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O Trabalho Docente - Teoria e Prática PDF
O Trabalho Docente - Teoria e Prática PDF
O Trabalho
Docente
Teoria & Prática
Comentários
Ivani C. Fazenda
Ivo José Both
João Gualberto C. Meneses
Marcos T. Masetto
Maria da Graça N. Mizukami
Myrtes Alonso
PIONEIRA
Vitória Helena C. Espósito
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
1. r e i m p r . d a 2 . e d . d e 1 9 9 9 .
Vários autores.
Vários comentaristas.
Bibliografia.
ISBN 85-221-0205-8
1. Educação - F i n a l i d a d e s e o b j e t i v o s 2 . Educação
como p r o f i s s ã o 3. P e d a g o g i a 4. P e s q u i s a e d u c a c i o n a l
5 . P r á t i c a d e e n s i n o 6. P r o f e s s o r e s - Formação p r o -
f i s s i o n a l I. Q u e l u z , A n a G r a c i n d a . I I . A l o n s o ,
Myrtes.
Revisão:
Janice Yunes
Textos
Leide Mara Schmidt
María de los Dolores Jimenez Peña
Maria de Lourdes Rocha
Marina Graziela Feldmann
Mariná Holzmann Ribas
Marlene Araújo de Carvalho
Martha Abrahão Saad Lucchesi
Myrtes Alonso
Regina Lúcia Giffoni Luz de Brito
Rosilda Baron Martins
Teresa ]ussara Luporini
Comentários
C. Fazenda
Ivo José Both
João Gualberto C. Meneses
Marcos T. Masetto
Maria da Graça N. Mizukami
Myrtes Alonso
Vitória Helena C. Espósito
Austrália Brasil Canadá Cingapura Espanha Estados Unidos México Reino Unido
Sobre
os Autores
a
Leide Mara S c h m i d t - Professora e vice-reitora (eleita pela 2 vez consecutiva)
da Universidade Estadual de Ponta Grossa - PR.
Mestre em Educacção e doutoranda do Programa Pós-Graduação em Educação e
Currículo da PUC-SP.
Apresentação 5
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Sumário
3
Apresentção
Algumas idéias básicas têm norteado esse grupo de pesquisa objetivando maio-
res explicações e maior entendimento da questão. São elas:
o A necessidade de o educador estar inserido em seu tempo, capaz de enten-
der a realidade socioeconômica e cultural que o cerca, a ponto de redimen-
sionar o seu conhecimento e as suas responsabilidades sociais e profissio-
nais.
o A importancia de se compreender o processo de formação c o m o algo
inacabado, que apenas se inicia com a aquisição do diploma.
o A percepção de que a mudança no ensino e na educação em geral depende
muito mais do desejo, da vontade firme, do compromisso de todos os res-
ponsáveis pelo processo do que de decisões governamentais firmadas em atos
legais não respaldados em um trabalho consciente e responsável dos que irão
executá-los.
O Trabalho Docente
A mudança aqui foi entendida de diferentes modos e nos vários níveis; assim, por
exemplo, constatou-se a necessidade de se mudar a maneira de os educadores enca-
rarem a educação, substituindo a visão mais romântica por outra mais realista, objeti-
va, capaz de indicar-lhes, com segurança, os melhores caminhos a seguir e a melhor
forma de vencer os obstáculos.
Estamos certas de que não existe trabalho profissional sério, responsável, sem
dignidade; portanto, é preciso que o professor e os educadores em geral sintam-se
úteis, competentes e respeitados para que se empenhem nesse processo de autode-
senvolvimento com vistas a um ensino mais efetivo.
Foi com base nessas idéias que o grupo se lançou na busca de subsídios para
estudar a questão da formação contínua do professor associada ao processo de mu-
dança da prática escolar. Os artigos que se seguem são parte do que se pode extrair,
até o momento, desses estudos, debates e pesquisas realizados e que, esperamos, pos-
sam corroborar para o avanço da questão.
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Apresentação
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O Trabalho Docente
8
CAPÍTULO 1
Formar
Professores para
uma Nova Escola
Myrtes Alonso
de algo que não se conhece e que pode causar sensação, ou até mesmo espanto, in-
compreensão, pode ser o caminho do "sucesso".
Vivemos u m a época que em nada se assemelha a outras vividas por nossos ante-
passados e para a qual não fomos preparados, o que resulta em não termos referen-
cias para enfrentar os dasafios com que nos defrontamos. Tudo aquilo que nos dava
certeza, hoje gera insegurança. A própria Ciência, que nos oferecia principios e per-
mitia conclusões razoavelmente estáveis, apresenta-se hoje repleta de dúvidas, com
explicações provisórias, permitindo interpretações diversas senão contraditórias para
os fenómenos.
Nesse contexto, é muito difícil imaginar quais os melhores caminhos a seguir quan-
do se pretende formar os jovens e as crianças, ou mesmo decidir sobre a convenien-
cia de se ensinar esse ou aquele conteúdo disciplinar, tendo em vista as necessidades
que eles terão, ou os problemas que deverão enfrentar. Mais grave ainda, não estamos
seguros quanto aos valores, atitudes e comportamentos que deveriam ser estimulados
para permitir que esses jovens convivam harmoniosamente com pessoas muito dife-
rentes, provindas das mais variadas raças e culturas, expressando-se em línguas dife-
rentes da sua, com idéias, crenças e religiões as mais variadas.
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Formar Professores para uma Nova Escola
pouco a ver com a realidade de nossos dias e com as dificuldades próprias da situa-
ção de ensino, que nos dias atuais se tornaram muito maiores.
Os desafios são enormes e os que militam em educação se vêm atordoados di-
ante de tantas dificuldades e contradições.
Parece claro em todas as análises relativas à função da escola na sociedade con-
temporânea que o seu objetivo básico e prioritário é a socialização dos alunos: de um
lado, a sua preparação para o trabalho (Enguita, 1990) e, de outro, a formação do
cidadão. O que pode variar, de um autor para outro, é o significado que isso assume,
isto é, como se dá essa preparação para o trabalho e em que medida ela concorre
para reduzir as desigualdades sociais, ou para manté-las.
Entretanto, sabe-se que o mundo moderno requer habilidades e conhecimentos
que antes não eram necessários, mas que hoje constituem condições indispensáveis
tanto para a sua inserção no mundo do trabalho como para a sua participação efetiva
na vida pública. Formar o cidadão significa, hoje, torná-lo apto a compreender a di-
námica da sociedade e conseguir desenvolver mecanismos de participação no social.
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O Trabalho Docente
Os sistemas de ensino, por sua vez, procuram se adaptar aos novos tempos, in-
troduzindo mudanças de todo o tipo, desde alterações estruturais até reformas
curriculares que implicam mudanças na grade curricular, ou mesmo orientações meto-
dológicas diferentes, na pretensão de que os professores aceitem e introduzam, em
seus trabalhos, as alterações propostas. Tais proposições, porém, refletem o pensa-
mento da cúpula do sistema e dos especialistas que lhes dão assessoria e, por isso
mesmo, distanciados do cotidiano escolar e da realidade do trabalho docente, o que
as t o m a inoperantes e inconvenientes. De outra parte, é preciso entender que as mu-
danças somente acontecem quando há envolvimento direto dos professores e demais
participantes do processo, quando eles estiverem convencidos de que a mudança é
necessária, ainda que desconheçam os seus caminhos.
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Formar Professores para uma Nova Escola
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O Trabalho Docente
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Formar Professores para uma Nova Escola
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O Trabalho Docente
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Formar Professores para uma Nova Escola
expresso pelos interessados, muitas vezes como " vocação", visto que eles identificam
esse impulso com certas características e preferencias pessoais incontestáveis.
Pelo fato de esse processo de busca e renovação ser tão difícil e doloroso, supon-
do sacrificios pessoais e dedicação muito maiores do que se requer normalmente dos
profissionais nos modelos de organização burocrática, ele não é encontrado com fre-
qüência nas escolas e tampouco é visto com bons olhos por todos que a rejeitam, de
tal sorte que o desafio para os ousados renovadores acaba se tornando muito maior.
Pesquisas feitas por diferentes autores permitem extrair algumas conclusões re-
lativasà mudança em educação. Sabe-se, por exemplo, que ela não constitui um evento
único, isolado, mas sim um processo e, como tal, é preciso entender o seu ritmo e
acompanhar o seu desenvolvimento, interferindo apenas quando necessário.
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O Trabalho Docente
Referencias Bibliográficas
ENGUITA, Mariano. A face oculta da escola. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.
SACRISTÁN, G. J . & GMEZ, A. I. P. Comprender y transformar la enseñanza.3. ed. Madri: Ed.Morata, 1994.
I 8
CAPÍTULO 2
A Prática
Pedagógica como
Fonte de Conhecimento
Leide Mara Schmidt
Mariná Holzmann Ribas
Marlene Araújo de Carvalho
ciencia de que a escola não é o único centro formador de consciências; é apenas mais
um dentre tantos outros, haja vista a formação nas empresas, a ação das Organiza-
çães Não-Governamentais (ONGs), principalmente nos países de Terceiro Mundo e
os espagos oferecidos pela televisão e pela mídia em geral.
Pode-se perceber que essas preocupações vêm no bojo das reformas educacio-
nais que estão sendo implementadas em países da América do Norte, Europa e Amé-
rica Latina.
A prática como fonte geradora de conhecimento implica todo um problema de
reflexão que vem sendo pesquisado por diversos estudiosos de diferentes países. O
que esses estudos estão indicando é que não está claro para estes pesquisadores como
os professores podem se tornar mais capazes; parece nao terem clareza sobre que
competencias e habilidades são necessárias para que o professor possa fazer o seu
trabalho em termos de ensino que a sociedade exige hoje. Está bastante claro que os
cursos de formação de professores, da maneira como vêm sendo desenvolvidos, nao
sao suficientes para que o profissional da educação desempenhe, efetivamente, uma
prática pedagógica consciente que leve à transformação de si próprio e daqueles que
estão sob sua responsabilidade.
Para melhor compreender a prática pedagógica, é necessário elucidar o sentido
dos termos " prática" e " pràxis".
A palávra prática deriva do grego praktikós, de prattein, e tem o sentido de
agir, realizar, fazer. Diz respeito à ação que o homem exerce sobre as coisas, aplica-
ção de um conhecimento em uma ação concreta efetiva (Japiassu & Marcondes, 1993,
p.199).
N a filosofía marxista, a palavra grega práxis é usada
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A Prática Pedagógica como Fonte de Conhecimento
"[...] a atividade humana que produz objetos, sem que por ou-
tro lado essa atividade seja concebida com o caráter estritamente
utilitário que se infere do prático na linguagem comum." (Vázquez,
1977, p. 5)
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O Trabalho Docente
1 E s q u e m a proposto p o r V e i g a , 1 9 8 9 .
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A Prática Pedagógica como Fonte de Conhecimento
Essa prática está marcada por u m a opção consciente, pelo desejo de renova-
ção, transformação e mudanças e pela busca e implementação de novos valores que
venham a dar u m a nova direção à prática social.
Podem-se identificar tais marcas naqueles que buscam u m a sociedade mais justa
e com melhores oportunidades para todos.
A prática pedagógica, nesse contexto, caracteriza-se como fonte de conhecimento
e geradora de novos conhecimentos. Nessa perspectiva, o novo encontra aqui o ni-
cho ideal para vicejar e expandir-se.
Sabe-se que o sistema de ensino e as escolas encontram-se estruturados de modo
fragmentado, setorizado, centralizado. A estrutura de poder no sistema de ensino faz
com que as decisões de Estado, de escola, de cursos, ou mesmo de disciplina sejam
tomadas de forma centralizada e de cima para baixo, sem a participação da maioria
que está na base e que sofre a ação resultante das mais variadas propostas. O mesmo
sistema é organizado por setores e departamentos que não se relacionam entre si. O
currículo e os programas sao fragmentados em graus, cursos e disciplinas, de tal for-
ma que passam a ser assumidos como estanques e sem relação crítica entre si.
Assim, predomina u m a estrutura que, de muitas formas, dificulta a união entre as
pessoas para discutirem e enfrentarem conjuntamente seus problemas comuns; são mui-
tas as resistencias que se colocam ao surgimento de grupos no espaço da escola. Sabe-
se que somente ações coletivas e planejadas podem produzir alguma transformação
significativa nas relações sociais de poder, no sistema de ensino e na escola, a qual
tem a função de transmitir o conhecimento socialmente construido, elaborado e siste-
matizado a todos os cidadãos.
