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Oblíquo Resta o Tempo
Oblíquo Resta o Tempo
Literatura Italiana, actualmente reformada, vive em Trieste. Tem a seu cargo a selecção editorial
da revista Ramo d’Oro. Organiza todos os anos o festival de literatura Residenze Estive, em
Trieste-Duíno.
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onde permanece a nossa paixão
a escolha o desejo
a sensação do dia que ameaça
a onda que estremece sob o recife
a lua acesa na vertical
a alma do mundo no fundo dos olhos
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passam os dias passam
como areia frágil entre os dedos
diluem-se no chão
vultos informes
como grupos de formigas
passam furtivamente por entre os grãos
(no chão) escondidos por entre as folhas secas
os ramos mordiscados, os galhos secos
e alguma pedra mais afiada e branca
ali onde um seco asfódelo ondula
em rígido ritmo ao vento
lembra-te de mim
quando te afastas
quando outros dias caem
entre as tuas mãos
lembra-te que existo – eu também –
só que um pouco mais à parte
se me atraso
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quando te deixas andar
parece um presente
um gesto involuntário
que dissolve num instante a tensão
e te – sempre - surpreende em primeiro lugar
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de ti de mim
que coisa resta
do tempo ausente
das tuas mãos graves
dos pensamentos vorazes
e depois de tudo o que
desmanchado quebrado
não resta nada?
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agora, além do mais, estamos calados
mas sigo atenta os teus passos
na escada encontro o teu cachimbo
na casa de banho olho na cadeira
o jornal ainda aberto
e sei que estás no quarto
ao lado
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a ti
que há anos estás junto
a mim partilhando noites
e dias em lugares conhecidos
prolongas a tua respiração
como quando o vento açoita
dos gestos contidos observo
o opaco desenrolar do tempo
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nada é garantido –
- feito – dito – ouvido –
renova-se sempre a incerteza extrema
- por quanto tempo ? –
e uma pergunta levanta-se:
que se repita incontáveis vezes
até ser sonho
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não nos é dado comandar tudo
separar realidade de fantasias
medos fechados à chave
abrindo o ânimo apenas a certezas
e sem temores olhar a vida:
a mais pacata e inocente
forma vela um espectro de sombra
para colher
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onde o passado?
não de uma história pessoal
quiçá pouco interessante
ideia tirada de um artigo
lido à socapa no fumo de um cigarro
no começo da tarde no fim de primavera
a casa silenciosa
o meu filho saiu com o cão
a janela aberta baralha
o cheiro a fumo
Penélope abana a cabeça
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