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Primitivação de funções racionais

Nesta folhas pretende-se apresentar o método de primitivação de funções


racionais, isto é, funções que se podem escrever como quociente de dois
polinómios.
O procedimento consiste em efectuar a decomposição da função racional
numa soma de fracções elementares (eventualmente somadas com um polinómio)
e seguidamente primitivar estas funções. Este método é, basicamente, um
algoritmo, cujos passos irão ser ilustrados, ao longo das folhas, por meio das
funções do exemplo que se segue.
Exemplo:
x2 +1
1. f (x) = x−1
;

2. g (x) = 1
x2 −1
;
2x2 +1
3. h (x) = 2x3 +2x2
;
4x2 +3x+5
4. j (x) = x3 +2x2 +5x
.

Definição: Chama-se função racional a qualquer função que se possa


(x)
escrever na forma PQ(x) , com P (x) e Q (x) polinómios de coeficientes reais.
A função racional diz-se própria se o grau de P (x) é estritamente
menor do que o grau de Q (x) e diz-se imprópria caso contrário.
Notação: Representamos por gr (P (x)) o grau do polinómio P (x) .

Exemplo:
Todas as funções referidas no exemplo inicial são funções racionais.
A primeira é uma função racional imprópria, as restantes são próprias.

Regra Fundamental: Para primitivar, temos sempre que trabalhar com


funções racionais próprias!

Fase 1:
(x)
Começamos por verificar se a função PQ(x) é própria.
Se é própria, seguimos para a Fase 2.
Se não é própria, temos que escrevê-la na forma

polinómio + função racional própria.

Ficamos, assim, com uma primitiva imediata e a primitiva duma função


racional própria.

Ana Matos - P. de F. Racionais 1 21 de Janeiro de 2007


(x)
• Qualquer função racional imprópria PQ(x) pode escrever-se como soma
de um polinómio e uma função racional própria.
Basta fazer a divisão de P (x) por Q (x) .
Proposição (Regra da divisão):
Sendo P (x) um polinómio e Q (x) um polinómio de grau ≥ 1, existem
sempre polinómios C (x) e R (x) , univocamente determinados, tais que
P (x) = Q (x). C (x) + R (x) , com gr (R (x)) < gr (Q (x)) .
           
Dividendo Divisor Quociente Resto da div.

Então
P (x) R (x)
Q(x)
= C (x) + .
   Q (x)
polin.   
f. racional própria

Exemplifiquemos:
As funções g, h e j são funções racionas próprias, pelo que, na primiti-
vação, passamos logo à Fase 2.
A função f é imprópria, pelo que vamos escrevê-la na forma acima indi-
cada.
Divide-se o numerador pelo denominador

x2 + 1 |x − 1
−x2 + x x + 1
x+1
−x + 1
2 → tem o grau estritamente menor que Q (x)

Então,
x2 + 1 (x − 1) (x + 1) + 2 2
f (x) = = =x
 + 1 +

x−1 x−1 − 1
x 
polin.
f. rac. própria

portanto
   
2 x2 2 x2
P f (x) = P x + 1 + = +x+P = +x+2 ln |x − 1|+C,
x−1 2 x−1 2
onde C é uma constante real.
Como a função foi decomposta numa soma de primitivas imediatas, calcu-
lou-se já a primitiva (executando-se a Fase 4 do método).

Ana Matos - P. de F. Racionais 2 21 de Janeiro de 2007


Resta-nos ver como primitivar funções racionais próprias.
P (x)
Seja Q(x)
uma função racional própria.

Fase 2: Factorização de Q (x), tanto quanto possível, como produto de


factores mais simples.
Tenha-se presente que:

• Qualquer polinómio Q (x) , de grau ≥ 1, pode decompôr-se como


produto de:
- constantes
factores correspondentes
- factores da forma (x − r)s , c/ s ∈N→
aos zeros reais

factores correspondentes
2
- factores da forma (x bx + c)k
 + , c/ k ∈N→ a pares de zeros
↓ complexos conjugados
polin. de grau 2
sem zeros reais

agrupando-se os factores correspondentes aos mesmos zeros.

