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exposição individual. No início dos começando a superar Hume, o Iluminismo, e
anos 70, colaborou com várias Kant. 1 A filosofia de Hegel também era capaz
edições de artistas, como a revista
de dar pretexto para uma defesa de crenças reli-
e o JOrnal Avalanche, sendo editor
das publicações Art-Language e giosas, providenciando uma alternativa para a
The Fax, "uma publicação da mecânica newtoniana e se enca.J.Xando no cres-
Fundação Art&Language" .
cimento da história como uma disciplina, além
"Art after philosophy", cuja de aceitar a biologia darwinista.2 Hegel parecia
versão integral apresentamos,
oferecer uma solução aceitável para o conflito
é um verdadeiro manifesto que
defme a natureza tautológica da
entre a teologia e a ciência.
condição artística, onde se ressalta O resultado da influência de Hegel foi que
a responsabilidade de cada artista os filósofos contemporâneos, em sua grande
pela leitura de seu próprio trabalho.
maioria, são na realidade pouco mais do que
Os escritos de Kosuth estão
reunidos em Art after Philosophy and historiadores da filosofia , Bibliotecários da Ver-
after Colleded Writings (Cambndge/ dade , por assim dizer. Começamos a ficar com
Londres, MIT Press , 1991 ). a impressão de que não há "nada mais para
ser dito". E certamente, se compreendemos as
"Art after philosophy" Ensaio implicações do pensamento de Wittgenstein,
em três partes , publicado em e do pensamento influenciado por ele ou que
Studio lnternationa/178, n.915 (out o seguiu , a filosofia "continental" não precisa
1969); n.916 (nov 1969) e n.917
ser considerada seriamente aqui. -
(dez 1969). O primeiro número
da revista Malasartes (Rio de Existe uma razão para a "irrealidade" da
Janeiro, set/ out/ nov 1975) , filo sofia na nossa época? Talvez isso possa
editada por artistas e críticos , ser respondido observando a diferença entre
traz uma versão deste ensaio.
a nossa época e os séculos precedentes. No
passado, as conclusões do homem acerca do
mundo eram baseadas na informação que ele
tinha sobre o mundo - se não especificamen-
te, como os empiristas, de maneira genérica,
como os racionalistas. Com freqi.iência a pro-
ximidade entre a filosofia e a ciência era tão
jose ph ko su ch 211
grande, que cientistas e filósofos eram uma mesma pessoa. De faro , desde
a época de Tales, Epicuro, Heráclito e Aristóteles, até Descartes e Leibniz,
"os grandes nomes na filosofia também eram, muitas vezes, os grandes
nomes nas ciências" 3
Não é preciso provar aqui o faro de que o mundo, como é percebido
pela ciência do século XX, tem uma diferença muito maior em relação ao
mundo do século precedente. Será possível, então, que com efeito o ho-
mem tenha aprendido tanto, e que a sua "inteligência" seja tanta, que ele
não pode acreditar no raciocínio da filosofia tradicional? Será possível,
talvez, que ele saiba demais acerca do mundo para chegar àqueles tipos de
conclusões? Como si r ]ames Jeans declarou:
Ele continua:
O século XX trouxe à tona uma época que poderia ser chamada "o
fim da filosofia e o começo da arte". Não afirmo isso de maneira estrita,
claro, mas sim como uma "tendência" da situação. Certamente a filo-
sofia da hnguagem pode ser considerada herdeira do empirismo, mas
é uma filosofia de uma só marcha.· E certamente existe uma "condição
artística" para a arte que precedeu Duchamp, mas as suas outras funções
· A tarefa que tal filosofia assumiu é a única "função" que ela poderia realizar se m fazer
afirmações filosóficas .
