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A Computação Quântica é uma área de pesquisa relativamente recente, que vem sendo desenvolvida nos últimos 20 anos,
e que faz uso dos fundamentos da Ciência da Computação e da Fı́sica Quântica. Dois são os fenômenos quânticos em que se
baseia a Computação Quântica: superposição e interferência. Neste trabalho, destacaremos o papel da interferência na solução
do problema proposto por Deutsch, o qual consiste em saber se uma dada função é constante ou balanceada, calculando a
função apenas uma vez. Figurativamente, isto equivale a saber se uma moeda é honesta ou viciada (duas faces iguais) olhando-
a uma única vez. A solução de Deutsch (algoritmo) é, com freqüência, explicada de forma abstrata e com auxı́lio de circuitos.
Contudo, embora eficiente para expressar a “lógica” e facilitar o desenvolvimento de algoritmos quânticos, esta abordagem não
deixa transparecer e facilmente apreender os fenômenos fı́sicos subjacentes. Neste trabalho mostramos didaticamente como o
interferômetro de Mach-Zehnder implementa o algoritmo de Deutsch, destacando desta forma a importância da interferência
na realização de algoritmos quânticos.
Palavras-chave: algoritmo de Deutsch, interferômetro de Mach-Zehnder, computação quântica.
Quantum Computation is a relatively new research area, which has been in development in the past 20 years, and which
makes use of the fundamentals of Computer Science and Quantum Physics. Two are the quantum phenomena in which
Quantum Computation is based: superposition and interference. In this work, we will highlight the role of interference in the
solution of the problem proposed by Deutsch, which consists of knowing if a given function is constant or balanced, executing
the function only once. Figuratively, this is the same as knowing if a coin is honest or faked (two equal faces) looking only
once. Deutsch’s solution (algorithm) is frequently explained in an abstract manner and with the help of circuits. However,
although efficient to express the “logics” and facilitate the development of quantum algorithms, that approach does not make it
clear and easy to realize the underlying physical phenomena. In this work, we show, in a didatic way, how the Mach-Zehnder
interferometer implements Deutsch’s algorithm, thus highlighting the importance of interference in the realization of quantum
algorithms.
Keywords: Deutsch algorithm, Mach-Zehnder interferometer, quantum computation.
deste fenômeno é fundamental para se adquirir uma base sólida Em um computador quântico, um registrador de n qubits, por
para a perfeita compreensão das operações e dos resultados que sua vez, pode armazenar 2n números diferentes ao mesmo tempo.
podem ser obtidos por um algoritmo quântico. Nesse artigo, apre- Por exemplo, com 2 qubits podemos representar o estado:
sentamos, inicialmente, uma breve introdução à linguagem de cir-
cuitos quânticos e uma descrição nessa linguagem do algoritmo de |ψi = |ψ1 i ⊗ |ψ2 i
Deutsch. Em seguida, apresentamos o fenômeno da interferência (1) (1) (2)
= (c0 |0i + c1 |1i) ⊗ (c0 |0i + c1 |1i)
(2)
Nem todas as portas quânticas possuem correspondentes O conjunto de portas de um e de dois qubits é universal, ou
clássicas. Por exemplo, a porta Hadamard (ou simplesmente H), seja, qualquer operação quântica sobre um número qualquer de
definida pela matriz: qubits pode ser representada por um circuito quântico composto
1 1
» – apenas de portas desse conjunto.
1
H= √ (10)
2 1 −1
2.5. Computação quântica
leva em estados sem equivalentes clássicos. Por exemplo:
» –» – » – De acordo com (11), se aplicarmos H a cada um dos qubits de um
1 1 1 1 1 1 |0i + |1i
H|0i = √ = √ = √ registrador de n qubits, inicialmente todos no estado |0i, obtemos
2 1 −1 0 2 1 2
» –» – » – o estado:
1 1 1 0 1 1 |0i − |1i
H|1i = √ = √ = √ (11)
2 1 −1 1 2 −1 2 |ψi = H ⊗ H ⊗ · · · ⊗ H|00 . . . 0i
1 1
= √ (|0i + |1i) ⊗ √ (|0i + |1i)⊗
2.4. Portas controladas de dois qubits 2 2
1
As portas X e H são portas quânticas simples que aplicam · · · ⊗ √ (|0i + |1i)
2
operações quânticas sobre um único qubit. Apesar do conjunto
1
de portas quânticas simples ser infinito (o número de matrizes = n/2 (|00 . . . 0i + |00 . . . 1i + · · · + |11 . . . 1i)
2
unitárias 2 × 2 é infinito), esse conjunto não é universal, ou seja, 2n −1
não é suficiente para construir circuitos quânticos que represen- 1 X
= n/2 |xi (13)
tam operações quânticas sobre um número n qualquer de qubits 2 x=0
(matrizes unitárias 2n × 2n ). Para tanto, é preciso a utilização de
Podemos observar que, com um número linear de operações (n
