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Introdução
No uso de argamassas para seus mais variados reprodutível (ANTUNES; JOHN; PILEGGI, 2005;
fins, a mistura dos constituintes sólidos com a água CARDOSO et al., 2007).
é uma etapa fundamental, que, junto com as No estado endurecido, métodos de mistura de
características da formulação, definirá as
concreto em duas etapas de adição de água foram
propriedades no estado fresco e as condições de
comparados com o método convencional e foi
desempenho no estado endurecido.
observado um aumento da resistência à
A NBR 13276 (ABNT, 2005a) define as condições compressão utilizando-se o novo método (REJEB,
de preparo de argamassas em laboratório, sendo o 1996; TAMIMI, 1994). Na área de compósitos
procedimento adotado pelos laboratórios para cimentícios, a sequência de mistura também foi
desenvolvimento e controle de qualidade dos investigada e constatou-se que o ajuste na ordem
produtos. A norma atual indica que os materiais de introdução dos materiais contribuiu para
sólidos sejam introduzidos na água inicialmente melhorar as propriedades mecânicas no estado
disposta no recipiente. Essa sequência de endurecido (ZHOU et al., 2012).
introdução dos materiais não condiz com o que de
De maneira geral, os trabalhos acima mencionados
fato acontece em situações práticas de obra, em
basearam-se em um procedimento específico para
que, comumente, a água é adicionada às matérias-
avaliar diferentes sistemas utilizando basicamente
primas sólidas no equipamento de mistura. uma única técnica de caracterização, cuja
Estudos anteriores observaram que diferenças na avaliação fora realizada ora no estado fresco ora no
sequência de mistura alteram o perfil reológico dos endurecido.
sistemas. Em concretos refratários, através da
Nesse contexto, este trabalho tem como objetivo
reometria rotacional, foi verificado que o método investigar a influência de diferentes procedimentos
de adição da água influenciou no comportamento de mistura em laboratório no comportamento
reológico e constatou-se que introduzir a água em
reológico de uma composição de argamassa por
duas etapas foi mais eficiente na homogeneização
meio das técnicas squeeze-flow e reometria
do sistema que em uma única etapa (PILEGGI;
rotacional e nas propriedades do estado
STUDART; PANDOLFELLI, 2001). Em
endurecido.
argamassas, o efeito da adição fracionada do
líquido no sistema foi avaliado via squeeze-flow,
demonstrando que esse procedimento foi mais Programa experimental
eficaz que a adição direta, resultando em produtos Na Figura 1 pode-se visualizar o planejamento
mais fluidos, com comportamento reológico mais experimental deste estudo.
Squeeze-
flow
NBR
Estado Fresco
13276/05
N 30s Reometria
REF F 50.50%
F 25.75%_120s Módulo de
Elasticidade
Estado
F 25.75%_180s
Endurecido
Resistência
Mecânica
100
REF
50
25
0
1 10 100 1000
Diâmetro (mm)
Figura 2 - Distribuição granulométrica acumulada do sistema REF
1000
800
I II III
400
200
0
0 0,5 1 1,5 2 2,5 3 3,5 4
Deslocamento (mm)
Figura 4 - Perfil típico de carga vs. deslocamento de um ensaio de squeeze-flow. Estágio I: pequeno
deslocamento - deformação elástica; estágio II: deslocamento intermediário - deformação plástica e/ou
fluxo viscoso; estágio III: grande deslocamento - enrijecimento por deformação (strain hardening)
Fonte: Cardoso (2009).