A função da arte
A metade ou mais da metade dos melhores trabalhos novos nos últimos anos
não foram nem pintura nem escultura. OONALD Juoo [ L965]
Tudo que a escultura tem, meu trabalho não tem. DoNALD Juoo [ 1967]
A idéia se torna uma máquina que faz a arte. Sot LEWnc [ L967]
A única coisa a. ser dita sobre a arte é que ela é uma coisa. A m'te é arte-como-
arte e todo o resto é todo o resto. A arte como arte não é nada além de arte. A
arte não é o que não é arte. Ao RErNH ARDT [I 963]
O significado é o uso. WtTTGENSTEI N
Nessa seção vou discutir a separação entre a estética e a arte; considerar bre-
vemente a arte formalista (porque ela é um dos principais proponentes da
idéia de estética como arte), e afirmar que a arte é análoga a uma proposição
analítica, e gue a existência da arte como uma tautologia é o que permite
à arte permanecer "indiferente" com relação às conjecturas filosóficas.
É necessário separar a estética da arte porque a estética lida com opi-
niões sobre a percepção do mundo em geral. No passado, um dos dois desta-
ques da função da arte era seu valor como decoração. Assim, qualquer ramo
da filosofia que lidasse com a "beleza", e portanto com o "gosto", era inevi-
tavelmente obrigado a discutir também a arte. A partir desse "hábito" surgiu
a noção de que havia uma conexão conceitual entre a arte e a estética, o que
não é verdade. Essa idéia, até recentemente nunca havta enrrado em conflito
de maneira drástica com as considerações artísticas, até recentemente, não
só porque as características morfológicas da arte perpetuavam a conrinuida-
de desse erro, mas também porque as aparenres ''funções" da arte (represen-
tar remas religiosos, retratar aristocratas, detalhar arquitetura etc.) usavam
a arte para encobrir a arte.
Quando objetos são apresentados no contexto da arte (e até recen-
temente os objetos eram sempre usados), eles são passíveis de conside-
rações estéticas assim como quaisquer objetos no mundo, e uma con-
sideração estética de um objeto existente no reino da arte significa que
a existência do objeto, ou o funcionamento em um contexto de arte, é
irrelevante para o juízo estético.
A relação da estética com a arte não é diferente da relação da estética
com a arquitetura, em que a arquitetura rem uma função muito específi-
A objeção mai s forte que se pode fazer contra uma justificação mor-
fológica para a arte tradi cional é que as noções morfológicas da arte
inco rporam um con ce iro a priori, subentendido, das poss ibilidades da
arte. Mas tal conceito a prio;-i da natureza da arte (como sendo separado
das proposições de arte analiticamente enquadradas ou "trabalho", que
discutirei mais tarde) rorna de faro, a priori, impossível questionar a na-
tureza da arte . E esse ques tionamento da natureza da arte é um conceito
muito importante na co mpreensão da função da arte.
A função da arte , co mo questão, foi proposta pela primeira vez por
Mareei Duchamp Realmente é a Mareei Duchamp que podemo s credi-
tar o faro de ter d ado à arte a sua id entidad e própria. (Decerto se pode
enxergar uma tendê ncia em direção a essa auto-identificação d a arte co-
meçando com Maner e Cézanne, até ch ega r ao cubismo,· mas as obras
deles são tímid as e ambíguas em comparação com as de Duchamp.) A
arte " moderna" e as obras anteriores pareciam conectadas em virtude
de sua morfologia. Outra man eira de expressar isso se ria afirmando que
a "linguagem" da arte perman eceu a mes ma , mas estava di ze ndo coisas
novas. O <.:vento que tornou conceGivd a pe!·c c p ~ iio de que :;c po J.ia " falar
outra linguagem" e ainda assim fazer sentido na arte foi o primeiro rea-
d ymade não-assistido de Duchamp. Co m o readym ade não-assistido, a arte
mudo u o se u foco da forma da lin g uagem para o qu e estava sendo dito.
Isso sig nifi ca que a natureza da arte mudou de uma qu estão de morfo-
logia para uma questão de função. Essa mudan ça - de "aparê ncia " para
"co ncepção"- foi o começo da arte " moderna" e o co m eço da arte "Con-
cei tu al". Toda a arte (depois de Duchamp) é conceirual (por natureza),
porque a arte só existe con ceitualmente.