portas quânticas de múltiplos qubits cujo representante principal é
aplicações de H), obtemos um estado do registrador que é descrito
a porta NOT-controlada ou, como é mais conhecida na literatura,
por um número exponencial de termos distintos (2n ). O circuito
porta CNOT. Esta porta define uma operação sobre 2 qubits a e b
quântico da Figura 5 realiza a operação acima descrita (Equação
(chamados qubit de controle e qubit alvo, respectivamente) descrita
13). Classicamente, um circuito para computar uma função n-ária
pela matriz 4 × 4 mostrada abaixo:
[20] f consistiria em um aglomerado de portas com n entradas
x1 , . . . , xn e uma saı́da y = f (x1 , . . . , xn ). Entretanto, um cir-
cuito quântico não pode computar uma função dessa forma pois
2 3
1 0 0 0
60
6 1 0 077 (12) uma operação quântica é unitária e portanto reversı́vel. Um com-
40 0 0 15 putador quântico precisa de 2 registradores: um para guardar o
0 0 1 0 estado da entrada e outro para o estado da saı́da. A computação de
e cuja atuação pode ser descrita assim: se o qubit de controle a uma função f seria determinada por uma operação unitária Uf que
está no estado |0i, o estado do qubit alvo permanece inalterado. Se agiria sobre os dois registradores, preservando a entrada:
o qubit de controle a está no estado |1i o estado do qubit alvo é
Uf (|xi|yi) = |xi|y ⊕ f (x)i (14)
alterado para |b ⊕ ai. A operação sobre o qubit alvo pode ser ex-
pressa como X a |bi, onde X é a porta X e o sobrescrito “a” indica Podemos observar que se y = 0,
o valor do bit de controle. O diagrama da Figura 3 representa a
porta CNOT. Uf (|xi|0i) = |xi|0 ⊕ f (x)i = |xi|f (x)i (15)
112 Cabral et al.
No entanto, este paralelismo por si só não se concretiza Figura 7 - Circuito de Deutsch.
em vantagem pois ao medir a saı́da do circuito (o resultado da
computação) obtemos apenas o valor da função em um ponto, Depois da aplicação das duas portas H, o estado do sistema
que não reflete toda a informação contida na superposição. Uma |ψ1 i será:
maneira de se obter uma informação global sobre a função é » –» –
|0i + |1i |0i − |1i
fazendo uso do fenômeno da interferência, que, junto com o |ψ1 i = √ √ (19)
2 2
fenômeno da superposição, constitui a base dos atuais algoritmos
quânticos. Note que, como apresentado na seção 2.5, aplicando-se Uf a
√
um dado estado |xi(|0i − |1i)/ 2, obteremos:
3. Problema de Deutsch
„ « „ «
|0i − |1i Uf |0 ⊕ f (x)i − |1 ⊕ f (x)i
|xi √ −→ |xi √
2 2
O problema de Deutsch consiste em saber se uma dada função
( |0i−|1i
|xi √2 se f (x) = 0
f : {0, 1} −→ {0, 1} é balanceada ou constante. Existem qua- =
|xi |1i−|0i
√
2
se f (x) = 1
tro funções possı́veis, como vemos na Tabela 1.
|0i − |1i
= (−1)f (x) |xi √ (20)
x f0 (x) f1 (x) f2 (x) f3 (x) 2
0 1 0 0 1 A partir daı́, não é difı́cil mostrar que, ao aplicarmos Uf a |ψ1 i
1 1 0 1 0
teremos as seguintes possibilidades:
constantes balanceadas
8 h ih i
<± |0i+|1i √
|0i−|1i
√ se f (0) = f (1)
Tabela 1 - As quatro funções possı́veis do tipo |ψ2 i = h 2 ih 2 i
(21)
f : {0, 1} −→ {0, 1} :± |0i−|1i √
|0i−|1i
√ se f (0) 6= f (1)
2 2
Interpretando o algoritmo de Deutsch no interferômetro de Mach-Zehnder 113
Aplicando-se uma porta H ao primeiro qubit, teremos: As contribuições ondulatórias provenientes de cada fenda atingem
8 h i uma tela (detectora), produzindo o conhecido padrão de inter-
<±|0i |0i−|1i
√ se f (0) = f (1)
2 i ferência.
|ψ3 i = h (22)
:±|1i |0i−|1i
√ se f (0) 6= f (1)
2 Com a disponibilidade tecnológica atual, modernos detectores
que podemos reescrever da seguinte forma: luminosos e circuitos eletrônicos de alto poder de resolução tempo-
» – ral, é possı́vel construir uma versão moderna do experimento de in-
|0i − |1i terferência de Young. Nesta versão moderna, o feixe luminoso será
|ψ3 i = ±(|f (0) ⊕ f (1)i) √ (23)
2 substituı́do por fótons individuais e o anteparo por foto-detectores.
Assim, o estado do primeiro qubit contém a informação de-
Será necessário “reinterpretar”, à luz da Mecânica Quântica,
sejada sobre a função : f (0) ⊕ f (1). Fazendo uma medição no
os elementos constituintes do experimento. Note que, embora
primeiro qubit saberemos se a função é constante ou balanceada.
um feixe de onda luminoso possa ser separado (através de um
Observe que a expressão (21) pode ser reescrita como
espelho semi-transparente) em parte refletida e parte transmitida,
(omitindo os fatores de normalização para facilitar o entendi-
um único fóton não é divisı́vel desta maneira. Porém, os cami-
mento):
nhos disponı́veis (e em princı́pio indistingüı́veis) para o fóton cons-
tituem o ingrediente que possibilita o fenômeno da interferência.