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O Trabalho Docente
24
A Prática Pedagógica como Ponte de Conhecimento
para formar o sujeito histórico capaz de definir o seu destino e nele participar ativa-
mente, uma vez que a formação básica
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O Trabalho Docente
Diante disso, é preciso que o professor tenha e esteja bem consciente de que:
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A Prática Pedagógica como Fonte de Conhecimento
mentalidade, outro modo de ser e de agir. Será que o professor não teria de ser leva-
do a repensar o seu papel? O que lhe cabe de fato, hoje, como professor? O que é ser
professor? Qual a sua responsabilidade? Onde se localiza o cerne de seu tra-
balho?
Hoje, tem-se de admitir que apenas a transmissão do conhecimento não é o que
deve marcar ou justificar o trabalho do professor; então, o que é?
Diante desse problema e do tipo de questionamento, a tendencia natural dos sis-
temas de ensino é admitir que a qualidade de ensino passa pela competência ou in-
competência do professor e, então, tentar qualificá-lo. Entretanto, qualificá-lo tem sig-
nificado sempre investir mais em reciclagem, cursos de atualização, cursos à distancia.
Isto porque o pressuposto é que ele esteja despreparado em termos de conteúdos
curriculares e de aprendizagem e que carece estar mais atualizado com esses conhe-
cimentos; precisa entender melhor as implicações do processo ensino-aprendizagem,
ou, ainda, porque ele está utilizando uma metodologia inadequada para trabalhar com
os alunos atuais. Nesses eventos, passa-se então a trabalhar conteúdos de ensino com
o professor ainda na mesma perspectiva tradicional, atualmente inadequada. A mes-
ma que ele já usou com seus alunos, ou então, trabalha-se a questão metodológica
mostrando que a maneira de abordar o aluno tem de ser modificada, quando o cerne
da questão está no trabalhar o conhecimento como mola central dentro da escola.
É verdade que, de alguma forma - e talvez mesmo porque a formação do pro-
fessor seja frágil - , os seus conhecimentos estão defasados e, além de tudo, tem pou-
quíssimas oportunidades de atualização. Quando tem chances de que isto aconteça,
quase sempre é de maneira pouco adequada. Como diz Mello:
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O Trabalho Docente
2S
A Prálica Pedagógica como Fonte de Conhecimento
Para tal desafio, é basilar e urgente trabalhar com os professores de forma que
eles entendam que o conhecimento hoje se apresenta diferente, exigindo, principalmente
contexto que a modernidade está a exigir; é uma nova dimensão de vida que se impõe.
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O Trabalho Docente
Essa pode ser considerada urna boa justificativa para a formação de professores
nos moldes sugeridos por Nóvoa. O que ele entende ser o Desenvolvimento Pessoal
(produzir a vida do professor) é a formação nesse nível, no qual o professor, no
autor diz que a formação se constrói
"... produção dos seus saberes e dos seus valores." (Nóvoa, 1992,
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A Prática Pedagógica como Fonle de Conhecimenio
Isso pode, inclusive, fazer com que muitos desses agentes passem a assumir a
responsabilidade da sua própria formação, nos espagos que eles possam ir
3 I
O Trabatho Docente
Todos esses movimentos parecem navegar na direção do professor para que tome
suas práticas cotidianas como objeto de investigação, reflexão e criação do novo.
Perrenoud, em estudos recentes, segue a mesma linha de Nóvoa, afirmando que:
R e f e r ê n c i a s Bibliográficas
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A Prática Pedagógica como Ponte de Conhecimento
C A N D A U , Vera Maria (org.). Rumo a uma nova didática. Petrópolis: Vozes, 1988.
C O S T A , Marisa C. V. Estudos e pesquisas sobre trabalho docente: panorama das principais tendências.
(Versão preliminar). Goiânia. VII ENDIPE, 1994 (mimeo).
F R E I R E , Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação. São Paulo: Cortez e Moraes, 1979.
M E L L O , Guiomar N. de. Políticas públicas de educação. In: Estudos Avançados. São Paulo, v. 5, n. 13, pp.
N Ó V O A , António (coord.). Os professores e sua formação. Lisboa: Publicaçães Dom Quixote/IIE, 1992.
S H O R , I. & FREIRE, P. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
VEIGA, Ilma P.A. A prática pedagógica do professor de didática. Campinas: Papirus, 1989.
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O Trabalho Docente
Comentário
Marcos T. Masetto
Muitas vezes nos deparamos com estudos, reflexões e publicações voltados para
o estudo da prática pedagógica com o objetivo de aperfeiçoá-la, desenvolvê-la e
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A Prática Pedagógica como Fonte de Conhecimento
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O Trabalho Docente
N o meu modo de ver, com esse estudo, as autoras nos oferecem uma contribui-
ção de alto nivel para todos nos - professores e pesquisadores - avançarmos em nossa
prática pedagógica e em nossas pesquisas.
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CAPÍTULO 3
O Caráter Emancipatório de
uma Prática Pedagógica
Possível
Isso, para formar o sujeito histórico capaz de definir o destino e dele tomar parte
com propriedade, uma vez que a formação básica
considerando que
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O Caráter Emancipalório de uma Prática Pedagógica Possível
Isto é, a escola deve passar por uma reorganização para minimizar as limitações
que se põem ao trabalho do professor reflexivo. Se é propósito da instituição escolar
ter esse tipo de professor atuando no seu interior, é imprescindível prolongar o seu
tempo de permanencia na escola - isso com a conseqüente melhoria salarial - , para
momentos de encontro e reflexão conjunta, com vistas ao enriquecimento curricular e
melhoria constante tanto da prática individual quanto da prática escolar como um todo,
o que diminuiria a rotatividade dos professores. Outro aspecto a ser levado em con-
sideração é o número de alunos por professor, o que possibilita uma atenção mais qua-
lificada. Além disso, é preciso lembrar que a função primeira do professor é a docência
de qualidade e nao a dispersão com o trabalho burocrático e com as preocupações
econômico-financeiras da escola.
O exercício profissional deve dar ao professor condições de refletir na e sobre a
sua prática, a fim de, realmente, conseguir sua formação.
Portante, há necessidade de trabalho coletivo que propicie, a partir do diálogo
com a atividade naconstrução/reconstrução do conhecimento, o confronto entre pontos
de vista diferenciados e, a partir daí, a imersão de confluências, amadurecendo pers-
pectivas para que emerja uma nova competencia, tanto dos profissionais quanto da
escola.
Esse tipo de ação exige profissionais que tenham mentalidade aberta para o
novo, respeitando o outro e tolerando posicionamentos diferentes: profissionais que
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O Trabalho Docente
Além das reflexões sobre esses aspectos, o professor reflexivo tem de ponderar
sobre os resultados inesperados de sua ação, uma vez que, dada a complexidade da
prática pedagógica, os imprevistos estão sempre mesclando os resultados previstos
para a ação. Ao considerar os resultados do seu trabalho, não só basta perguntar-se
se os objetivos propostos foram atingidos, mas também se está satisfeito com os re-
sultados alcançados. É preciso deixar claro que é esse profissional que, realmente,
efetivará uma prática pedagógica reflexiva no âmbito da escola.
Mas, o que se entende por prática pedagógica reflexiva no âmbito escolar?
Estamos ainda em processo de elaboração desse conceito. Entretanto, inicial-
mente, podemos fazer uma primeira aproximação, dizendo que a prática pedagógica
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O Caráter Emancipatório de uma Prática Pedagógica Possível
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O Trabalho Docente
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O Caráter Emancipatório de uma Prática Pedagógica Possível
própria ação do professor e dos alunos, por exemplo: o mau uso dos textos didáticos,
não considerando as várias realidades sociais presentes na sala de aula em particular
e na sociedade de um modo geral.
É preciso estarmos atentos a essa problemática para não incorrermos no erro de
culpar, pelo fracasso, a própria criança, a sua família e o seu meio social, eximindo a
escola e o sistema social de qualquer culpa. Magda Soares (1986) ilustra bem essa
questão, colocando em pauta três ideologias que explicam o fracasso escolar segundo
a classe dominante:
ideologia do dom, segundo a qual a causa estaria no aluno, por não possuir
as condições básicas para a aprendizagem, sendo assim considerado menos
apto e menos inteligente;
ideologia da deficiência cultural, que considera as desigualdades sociais
responsáveis pela diferença de aproveitamento dos alunos na escola; nessa
perspectiva, o aluno seria portador de "déficits socioculturais";
ideologia das diferenças culturais, que tem por base a desconsideração,
pela escola, das diferentes culturas dos alunos.
"É o uso da língua na escola que evidencia mais claramente as
diferenças entre grupos sociais e que gera discriminações e fracas-
sos: o uso, pelos alunos provenientes das camadas populares, de
variantes lingüísticas social e escolarmente estigmatizadas provo-
ca preconceitos lingüísticos e leva a dificuldades de aprendizagem,
já que a escola usa e quer ver usada a variante-padrão socialmen-
te prestigiada." (Soares, 1986, p. 17)
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O Trabalho Docente
Embora seja essa uma conquista a realizar, pois faz parte das utopias possíveis
do educador, devemos persistir nessa busca. É ousando que se experimenta o novo;
é criando novas relações sociais que se mudam práticas autoritárias cristalizadas.
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O Caráter Emaneipatôrio de uma Prática Pedagógica Possível
Referências Bibliográficas
DEMO, Pedro. Desafios modernos da educação. Petrópolis: Vozes, 1993.
GADOTTI, Moacir. Escola cidadã.2a ed. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1994.
GARCIA, G. A relação pedagógica como vínculo libertador: uma experiência de formação docente. In:
PATTO, M. H. S. (Org.). Introdução a psicologia escolar. 2a ed. São Paulo: T. A. Queiroz, 1986.
GÓMEZ, A.P. O pensamento prático do professor - a formação do professor como profissional reflexivo. In:
NÓVOA, A. (Coord.) Os professores e a sua formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote/IIE, 1992.
LUPORINI, T. J.; MARTINS, R. B.; RIBAS, M.H. Escola Básica: dois segmentos dissociados. Relatório de
pesquisa. UEPG. Ponta Grossa, 1993.
NÓVOA, A. (Coord.) Os professores e sua formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote/IIE, 1992.
PERRENOUD, P. Práticas pedagógicas, profissão docente e formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote/
IIE, 1993.
RIBAS, M.H.; SCHMIDT, L. M.; CARVALHO; M. A. de. A prática pedagógica como fonte de conhecimento.
Ponta Grossa, 1995 (mimeo).
RIBAS, M. H. Treinamento de professores: sua validade e seus efeitos na prática docente. Uma análise da
questão no Estado do Paraná. PUC/SP. Dissertação de Mestrado. 1989.
SOARES, M. B. Linguagem e escola: uma perspectiva social. 3a ed. São Paulo: Ática, 1986.
ZEICHNER, K. El maestro como profesional reflexivo. Cuadernos de Pedagogia. Barcelona, n. 220, pp. 44-
49, dez., 1993.
Comentário
Myrtes Alonso
45
O Trabalho Docente
46
CAPÍTULO 4
Formação Continuada de
Professores e Mudança
na Prática Pedagógica
48
Formação Continuada de Professores e Mudança na Prática Pedagógica
lidade de sua formação, isto é, além daqueles subsídios propiciados pelas instituições
formadoras, deve buscar conhecimentos por sua própria conta e a partir de seus inte-
resses específicos. Nesse sentido, o depoimento de alguns professores pode ser bas-
tante ilustrativo para evidenciar a atitude daqueles que conseguiram ir muito além de
sua formação inicial, descobrindo caminhos que os ajudaram a vencer as dificuldades
próprias do ensino, inovando em certos aspectos, mas orientados sobretudo pelas
necessidades de seus alunos:
49
O Trabalho Docente
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Formação Continuada de Professores e Mudança na Prática Pedagógica
assim, era uma coisa que eu fazia por corita própria, uma loucura,
eu fazia encaixando horário. "
Muitas vezes, esses professores deparam-se com situações nas quais estão já
desenvolvidas idéias semelhantes àquelas que ele próprio defendia, constatando aí a
validade de seu trabalho ou, pelo menos, a confirmação dos caminhos já percorridos.