→ s é a multiplicidade do zero real r


→ k é a multiplicidade dos zeros de x2 + bx + c (que são dois complexos
conjugados)

Então, Q (x) fica escrito na forma

 k
Q (x)= 
a × (x − r1 )s1 × · · · × x2 + b1 x + c1 1 × · · ·
     
constante
factores corresp. factores correspondentes a
aos zeros reais pares de zeros complexos
conjugados

Ana Matos - P. de F. Racionais 3 21 de Janeiro de 2007


Exemplifiquemos:
Consideremos os denominadores das funções g, h e j; a sua factorização
é:
x2 − 1 = (x − 1) (x + 1) → o polinómio tem dois zeros reais, 1 e −1
(ambos com multiplicidade 1);

2x3 + 2x2 = 2x2 (x + 1) → o polinómio tem dois zeros reais, 0 (com


multiplicidade 2) e −1 (com multiplicidade 1);
 
x3 + 2x2 + 5x = x x2 + 2x + 5 → o polinómio inicial tem um zero
  
sem zeros reais
real, 0 (com multiplicidade 1), e dois zeros complexos conjugados ,−1 ± 2i
(ambos com multiplicidade 1).

Fase 3: Decompor a função racional própria numa soma de fracções


elementares.

Antes de expôr completamente a Fase 3, vejamos a sua aplicação às


funções g, h e j, o que facilitará a compreensão do caso geral.

Para a função g:
1 1
g (x) = = .
x2 −1 (x − 1) (x + 1)
  
dois zeros reais c/ mult.1

Como explicaremos no caso geral, visto os zeros do denominador serem


reais, 1 e −1, com multiplicidade 1, vamos determinar A e B, reais, tais que
1 A B
= + .
(x − 1) (x + 1) x−1 x+1

Podemos determinar os seus valores pelo método dos coeficientes in-


determinados:

1 A B 1 A (x + 1) + B (x − 1)
= + ⇐⇒ =
(x − 1) (x + 1) x−1 x+1 (x − 1) (x + 1) (x − 1) (x + 1)

logo
1 = A (x + 1) + B (x − 1) ⇐⇒ 1 = (A + B) x + (A − B) .

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Note-se que não estamos à procura das soluções da equação, mas dos va-
lores de A e B para os quais os dois polinómios são iguais, o que é equivalente
a
A+B =0 B = − 12
ou seja
A−B =1 A = 12
Então,
1
2
− 12
g (x) = + .
x−1 x+1
pelo que
1 1
P g (x) = ln |x − 1| − ln |x + 1| + C,
2 2
onde C é uma constante real.
Determinou-se já a primitiva, pois transformámos g numa soma de funções
imediatamente primitiváveis (executando-se a Fase 4 do método).

Para a função h:

2x2 + 1 2x2 + 1 1 2x2 + 1


h (x) = = = . .
2x3 + 2x2 2x2 (x + 1) 2 x2 (x + 1)

Como explicaremos no caso geral, visto os zeros do denominador serem


reais, 0 e −1, o primeiro com multiplicidade 2 e o segundo com multiplicidade
1, vamos determinar A, B e C, reais, tais que

2x2 + 1 A B C
2
= + 2+ .
x (x + 1) x x x+1

Nota: Basicamente, para cada cada zero real, temos que considerar
tantas parcelas quanto a sua multiplicidade, sendo o numerador um número
real.
Determinemos os valores de A, B e C, pelo método dos coeficientes inde-
terminados:

2x2 + 1 A B C 2x2 + 1 Ax (x + 1) + B (x + 1) + Cx2


= + + ⇐⇒ =
x2 (x + 1) x x2 x + 1 x2 (x + 1) x2 (x + 1)

logo

2x2 +1 = Ax (x + 1)+B (x + 1)+Cx2 ⇔ 2x2 +1 = (A + C) x2 +(A + B) x+B.

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Passando ao sistema de equações, conclui-se que

A = −1, B=1 e C=3

pelo que
2x2 + 1 −1 1 3
2
= + 2+ .
x (x + 1) x x x+1
Podemos calcular já a primitiva de h, executando a Fase 4 do método:



1 2x2 + 1 1 −1 1 3
P h (x) = P . = P + 2+
2 x2 (x + 1) 2 x x x+1
portanto
 
1 x−1 1 1 3
P h (x) = − ln |x| + + 3 ln |x + 1| +C = − ln |x|− + ln |x + 1|+C,
2 −1 2 2x 2
onde C é uma constante real.