a)
1
3
2
b) 350 c) 1,5
300
Rotação (min-1)
Torque (N.m)
250 1,0
200
150
100 0,5
50
0 0,0
0 20 40 60 80 100 0 50 100 150 200 250 300 350
Tempo (s) RPM
Figura 5 - (a) Reômetro com destaque para seus componentes: 1) dispositivo rotacional; 2) base e
console; 3) elevador; 4) recipiente de ensaio; 5) geometria de mistura; (b) Programa de rotações do
teste de ciclo de cisalhamento; e (c) Curva obtida em cada ciclo
Na análise de variância ANOVA, parte-se da mesma letra (a, b, c, etc.) não são diferentes
hipótese de que não há diferença significativa entre significativamente. Se não compartilham a mesma
as médias – hipótese nula (h0), ou seja, quaisquer letra, são diferentes significativamente
diferenças observadas são devidas meramente a (MENDENHALL; SINCICH, 1995).
flutuações das amostras da mesma população
(SPIEGEL, 1977). Se P > 0,05, a hipótese nula é Resultados e discussão
verdadeira, as médias são iguais. Se P < 0,05, a
hipótese nula é rejeitada, há diferença significativa Na Tabela 2 estão dispostos os valores médios
entre as médias, ao nível de confiança de 95%. obtidos de teor de ar para o sistema REF.
Conforme os dados apresentados (Tabela 2), o teor
Na análise estatística foi considerada a população
de ar não variou muito entre os diferentes
de dez corpos de prova em cada condição avaliada.
procedimentos no sistema de referência (REF).
A comparação dos procedimentos foi realizada
aplicando-se o teste de comparações múltiplas Assim, os procedimentos propostos neste estudo
teste de Tukey (95% de confiança). O teste baseia- foram avaliados por meio de duas técnicas de
se na diferença mínima significativa (). É feito caracterização indireta, uma por squeeze-flow e a
comparando a diferença entre as várias médias em outra por meio dos ciclos de cisalhamento.
pares ao valor () (KUTNER et al., 2004). Foi
utilizado o MINITAB no tratamento dos dados. O Squeeze-flow
software lista os valores médios dos
procedimentos analisados verticalmente em ordem Os resultados, para o sistema REF, obtidos com
decrescente. Os procedimentos listados pela essa técnica podem ser observados na Figura 6.
Tabela 2 - Teor de ar incorporado obtido após a mistura, antes dos experimentos realizados no estado
fresco e antes da moldagem dos corpos de prova, para o sistema REF
Teor de ar incorporado (%)
Procedimentos
Estado Fresco Moldagem
NBR 13276 (ABNT, 2005a) 2,8 3,5
N 30s 3,5 4,0
F 50.50% 3,2 2,7
F 25.75%_120s 3,3 3,7
F 25.75%_180s 3,6 2,9
1000
a) N30s
800
Carga (N)
600
400
200
0,1mm/s_15min
0
1000 0 0,5 1 1,5 2 2,5 3 3,5 4
b) NBR13276/05
Deslocamento (mm)
800
Carga (N)
600
400
200
0,1mm/s_15min
0
1000 0 0,5 1 1,5 2 2,5 3 3,5 4
c) F50.50%
Deslocamento (mm)
800
Carga (N)
600
400
200
0,1mm/s_15min
0
1000 0 0,5 1 1,5 2 2,5 3 3,5 4
d) F25.75%_120s
Deslocamento (mm)
800
Carga (N)
600
400
200
0,1mm/s_15min
0
1000 0 0,5 1 1,5 2 2,5 3 3,5 4
e) F25 75%_180s
Deslocamento (mm)
800
Carga (N)
600
400
200
0,1mm/s_15min
0
0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0 3,5 4,0
Deslocamento (mm)
Figura 6 - Avaliação dos procedimentos de mistura via ensaio squeeze-flow sistema REF, realizado 15
min após a mistura. Velocidade de compressão de 0,1 mm/s. a) N30s; b) NBR 13276 (ABNT, 2005a); c)
F50.50%; d) F25.75%_120s; e) F25.75%_180s
O perfil da curva carga vs. deslocamento (Figura processo e aumentando-se o tempo de mistura,
4) obtida no ensaio squeeze-flow compreende três uma vez que o teor de água foi mantido constante e
estágios. No primeiro estágio, o material apresenta a composição utilizada foi a mesma.