Nesses casos, tal confronto é útil para estimulá-lo em sua busca; é mais uma forma de
conscientizá-lo das necessidades de aperfeiçoamento, ou até mesmo de mudança.
"Quando eu terminei, ela falou assim para mim: você já leu a
visão de área da Prefeitura? O que você fala já está escrito há tem-
pos. Aí eu fui ler. Gente! Não é que era exatamente como eu estava
falando? Fiquei supercontente. Eu peguei aquele livro e aí aprendi
quem falava e aí eu fui assistir também Ubiratan D'Ambrósio (…),
a coordenadora me indicou as livros, eu li e o que é que eu fiz?
Peguei a bibliografia e fui atrás. Olha, pelo menos uns dez. livros
eu tinha na minha casa. Eu falei: tá aqui e eu só li assim umas pá-
ginas e outras e aí eu comecei a ler melhor, a procurar …"
Além disso, é preciso ter claro que o saber produzido na Universidade não é algo
mágico, posto, sem estar situado no tempo e no espaço. É um conhecimento interes-
sado, elaborado por sujeitos conscientes e em determinado tempo histórico, na medi-
da em que as evoluções social e cultural passam, impreterivelmente, pela formação de
homens.
Segundo Lopes, é fundamental, em sua condição de formar pessoas e de orientá-
las no domínio em que são especialistas,
"…reconhecer que a democratização da educação universitá-
ria não pode ser equivalente a uma massificação desfigurado ra, a
uma criação desordenada de cursos, de unidades acadêmicas sem
uma política baseada na competência do pessoal docente." (1985,
p. 105)
A formação não tem um caráter cumulativo, ou seja, ela não se constrói por acu-
mulação de conhecimentos, mas sim por meio da reflexão crítica sobre a própria ex-
periência e em interação não só com os outros elementos da comunidade escolar, como
também com outros segmentos da sociedade.
O diálogo do professor com tais elementos é fundamental para sedimentar sabe-
res que emergem das diferentes práticas profissionais. O estabelecimento desses es-
pagos coletivos de discussão/reflexão é de grande importância para que se socialize o
conhecimento transmitido/reconstruído/produzido na escola.
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O Trabalho Docente
De um modo geral, é possível afirmar que a escola nao está organizada de modo
a favorecer o diálogo, a troca de idéias, muito menos a construção de um trabalho
coletivo. A divisão em disciplinas estanques, a obsessão pelo cumprimento de progra-
mas disciplinares rígidos, o clima de desconfiança reinante e a própria sujeição às nor-
mas, sem qualquer possibilidade de contestá-las, favorecem, e muito, o trabalho isolado
dos professores e o enclausuramento em suas salas de aula e em matérias específicas.
Conseqüentemente, a forma hierárquica como a escola está organizada tem difi-
cultado a relação pedagógica, porque proporciona uma cisão entre teoria e prática,
professor e aluno, professor e demais profissionais da escola; enfim, o trabalho do
professor é violentado e empobrecido.
Para ilustrar o que estamos afirmando, registramos depoimentos de professores
entrevistados que trabalham nos diferentes graus de ensino:
"Na faculdade eles cobravam da gente um cronograma, dia por
dia, o que você vai fazer na sala de aula (…) Eu já sou contra isso,
eu acho que tem que haver um planejamento, mas tem que ser flexí-
vel (…) e na faculdade eles não querem isso da gente, pelo menos
na faculdade onde eu trabalhei. Eu tinha que fazer o cronograma
bimestral, data por data, o que vou dar de conteúdo, é o conteúdo
que eu vou dar a toda sexta, toda segunda e toda quarta que eram
os dias que eu trabalhava. (…), eu estudava o conteúdo baseado
no livro que eles adotavam; também não era o professor que sele-
cionava a obra. Tinha que seguir o que já estava programado na
faculdade."
52
Formação Continuada da Professores e Mudança na Prática Pedagógica
O professor deve ser um profissional cujas ações criem condições para o desen-
volvimento de habilidades cognitivas, afetivas e sociais, enfim condutas desejáveis tanto
no que diz respeito ao indivíduo quanto a grupos humanos. No entanto, convém lem-
brar que, além disso, ele deve apropriar-se do conhecimento nos diferentes âmbitos
do saber, utilizar-se da experiência e da reflexão como ferramentas de compreensão e
análise do proprio fazer pedagógico. Isso o levará a extrapolar e alargar os limites da
sua formação inicial, a fim de que possa enxergar o mundo sob outra perspectiva, para
ter consciência do trabalho que desenvol ve junto à sociedade.
O depoimento de alguns professores é bastante ilustrativo dessa questão:
53
O Trabalho Docente
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Formação Continuada de Professores e Mudança na Prática Pedagógica
Sendo assim, fica claro que uma nova competência pedagógica nasce na refle-
xão sobre a própria prática, no movimento dialético ação-reflexão-ação. Procura-se,
pois, anular a dicotomia teoria-prática evitando a ação fragmentada.
"Tanto a teoria quanto a prática tem papel assegurado neste
processo, porque as teorias são como mapas que nos ajudam a via-
jar sobre o momento presente para auscultar a realidade, o que não
se faz sem a história. O que se busca na verdade, é a construção de
urna prática pedagógica reflexiva, crítica e criativa." (Schmidt e col,
1995, p. 5)
55
O Trabalho Docente
Esta reflexão é necessária para que o professor compreenda a sua prática, extra-
indo dela um saber, um conhecimento em diferentes âmbitos, pois é em função dele
que o mestre vai ampliando seus esquemas de ação ou habitus, "esse conjunto de
esquemas que permite engendrar uma infinidade de práticas adaptadas a situações sem-
pre renovadas sem nunca se constituir em princípios explícitos."(Bourdieu apud
Perrenoud, 1993, p. 39)
O professor reflexivo está sempre atento à possibilidade de mudanças, visto que
ele é inquieto, insatisfeito, persistente, um ser inacabado ousando experimentar o novo.
É ele quem, exercitando sua prática pedagógica no âmbito escolar, buscará nela sua
autonomia.
"A prática pedagógica reflexiva no âmbito escolar, é a busca
constante de dados da realidade em que o professor está inserido -
isto é, os dados da prática, do saber da experiência - sem perder
os vínculos com a realidade social global, para, pela ação-refle-
xão-ação, compreendê-la e modificá-la, tendo em vista os fins
educativos estabelecidos coletivamente no projeto político pedagó-
gico da escola." (Ribas et al, 1995, p. 6)
56
Formação Continuada de Professores e Mudança na Prática Pedagógica
muito distante e pouco provável, devido às dificuldades e aos entraves da própria re-
alidade organizacional da escola.
Qualquer projeto de formação continua do professor que se proponha a uma
modificação efetiva da ação docente para além da utilização de recursos técnico-pe-
dagógicos - para formar alunos conscientes e críticos, com autonomia para investigar
e capacidade para encontrar as suas próprias respostas - deve supor, necessariamen-
te, um trabalho de formação dos dirigentes escolares e demais responsáveis pelo pro-
cesso de educação escolar; isso a fim de torná-los conscientes de sua responsabilida-
de atual e prepará-los para uma atuação mais efetiva frente ao processo de mudança
necessária.
Não há como ignorar a influência dos fatores intra-escolares, como, por exem-
plo, o clima reinante propício ou não ao diálogo, à troca de informações para a deter-
minação de um ambiente amistoso, facilitador, não-repressivo. Tais condigoes são pro-
pícias à mudança, porque estimulam o espírito de luta do professor; daí porque se acre-
dita ser necessário trabalhar a questão da formação contínua sob todos os aspectos e
dimensões do problema. Assim, não basta proporcionar oportunidades de capacitação
docente, ignorando as condições e o ambiente de trabalho do professor.
Resta-nos, pois, atentar para a complexidade da questão - formação contínua
de professores - , visto que o ponto central desse processo é a mudança com todas as
implicações e conseqüências que isso possa ter.
Referências Bibliográficas
ALVES, N. (org.). Formação de professores: pensar e fazer. São Paulo: Cortez, 1992.
LOPES, L. J. "Reflexões sobre a universidade". Educação Brasileira, v.7, n. 15, pp. 103-12, 1985.
NÓVOA, A. (coord.). Os professores e sua formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote/HE, 1992.
PERRENOUD, P. Práticas pedagógicas, profissão docente e formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote/
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RIBAS, M. H. & CARVALHO, M. A. de. "O caráter emancipatório de uma prática possível." Ponta Grossa,
1995 (mimeo).
SCHMIDT, L. M.; RIBAS, M. H.; CARVALHO, M. A. de "A prática pedagógica como fonte de conhecimento".
Ponta Grossa, 1995 (mimeo).
57
O Trabalho Docente
Comentário
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Formação Continuada de Professores e Mudança na Prática Pedagógica
59
O Trabalho Docente
60
CAPÍTULO 5
O Pensado e o Construído:
Um Olhar sobre o
Cotidiano da Escola
62
O Pensado e o Construído: Um Olhar sobre o Cotidiano da Escola
Esse texto pretende discutir uma proposta de ação conjunta, desenvolvida por
uma escola pública estadual, nos anos de 1990 e 1991 e gerada a partir da constatação
a
dos altos índices de evasão e repetência na 5 série, fatos que se produziram desde
anos anteriores.
a a
A escola em questão oferece ensino regular e supletivo de 1 a 8 série e classe
especial - deficiência mental (O ensino regular e a classe especial no período diurno e
O ensino supletivo no noturno). No biênio em questão abrigava, aproximadamente,
1 260 alunos e contava com 40 professores, destes apenas um sem formação de nível
superior.
Embora localizada no centro da cidade, os alunos que a freqüentam, na sua maioria,
são oriundos da classe popular e habitam em bairros de sua proximidade.
Entendendo que a construção de uma escola democrática passa pela organiza-
ção no próprio âmbito escolar, de práticas que garantam a qualidade de seu ensino, e
que essa qualidade vincula-se ao desenvolvimento de projetos específicos, peculiares
à realidade vivenciada, os professores e demais membros da escola elaboraram e
executaram um projeto en vol vendo aspectos importantes para o tratamento da pro-
blemática, como: a capacitação docente, a gestão interna da escola e a ação supervisora.
63
O Trabalho Docente
1 No Paraná, a supervisão do ensino é realizada por supervisores que têm formação espe-
cífica e que, através de concurso, são lotados em uma unidade escolar onde exercem as
suas funções.
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O Pensado e o Construído: Um Olhar sobre o Cotidiano da Escola
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O Pensado e o Construído: Um Olhar sobre o Cotidiano da Escola
Assim, cabe discutir a questão do poder na escola, uma vez que no seu cotidiano
atua um conjunto de forças dinâmicas, em contínua interação, expressando-se em di-
ferentes e conflitantes direções. Aí tem origem um foco constante de tensão que, em
sua essência, nada mais é do que uma hita política pelo poder, pela preponderância de
determinados pontos de vista no interior da escola.
A percepção do poder no cotidiano escolar é básica para que o profissional vi-
sualize de forma ampia o contexto onde se insere. Isso facilita o seu envolvimento no
cotidiano, contribuindo para o aperfeiçoamento das questões pedagógicas e da sua
maior participação; faz com que o poder nessa área se divida, o que aumenta a sua
autonomía e consciência quanto ao processo desenvolvido. A partir daí, esse profis-
sional estará apto a colaborar para mudanças institucionais, uma vez que
Lembre-se, ainda, que as decisões institucionais são legitimadas pelas práticas coti-
dianas.
Só quando o grupo estiver apto para colaborar ñas mudanças institucionais na
própria situação de trabalho é que ele será capaz de posicionar-se diante de uma re-
alidade adversa, tendo consciência da possibilidade da "desobediencia civil". Esta
também é uma forma de participação no nível macrossocial.
Essa consciência política fortalece a proposta pedagógica da escola, pois, cons-
cientes e comprometidos com a realidade onde se inserem, podem enfrentar com
competência os desafios que se apresentam na escola pública.
69
O Trabalho Docente
Entretanto, esta perspectiva não exclui a consciência de que cada unidade esco-
lar está inclusa no sistema educacional com o qual se relaciona diuturnamente e que
não deve fechar-se em si mesma porque se considera auto-suficiente, sob pena de
produzir a autofagia. O resultado de suas experiências deve, inclusive, ser encaminha-
do aos órçãos centrais da administração do ensino para serem socializados, porque,
além de expressar os seus avanços, a escola também pode entrar em contato com as
conquistas de outras unidades escolares, estabelecendo um intercambio que a fortale-
cerá cada vez mais.