· Como Terry Atkinson a po ntou em sua imroduç.1o para Arr-Langu,zgc 1, n.l, os cubisras
nunca questionaram se a ar te tlnha carac terís tlc.1s mo rfo lógicas) mais quais e ram an'iL.i-
ve iS na pmtura.
jo c p h kosurh 217
O "valor" de determinados artistas depois de Ouchamp pode ser
medido de acordo com o quanto eles questionaram a natureza da arte; o
que é um ourro modo de dizer "o que eles acrescentaram à concepção da
arte" ou o que não existia antes deles. Os artistas questionam a natureza
da arte apresentando novas proposições quanto à natureza da arte. E
para fazer isso não se pode dar importância à "linguagem" legada pela
arte rradtcional, uma vez que essa atividade é baseada na suposição de
que só existe uma maneira de enquadrar proposições artísticas. Mas a pró-
pria matéria da arte de fato está relacionada a "criar" novas proposições.
Sempre se levanta a questão - particularmente em referência a Ou-
champ- de que rodos os objeros de arte (tais como os readymades, é claro,
mas roda arte está implicada nisso) são julgados, passados alguns anos,
como ob;ets d'art e as intenções do artista se tornam irrelevantes. Tal argu-
mento é um caso d e uma noção preconcebida de arte que está coordenando
faros não necessariamente relacionados. O ponto em questão é o seguinte:
estéticas, conforme apontamos, são conceitualmente irrelevantes para a
arte. Portanto, qualquer coisa física pode se tornar ob;et d 'art, quer dizer,
pode ser considerada de bom gosro, esteticamente agradável etc. Mas isso
não rem nenhuma influência sobre a aplicação do objeto a um contexto
artístico; ou seja, sobre o seu funcionamento em um contexto artístico. (Por
exemplo, se um colecionador pega um quadro , encaixa nele pernas e passa
a usá-lo como mesa de jantar, trata-se de um aro qu e não rem relação com
a arte ou o artista, porque, como arte, essa não era a intenção do artista.)
E o que permanece verdade em relação à obra de Ouchamp também
se aplica à maioria da a rte posterior a ele. Em outras palavras, o valor do
cubismo é a sua idéia no domínio da arte, não as qualidades físicas ou
visuais observadas em uma pintura específica, nem a particularização de
certas cores ou formas. Pois essas cores e formas constituem a "linguagem"
da arte, não o que ela significa conceitualmente como arte. Olhar agora
com respeito uma "obra-prima" cubisra como arte é absurdo, do ponro de
vista conceitual, no que diz res peito à arte . (Aquela informação visual que
era única na linguagem do cubismo agora foi absorvida genericamente e
tem muiro a ver com o modo como se lida com uma pintura "lingüistica-
mente". [Por exe mplo, o qu e uma pintura cubista significava do ponro de
vista experimental e conceitual para, digamos , Gertrude S tein , vai além da
·Quando alguém "compra" um Flavin, não está comprando um espetáculo de luzes, pois
se estivesse poderia apenas ir a uma lo;a e comprar os produros por muito menos. Não
está "comprando" nada. Está subsidiando a atividade de Flavin como artista.
• É o uso da linguage m co mum pela poesia para ten tar dizer o indiz/tJe/ que é problemári co,
não qualquer probl ema inerente ao uso d a linguagem no contex to da arte.