Para a função j:

4x2 + 3x + 5 4x2 + 3x + 5
j (x) = =  .
x3 + 2x2 + 5x x x2 + 2x + 5
  
sem zeros reais

Como o denominador tem um zero real, 0 (com multiplicidade 1), e dois


zeros complexos conjugados ,−1 ± 2i (ambos com multiplicidade 1), vamos
determinar A, B e C, reais, tais que
4x2 + 3x + 5 A Bx + C
 2 = + 2 .
x x + 2x + 5 x x + 2x + 5
  
sem zeros reais

Nota: Tal como se verifica para cada zero real, para cada par de raízes
complexas conjugadas (ou seja, para cada polinómio de grau dois, sem ze-
ros reais) temos que considerar tantas parcelas quanto a sua multiplicidade,
com a diferença que no numerador temos que contar com um polinómio de
grau menor ou igual a 1 (é claro que, caso B seja zero, o numerador será
constante).
Então

4x2 + 3x + 5 A (x2 + 2x + 5) + x (Bx + C)


 2 =
x x + 2x + 5 x (x2 + 2x + 5)
  
sem zeros reais

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donde se conclui que A = 1, B = 3 e C = 1, pelo que
4x2 + 3x + 5 1 3x + 1
j (x) = = + .
x3 + 2x2 + 5x x x2 + 2x + 5
Assim,
Na Fase 4 veremos
3x + 1
P j (x) = ln |x| + P 2 → como calcular esta
x + 2x + 5
primitiva

Vejamos, então, em que consiste a Fase 3.


Sistematizando a Fase 3: Considerando a decomposição do denomi-
nador obtida na Fase 2, determina-se:
- para cada factor (x − r)s uma expressão da forma

A1 A2 As no de parcelas = s =
+ + · · · + →
x − r (x − r)2 (x − r) s
= multiplicidade do zero real r

k
- para cada factor (x2 + bx + c) uma expressão da forma

D1 + E1 x D2 + E2 x Dk + Ek x
+ 2 + · · · +
x2 + bx + c (x2 + bx + c) (x2 + bx + c)k

n de parcelas = k = multiplicidade dos zeros
o

complexos associados a x2 + bx + c

P (x)
de tal modo que Q(x)
seja soma de todas estas parcelas.

Definição: Chamam-se fracções elementares (ou fracções simples)


às funções racionais da forma
A D + Ex
n ou  2 m .
(x − r) x + bx + c
  
sem zeros reais

• Proposição: Toda a função racional própria pode ser decomposta, de


modo único, numa soma de fracções elementares.

Tal como se fez nos exemplos, esta decomposição pode ser obtida pelo
método dos coeficientes indeterminados.

Ana Matos - P. de F. Racionais 7 21 de Janeiro de 2007


Fase 4 (e última!): Determinam-se as primitivas das fracções ele-
mentares.

Tal como calculámos para as primitivas das funções g, h e primeira parcela


da função j, é fácil ver que:

• as raízes reais conduzem sempre a situações de logaritmo


e/ou potência.

De facto,


 A ln |x − r| + C, se n = 1
A
P (x−r)n
=
   −n+1
P A (x − r)−n = A (x−r)
−n+1
+ C, se n > 1

com C constante real.

Falta, apenas, ver como primitivar as parcelas associadas aos zeros


complexos.
Iremos concluir que:

• os polinómios de grau 2 sem zeros reais conduzem sempre a situações


de logaritmo e/ou arctg.

Consideremos uma parcela da forma D+Ex


x2 +bx+c
, em que x2 + bx + c não tem
zeros reais.

Decompõe-se o polinómio na forma

x2 + bx + c = (x − α)2 + β 2 ,

com α e β números reais.


É fácil verificar que um polinómio x2 + bx + c, sem zeros reais, pode
escrever-se na forma indicada, sendo α ± βi os seus zeros.

Efectuando a mudança de variável

x − α = βt

obteremos uma situação de logaritmo e/ou arctg.

Ana Matos - P. de F. Racionais 8 21 de Janeiro de 2007


Exemplifiquemos:

Estamos, finalmente, em condições de determinar


3x + 1
P
x2 + 2x + 5
e concluir a primitivação da função j.
Como já vimos, as raízes de x2 + 2x + 5 são −1 ± 2i, pelo que

x2 + 2x + 5 = (x − (−1))2 + 22 .