Não é demais ressaltar que, para o desenvolvimento de projetos na escola, há a
necessidade de se contar com profissionais que se comprometam com a educação,
visando mudanças e que apresentem valores como a participação, o senso crítico, a
solidariedade e a consciência política. Quanto mais tais valores estiverem presentes
no cotidiano, maiores possibilidades se apresentarão para que a escola venha a insti-
tuir as suas próprias normas. Desse modo, ela apresentará maior especificidade em
sua caminhada, na construção de sua própria história. Mas é preciso ter clareza de
que isso apenas será possível em função dos avanços e recuos produzidos durante a
trajetória da unidade escolar; ambos igualmente necessários como fatores de cresci-
mento de uma comunidade.
70
O Pensado e o Construído: Um Olhar sobre o Cotidiano da Escola
Referências Bibliográficas
CRUZ, C. H. C. Educação libertadora-como projeto politico social. Revista da Educação. AEC, Brasília, v.
22, n. 87, pp. 15-33, abr./jun., 1993.
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Supervisão: uma análise crítica das críticas. AMAE Educando. Belo Horizonte, pp.30-7, abr.,
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LUPORINI, T.J.; MARTINS, R.B.; RIBAS, M.H. Escola Básica: dois segmentos dissociados. Relatório de
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MARQUES, J. C. Administração participativa: poder, conflito e mudança na escola. Porto Alegre: Sagra,
1987.
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Pesquisa. São Paulo, n. 69, pp. 80-5, maio, 1989.
RIBAS, M. H. Treinamento de professores: sua validade e seus efeitos na prática docente. Uma análise da
questão no Estado do Paraná. Dissertação de mestrado, PUC/SP. 1989.
7I
O Trabalho Docente
Comentário
Vida na Escola
Desenvolver ensino não se torna um fato ¡solado, mas redunda de ato de coni-
vência entre educador, aluno, sociedade e Poder Público. No entanto, cada sala de
aula representa uma realidade escolar diversa, exigindo autonomía e criatividade de
ações, que muitas vezes o próprio educador jamáis experienciou quando estudante.
Muitos são os questionamentos que o educador e a escola se fazem diante de um
contingente escolar tão heterogêneo socioculturalmente tanto na zona urbana quanto
na rural. Entre outros, surgem os que se seguem:
Como autogerir essa instituição de ensino?
o Como tornar a escola e as aulas mais atraentes?
o Como avahar as possibilidades dos alunos de uma série?
o Diante de tantos alunos, como compreender a cada um?
o Como propiciar aos alunos experiências reais na escola, permitindo, a cada
um, uma oportunidade satisfatória?
Mesmo que o educador tenha conquistado larga experiência em sala de aula e
usufrua de comprovada capacidade e qualidades de mestre, encontra-se ele em cada
sala de aula diante de novos desafios que lhe exigem diversidade de alternativas de
solução.
Por sua vez, apresenta-se o aluno com suas expectativas, de como será sua acei-
tação por parte do educador e dos colegas e como ele se sairá diante do desafio pos-
to de estudar e passar para a série seguinte.
O Capítulo O Pensado e o Construído: um Olhar sobre o Cotidiano da Esco-
la preocupa-se, dentre outras, com esta realidade escolar, principalmente quando tra-
ta das possibilidades de uma escola democrática, onde educador, aluno, Poder Públi-
co e sociedade se irmanam em função de uma qualidade de ensino possível e que con-
vém.
Não fica despercebida a decisiva participação dos pais por uma escola que aju-
de o aluno a enxergar mais longe, a vislumbrar horizontes que lhe possam dar alguma
esperança de um futuro melhor que ele mesmo ajudará a desvelar a partir das
potencialidades desenvolvidas em sala de aula.
O Plano Decenal de Educação para Todos situa a escola como
72
O Pensado e o Construído: Um Olhar sobre o Cotidiano da Escola
73
O Trabalho Docente
Seja como for, as inúmeras frentes de debate que as articulistas Ribas, Martins e
Luporini estão a propiciar em seu documento dão a exata dimensão de sua importân-
cia no contexto acadêmico-científico. Seu trabalho toca o âmago da questão educacio-
nal: vida na escola.
Referências Bibliográficas
2 DURKHEIM, Emile. Problèmesde lajeunesse, Emile Copfermann, FM/Petite Collection Maspero. Paris,
1972.
3 MONTEIRO, Agostinho dos Reis. Educação, ato politico. Lisboa: L. Horizonte, 1974.
74
CAPÍTULO 6
Projetando a Mudança
a partir de um
Estudo do Cotidiano Escolar
brigada a receber um número maior de alunos oriundos das camadas mais po-
bres da população, por pressões sociais de toda sorte, e despreparada para trabalhar
com esses alunos, a escola pública brasileira tem-se revelado cada vez mais ineficiente
no desempenho de sua tarefa básica, constituindo-se em alvo de críticas e objeto de
referência principal quando se trata de avaliar a atuação de seus egressos no mercado
de trabalho e nas várias funções que a sociedade brasileira requer.
Indicadores contundentes desse desempenho insatisfatório são as estatísticas sobre
evasão e repetência. Os dados, muitas vezes apresentados de forma atenuada, numa
tentativa de escamotear o duro quadro da realidade educacional, apontam verdadei-
ros obstáculos ao avanço quantitativo do acesso ao ensino fundamental, conforme
assinalam alguns estudos (Flechter/Ribeiro, 1987 e Ribeiro, 1990).
Há décadas, a evasão e retenção na 1 a. série do ensino fundamental tem girado
em torno de 50%, e tais perdas não se limitam a essa série. Para exemplificar, tome-
a
mos o número de alunos ingressantes na l série em 1980 em confronto com o dos
concluintes em 1987 (ano de conclusão provável desses alunos) e verificamos que o
índice foi de 0,148, ou seja, para cada mil alunos matriculados apenas 148 concluem
o ensino fundamental em oito anos previstos (MEC, 1992).
Esse aspecto seletivo do sistema educacional brasileiro tem marcado um estado
de "crise permanente" bastante antigo, indicando a existência, desde o período colo-
O Trabalho Docente
nial, de uma escola para atender reduzida parcela da população, ou ainda, o receio
dos grupos mais favorecidos, ao permitirem o acesso das camadas populares a edu-
cação formal, de estarem contribuindo para o processo de mudança social.
Muitas são as tentativas de explicação para o fenômeno da seletividade. Os pró-
prios professores, apoiados na teoria da carência cultural, amplamente divulgada na
década de 70, buscam justificativas nas carências sociais, culturais e materiais dos alunos,
eximindo-se, dessa forma, de qualquer responsabilidade pelo insucesso de seu traba-
lho. Mostram-se pouco interessados em proceder a uma avaliação mais rigorosa de
todo o processo, o que exigiría, certamente, uma revisão de suas práticas.
Fatores como esse, associados a outros de ordem política, que não favorecem
em absoluto e, muitas vezes, inviabilizam qualquer proposta de mudança, tornam a
questão mais séria a ponto de se falar em "crise do ensino" e até mesmo em "crise da
educação brasileira".
Entendemos que a crise é visível não apenas nos resultados anunciados, mas tam-
bém, e sobretudo, na rotina escolar, nas precárias condiçóes de funcionamento das
escolas, nos baixos salários dos professores, no desinteresse geral apresentado por
alunos, professores e demais participantes do processo educativo. Sua manifestação
é de tal ordem que desafia a competência dos educadores em geral nos seus aspectos
técnico e político, uma vez que os coloca inertes diante da necessidade de atender aos
alunos das camadas mais desfavorecidas, não apenas oferecendo uma vaga na esco-
la, mas preparando-os, de fato, para o exercício da cidadania.
Certamente, existem entraves de diferentes ordens impedindo o desenvolvimen-
to de práticas educacionais que tornariam as escolas mais eficientes e democráticas.
Parte dessas dificuldades decorre das políticas vigentes e de sua normatização por parte
dos órgãos responsáveis pela administração do ensino. são orientações que estimu-
lam a prática de rotinas e de comportamentos burocratizados susceptíveis de controle
por parte dos órgãos centrais da administração e que não deixam margem à criatividade
e à inovação; por isso mesmo, não se mostram adequadas às reais necessidades dos
alunos e professores no desempenho de seu trabalho escolar.
Superar tais dificuldades constitui um grande desafio para os educadores que
priorizam o processo de construção de conhecimento significativo por parte dos alu-
nos. Isso implica trabalhar com suas necessidades individuais e sociais e, sobretudo,
conhecer e explorar suas experiências de vida, que constituem uma via de acesso para
apreender a realidade escolar num contexto mais amplo.
Em nossa pesquisa, constatamos a precariedade de trabalhos que tomem por base
as experiências social e cultural dos alunos, o que dificulta a formulação de propostas
pedagógicas mais condizentes com suas múltiplas necessidades.
Por essa razão, entendemos ser importante desenvolver investigaçães que se pro-
ponham a dimensionar a vida escolar através das percepções e significados dos pró-
76
Projetando a Mudança a partir de um Estudo do Cotidiano Escolar
2
6.1 A Rotina da Escola Y: Um Estudo de Caso
1 Vide a respeito ROCHA, Maria de Lourdes, O Ensino Fundamental na Escola Pública Paulista:
a a
Um Estudo da Questão sob a Ótica de Alunos de 7 e 8 Séries do 1° Grau, tese de
doutoramento, PUC/SP, 1995.
2 Trata-se de uma escola da rede pública estadual, situada na zona oeste da cidade de
Estado de são Paulo - 1991/94. Este Programa assegurou às escolas envolvidas alguns
recursos, tais como: 5 horas de aula para os alunos e horas de trabalho pedagógico (HTPs)
para os professores.
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O Trabalho Docente
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Prajetando a Mudança a partir de wn Estudo do Cotidiano Escolar
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O Trabalho Docente
pronto e acabado e num único tipo de relação entre professor e aluno: professor "pas-
sa/dá" a matéria e o aluno "recebe". Ao contrário, poderão ocorrer múltiplas relaçães
em sala de aula entre aluno-aluno, aluno-professor e professor-aluno, todas mediadas
por um processo dinâmico de construção individual e coletiva do conhecimento. Isso
é desejável e parece possível.
Acreditamos que possa existir um partilhar constante das experiências vivenciadas
pelos estudantes que constituem o grupo classe, tendo em vista o desenvolvimento de
laços de solidariedade entre as crianças, os adolescentes e os adultos.
Em contraste com as situações corriqueiras nas salas de aula, nos recreios, nos
horários de entrada e saída da escola, as crianças e adolescentes correm e andam em
turmas ou duplas, raramente sozinhos, pelos corredores e pátio. A "atividade" mais
exercitada pelos adolescentes é o bate-papo; alguns ainda tomam lanche na cantina;
outros, ou correm pelas dependências do prédio, ou jogam bola na quadra, utilizando
com mais freqüência a comunicação gestual e corporal.
A maneira como as crianças e os adolescentes circulam pelos diferentes ambien-
tes e a de se comunicarem entre si indica a predominância de um clima de descontração,
até mesmo de agitação, refletindo a importância das experiências vivenciadas fora da
sala de aula.
Os horários de recreio, de entrada e saída da escola têm significado especial para
os alunos, representam momentos de encontro entre eles, situações estas restritas em
sala de aula. O pátio, pelo clima descontraído, é o lugar preferido para o exercício da
sociabilidade e expressão dos afetos: "O pátio é o lugar mais gostoso de ficar…é um
encontro…todo mundolá…jogando…conversando…"
A partir das atividades realizadas no pátio, na quadra, na biblioteca, pode-se
apreender a existência de um espaço educativo para além da sala de aula, muito pou-
co explorado pelos adultos da escola, quando não considerado problemático por pro-
vocar rupturas no padrão de ordem definido pelo trabalho individual, silencioso e
competitivo. O potencial educativo que representa o espaço extraclasse e o padrão
de atividade imposto constituem um contra-senso se considerarmos os objetivos de-
clarados da instituição "escola".