Vemos agora que os axiomas de uma geometria são simp les definições, e que
os teoremas de uma geome tri a são simp lesme nte as conseqüências lógicas
dessas definições. Uma geometria não diz respeito , em si mesma, ao espaço
físico; em si mesma, não pode ser considerada "dizendo respeito" a algo. Mas
podemos usar uma geometria para argumentar acerca do espaço físico. Isso
quer dizer qu e uma vez que tenhamos dado aos axiomas urna interpretação
física, podemos proceder com a aplicação dos teoremas aos objetos que sa tis-
fazem os axiomas. Se um a geometria pode ser aplicada ao mundo físico real
[actuafj ou não é um a questão empírica, que é externa ao escopo da própria
geometria. Não há sentido algum, portanto, em perguntar qual das vánas
geometnas conhecidas por nós é falsa e qual é verdadeira. Na medida em que
todas elas são livres de contradições, todas são verdadeiras. A proposição que
a firma ser possível uma certa aplicação de uma geometria não é, por si pró-
pria, uma proposição dessa geometria. Tudo o que a própria geometria nos
informa é que, se qualquer coisa puder ser considerada seg undo as definições,
também vai sa ti sfaze r os teoremas . Trata-se portanto de um sis tema pura-
mente lógico, e as s uas proposições são puras proposições analíticas . 15
Parte 11
Arte Conceitual e arte recente
Para cada trabalho de arte que se torna algo fúico há diversas variações que
não se tornam. SoL LEWITT
A principal virtude das formas geométricas é qtte elas não são orgânicas,
como todo o resto da arte é. Uma forma que não fosse nem geométrica nem
orgânica seria uma grande descoberta. DONALD J uoo [l967 l
A única coisa a dizer sobre a arte é que ela é sem fôlego, sem vida, sem morte,
sem conteúdo, sem forma, sem espaço e sem tempo. Isso é sempre o fim da
arte. Ao REINHt\RDT [ l 962]
• Não emendi (e comínuo sem encend e () sua úlcima decisão. Desde a p(imei(a vez em
que enco mrei Weine(, ele defendeu a sua posição (bas(ame hoscil à minha) de se( um
" maCe(ialista". Semp(e achei essa úlcima direção (por exemp lo Statements) semical em meus
cermos, ma.s nunca en cend i co mo ela era nos cerm os dele.
··Comecei a datar meu trabalh o com as séries Artas ldeaas ldea.
Parte III
Suponho que meu primeiro trabalho "co nceitual" foi o Leaning glass, de
1965. Ele consiste em uma chapa de vidro qualquer, de l ,S m, para serre-
costada em qualquer parede. Logo depois disso, interessei-me p ela água,
por ca usa de sua qualidade incolor e informe. Usei água de rodas as manei-
· E Sre lla ta mb ém , é claro. Mas o trabalho d e Stella, que foi mLnto enfraquec id o por se r
p intura, tornou-se obso leto muiro rapidamente graças a Judd e ou tros .
·· Smith so n com certeza lid erou a at ivid ade dos earthtuorks - m :~s se u úni co discípulo,
Michael Heizer, é um artis ta d~ "uma id éia ", que não contribu iu mui ro. Se você re m tr inta
hom ens cava nd o burJcos e nacb se dcs..,nvolve a partir dcs~a idéia, você nã o tem muir:t
coisa, tem' Um fo sso muiro grande, talvez.
Notas
1. Morton Wh ite, Th e Age of Analysis, Nova York, Menro r Books , 1955, p.14 .
2. Ibid , p 15.
3. Si r ]ames Jeans, Physics and Philosophy, Nova York, Macmillan, 1946, p.17.
4. Ibid ., p.190.
S. Webster's Netv World Dicúonary ofthe American Language (1962), s.v. "decoration".
6. Lucy Lippard usa essa citaçã o em AdReinhardt: Paintings, Nova York , Jewis h
Museum, 1966, p.28 .
7. Mai s um a vez Lucy Lippard, na res en ha "Constellation by Harsh Daylighr:
The Whirney Annual", Hudson Revieu; 21, primavera 1968, p.180.
8. Arthur R. Rose, "Four Imetviews", Arts Magazine 43, n.4, fev 1969, p.23 .
9. A.]. Ayer, Language, Tmth, and Logic, Nova York, Dover, J 946, p.78.
10. Ibid , p 57.
11. Idem.
12. Ibid ., p.90.
13. !bid., p.94.
14. Lucy Lip pa rd, Ad Reinhardt. Paintings, op.cit., p.l2.
15. Ayer, Langpage, Trnth, and Logic, op cir., p 82.
16. Art-Language 1, n.l.
17. Art-Language 1, n.1, p.5-6.
18. T odas podem se r obtidas a partir da Arr&Language Press, 84 Jubilee Crescenr,
Covenrry, Engla nd.
CIP-Brasíl. Catalogação-na-fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros , RJ.
ISBN 85-7110-939-7
292 Louis Cane "O pintor sem modelo", nota prática sobre uma pintura (19 7 1]