. Do ponto de vista econômico houve uma abertura para a integração
com o capital internacional.

Além dos complexos industriais, foram implantados alguns programas de


modernização da agricultura no sertão nordestino que retomavam a ênfase
hídrica no período pré Sudene. Foram incentivados vários projetos de irrigação
na década de 70, concomitantemente, às construções de barragens das usinas
hidrelétricas. A idéia era aumentar a produtividade da agricultura no semi-árido
sem a distribuição da terra. Um outro programa implantado foi o Proálcool
(1975) voltado para o enfrentamento da crise do petróleo. Incentivou-se a
produção da cana de açúcar através da irrigação e de novas formas de plantio
na zona da mata, agreste e muitas áreas do sertão nordestino. Muitas usinas
de açúcar se converteram em usinas de álcool. No entanto, a produção de
cana não se restringiu ao Nordeste, outras regiões também passaram a cultivar
a cana gerando concorrência com a produção nordestina. Hoje, São Paulo é o
maior produtor de cana de açúcar. O Programa Proálcool teve seu auge de
1975 à 1982, no entanto, declinou, na segunda metade dos anos 80, com a
queda do preço do barril do petróleo. Mas, ainda hoje, se observa um lobby no
Legislativo para manutenção de incentivos e um movimento de expansão da
cana de açúcar, inclusive pelas áreas da soja (Triângulo Mineiro, Mato Grosso,
Goiás).

Do ponto de vista da agricultura, também houve um processo de


desenvolvimento do Nordeste, no período de 64 até a segunda metade dos
anos 80, associado à economia do Sudeste. Os casos do Proálcool e da Soja
são uma demonstração disso. Ao passo que no Vale do São Francisco, no
sertão Cearense e do Rio Grande do Norte ocorreu um avanço da fruticultura;
no Oeste da Bahia, sul do Piauí e no Maranhão um avanço da cultura de
grãos.

Alguns temas regionais reaparecem com força ao longo da história, como por
exemplo: a seca, agitação social, a delimitação regional, entre outros. Assim
como o tratamento dado ao planejamento regional sofreu/sofre alterações em
função do gestor do poder executivo. O Projeto de Transposição do São
Francisco é emblemático. Foi proposto no final do regime militar, embora já
houvesse sido cogitado por D. Pedro, no final do século XIX, no entanto, foi
arquivado quando Maluf assumiu a Presidência da República.

Ilustrações e leituras complementares referidas e indicadas na aula:

-Música – Sobradinho – Sá e Guarabira;

-História em quadrinho do Henfil – publicação em 73/74 com personagens que


comentavam assuntos da política nacional do ponto de vista da caatinga. Henfil
fazia críticas ao governo militar através do humor na imprensa alternativa.
Defender a cultura nordestina, na época, significava defender a nação da
ditadura, contra os entreguistas e as multinacionais;

- Filme: Cabra marcado para morrer – Eduardo Coutinho;

- Revista: Realidade Nordeste – Editora Abril, ano 1972;

-Revista Interior - década de 70 e início de 80, elaborada para circular nas


escolas/universidades, produzida pelo Ministério do Interior. Destacada a
publicidade do Banco do Nordeste que dizia: “Em 20 anos a Sudene mudou a
cabeça dos nordestinos”, ilustrada com as imagens de um chapéu de
cangaceiro e um chapéu de operário;

- Livros: 1. A Noiva da Revolução – Francisco de Oliveira

2. O Nordeste e o regime autoritário – Inaiá Maria Moreira de Carvalho

3. Colonização e contra reforma agrária na Amazônia -Otavio Ianni

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