3
Grosso modo, a rotina escolar vigente reflete uma visão estática do conhecimen-
to, algo pronto e acabado, descolado da realidade, a ser meramente transmitido a par-
celas das novas gerações. Reflete uma concepção de educação que transforma a es-
cola numa instituição calcada mais nos rituais do ensino do que nas necessidades dos
82
Projetando a Mudança a partir de um Estudo do Cotidiano Escolar
83
O Trabalho Docente
84
Projetando a Mudança a partir de um Estudo do Cotidiano Escolar
Referências Bibliográficas
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Fernandes. 7a ed. Petrópolis: Vozes, 1987.
CANIVEZ, Patrice. Educar o cidadão?Tradução de Estela dos Santos Abreu e Claudio Santoro. Campinas:
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DEMO, Pedro. "O significado da modernidade em sala de aula". Brasilia, Ipea/Capes, julho, 1991
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HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. Tradução de Carlos Nelson Coutinhoe Leandro Konder. 2aed., Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
a
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85
O Trabalho Docente
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LEFEBVRE, Henri. A vida cotidiana no mundo moderno. Tradução de Alcides João de Barros. São Paulo:
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MCLAREM, Peter. Rituais na escola. Tradução de Juracy C. Marques e Angela M.B.Biaggio. Petrópolis:
Vozes, 1991.
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o
- t a x a de retenção total." Informes Demográficosn 18.
PATTO, Maria Helena de Souza. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia.
PIAGET, Jean. A noção do tempo na chança. Tradução de Rubens Fiúza. Rio de Janeiro: Record, s/d.
RIBEIRO, Sérgio Costa. "A pedagogia da repetência". Tecnologia Educacional. Rio de Janeiro, v.19, n. 97,
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ROCHA, Maria de Lourdes." O ensino fundamental na escola pública paulista: um estudo da questão sob a
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otica de alunos de 7 e 8 séries do 1 grau." Tese de doutoramento, PUC/SP, 1995.
SIROTA, Régine. A escola primária no cotidiano. Tradução de Patrícia Chittoni Ramos. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1994.
SNYDERS, Georges. Alegria na escola. Tradução de Bertha Halpern Guzovitz e Maria Cristina Caponero.
86
CAPÍTULO 7
Escola Pública:
Representações,
Desafios e Perspectivas
ratar da escola pública, hoje, é defrontar-se com a diversidade. Significa dizer que
não existe apenas uma escola pública, mas uma variedade de escolas que, embora
procurem atender a um mesmo padrão oficial, buscam por si próprias melhorar as suas
condições, inventando, dentro dos limites da burocracia, novas formas de captação
de recursos físicos e materiais, às vezes até mesmo técnicos, a fim de garantir a sua
sobrevivência, respondendo, ainda que precariamente, as necessidades de
escolarização de seus estudantes.
A questão toma-se particularmente difícil de tratar, nesse momento histórico, quan-
do o Estado brasileiro passa por reformas que pretendem reduzir as suas proporções,
afirmando-se nos princípios neoliberais, onde se evidencia o papel central do merca-
do em detrimento da ação governamental, mesmo quando se consideram funções de
caráter estritamente social, como é o caso da saúde e da educação.
A despeito disso, a ocasião parece propícia para discussão, pelo fato de nos
encontrarmos no momento de aplicação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, que se propõe, em sua nova versão, à definição de princípios gerais e dire-
trizes mais flexíveis, condizentes com o atual momento histórico, conferindo maior au-
tonomia às escolas e aos sistemas de ensino para adequarem os termos da lei às suas
realidades específicas.
O Trabalho Docente
Com o objetivo de tornar explícito nosso ponto de vista sobre o assunto, é pre-
ciso salientar que entendemos por escola pública aquela que presta serviço público à
sociedade, melhor dizendo, a que está a serviço dos interesses da população em urna
perspectiva de totalidade, e não em atendimento a grupos específicos que mantêm e
reproduzem os interesses de urna elite dominante. Repensar a escola pública de for-
mação básica como espaço de construção e socialização do conhecimento é articu-
larse visceralmente com a formação da cidadania da imensa maioria dos marginaliza-
dos, na qual se inclui o aluno trabalhador. Assim, o papel da escola pública não deve
ser circunscrito apenas à questão da escolarização, mas sim, e principalmente, à ex-
pressão de um compromisso social e político com a qualidade de vida dos alunos.
Considerar a escola como espaço de construção do conhecimento é concebê-la
como um ambiente formador de identidade dos sujeitos históricos que nela vivem e
convivem; é compreendê-la através dos valores, atitudes, sentimentos, emoções que
integram o processo de comunicação dos diferentes grupos que nela estão presentes.
Embora a prioridade, nesse momento, esteja colocada no ensino fundamental,
o
portanto, no antigo ensino de l Grau, um aspecto importante sempre presente nos
debates atuais sobre a educação brasileira refere-se à questão do trabalho e suas re-
lações com a educação, especialmente no ensino médio.
Ainda que este seja um assunto de interesse geral e constitua pauta obrigatória
dos encontros de educadores ou mesmo dos discursos oficiáis, observa-se que não
tem constituído objeto de estudos e análises aprofundadas por parte dos educadores
e pesquisadores que atuam nessa área. E ainda quando o fazem, não se dispõem a
buscar elementos significativos para uma avaliação profunda desse nível no cotidiano
escolar, na prática desenvolvida pelos professores ou mesmo na vivência dos alunos,
em suma na constatação do que se faz na escola de nível médio e das oportunidades
que ela propicia aos seus alunos.
As pesquisas existentes preocupam-se mais com os dados quantitativos que evi-
denciam, sem dúvida, um afunilamento em termos de escolarização; entretanto, as ex-
plicações para esse fato ficam sempre adstritas aos fatores socioeconômicos, sem se
aprofundar em avaliações mais rigorosas e efetivas do trabalho realizado nessas esco-
las, da contribuição que elas têm dado efetivamente para a formação do aluno em ter-
mos de sua preparação para enfrentar o mundo do trabalho, em sua acepção mais
ampia.
A escola pública tem um espaço próprio que precisa ser redimensionado. De-
vem ser revistos seus métodos pedagógicos, sua organização curricular, sua gestão,
os saberes nela e por ela veiculados, em concordância a uma definição e viabilização
de políticas públicas compromissadas com os princípios autênticos da democracia e
da participação. Mudar o tempo e o espaço da escola é inserir-se numa perspectiva
de mudança das estruturas sociais, tendo como horizonte de possibilidades a transfor-
88
Escola Pública: Representações, Desafios e Perspectivas
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O Trabalho Docente
Gosto… pelas amizades euficaria nela, mas acho que pela es-
cola, eu saíria. Gosto, eu acho que gosto dos colegas que tenho na
classe, mas acho que a escola é muito fraca.
A marca "afetividade" está presente em quase todos os discursos. Mas esse afe-
to não se mostrou como um gostar ingênuo, pois o que se evidenciou em suas expres-
soes é que o gostar da escola manifesta-se apesar dod e s c o n t e n t a m e n t odiante das
suas limitagóes. Os alunos também diziam em seus discursos ser ela inadequada,
descompromissada, despolitizada em alguns momentos, mas contraditoriamente com-
preendiam-na como importante no seu crescimento pessoal.
Apesar de considerá-la anacrônica no que diz respeito ao seu tempo, desprepa-
rada em relação ao mundo do trabalho, consideravam-na fundamental á preparação
para a vida.
Em suas representações, a sala de aula revelou-se como o local que mais gosta-
vam de ficar dentro do espaço escolar, como o espaço mais acolhedor, menos impes-
soal quando comparado com outros, principalmente por poderem aí expressar mais
livremente sua subjetividade, compartilhando experiências pessoais e profissionais com
os amigos.
A despeito da sala de aula mostrar-se como o local mais prazeroso da escola
pesquisada, quando indagados acerca da qualidade das aulas, as expressões mais usadas
paraclassificá-las foram "primarias", "cansativas", "chatas", "perdidas".
O discurso a seguir é bem característico dessa avaliação:
Escola Pública: Representagoes, Desafios e Perspectivas
Algumas aulas sao boas, a maioria é chata, mas isso nao é por
causa da materia, da disciplina e sim pelos professores. O profes-
sor já chega desanimado e já passa aquilo para o aluno. Escreve,
escreve e você fica no caderno copiando e nao sai daquilo; aí toca
o sinal. Na próxima aula, ele faz, a mesma coisa. Esse sistema hitóla
o aluno. O tempo que a gente perde deveria ser mais ágil. E com
isso a gente deixa de aprender.
Dos alunos entrevistados apenas um relatou que, devido á falta de condições fi-
nanceiras, não iria tentar o ingresso no curso superior, mas sim um curso técnico de
nivel médio. Todos os outros pretendiam prestar o exame vestibular, apesar de apre-
sentarem as mesmas condições.
Os alunos trabalhadores não reivindicam uma escola de nivel médio profissiona-
lizante, terminal, pois percebem que o mundo do trabalho demanda atualmente um tra-
balhador mais qualificado com formação mais ampia. Eles possuem uma crença muito
forte no diploma universitário. Acreditam que com a posse deste modificarão suas vidas.
Todavia, pesquisas sobre o sistema escolar revelam que a maioria dos alunos concluintes
de ensino médio não prosseguem os estudos por falta de vagas na rede pública, ou de
recursos financeiros para pagar uma instituição de ensino privado.
N o Brasil, após os anos 70, o que se verificou foi uma ação deliberada do Esta-
do em promover uma expansão muito abaixo da demanda de quantidade de vagas
oferecidas na rede pública de ensino universitário, pretendendo-se com esta atitude
desviar para o mercado de trabalho, mediante profissionalização compulsória, parte
substancial dos alunos egressos do ensino médio (Cunha, 1975). N a realidade, isso
não aconteceu, pois o que se constatou foi o surgimento da empresa capitalista de ensino
que ofereceu aos barrados na universidade oficial um produto substitutivo de qualida-
de inferior, mas que preenchia formalmente as exigencias do credencialismo (Singer,
1988). O mercado de trabalho recebeu uma crescente massa de diplomados de nível
superior, cujos excedentes forçaram a elevaçãoda exigencia para ocupações até en-
táo de nível médio, o que levou á degradação do diploma de nível médio, com ou sem
formação profissional. Desse modo, o que se constatou é que o ensino médio, apesar
da política de profissionalização, continuou a exerçãr a funçãd que historicamente sem-
pre o caracterizou: função propedéutica em relação ao ensino superior.
No mundo do trabalho em sociedades modernas, é característica a elevação das
exigências das empresas em matéria de educação formal, com a valorização crescen-
te da qualificação geral em contraposição á específica e a necessidade de diplomas de
nivel cada vez mais elevado.
N o Brasil, o mercado de trabalho continuará a funcionar ainda por algüm tempo,
em alguns setores localizados a recrutar máo-de-obra náo-qualificada. Porém, as em-
presas de grande e médio portes já perceberam que o único modo de enfrentar a de-
senfilada competição que se instalou em economías globalizadas é a produção com
melhor qualidade e preços mais baratos, o que só se consegue com qualificação geral
elevada. O que queremos enfatizar é que o acesso hoje a diversas ocupações se res-
tringe cada vez mais a portadores de credenciais escolares mais elevadas. A o lado
dessa tendencia, assistimos ao desprestígio do ensino médio como preparatório para
o mercado de trabalho.
Escola Pública: Representagóes, Desafios e Perspectivas
Referências Bibliográficas
C U N H A , Luis Antonio Rodrigues da. Política educacional no Brasil: a profissionalização no ensino médio.
Rio de Janeiro: Livraria Eldorado Tijuca, s/d.
ENGUITA, Mariano E A face oculta da escola - educação e trabalho no capitalismo. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1989.
F E L D M A N N , Marina Graziela. A dimensão trabalho na escola de segundo grau pública paulista: da história
ao cotidiano. Tese de Doutoramento, PUC/SP, 1995.
MICHELAT, Guy. Sobre a utilização da entrevista náo-diretiva e m sociologia. /n.THlOLLENT, Michel. Crítica
metodológica, investigação social e enquete operaría. Sao Paulo: Ed. Polis, 1987.
o
SINGER, Paul. "Sociedade, trabalho e escola de 2 . grau". In: Seminario ensino de segundo grau - Perspec-
tivas. Sao Paulo: USP, 1988 (mimeo).