deformação elástica linear, comportando-se como
Da Figura 6 pode-se dizer ainda que os
um sólido, o que, para argamassas, acontece em
procedimentos de mistura N 30s e NBR 13276
deformações muito pequenas, na grande maioria
(ABNT, 2005a) atingiram menores deslocamentos.
das vezes, sendo difícil sua identificação na escala Isso sugere que esses procedimentos (N 30s e
em que são demonstradas as curvas. No segundo NBR 13276 (ABNT, 2005a) não foram capazes de
estágio (intermediário), o sistema flui por
dispersar as partículas aglomeradas com eficiência,
deformação plástica ou fluxo viscoso, sendo
resultando em unidades móveis (aglomerados)
caracterizado pelo aumento discreto da força em
maiores, o que dificulta o fluxo da argamassa.
função da deformação. A ocorrência desse estágio
está relacionada ao comportamento de argamassas Aqueles procedimentos em que o líquido é
de fácil aplicação e espalhamento, geralmente introduzido em diferentes frações no material
obtidas com a presença de aditivos incorporadores sólido e cujo tempo de mistura fora maior (F
de ar e retentor de água. E, por fim, no terceiro 50.50%, F 25.75%_120s e F 25.75%_180s)
estágio, denominado enrijecimento por conduzem a sistemas mais fluidos e dispersos,
deformação (strain hardening), há um aumento facilitando, dessa forma, a homogeneização dos
expressivo da carga necessária à deformação do constituintes. Entre os procedimentos (F
material, o qual está relacionado com a ocorrência 25.75%_120s e F 25.75%_180s) percebe-se que o
de segregação de fases e com o aumento da procedimento F 25.75%_180s possibilitou um
concentração de sólidos na região central da deslocamento maior das curvas antes de atingir a
amostra (CARDOSO, 2009). carga máxima, porém houve maior dispersão entre
as curvas, como está evidenciado na Figura 7, que
Na Figura 6 estão os resultados de squeeze-flow
mostra os resultados dos valores médios de
obtidos 15 min após a mistura. Nota-se que todas
deslocamento na carga máxima. Observa-se que os
as curvas estão com perfil predominante do
procedimentos (F 50.50%, F 25.75%_120s e F
terceiro estágio (strain hardening) e,
25.75%_180s) resultaram em argamassas mais
consequentemente, atingem a carga máxima com fluidas em squeeze-flow devido à mistura mais
pequena deformação. Aquelas que fluem mais em eficiente.
solicitações de squeeze-flow (F50.50%, F25.75%)
apresentam um início de deformação plástica ou
fluxo viscoso, porém pouco expressivo. Reometria: ciclos de cisalhamento
Analisando as curvas de cima para baixo (Figura A avaliação do comportamento de mistura pela
6a para Figura 6e) e partindo do procedimento reometria consistiu em preparar o sistema, nesse
N30s em direção ao F25.75%_180s, nota-se que, à caso o sistema REF, conforme os procedimentos
medida que o sistema é mais bem misturado, ele se dispostos no plano experimental. Após a mistura
desloca mais, indicando que os procedimentos na batedeira planetária (Figura 2), o material foi
foram mais eficazes na dispersão e submetido aos ciclos de cisalhamento no reômetro
homogeneização das partículas. Esse maior rotacional.
