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Os educadores que não quiserem se lançar ao mar, muito apegados à terra firme,
poderão ficar a ver navios. Mas não há mais porto seguro: o oceano de informações
que a Internet disponibiliza aos alunos obrigará os professores a se atualizar
constantemente e a se preparar para lidar com as múltiplas interpretações da
realidade. Espanhol que atracou no Brasil, Moran abandonou por alguns momentos
sua tripulação do curso de Rádio e Televisão da Escola de Comunicações e Artes da
USP e nos concedeu esta entrevista.
O senhor diz que não se deve esperar soluções mágicas da Internet. Que
expectativas devemos ter das novas tecnologias na educação?
Prof. José Manuel Moran - Nós esperamos que a tecnologia — teoricamente mais
participativa, por permitir a interação — faça as mudanças acontecerem
automaticamente. Esse é um equívoco: ela pode ser apenas a extensão de um
modelo tradicional. A tecnologia sozinha não garante a comunicação de duas vias, a
participação real. O importante é mudar o modelo de educação porque aí, sim, as
tecnologias podem servir-nos como apoio para um maior intercâmbio, trocas
pessoais, em situações presenciais ou virtuais. Para mim, a tecnologia é um grande
apoio de um projeto pedagógico que foca a aprendizagem ligada à vida.
Prof. José Manuel Moran - O que estamos vendo é que formas de educar com
estrutura autoritária não resolvem as questões fundamentais. A questão não é
tecnológica, mas comunicacional. A tecnologia entra como um apoio, mas o
essencial é estabelecer relações de parceria na aprendizagem. Aprende-se muito
mais em uma relação baseada na confiança, em que alunos e professores possam
se expressar. Criar e gerenciar esse ambiente é muito mais importante que definir
tecnologias. Embora eu trabalhe com elas, noto que o foco está na interação
humana, presencial ou virtual. Preocupa-me muito a dificuldade que temos em
estabelecer relações participativas, porque todos nós carregamos estruturas
tremendamente autoritárias, sendo submissos ou dominadores, e reproduzimos isso
na escola. A cultura da imposição, do controle, é talvez a barreira mais difícil de
derrubar no processo pedagógico.
O senhor faz uma distinção entre ensino e educação, esta última sendo a
integração do ensino com a vida. É evidente a maneira como as novas
tecnologias podem contribuir para o ensino. Mas como elas podem contribuir
para a educação?
Prof. José Manuel Moran - Ele é privilegiado na relação que tem com a tecnologia.
Ele aprende rapidamente a navegar, sabe trabalhar em grupo e tem certa facilidade
de produzir materiais audiovisuais. Por outro lado, o aluno tem dificuldade de mudar
aquele papel passivo, de executor de tarefas, de devolvedor de informações. Na
prática, acaba assumindo um papel bastante passivo em relação às suas reais
potencialidades. O aluno tem capacidade de ir muito além, ele está pronto. Porém, a
escola impõe modelos autoritários, voltando ao começo, quando o professor
controlava e o aluno executava. E isso não o motiva. Por isso, a mudança mais séria
deve vir mesmo dos professores. O novo professor dialoga e aprende com o aluno.
Isso pressupõe uma certa humildade que nos custa como adultos a ter. Nós
queremos ter a última palavra.
Prof. José Manuel Moran - Essa é uma questão difícil de resolver na prática.
Muitos alunos estão numa fase da vida ainda de deslumbramento, estão curiosos.
Eles não têm organização e maturidade para se concentrar em um só tema durante
uma hora. Então eles abrem mil páginas ao mesmo tempo, se deixam naturalmente
seduzir por certos temas musicais ou eróticos, conforme a sua idade. Esse conjunto
de questões dificulta o trabalho com um tema específico. Essa também não é uma
questão meramente da tecnologia ou do professor, mas da dificuldade de
concentração diante de tantos estímulos.
Prof. José Manuel Moran - Em primeiro lugar, reconhecendo que há uma grande
dificuldade. A Internet traz saídas e levanta problemas, como, por exemplo, saber de
que maneira gerenciar essa grande quantidade de informação com qualidade e
como encontrar no pouco tempo que temos em sala de aula, ou na interação via
Internet, algo que seja significativo, que não seja somente lúdico. Porque o que
interessa é se essa navegação me leva a uma compreensão maior da realidade. Do
ponto de vista metodológico, procuro um equilíbrio: nem impor demais o processo,
que amarra o aluno, nem deixar que as coisas aconteçam a seu bel-prazer. Eu
trabalho com dois momentos. No primeiro, mais aberto, eu coloco um tema em
discussão e o aluno procura a informação por si. Depois de um certo tempo,
passamos a partilhar o resultado das pesquisas, focamos um determinado artigo ou
outro material, para que não fique muito disperso. Mas é importante que os alunos
não atendam somente a uma determinação prévia do professor. Creio que esse
pode ser um caminho para minimizar a clara tentação de dispersão na pesquisa via
Internet. A Internet reforça a tendência dispersiva que os alunos têm no cotidiano,
quando eles ficam estudando e ouvindo música, tudo ao mesmo tempo.
Prof. José Manuel Moran - Eu percebo que as atitudes vão mudando aos poucos,
que já houve resistência maior. Mas há professores que inconscientemente fazem o
mínimo possível para utilizar a tecnologia, no máximo usam o Word. Eles não usam
técnicas de pesquisa ou de apresentação mais avançadas em sala de aula, nem
trabalham com criação de páginas. Então há uma parte dos professores de escolas
particulares que, mesmo tendo laboratórios e acesso à Internet, resistem a métodos
que não sejam tradicionais. Por outro lado, há os que descobrem as novas mídias e
esquecem uma série de formas que podem ser interessantes em sala de aula,
preferindo sempre jogar os alunos no laboratório, como se fosse uma grande
solução. A Internet nos ajuda, mas ela sozinha não dá conta da complexidade do
aprender hoje, da troca, do estudo em grupo, da leitura, do estudo em campo com
experiências reais. Equilibrar o melhor do ensino presencial, o estarmos juntos, e o
melhor do espaço virtual é básico. Mas ninguém teve experiência até agora com o
equilíbrio desses ambientes. Antes aprendíamos juntos apenas em sala de aula, e o
aluno tinha de se virar para fazer suas atividades quando não estava na escola. Hoje
podemos aprender quando não estamos fisicamente juntos.
Prof. José Manuel Moran - O professor, desde que surgiu o livro, sempre teve um
pouco de receio de que o aluno aprendesse outras versões além da dele. Só que
hoje você tem muitas outras formas de informações em qualquer mídia, e a Internet
agrava ainda mais a sensação de que o aluno pode encontrar informações que o
professor não tem. Para o professor inseguro, é uma espécie de desafio encontrar
uma prática que não seja a do controle. A tentação desse tipo de professor é fechar
em cima de uma única versão. O professor mais maduro trabalha com múltiplas
visões, tentando relativizar nosso conhecimento, mostrando que estamos
construindo algo que é provisório. A nossa visão agora é esta: eu aprendo com o
que o outro me traz. Essa visão é muito mais tranqüila. É a aceitação de que eu não
sou onipotente, que não tenho respostas para tudo, não sou enciclopédia. Eu
aprendo melhor reconhecendo a minha ignorância.
Prof. José Manuel Moran - Hoje há muitas escolas que estão tentando encontrar
saídas. O que a maior parte delas faz é colocar os alunos em contato com a Internet
em laboratórios e depois buscar atividades principalmente entre grupos que não
estão fisicamente juntos. No mundo inteiro se trabalha com esse tipo de projeto. A
etapa mais avançada, que começa agora na minha opinião, é desenvolver o
conceito de gerenciamento de aula, integrando o que é feito pelos alunos quando
estão juntos e fazendo com que o processo de aprendizagem continue quando eles
não estão mais juntos. Hoje há uma série de programas de gerenciamento de
ambientes virtuais que ajudam a trazer temas para a sala de aula. No fundo, é uma
página incrementada com ferramentas de chat e de fórum em que os alunos vão
colocar seus textos. Há uma série de softwares como o Eureka, o First Class, o Web
Ct e o Blackboard.
De que forma o senhor utiliza esses ambientes virtuais mais integrados em seu
processo pedagógico?
Prof. José Manuel Moran - Eu acho que não podemos mais ficar apenas nos
lamuriando da falta de condições. É verdade que um diretor de escola não pode
fazer nada sozinho. Isso exige vontade e investimentos públicos nos três níveis.
Estou coordenando uma equipe que desenvolve um programa de educação a
distância na rede pública estadual de São Paulo para capacitar professores,
supervisores de ensino e pessoas que trabalham em Oficinas Pedagógicas (OTP).
São profissionais que estão mais em contato com novas tecnologias. Na verdade
estamos fazendo a capacitação em serviços a distância, juntando a Secretaria de
Educação e a Universidade de São Paulo, através de uma fundação chamada
Vanzolini, com o apoio do governo federal, do ProInfo.
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Vitor Casimiro
Exclusivo para o Educacional