Comentario
"Projetando a Mudança a partir de um Estudo do Cotidiano Escolar
"Escola Pública: Representações, Desafios e Perspectivas"
Myrtes Alonso
Assim sendo, e uma vez que participamos como orientadora de ambas as pes-
quisas, julgamos oportuno trazer o nosso ponto de vista sobre a questáo. O ponto de
partida é a grande interrogação presente nos estudos e investigacoes da maioria dos
educadores:
Qual o verdadeiro sentido da escola hoje? Eis ai uma questão que nos intriga e
nos preocupa a todos. O mundo mudou, a sociedade não pára de se transformar, as
pessoas sofrem o impacto dessas mudanças e se sentem cada vez mais despreparadas
para enfrentar os novos desafios que se apresentam.
A despeito disso, a escola permanece imóvel, fechada dentro de uma estrutura
rígida, inflexível, seguindo o seu curso em dissonáncia total com a realidade. Permane-
ce fiel á sua missáo reprodutora, mas incapaz de assumir a função de renovadora da
cultura.
Como explicar esse distanciamento se a escola foi pensada exatamente para pre-
parar as crianças e jovens para a vida adulta?
Q u a n d o foi, exatamente, que a escola e a sociedade deixaram de se encarar e
passaram a correr em raias paralelas?
Embora todas essas questoes constituam preocupações e objeto de discussáo
dos educadores, elas não tem o poder de desencadear as mudangas necessárias na
escola atual a ponto de transformá-la em algo dinámico, rico em experiencias, capaz
de gerar a produção e a renovação do conhecimento.
Cada dia mais, essa incapacidade da escola de assumir, na totalidade, a sua fun-
ção, traz conseqüéncias desastrosas para todos na medida em que as pessoas, estan-
do despreparadas para enfrentar os enormes desafios do social, acabam ficando á
mercé das circunstancias e nem sempre fazem as melhores escolhas. Assim sendo, a
escola deixa de cumprir o seu papel educativo de formadora do ser em sua plenitude,
o que fica, em boa parte, a cargo de outras agencias, instituições nem sempre
credenciadas para tanto.
Os autores costumam apontar uma dupla missáo para a escola atual: de um lado,
a socialização, cujo objetivo último é inserir os jovens na sociedade, mais particular-
mente no mercado de trabalho; de outro, a f o r m a ç ã o do cidadão, capaz de ter uma
participação consciente no social. Essa dupla função, em certo sentido contraditória
uma vez que supõe o desenvolvimento de capacidades distintas e habilidades de natu-
reza totalmente diferentes, requer por parte da escola inserção nas realidades social e
cultural e definição clara de propósitos educacionais a serem atingidos de acordó com
uma proposta de ação assumida coletiva e conscientemente pelos seus responsáveis.
O grande problema que enfrenta a nossa escola, sobretudo a que se diz pública,
é a diversidade sociocultural de sua clientela. Com a chamada "democratização do
ensino", a escola foi "invadida" pelas populações de baixa renda, desprovidas de qual-
O Trabalho Docente
quer patrimonio cultural, mas ansiosa por usutruir os privilégios e as oportunidades antes
reservadas apenas para as classes média e alta.
O acesso dessas populacoes ocasionou dificuldades para os educadores acos-
tumados a entender o ensino como um processo de mera transmissao de um "conhe-
cimento" considerado legítimo, porque construido pela humanidade, e cuja apropria-
ção por parte dos indivíduos é vista como necessária para garantir a sua inserção no
social. Assim, a tarefa de transmissao, objeto central do trabalho docente, deveria ser
programada dentro de uma seqüência lógica, podendo ser facilitada gracas á utiliza-
ção de estratégias de ensino que tornam o conteúdo a ser transmitido mais acessível,
além de facilitar a memorização.
Essa lógica que esteve sempre presente no trabalho escolar assume como pres-
suposto que todos os alunos aprendem da mesma forma, têm as mesmas dificuldades
e necessitam do mesmo tipo de "conhecimento", hipótese totalmente errada e incapaz
de sustentar-se numa situaçãocomo a atual, em que os alunos provém de realidades
infinitamente diversas, com problemas e necessidades de aprendizagem os mais varia-
dos. Além disso, eles trazem experiências ricas, ainda que obtidas de uma forma me-
nos convencional; porém, fazem uso dessas experiéncias para a sua sobrevivencia e
necessitam déla, embora devam ampliá-las e confrontá-Ias com outras formas de co-
nhecimento sistematizado, o que lhes permitirá expandir os limites do próprio conhe-
cimento.
O que importa salientar, para fins dessa análise, é o fato de que os professores e
a escola em geral precisam estar atentos para essa diversidade cultural, não para re-
duzi-la no sentido de buscar "homogeneizar" os alunos, mas para desenvolver um outro
padráo educacional que contemple a diversidade, que possibilite o desabrochar de
idéias, modos de conceber e agir diversos do estabelecido, sempre que isso signifique
propiciar o desen volvimento individual e estabelecer novas bases para um coleti vo mais
real e significativo.
Estudos como esses - de Maria de Lourdes e Marina, que se preocuparam em
conhecer a escola pública no seu cotidiano através do olhar daqueles que a deman-
dan!, seja no ensino fundamental ou no médio, trazem uma importante contribuição
para u m repensar da escola, do seu valor efeti vo para os alunos, de suas esperangas
e decepções e dos caminhos que poderiam ser vislumbrados a partir das constatações
feitas.
Entre os varios problemas detectados, um deles chama a atenção pela insistencia
com que se manifesta: o descaso com os aspectos afetivo e social que envolvem a
aprendizagem. A importância dada pelos alunos a essas questões a despeito de sua
náo-contemplação nas atividades auriculares, tampouco ñas intenções dos professo-
res é um bom indicador do quanto a escola se encontra distanciada de uma proposta
verdadeiramente educativa.
Escola Pública: Representações, Desafios e Perspectivas
Referencias Bibliográficas
ENGUITA, Mariano. A face oculta da escola. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.
99
O Trabalho Docente
E S T E V E , José M. " M u d a r ç a s sociais e função docente". Sn: N Ó V O A , A. (org.) Profissão professor. Porto:
Ed. Porto, 1991.
100
CAPÍTULO 8
O Diretor
da Escola Pública,
um Articulador
Martha Abrahão Saad Lucchesi
ção escolar. A partir da constatação desse fato, se analisarmos algumas escolas, po-
deremos perceber que as providencias importantes obedecem exclusivamente ao pa-
drão da legalidade. Falta a certos diretores habilidade para canalizar e reordenar as
forças emergentes no cotidiano escolar.
Esta trama que arquiteta o poder nos remete às considerações de Foucault quando
verifica sua onipresença:
"O poder está em toda parte; nao porque englobe tudo e sim
porque provém de todos os lugares. E 'o' poder, no que tem de per-
manente, de repetitivo, de inerte, de auto-reprodutor, é apenas efei-
102
O Diretor da Escola Pública, um Articulador
103
O Trabalho Docente
104
O Diretor da Escola Pública, um Articulador
105
O Trabalho Docente
de onde depreendemos sua importancia na descrição das relações de poder nas es-
colas que observamos.
Por um lado, as relações entre os professores que reivindicam melhores condi-
ções de trabalho e o diretor, que representa a administração, são fontes permanentes
de conflito. Por outro, a rotatividade decorrente das remoções que ocorrem a cada
ano e o absenteísmo provocado, no mais das vezes, por desmotivação e pelos baixos
salários - ambos sérios problemas na escola - conduzemà ruptura de laços sociais
importantes para a manutenção da tranqüilidade na unidade escolar.
Gostaríamos de acrescentar que a conscientização dos conflitos e de suas causas
poderia ser positiva para a comunidade na qual ocorre. Assim, para Motta,
"... o contato com realidades sociais explosivas levaà consci-
ência da necessidade de administrarse o conflito plenamente, como
forma de manutenção do poder." (Motta apud Bastos, Seidel, 1992,
p. 53)
A postura do diretor frente aos conflitos que acontecem na escola e a sua com-
petencia ou habilidade para administrá-los pode ser determinante para sua manuten-
ção no cargo, conscientemente entendido como u m aposição estratégica no quadro
das relações de poder.
Outra postura assumida pela administração diante dos conflitos é ignorar ou "aba-
far" a situação, para dar continuidade a projetos estabelecidos; "desconhece-se tan-
to" o conflito interno nas microcélulas do sistema, quanto na própria escola. Isso, no
entanto, nao parece aplicar-se às greves, que fogem ao controle dos diretores.
Multiplica-se, conseqüentemente, o que denominamos de "arranjos institucionais",
que acabam por privilegiar grupos detentores do poder ocasional. Este "jeitinho" no
interior da escola pode, por vezes, ser determinado por coalizões com interesses an-
taçõnicos. Tudo ocorre como se houvesse u m averdadeira tranqüilidade. Os profes-
sores que conquistam o maior número de alunos como adeptos sentem-se no direito
de decidir sobre a maioria dos aspectos, tais como: o programa a ser cumprido, afas-
tamento ou permanencia de alguns professores que sao contrários ao seu projeto ideo-
lógico, aulas a serem dadas ou não, etc. Enfim, sentem-se com o direito de centralizar
em suas mãos as decisões administrativas e pedagógicas.
Protegida pelo muro do silencio e por múltiplos e variados interesses, a crise grassa
pelo espago escolar, atinge o corpo institucional, destrói o organismo escolar e leva a
umaprática pedaçõgica questionável ou nula, que produz alunos sem os necessários
106
O Diretor da Escola Pública, um Articulador
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O Trabalho Docente
108
O Diretor da Escola Pública, um Articulador
2
se que certos diretores ignoram essa faceta do poder, da "emergencia", que ocorre
na dinámica da irrupção, como um vulção que traz do subterrâneo terçãs avassaladoras
que chegam à superfície com todo seu vigor.
Essas considerações sobre a emergencia do poder nas instituições, enquanto
micropoder e em termos de sua intervenção no espaço escolar, nos remetem àpre-
missa da arquegenealogia de Foucault. O que se pretende é apreender como esses
micropoderes, que possuem tecnologia e história específicas, se relacionam na base
da sociedade em seu nível mais elementar. É preciso lembrar que, segundo Foucault,
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O Trabalho Docente
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O Diretor da Escola Pública, um Articulador
Reforçamos que educar para a liberdade não significa, como parecem entender
alguns professores e diretores, uma educação pautada no "assembleísmo" apresenta-
do com uma feição democrática; na realidade, é um "democratismo" que acaba por
caracterizar-se como uma das expressões do autoritarismo. Não há consenso entre
os educadores e quem não concorda com aqueles que estão liderando é obrigado a
silenciar.
A escola atua como um instrumento de transformação, quando exorciza a tirania
que nela possa residir, tanto da parte do diretor, dos professores, funcionários e alu-
nos, quanto da própria comunidade local. A escola deve ser um canteiro que permita
o germinar de uma pluralidade de idéias e de projetos pedagógicos, onde se consiga
uma unidade entre teoria e prática, a verdadeira prá0xis.
Para Ivone Khouri (apudD' Antola, 1989), é evidente a necessidade de uma outra
organização para o funcionamento da escola. É preciso ir em busca de uma nova dis-
ciplina, ou melhor, de uma antidisciplina, que leve à redefinição de papéis e a novas
responsabilidades e direitos para todos. O que não se pode permitir é que, em nome
de um democratismo e de uma pseudoparticipação, desarticulem-se os projetos pe-
dagógicos das escolas públicas. Em nossa leitura, o que a autora denomina de
antidisciplina é uma forma diferente de se fazer a disciplina. O que desejamos eviden-
ciar é que a participação pode ocultar ou mascarar as estratégias de manipulação.
O processo de indisciplina que se instaura nas escolas pode ser compreendido a
partir das relações de poder que advêm dos diferentes valores das pessoas que com-
põem as comunidades interna e externa das escolas e que perpassa todo o universo
da prática pedagógica, a qual só será efetiva se atender sempre às necessidades do
aluno e da comunidade a que serve. Épor essa razão que transformar a escola em
palco de lutas ideológicas ou de interesses panfletários pode desviá-lade seus princi-
páis objetivos e, em especial, de formar o aluno para a cidadania.
É na construção da unidade entre teoria e prática que os discursos panfletários
perdem sua força, deixando emergir as categorías universais de disciplina e democra-
cia, que ganham vida nova no desenvolvimento das relações.