deslocamento foi atingido apenas se modificando o
F25.75%_180s 3,11
F25.75%_120s 3,08
F50.50% 2,84
NBR13276/05 2,61
N30s 2,07
a) 3,0 c) 3,0
N30s F50.50%
Ciclo1 Ciclo1
2,5 Ciclo 2 2,5 Ciclo2
Torque (N.m)
Torque (N.m)
2,0 Ciclo3
1,5
1,0
0,5
0,0
0 50 100 150 200 250 300 350
RPM
Figura 8 - Ciclos de cisalhamento obtidos no reômetro rotacional do tipo planetário após mistura na
batedeira planetária, obedecendo aos procedimentos de mistura propostos – (a) N30s; (b) NBR13276
(ABNT, 2005a); (c) F50.50%; (d) F25.75%_120s; e (e) F25.75%_180s
3,0 N30s
NBR13276/05
2,5 F50.50%
F25.75%_120s
Torque (N.m)
2,0 F25.75%_180s
1,5
1,0
0,5
0,0
0 50 100 150 200 250 300 350
RPM
Figura 9 - Ciclos de cisalhamento obtidos no reômetro rotacional do tipo planetário após mistura na
batedeira planetária, obedecendo aos procedimentos de mistura propostos - curvas referentes ao
primeiro ciclo de cada procedimento de mistura avaliado
a) a)250
250 b) b)250
250
N30s
N30s
Área Histerese (1º Ciclo)
Área Histerese (1º Ciclo)
200
200 NBR13276/05
NBR13276/05
Área de Histerese
Área de Histerese
F50.50%
F50.50% 200
200
150
150 F25.75%_120s
F25.75%_120s
F25.75%
F25.75%
180s
180s 150
150
100
100
100
100
5050
0 0 5050
0 0 1 1 2 2 3 3 4 4
Ciclos
Ciclos
dede
Cisalhamento
Cisalhamento 0 0
N30sN30s NBR13276/05
NBR13276/05F50.50%
F50.50%F25.75%
F25.75%
120s120s
F25.75%
F25.75%
180s180s
(a) áreas de histerese dos três ciclos efetuados para (b) área de histerese do primeiro ciclo de
cada procedimento de mistura estudado cisalhamento após a mistura
Figura 10 - Análise da área de histerese correspondente aos ciclos de cisalhamento realizados após
mistura na batedeira planetária
Módulo de Elasticidade
Resistência à Tração
Resistência à Tração
30 30
2,0 2,0
29 29
(GPa)
(GPa)
(MPa)
(MPa)
28 28
1,5 1,5
27 27
1,0 1,0 26 26
N 30s N 30s
NBR NBRF 50.50%
F 50.50%
F 25.75%
F 25.75%
F 25.75%
F 25.75% N 30s N 30s
NBR NBRF 50.50%
F 50.50%
F 25.75%
F 25.75%
F 25.75%
F 25.75%
13276/05
13276/05 120s 120s180s 180s 13276/05
13276/05 120s 120s180s 180s
(a) resistência à tração por compressão diametral (b) módulo de elasticidade dinâmico
Figura 11 - Resultados no estado endurecido aos 28 dias de idade - valores médios para 10 espécies de
corpos de prova, por procedimento de mistura avaliado – sistema REF
Tabela 3 - Análise de variância dos procedimentos de mistura sistema REF, avaliados aos 28 dias de
idade
Resistência à tração por compressão diametral – 28 dias
Fonte G.L. F P h0
Procedimento 4 3,01 0,028 Significativo
Erro 45
Total 49
Nota: Propriedades avaliadas: resistência à tração por compressão diametral, módulo de elasticidade dinâmico.
Legenda: G.L = Grau de Liberdade;
F = F – estatística; e
P = p-valor.
Tabela 4 - Comparação entre os procedimentos de mistura, avaliados aos 28 dias de idade pelo teste de
Tukey
(a) Resistência à tração por compressão dimetral (b) Módulo de elasticidade dinâmico
Procedimento de mistura Média Agrupamento Procedimento de mistura Média Agrupamento
F 50.50% 2,2 a F 25.75%_120s 29,1 a
F 25.75%_120s 2,1 a F 50.50% 29,0 a
NBR 13276 (ABNT, 2005a) 1,9 a F 25.75%_180s 28,7 a b
F 25.75%_180s 1,9 a NBR 13276 (ABNT, 2005a) 27,8 b
N30s 1,9 a N30s 27,7 b
Nota: (a) resistência à tração por compressão diametral; e (b) módulo de elasticidade dinâmico. Médias seguidas pela
mesma letra não diferem entre si pelo teste Tukey a 5%.