X
(−1)f (x) |xi ( |0i − |1i ) Na seção seguinte, são apresentados os componentes básicos e
x=0,1
h i o funcionamento do interferômetro de Mach-Zehnder.
= (−1)f (0) |0i + (−1)f (1) |1i ( |0i − |1i )
h i
= (−1)f (0) |0i + (−1)f (0)⊕f (1) |1i ( |0i − |1i ) (24)
4. Interferência
onde I é a intensidade da fonte luminosa, k é o número de onda,
Um dos mais notáveis fenômenos fı́sicos é o fenômeno da inter- e ∆L é a diferença no comprimento dos braços do interferômetro.
ferência. Nas palavras de R. P. Feynman: “. . . um fenômeno que Embora a discussão acima tenha sido realizada para um feixe de
é impossı́vel, absolutamente impossı́vel, de explicar de maneira onda incidindo no interferômetro, ela pode ser reinterpretada para
clássica, e que está no coração da mecânica quântica.” [5]. o caso de um único fóton incidindo em um dos braços do inter-
A discussão do fenômeno da interferência é comumente in- ferômetro. Uma interessante aplicação deste dispositivo na Crip-
troduzido, nos textos de Fı́sica Básica, através do experimento tografia Quântica pode ser encontrada em [9]. Para um descrição
da dupla fenda de Young [6]. Neste experimento, um feixe lu- detalhada dos elementos de Ótica Quântica, e em particular dos
minoso atravessa duas fendas existentes em um anteparo opaco. dispositivos aqui discutidos, ver [10]-[12].
114 Cabral et al.
» –
0 1
UE = (32)
1 0
Mais explicitamente,
UE |0i = |1i
UE |1i = |0i (33)
onde consideramos que as taxas de reflexão e transmissão são Os detectores D0 e D1 registram a presença da partı́cula em
iguais, R = 1/2 = T e que a reflexão introduz uma fase eiπ/2 = i, cada uma das possı́veis saı́das.
com relação à transmissão. A probabilidade da partı́cula ser registrada no detector D0
Se, por outro lado, a partı́cula, antes de incidir em ES1 , es- quando vinda inicialmente pelo caminho “|0i” é definida por
tivesse no caminho |1i: |0i (φ0 − φ1 )
P0 ≡ |h0|ΨES2 i|2 = cos2 (35)
√ √ 2
|1i −→ i 1 − T |0i + T |1i
E para o detector D1 , encontra-se
1
|1i −→ √ i(|0i − i|1i) (29)
2 |0i (φ0 − φ1 )
P1 = sen2 (36)
2
Note que o que distingue os estados (28) e (29) é a fase relativa
Se o caminho inicial da partı́cula fosse “|1i” terı́amos as pro-
eiπ = −1 entre os caminhos |0i e |1i constituintes. Assim pode-
babilidades de detecção nos detectores D0 e D1 dadas por
mos descrever o efeito dos dispositivos ES1(2) como produzindo
uma superposição de estados distintos e uma fase relativa entre |1i (φ0 − φ1 )
P0 = sen2 (37)
eles. 2
A operação efetuada por um separador de feixes ES (com e
R = T = 1/2 ), sobre os caminhos |0i e |1i, pode ser representada |1i (φ0 − φ1 )
P1 = cos2 (38)
pela operação unitária UES 2
(
0 para o caso f (0) = f (1)
(φ0 − φ1 ) = (44)
π para o caso f (0) 6= f (1) Figura 9 - circuito de computação da fase.
Isto é, os defasadores devem ser preparados tais que (φ0 −φ1 ) = 0,
Ou seja,
se o interferômetro deve simular aplicação do algoritmo de Deutsch
a uma função constante, ou tais que (φ0 − φ1 ) = π, no caso de Uc
(|0i + |1i)|ui −→|0i|ui + |1i U |ui
uma função balanceada.
|0i|ui + |1i eiφ |ui
3o¯ passo do algoritmo :
( |0i + eiφ |1i ) |ui (48)
H
(|0i + (−1)f (0)⊕f (1) |1i) −→[(1 + (−1)f (0)⊕f (1) )|0i+ Da seção 3.1. podemos ver que o fator de fase gerado
+(1 − (−1) f (0)⊕f (1)
)|1i]/2 (45) (−1)f (0)⊕f (1) corresponde ao autovalor do estado do qubit auxi-
liar (|0i − |1i) sob ação da operação Uf que envia |yi para
Ou seja, a porta H remete o estado do primeiro qubit para |0i, se |y ⊕ f (x)i. Para ver como Uf pode ser implementado para cada
f (0) ⊕ f (1) = 0 (função constante), ou para |1i se uma das funções consideradas [Tabela 1] veja referência [13].
116 Cabral et al.