Nota: Podemos decompor o polinómio directamente, fazendo simples-


mente
2x + 1 − 1 + 5 = (x + 1)2 + 4.
x2 + 2x + 5 = x2 + 

(x + 1)2
A sugestão feita (de mudança de variável) conduz a x + 1 = 2t,
pelo que
x = 2t − 1, ϕ (t) = 2t − 1 e ϕ′ (t) = 2.
Fazendo a substituição na primitiva
3x + 1 3x + 1
P =P
x2 + 2x + 5 (x + 1)2 + 22
obtém-se a primitiva
 
3 (2t − 1) + 1 6t − 2 3t − 1
P 2 .2 = P 2 2 2
.2 = P 2
(2t) + 2 2 2 t +2 t +1
onde
3t − 1 3 2t 1 3 2 
P = P − P = ln t + 1 − arctan t + C.
t2 + 1 2 t2 + 1 1 + t2 2
Portanto
 2   
3x + 1 3 x+1 x+1
P 2 = ln + 1 − arctan +C
x + 2x + 5 2 2 2

pelo que
 2  

3x + 1 3 x+1 x+1
P j (x) = ln |x|+P 2 = ln |x|+ ln + 1 −arctan +C.
x + 2x + 5 2 2 2

Ana Matos - P. de F. Racionais 9 21 de Janeiro de 2007


Tal como já se referiu, e se verificou neste caso, as parcelas associadas a
polinómios de grau 2 sem zeros reais conduzem a situações de logaritmo e/ou
arctg.

Seguindo a sugestão feita (da mudança de variável), é um bom exercício


provar que

• Sendo x2 + bx + c um polinómio cujos zeros são α ± βi, com β = 0,

     
P D+Ex
x2 +bx+c
= E
2
ln (x − α)2 + β 2 + (Eα+D)
β
arctg x−α
β
+C

Nota:

1. Na primitiva anterior tem-se que:

- se E = 0 obtém-se um arctg;
- se E =
 0 ou se obtém só um logaritmo ou se obtém uma soma de um
logaritmo e um arctg.

2. Se β fosse 0, não estaríamos no caso de um polinómio sem zeros reais.

Atenção: Nunca devemos aplicar um método cegamente!


Consideremos
9x2 + 12x + 15
P .
x3 + 2x2 + 5x
Seria uma desagradável surpresa efectuarmos todo um trabalho análogo ao
da primitiva de j e depois descobrirmos que bastaria fazer

9x2 + 12x + 15 3x2 + 4x + 5  3 


x + 2x2 + 5x + C.
P = 3P = 3 ln
x3 + 2x2 + 5x x3 + 2x2 + 5x

Ana Matos - P. de F. Racionais 10 21 de Janeiro de 2007


Termina-se com a situação que é, claramente, mais complicada, a qual se
apresenta a título informativo.

• Parcelas da forma D+Ex


(x2 +bx+c)k
, c/ k > 1, em que x2 + bx + c não tem
zeros reais:

Decompondo o polinómio como no caso anterior, e efectuando a mesma


mudança de variável, reduz-se esta situação ao cálculo de uma primitiva
imediata e de uma primitiva da forma

 
1
P .
(1 + t2 )k

Esta primitiva (c/ k > 1) determina-se por partes, fazendo

1 1 + t2 − t2 1 t2
= = −
(1 + t2 )k (1 + t2 )k (1 + t2 )k−1 (1 + t2 )k
1 1 2t
= − t .
(1 + t2 )k−1 2
f
(1 + t2 )k
  
g′

e baixando sucessivamente o grau do denominador.


Assim, por exemplo, para o caso k = 2 :


 
1 1 1 2t
P = P − P ( 
t . )=
(1 + t2 )2 1 + t2 2
f
(1 + t2 )2
  
g′
  
 
 1 1 1 1

pois  = P − −t +P =
g= −(1+t2 )−1  1 + t2 2 1 + t2 1 + t2
 
1 1 1 t 1 1 t
= P + = arctgt + + C.
2 1 + t2 2 1 + t2 2 2 1 + t2

Ana Matos - P. de F. Racionais 11 21 de Janeiro de 2007

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