Isso significa que nem sempre o sentido da categoria em sua gênese seja o mes-
mo em seu desenvolvimento. Por conseguinte, uma leitura de Foucault mostra que ele
não estuda a disciplina em sua origem apenas como adestramento, mas tenta apanhá-
la em sua evolução, como instrumento para a liberdade.
Nosso intuito é ressaltar o fato de que na relação entre teoria e prática pode-se
perceber o currículo oculto e o manifesto. O que certos grupos de professores no in-
terior da escola desejam é manipular os alunos; para tal finalidade, tentam articular e
vender a imagem do "lobo pelo cordeiro e deste pelo do lobo". Esta metáfora quer
dizer que a autoridade se confunde com autoritarismo, que se apresenta como autori-
111
O Trabalho Docente
dade; tudo isso para "controlar" os alunos. Essa idéia torna-se mais explícita na
constatação de que a
112
O Diretor da Escola Pública, um Articulador
conflitos, desenvolver urna educação para a cidadania, sem que ela se transforme numa
educação para a violencia?
Obviamente,
"… refletir sobre disciplina num país que prima pela desorgani-
zação, pelo desrespeito a todo e qualquer tipo de ordem ou norma,
que coloca interesses de algumas pessoas ou grupos minoritários
poderosos acima até dos valores humanos de dignidade, respeito e
solidariedade, é não só uma proposta temerária, como um grande
desafio." (Vianna In: D'Antola, 1989, p. 13)
113
O Trabalho Docente
1 14
O Diretor da Escola Pública, um Articulador
Referencias Bibliográficas
115
O Trabalho Docente
FREIRE, Paulo. "Dialogando sobre disciplina com Paulo Freire". In: Disciplina na escola: autoridade versus
autoritarismo. São Paulo: EPU, 1989.
M A N Z I N I - C O V R E , Maria de Lourdes. A cidadania que não temos. São Paulo: Brasiliense, 1986.
MOTTA, Fernando Cláudio Prestes. Organização e poder, empresa, Estado e escola. São Paulo: Atlas,
1986.
Q
NOSELLA, Paolo. "Em busca da organicidade da escola pública de 1 grau". In: Idéias 16, São Paulo: FDE,
1993.
PARO, Vitor Henrique. Administração escolar, introdução crítica. 4a ed. São Paulo: Cortez, 1990.
a
S A V I A N I , D e r m e v a l . Educação. Do senso comum à consciência filosófica. 1 0 ed. São Paulo: Cortez/
Autores Associados, 1 9 9 1 .
SILVA J Ú N I O R , Celestino Alves. A escola pública como local de trabalho. São Paulo: Cortez, 1990.
I 16
CAPÍTULO 9
Buscando Novos
Caminhos para a Supervisão
Martha Abrahão Saad Lucchesi
experiência aqui narrada representa para mim grande realização como educa-
dora e cidadã porque possibilitou unir minha visão transformadora adquirida na aca-
demia à prática profissional, um casamento feliz e fecundo.
Após o Mestrado, foi-me colocado um desafio: reestruturar uma escola que se
encontrava em situação bastante crítica. Infelizmente, algumas vezes existe certo pre-
conceito contra o profissional que prossegue sua formação acadêmica, como se esta
fosse incompatível e até prejudicial à prática e não, ao contrário, um importante instru-
mento de crescimento e apoio desta. Estava posto o desafio. Era a oportunidade para
testar a minha crença na reflexão-ação-reflexão.
Ao entrar no hall do edifício escolar, meus olhos captaram num relance o estado
de abandono e desmotivação em que se encontrava a escola, bem como o corpo do-
cente e de funcionários. O hall era simbólico. Como em certos filmes ou literatura, o
cenário falava das pessoas que ali viviam: descuidado, cheio de objetos quebrados,
sujo, apesar da arquitetura de época e de certa imponência do prédio. Abandono,
caos, desarticulação, falta de organicidade, desmotivação, o hall tornara-se um sím-
bolo do aniquilamento.
Os escombros eram resultado de um conflito institucional entre a Delegacia de
Ensino e a Unidade Escolar, que havia passado por uma sindicência administrativa. A
documentação foi regularizada, mas os atores do processo educacional foram
destruídos. A escola, vista como entidade abstrata, foi "posta em ordem", mas, como
não existe concretamente sem as pessoas que nela trabalham, foi, na verdade,
desestruturada. As vontades humanas foram curvadas ao que, supostamente, repre-
sentaría o interesse do Estado. Estavam todos assustados. E o educando, que deveria
ser o final e o centro das atenções, fora simplesmente relegado ao esquecimento. O
meio virara fim.
Para o autor, toda construção humana - e, nesse caso, a escola - é fruto da ação
de pessoas concretas que, intencionalmente ou não, produziram uma dada realidade.
Essas pessoas são, assim, sujeitos da ação desenvolvida.
Ao novo núcleo de direção, composto por profissionais com competência téc-
nica, faltava motivação e laços com a escola, por desconhecerem a história da insti-
tuição.
O resultado dessa desestruturação era a ausência de uma situação educativa
configurada e de um projeto pedagógico. Como conseqüência, os índices de evasão
e repetência eram altos. Havia alunos nas classes, professores em aula, secretaria com
documentação, direção a postos e, ao mesmo tempo, uma sensação de abandono,
desmotivação e cumprimento estrito da lei, ainda que com enorme resistência, princi-
palmente por parte dos alunos, por causa das aulas desinteressantes e dos professo-
res desinteressados.
1 18
Buscando Novos Caminhos para a Supervisao
119
O Trabalho Docente
Mais ainda, tudo faço num exercício de paixão, às vezes, inconsciente de mim
mesma, outras vezes lúcida, que me permite reconstruir uma prática tantas vezes
Essa postura talvez não seja norma geral no ensino público. Mas, felizmente, muitas
vezes, encontrei, nas escolas em que trabalhei, tenacidade e dedicação do núcleo de
direção, funcionários e professores, que, verdadeiras trincheiras de luta em favor da
educação, realizavam um projeto educativo, apesar e além das regras estabelecidas
pelo Estado.
Os trabalhos que realizam acabam por fazer parte de sua própria personalidade.
Contudo, infelizmente, não se trata de uma unanimidade entre os educadores. Não
porque alguns sejam menos capazes ou desinteressados, mas, sobretudo, porque não
conseguiram vislumbrar as possibilidades de superar os muros que o Estado estabele-
ce, limitando ao mínimo aquilo que se dá ao educando. Muitas vezes, o Estado cum-
pre sua função com um padrão limitado, enquanto o educador deseja o máximo. O
Estado, na verdade, é em si mesmo frio, porque abstrato, ao contrário do educador e
do educando, seres humanos, concretos e vivos. A relação entre eles, em conseqüên-
cia disso, muitas vezes torna-se tensa e corre o risco de tornar-se improdutiva.
120
Buscando Novos Caminhos para a Supervisáo
121
O Trabalho Docente
Assim, procuramos inicialmente modificar aquilo que era manifesto, embora sou-
béssemos que o oculto estava sempre presente. Situações de incerteza, dúvidas (de
ambas as partes) ou atitudes de defesa eram enfrentadas com relaçães abertas, ami-
gáveis, procurando demonstrar que estávamos ali para ajudar e não castigar.
A secretaria da escola era um dos pontos nevrálgicos, com três funcionários para
responder pelos documentos de 2 000 alunos e quase 200 professores. N u m a insti-
122
Buscando Novos Caminhos para a Supervisáo
tuição em que o burocrático havia se tornado prioritário, era natural evitar que deslizes
burocráticos transparecessem para a Delegacia de Ensino, pois ninguém desejava sofrer
novas críticas. Nesse sentido, recebemos total apoio da Delegada de Ensino, que nos
deu autonomia para encontrar o melhor caminho, aquele que pudesse produzir os
melhores resultados.
Atuávamos em dupla, concentrando-se cada uma nas tarefas de sua especialida-
de. Por minha formação em Direito e Pedagogia, pude ajudar na reciclagem do pes-
soal da secretaria de maneira positiva, o que logo levou o corpo docente a nos pro-
curar.
O passo seguinte foi conquistar o núcleo de direção, que, uma vez motivado, de-
cidiu investir no corpo docente. Foi escolhida a Semana de Planejamento para o res-
gate do todo orgânico da unidade e da responsabilidade de cada u m no processo.
Foram três dias de trabalho no início do ano que mudaram radicalmente a postu-
ra da escola. Surgiram novos planejamentos anuais, os conteúdos programáticos bem
como o currículo foram revistos, surgindo a compreensão de que a autoridade do pro-
fessor está calcada naquilo que ele sabe. Sempre acreditei que o conhecimento é o
paradigma e o aluno reconhece isso. Ele sabe responder à autoridade de conhecimen-
to com participação e respeito. A partir do conhecimento, é possível refazer a relação
dialógica entre educador e educando. Quando quem ensina sabe, tem autoridade moral
para avahar o aluno de maneira conseqüente, não utilizando a nota como forma de
punição.
Estabelecemos, minha parceira e eu, trabalhar individualmente com cada um dos
atores do processo, comparecendo à escola o mais freqüentemente possível. N o
sendo aceitos e passaram a fazer parte da cultura interna.
123
O Trabalho Docente
124
Buscando Novos Caminhos para a Supervisao
res pedagógicos. Apesar de seu valor, encontraram resistência, não da base, mas da
cúpula, o que aconteceu em toda a rede estadual. A integração dos coordenadores é
um novo desafio, que é preciso enfrentar porque eles representam um avanço importante.
Referências Bibliográficas
ALONSO, Myrtes. O papel do diretorna administração escolar. 6- ed. Rio de Janeiro: Bertrand, 1988.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 11. Reimpressão. Rio de Janeiro: Graal, 1995.
LUCCHESI, Martha Abrahão Saad. A "tramalidade" do poder no cotidiano da escola. São Paulo: PUC, 1994.
(Dissertação de Mestrado).
SILVA, Jair Militão. Educação comunitãria e educação escolar: em busca de uma metodologia e ação
educativa democratizadora. In: SILVA, Jair Militão (org.). Educação Comunitária: estudos e propostas.
São Paulo: SENAC, 1996.
125
O Trabalho Docente
Comentário:
"A Trama do Poder: o Diretor de Escola e o Supervisor de Ensirio.
Teoría e Prática"
Os dois capítulos que a seguir serão comentados foram elaborados por uma de
suas orientandas mais lúcidas - j á mestre e preparando-se para o d o u t o r a d o - , a
A análise do poder elaborada por Foucault é transposta, pela autora, para a ges-
tão da escola.
3 Vide ALONSO, Myrtes. O papel do diretor na administração escolar. 6- ed. Rio de Janeiro,
Bertrand, 1988.
126
Buscando Novos Caminhos para a Supervisao
127
O Trabalho Docente
do, após a rearrumação da casa, quando a escola readquiria seu perfil educacional, os
ó r g ã o s centrais d e t e r m i n a m m u d a n ç a s que alteram a sua p r ó p r i a e s t r u t u r a
organizacional. Perde quadro de pessoal e recebe novos professores compulsoriamente
remanejados de outras escolas também reestruturadas ou fechadas.
Reorganização, uma Nova Ruptura e O Trabalho Continua são subtítulos que,
além de continuar o relato da supervisora, são colocados para incentivar o trabalho
do supervisor em exercício. Como diz a autora, referindo-se à função supervisora,
128
CAPÍTULO 10
130
Escola: Cultura, Clima e Formagao de Professores
Diante de um universo conceitual tão vasto, opta-se aqui por abordar apenas
algumas definições que possam oferecer subsidios para um melhor entendimento do
que seja cultura das organizações e m geral.
As definições mais simples, como o diagnóstico de clima, revelando uma postu-
ra empiricista, buscam apreender os padrões culturais de uma organização, tendo como
ponto de partida a soma de opiniões e percepções de seus membros. Desse modo, a
sociedade seria uma somatória de indivíduos e a cultura uma somatória de opiniões e
comportamentos individuais. A investigação do real acontece sem referencial teórico
prévio, buscando-se generalizações através de casos, via indução.
N u m a linha antropológica, as definições questionam o significado do universo
simbólico das organizações, percebido por um observador (participante ou não) que,
munido de referencias teóricas, questiona, durante o próprio processo de pesquisa, o
modelo conceitual. Equiparando cultura e sociedade, muitos antropológos conside-
ram que a prática social, em todos os seus aspectos, integra-se pelo simbólico.
N u m a linha ou postura terapêutica são coletadas informações e dados observa-
cionais que buscam no irracional das organizações, em sua dinámica latente, as ten-
sões, conflitos e contradições a serem trabalhados. U m modelo previamente definido
orienta tal processo de pesquisa quanto à coleta, análise e interpretação das informa-
ções.
Dois grupos aglutinam definições afins: no primeiro, as definições consideram a
organização como tendo uma cultura substantiva, específica, capaz de diferenciá-la
das outras, obtendo-se uma identidade construida pelo coletivo. No segundo, as defi-
nições consideram a organização como sendo uma cultura, portanto, uma sociedade
humana. A cultura adquire ares paradigmáticos, posto que as ações coletivas que resul-
tam em decisões, normas, regras, ações e políticas são interpretadas como símbolos.
Srour (s/d, pp. 9-11), lembrando Thévenet, define cultura como um conjunto de
hipóteses básicas partilhadas na organização, que se constituem ao longo da história,
em relação à problemática ambiental externa e interna. Citando Beyer & Trice, consi-
dera a cultura organizacional como redes de concepções, normas e valores, submersas
na vida organizacional. Salienta que tais redes, apesar de submersas, são tomadas como
corretas e transmitidas a todos os membros da organização através de ritos, rituais,
mitos, estórias, gestos e artefatos.
Define-se rito como um conjunto planejado de atividades que combinam várias
formas de expressão cultural: ritos de passagem (seleção), degradação (demissáo),
reforço (seminários ou celebrações), renovação (programas de desenvolvimento in-
terno), administração de conflitos (negociações coletivas) e integração (festas).
A definição de Shein, bastante aceita e retomada por autores como Fleury (Apud
Fleury & Ficher, 1990, p. 20), revela um movimento de síntese, pois incorpora os con-
ceitos oriundos da Psicología Social.
131
O Trabalho Docente
132
Escola: Cultura, Clima e Formagao de Professores
133
O Trahalho Docente
sicas como locus privilegiado das relações econômicas onde se trabalha para a
sobrevida. As empresas se apóiam em aparelhos ideológicos da sociedade global, ou
seja, na família, religião e escola, esta última uma organização dotada de mecanismos
de aprendizagem, transmissão, controle e difusão de cultura.
Ao se considerar a escola como organização, reconhece-se nela uma cultura,
surgindo daí o conceito de cultura da organização escolar.
A cultura é fonte de referencias capaz de exprimir a identidade da organização
construída ao longo do tempo e de contribuir para sua permanencia e coerência. Ser-
ve de elo entre o passado e o presente ao moldar as ações de seus membros segundo
um mesmo sistema de referencias.
As práticas organizacionais reveladas (ou veladas) na cultura da organização es-
colar sao possibilitadoras da construção de esquemas coletivos de significados, atra-
vés de interações desenvolvidas nas práticas organizacionais, constituindo o clima da
escola. O clima, pois, não é produto individual, mas cultural, nem objetivo ou subjeti-
vo, mas sim intersubjetivo.
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Escola: Cultura, Clima e Formagao de Professores
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O Trabalho Docente
dor das práticas organizacionais das quais é originário e pelas quais se mantém; como
multiclimas, de acordo com as muitas práticas e percepções dos atores no seu interior.
Ele pode ser considerado sob um tríplice aspecto: social, académico e organizacional.
N o clima social da escola, destacam-se as interações entre os intervenientes da
vida escolar; no clima académico, as atitudes, valores e expectativas educacionais dos
membros da comunidade e no clima organizacional as interações entre a administra-
ção da escola e os membros da comunidade escolar à qual pertencem alunos, pais,
professores, funcionários e outros de relações menos diretas.
N u m a visão integradora, o clima de uma organização pode ainda ser considera-
do nas dimensões ecológica, psicossocial-social e cultural, que correspondem aos ní-
veis através dos quais se pode apreender a cultura organizacional: objetos, valores e
pressupostos inconscientes.
A dimensão ecológica - nivel dos objetos - diz respeito aos elementos físicos e
materiais: características arquitetônicas, tamanho, equipamentos da organização, etc.
A dimensão psicossocial - nível dos valores - refere-se aos atributos pessoais
dos membros da escola: características físicas, psicológicas, sociais, econômicas,
condicionantes da quantidade e qualidade das interações que ali se desenvolvem.
A dimensão social incorpora as normas que regulamentam os comportamentos e
intercepções relativas aos processos decisórios, aos graus de cooperação e competi-
tividade e estilos de liderança.
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Escola: Cultura, Clima e Formagao de Professores
Para vários autores (BrunetIn: Nóvoa, 1992b, pp. 135-6), o clima desempenha
papel preponderante no sucesso escolar dos alunos, na eficácia do professor, no de-
senvolvimento pessoal dos aprendizes.Um clima democrático contribui para o desen-
volvimento do educando, implicando um processo de participação.
N u m processo de formação contínua, o professor e todos os que trabalham na
escola tornam-se educandos em uma relação de reciprocidade.
O clima social da escola é tecido por um conjunto de variáveis e pelo modo como
são definidas e percebidas por seus membros. Tais variáveis podem ser vistas como
normas do sistema social, expectativas partilhadas pelos diversos membros e irradia-
das à totalidade do grupo.
No clima organizacional da escola podem-se destacar três fatores: os alunos, os
professores e a direção.
O primeiro refere-se à percepção dos estudantes sobre as possibilidades e ex-
pectativas do seu sucesso no sistema, conflitos e competitividade, dificuldades, pro-
cessos de união e desunião, modos de avaliação de seu rendimento académico e nor-
mas da escola como sistema social.
Os fatores organizacionais mais significativos para o sucesso dos alunos são as
expectativas da direção e dos professores quanto ao seu rendimento, ao incentivo a
comportamentos de partilha, ajuda e simpatia mútuas, à criação de um ambiente segu-
ro e agrádável.
O segundo faz referência às percepções e expectativas dos professores a seu res-
peito, à avaliação do seu trabalho e às normas do sistema social que os afetam tais
como: a administração e suas práticas, a sua carga de trabalho, as relações com a direção
e colegas, a eficácia educacional, o rendimento, aperfeiçoamento e material pedagógico.
O terceiro está na percepção do diretor em relação aos outros membros da or-
ganização, às expectativas dos estudantes e às normas e esforços para melhorar a si-
tuação ou clima, aspectos que envolvem a gestão da escola.
Considerando-se o educador como educando em processo de formação contí-
nua, as variáveis do aluno também se aplicam a ele.
Em uma gestão participativa, os fatores relacionados à direção da escola dizem
respeito a todos que compõem a comunidade pedagógica, portanto, ao próprio pro-
fessor.
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O Trabalho Docente
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Escola: Cultura, Clima e Formagüo de Professore.s
Referencias Bibliográficas
BRITO, Regina Lúcia Giffoni Luz de. O professor profissionalizante da habilitação específica de 2- grau
para o magistério e a democratização do ensino. Dissertação. PUC-SP, 1989.
J39
O Trabalho Docente
BRUNET, Luc. "Clima de trabalho e eficácia da escola. In: Nóvoa, Antonio (org.) As organizações escolares
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FLEURY, M.T.L. "O desvendar a cultura de uma organização - Uma discussão metodológica." In: Fleury &
Ficher, R.M. Cultura e poder nas organizações. Sao Paulo: Atlas, 1990.
MOTTA, Paulo Roberto. A ciencia e a arte de ser dirigente, Rio de Janeiro: Record, 1995.
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PARO, Vítor Henrique. Administração Escolar. Introdução crítica. Sao Paulo: Cortez, 1986.
PERRENOUD, Philippe. Práticas pedagógicas e profissão docente e formação (Perspectivas Sociológicas),
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THÉVENET, Maurice. A cultura de empresa hoje em dia. Revista de Administração da USP, São Paulo,
v. 26, n. 2, pp. 32-39, abril/jun.,1991.
Comentário
"Escola: Cultura, Clima e Formação de Professores:
A Cumplicidade de uma Releitura"
Dizer de u m texto é dizer daquilo que se tornou presente ao leitor. É dizer daque-
le que o produziu e que, ao fazê-lo, tornou presente alguma coisa. Édizer, ainda, da-
quele que l êo texto e que, ao atribuir significados áquilo que nele se mostra, nele vê-
se enredado.
O texto coloca-se, pois, como u m mediador, um favorecedor do encontro de
horizontes: o do leitor, que se abre àcompreensão do outro, e o do autor, que se doa
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Escola: Cultura, Clima e Formacao de Professores
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O Trabalho Docente
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CAPÍTULO 11
Avaliação de Aprendizagem:
Instrumento de Reflexão
da Prática Pedagógica
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Avaliagao de Aprendizagem: Intrumento de Reflexao da Prática Pedagógica
"É essencial que o aluno saiba sempre por que razão deve apren-
der aquilo que Ihe ensinam e, sobretudo que o professor faga uma
idéia do percurso do aluno, de "como" aprende, do ritmo da sua
progressão." (Abrecht, 1994, p. 67)
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Avaliagao de Aprendizagem: Intrumento de Reflexáo da Plática Pedagógica
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Avaliação de Aprendizagem: Intrumento de Reflexão da Prática Pedagógica
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O Trabalho Docente
Referências Bibliográficas
FAZENDA, Ivani C. Arantes. Interdisciplinaridade: História, Teoria e Pesquisa. Campinas, São Paulo: Ed.
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L U C K E S I , Cipriano C. Verificação ou Avaliação: o que pratica a escola? In: Idéias. São Paulo: FDE (8):71-
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PIMENTEL, Maria da Glória. O professor em Construção. Campinas, São Paulo: Ed. Papirus, 1993.
SOUZA, Clarilza P. et alii. Avaliação do rendimento escolar. Campinas, SãoPaulo: Papirus, 1993.
Comentário:
"Avaliação de Aprendizagem:
Instrumento da Reflexão da Prática Pedagógica"
Ivani Fazenda
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Avaliação de Aprendizagem: Intrumento de Reflexão da Prática Pedagógica
a
trar-se e m sua 36 edição. Naquela ocasião, Dolores dizia sobre as questões da inter-
disciplinaridade a partir de sua experiência na docência da disciplina Biologia, que pos-
teriormente incorporou enquanto professora de Didática em cursos superiores de for-
m a ç ã o de professores.
Naquela ocasião - 1991 - , Dolores apresentava-se como uma pesquisadora que
nao apenas refletia, mas que executava, que fazia. Todo o seu discurso era povoado
de exemplos vivos de um cotidiano bem-sucedido. A inovação sempre foi marca re-
gistrada de suas ações e seu espírito contagiante era seguido por cada um de seus alu-
nos que freqüentaram a sua sala de aula. Seu lema sempre foi o seguinte: é importante
que o bom aluno, o bom professor, possa "se sentir, se encontrar, possa ser, para então
poder fazer."
Esse mesmo espírito de guerreira encontramos em sua Dissertação de Mestrado,
ousada para os padrões formais da Academia na época, na medida em que dava voz
e voto, sempre em destaque maior às ações realizadas. A Didática que Dolores apre-
sentava era mais u m a didática vivida e sentida, portanto mais exercida do que re-
fletida; isto porque os parâmetros teóricos da disciplina Didática na época eram po-
bres, unilaterais, disciplinares, em nada combinando com o espírito interdisciplinar que
Dolores imprimia ao seu cotidiano.
O tempo apenas aperfeiçoou o seu lado guerreiro, a virtude da força desta edu-
cadora. Não mais contentou-se com uma sala de aula isolada, a sua, mas propagou
esse espírito de luta a grandes projetos que teve o privilégio de coordenar, ou as-
sessorar, tenham sido eles da rede pública de São Paulo ou de escolas particulares.
Minha condição nesse caso em particular tem sido de espectadora, daquela que
assiste de fora a batalha por u m a e d u c a ç ã o melhor empreitada por u m a guerreira.
Aproximo-me dela em fagulhas de tempo, em centelhas de momentos como este, mais
para inebriar-me em sua força e realimentar-me com ela. Assim, não sei quem apre-
senta quem, se estarei apresentando uma nova pesquisadora, ou se estarei revelando
o lado inédito de uma pesquisadora a n t i g a - e i s o sentido mágico e ambíguo de uma
educação do amanhã.
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Outras obras da EDITORA PIONEIRA: