Você está na página 1de 160

Educação Sem Fronteiras

O Trabalho
Docente
Teoria & Prática

Ana Gracinda Queluz


(Orientação)
Myrtes Alonso
(Organização)
Textos
Leide Mara Schmidt
Maria de los Dolores Jimenez Peña
Maria de Lourdes Rocha
Marina Graziela Feldmann
Mariná Holzmann Ribas
Marlene Araújo de Carvalho
Martha Abrahão Saad Lucchesi
Myrtes Alonso
Regina Lúcia Giffoni Luz de Brito
Rosilda Baron Martins
Teresa Jussara Luporini

Comentários
Ivani C. Fazenda
Ivo José Both
João Gualberto C. Meneses
Marcos T. Masetto
Maria da Graça N. Mizukami
Myrtes Alonso
PIONEIRA
Vitória Helena C. Espósito
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

0 Trabalho docente ¡ teoria & prática / Ana


G r a c i n d a Q u e l u z (orientação); M y r t e s A l o n s o
íorganização). -- S ã o P a u l o : P i o n e i r a T h o m s o n
Learning, 2003.

1. r e i m p r . d a 2 . e d . d e 1 9 9 9 .
Vários autores.
Vários comentaristas.
Bibliografia.
ISBN 85-221-0205-8

1. Educação - F i n a l i d a d e s e o b j e t i v o s 2 . Educação
como p r o f i s s ã o 3. P e d a g o g i a 4. P e s q u i s a e d u c a c i o n a l
5 . P r á t i c a d e e n s i n o 6. P r o f e s s o r e s - Formação p r o -
f i s s i o n a l I. Q u e l u z , A n a G r a c i n d a . I I . A l o n s o ,
Myrtes.

Índices para catálogo sistemático:

1. A t i v i d a d e docente : Ciências pedagógicas :


Educação 3 7 1 . 1
2. Professores : Prática docente : Ciências
p e d a g ó g i c a s : Educação 371.1
3. T r a b a l h o d o c e n t e : C i ê n c i a s p e d a g ó g i c a s :
Educação 3 7 1 . 1
Teoria & Prática
Projeto Gráfico e Editoração Eletrônica:

LUMMI Produção Visual e Assessoria Ltda.

Revisão:
Janice Yunes

© Copyright 1999 de Pioneira Todos os direitos reservados. Dados Internacionais de


Thomson Learning Ltda, urna Nenhuma parte deste livro Catalogação na Publicação
divisão da Thomson Learning, poderá ser reproduzida (CIP)
Inc. Thomson Learning™ é uma sejam quais forem os meios (Cámara Brasileira do Livro, SP,
marca registrada aqui utilizada empregados sem a permissão, Brasil)
sob licença. por escrito, da Editora. O Trabalho docente : teoria &
Aos infratores aplicam-se as prática / Ana Gracinda Queluz
Impresso no Brasil. sançães previstas nos artigos (orientação); Myrtes Alonso
Printed in Brazil. 102, 104, 106 e 107 da Lei (organização). -- São Paulo :
1 2 3 4 05 04 03 n° 9.610, de 19 de fevereiro Pioneira Thomson Learning,
de 1998. 2003.
Rua Traipu, 1 1 4 - 3 ° andar 1. reimpr. da 2. ed. de 1999.
Perdizes - CEP 01235-000 Vários autores.
Sao Paulo - SP Vários comentaristas.
Tel.: (11) 3665-9900 Bibliografia.
Fax: (11) 3665-9901 ISBN 85-221-0205-8
sac@thomsonlearning.com.br 1. Educação - Finalidades e
www.thomsonlearning.com.br objetivos 2. Educação como
profissão 3. Pedagogia 4.
Pesquisa educacional 5. Prática
de ensino 6. Professores -
Formação profesional I.
Queluz, Ana Gracinda. II.
Alonso, Myrtes.
99-3812 CDD-371.1
Índices para Catálogo
Sistemático:
1. Atividade docente : Ciências
pedagógicas : Educação 371.1
2. Professores : Prática docente :
Ciências pedagógicas :
Educação 371.1
3. Trabalho docente : Ciências
pedagógicas : Educação 371.1
O Trabalho
Docente Teoria & Prática

Ana Gracinda Queluz


(Orientação)
Myrtes Alonso
(Organização)

Textos
Leide Mara Schmidt
María de los Dolores Jimenez Peña
Maria de Lourdes Rocha
Marina Graziela Feldmann
Mariná Holzmann Ribas
Marlene Araújo de Carvalho
Martha Abrahão Saad Lucchesi
Myrtes Alonso
Regina Lúcia Giffoni Luz de Brito
Rosilda Baron Martins
Teresa ]ussara Luporini

Comentários
C. Fazenda
Ivo José Both
João Gualberto C. Meneses
Marcos T. Masetto
Maria da Graça N. Mizukami
Myrtes Alonso
Vitória Helena C. Espósito

Austrália Brasil Canadá Cingapura Espanha Estados Unidos México Reino Unido
Sobre
os Autores

A n a Gracinda Queluz Garcia - Pedagoga, mestre em Supervisão e Currículo


pela Pontificia Universidade Católica de Sao Paulo.
Doutora em Ciências - área de concentração: Psicologia Escolar, pela Universida-
de de Sao Paulo.
Professora titular e coordenadora do mestrado em Educação na Universidade Ci-
dade de Sao Paulo.

Ivani C. F a z e n d a - Professora titular e pesquisadora da Pontificia Universidade


Católica de São Paulo no Programa de Pós-Graduação em Currículo e Educação.
Professora do curso de Pós-Graduação em Educação na Universidade Cidade de
Sao Paulo.

Ivo José Both - Doutor em Educação na área de Política Educacional e profes-


sor da Universidade Estadual de Ponía Grossa - PR.

João Gualberto de Carvalho Meneses - Professor aposentado da Faculdade


de Educação da Universidade de São Paulo.
Professor titular de Políticas Públicas de Educação no curso de mestrado da Uni-
versidade Cidade de São Paulo, onde também exerce o cargo de Coordenador de
Pesquisa e Pós-Graduação.
É secretário Municipal de Educação em São Paulo.
O Trabalho Docente

a
Leide Mara S c h m i d t - Professora e vice-reitora (eleita pela 2 vez consecutiva)
da Universidade Estadual de Ponta Grossa - PR.
Mestre em Educacção e doutoranda do Programa Pós-Graduação em Educação e
Currículo da PUC-SP.

Marcos T. Masetto - Professor titular e coordenador do Programa de Pós-Gra-


duação em Currículo e Educação da Pontifícia Universidade Católica de Sao Pau-
lo.
Professor titular no Programa de Pós-Graduação em Educação, Arte e História da
Cultura da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Professor livre-docente da Universidade de São Paulo.

Maria da Graça N. Mizukami - Professora e pesquisadora da Universidade Fe-


deral de São Carlos - SP, atua no curso de Pós-Graduação de Educação do qual
foi coordenadora e desenvolve projetos de
de Professores.
M a r i a de los Dolores Jimenez Peña - Professora da Faculdade de Educação
da Pontificia Universidade Católica de Sao Paulo e das Faculdades Integradas do
Ipiranga (FAI).
Coordenadora do Projeto de Lideranças do PEC/PUC/SESP.
Mestre em Educação e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educa-
ção e Currículo da P U C - S P

Maria de Lourdes Rocha - Professora da Universidade Federal de São Carlos


- SP.
Coordenadora-geral do PEC/UFSCAR/SESP na região de São Carlos.
Mestre e doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Educação e Currículo da
PUC-SP.
Colaboradora em pesquisas do Núcleo de Formação de Professores.

Marina Graziela Feldmann - Professora e vice-diretora da Faculdade de Edu-


cação da Pontificia Universidade Católica de São Paulo.
Mestre e doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Educação e Currículo da
PUC-SP.
Colaboradora em pesquisas do Núcleo de Formação de Professores.

Mariná Holzmann Ribas - Professora da Universidade Estadual de Ponta Gros-


sa - PR.
Coordenadora do Programa de Pós-Graduação da mesma Universidade.
Sobre os Autores

Mestre e doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Educação e Currículo da


PUC-SP.

Marlene Araújo de Carvalho - Professora de mestrado em Educação na Uni-


versidade Federal do Piauí.
Mestre e doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Educação e Currículo da
PUC- SP

Martha Abrahão Saad Lucchesi - Supervisora de Ensino da SE-SP.


Professora universitária e assessora para assuntos universitários.
Mestre e doutora do Programa de Pós-Graduação em Educação e Currículo da
PUC-SP.

Myrtes Alonso - Professora dra. da Pontificia Universidade Católica de Sao Paulo.


Mestre e doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Educação e Currículo da
PUC-SP.
Coordenadora (em conjunto com o professor Marcos Masetto) do Núcleo de Pes-
quisas sobre Formação de Educadores.

Regina Lúcia Giffoni Luz de Brito - Professora da Faculdade de Educação da


Pontificia Universidade Católica de Sao Paulo.
Mestre em Educação pelo Programa de História e Filosofia da Educação.
Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Educação e Currículo da P U C -
SP.

Rosilda Baron Martins - Professora da Universidade Estadual de Ponta Gros-


sa - PR.
Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação e Currícu-
lo da PUC-SP.
Doutora em Educação pela Unicamp e colaboradora em pesquisas do Núcleo de
Formação de Professores.

Teresa Jussara Luporini - Professora da Universidade Estadual de Ponta Gros-


sa - PR.
Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação e Currícu-
lo da PUC-SP.
Doutora em Educação pela Unicamp e colaboradora em pesquisas do Núcleo de
Formação de Professores.

Vitória Helena Cunha Espósito - Professora titular da Faculdade de Educação


da Pontificia Universidade Católica de Sao Paulo e sócia-fundadora da Sociedade
de Estudos de Pesquisa Qualitativa.
Sumario

Apresentação 5

Capítulo 1 Formar Professores para Uma Nova Escola 9


Myrtes Alonso
Referencias Bibliográficas 18

Capítulo 2 A Prática Pedagógica como Fonte de Conhecimento 19


Leide Mara Schmidt, Mariná Holzmann Ribas, Marlene Araújo de Carvalho
Referencias Bibliográficas 32
Comentário 34
Marcos T. Masetto

Capítulo 3 O Caráter Emancipatório de uma Prática Pedagógica


Possível 37
Mariná Holzmann Ribas, Marlene Araújo de Carvalho
3.1 O Objeto de Reflexão do Professor 42
Referencias Bibliográficas 45
Comentário 45
Myrtes Alonso
O Trabalho Docente

Capítulo 4 Formação Continuada de Professores e Mudança


na Prática Pedagógica 47
Mariná Holzmann Ribas, Marlene Araújo de Carvalho, Myrtes Alonso
Referencias Bibliográficas 57
Comentário 58
María da Graça N. Mizukami

Capítulo 5 O Pensado e o Construido: Um Olhar sobre


o Cotidiano da Escola 61
Mariná Holzmann Ribas, Rosilda Baron Martins, Teresa Jussara Luporini
5.1 A Escola Fundamental: Situação Atual 61
5.2 Ação Conjunta Supervisão-Direção de Escola: Relato
da Experiencia 63
Referencias Bibliográficas 71
Comentário 72
Ivo José Both

Capítulo 6 Projetando a Mudança a partir de um Estudo do


Cotidiano Escolar 75
Maria de Lourdes Rocha
6.1 A Rotina da Escola Y: Um Estudo de Caso 77
Referencias Bibliográficas 85

Capítulo 7 Escola Pública: Representações, Desafios e


Perspectivas 87
Marina Graziela Feldmann
Referencias Bibliográficas 95
Comentários aos Capítulos 6 e 7 96
Myrtes Alonso

Capítulo 8 O Diretor da Escola Pública, um Articulador 101


Martha Abrahão Saad Lucchesi
8.1 A Teia do Poder 102
8.2 Relações de Poder na Escola 104
8.3 Os Conflitos do Poder Administrativo 107
8.4 Educar para a Liberdade e para a Cidadania 110
8.5 Considerações Finais 113
Referencias Bibliográficas 115

2
Sumário

Capítulo 9 Buscando Novos Caminhos para a Supervisão 117


Martha Abrahão Saad Lucchesi
9.1 Reconhecendo o Terreno 117
9.2 O Papel do Supervisor 119
9.3 Escola Pública: Sentido e Função 120
9.4 Os Primeiros Passos 121
9.5 Conquistando Aliados 122
9.6 A Comunidade na Escola e a Escola na Comunidade 123
9.7 A Reorganização, urna Nova Ruptura 124
Referencias Bibliográficas 125
Comentários aos Capítulos 8 e 9 126
Joño Gualberto C.Metieses

Capítulo 10 Escola: Cultura, Clima e Formação de Professores 129


Regina Lúcia Giffoni Luz de Brito
10.1 Organização: Cultura e Clima Organizacional 130
10.2 Organização Escolar: Cultura e Clima 135
10.3 Escola: Clima, Cultura e Formação Contínua de Professores 138
Referencias Bibliográficas 139
Comentário 140
Vitória Helena C.Espósito

Capítulo 11 Avaliação de Aprendizagem: Instrumento de


Reflexão da Prática Pedagógica 143
Maria de los Dolores Jimenez Peña
Referencias Bibliográficas 150
Comentário 150
Ivani C. Fazenda

3
Apresentção

sse livro, composto de artigos elaborados por diferentes educadores, é fruto do


trabalho desenvolvido no Núcleo de Formação de Professores do Programa de Pós-
Graduação em Educação e Currículo da PUC/SP, na busca de novas bases para um
repensar da escola pública brasileira e do trabalho de seus agentes.

Algumas idéias básicas têm norteado esse grupo de pesquisa objetivando maio-
res explicações e maior entendimento da questão. São elas:
o A necessidade de o educador estar inserido em seu tempo, capaz de enten-
der a realidade socioeconômica e cultural que o cerca, a ponto de redimen-
sionar o seu conhecimento e as suas responsabilidades sociais e profissio-
nais.
o A importancia de se compreender o processo de formação c o m o algo
inacabado, que apenas se inicia com a aquisição do diploma.
o A percepção de que a mudança no ensino e na educação em geral depende
muito mais do desejo, da vontade firme, do compromisso de todos os res-
ponsáveis pelo processo do que de decisões governamentais firmadas em atos
legais não respaldados em um trabalho consciente e responsável dos que irão
executá-los.
O Trabalho Docente

A mudança aqui foi entendida de diferentes modos e nos vários níveis; assim, por
exemplo, constatou-se a necessidade de se mudar a maneira de os educadores enca-
rarem a educação, substituindo a visão mais romântica por outra mais realista, objeti-
va, capaz de indicar-lhes, com segurança, os melhores caminhos a seguir e a melhor
forma de vencer os obstáculos.

A questão da mudança foi também analisada não apenas no nível do trabalho


docente de sala de aula, mas também no contexto da escola e com relação aos demais
"atores"; aliás, podem-se perceber aí no contexto escolar e em seu cotidiano as inú-
meras dificuldades existentes quando alguns educadores se dispõem a buscar novos
caminhos e formas diferentes de trabalho. A compreensão dessa dura realidade nos
fez tomar consciência da verdadeira complexidade do processo de formação em ser-
viço quando alguém se propõe a redimensioná-lo; isso porque, é preciso atentar para
o peso do "instituido", para as condições gerais de trabalho da escola, para o "clima"
existente e para a "cultura" dominante.

Estamos certas de que não existe trabalho profissional sério, responsável, sem
dignidade; portanto, é preciso que o professor e os educadores em geral sintam-se
úteis, competentes e respeitados para que se empenhem nesse processo de autode-
senvolvimento com vistas a um ensino mais efetivo.

Foi com base nessas idéias que o grupo se lançou na busca de subsídios para
estudar a questão da formação contínua do professor associada ao processo de mu-
dança da prática escolar. Os artigos que se seguem são parte do que se pode extrair,
até o momento, desses estudos, debates e pesquisas realizados e que, esperamos, pos-
sam corroborar para o avanço da questão.

O caminho percorrido para a organização do presente livro foi:


o compreender a questão da mudança social e de seus reflexos sobre a escola;
o reunir elementos de análise da realidade escolar através de pesquisas do co-
tidiano;
o proceder a uma análise da prática docente e encaminhar propostas de altera-
ção desta prática, delineando idéias para o estabelecimento de novas pro-
postas de formação.
Algumas das proposições aqui apresentadas foram defendidas em Encontros de
Educadores, tais como Anped e Endipe, entre outras, embora posteriormente rees-
critas para fins dessa publicação.

As autoras, todas professoras universitárias, ainda que desenvolvam pesquisas


diferentes em suas instituições de ensino, têm em comum preocupações com o destino

6
Apresentação

da escola e com o papel que o professor deve desempenhar na sociedade contempo-


rânea; por isso, incluem em seus trabalhos de investigação questões dessa natureza.
Outro ponto comum que une as autoras é o fato de estarem sempre refletindo
sobre a própria prática e buscando novas formas de trabalhar em educação. Isso lhes
garante uma conexão estreita teoria-prática, característica de todos os trabalhos aqui
apresentados.
O Capítulo 1 trata da formação continuada de professores com vistas à mudança
não apenas no trabalho docente, mas também na escola enquanto instituição encarre-
gada da transmissão cultural. O professor é visto a partir de seu confronto com um
mundo em transformação, onde as certezas sao poucas, as dúvidas inúmeras e o de-
safio para a mudança assustador.
Os Capítulos 2, 3 e 4 tratam da prática docente, mostrando, de um lado, a im-
portancia de se considerar a prática do professor como fonte de conhecimento, desde
que o objeto de análise e reflexão constantes com vistas ao aperfeiçoamento do tra-
balho e à busca de soluções para problemas enfrentados fossem utilizados de forma
criteriosa no processo de formação contínua do professor. Faz-se também uma dis-
tinção entre a prática repetitiva e a refletida, tornada consciente e depois incorporada
pelo professor, a "práxis".
O Capítulo 4 relata uma experiência desenvolvida em escola pública de ensino
fundamental e médio, em que as autoras foram, ao mesmo tempo, pesquisadoras, vis-
to que exerciam cargos de direção e orientação/coordenação pedagógica, o que lhes
possibilitou realizar uma pesquisa-ação, pondo à prova suas idéias sobre mudanças
na escola através de um trabalho coletivo da equipe escolar.
O Capítulo 5 apresenta resumo e conclusões de uma pesquisa de doutorado le-
vada a efeito pela autora em escola pública paulista de ensino fundamental para saber
a opinião e as percepções dos alunos a respeito do que haviam aprendido e de seus
sentimentos com relação à escola, em suma, de sua avaliação relativamente ao traba-
lho educativo aí realizado.
O Capítulo 6 também apresenta resultado de pesquisa de doutorado, onde o
objeto de estudo foi o ensino médio e sua relação com o trabalho. A pesquisa reali-
zou-se em escola pública de Sao Paulo e os dados foram obtidos em entrevistas com
alunos, observação de situaçoes gerais e conversas com a direção da escola.
Os Capítulos 7 e 8 foram escritos por uma supervisora de ensino da rede estadu-
al e descreve aspectos considerados relevantes no trabalho de direção e supervisão
do ensino, numa tentativa de articular dados da experiencia vivenciada com os da teo-
ria que a embasa.

7
O Trabalho Docente

O Capítulo 9 apresenta resumo e conclusoes de trabalho de doutorado, onde o


tema foi a questáo do clima e da cultura escolar. A autora acompanhou as atividades
e a vida de urna escola durante seis meses na tentativa de aprender a cultura e o clima
dessa instituigáo, constatando a importancia de se conhecer essa realidade antes de se
propor mudancas estruturais e/ou funcionáis, como acontece com as propostas da
administragáo superior.

O Capítulo 10 aborda a difícil questáo da avaliacáo da aprendizagem a partir de


urna experiencia realizada, pela autora, em urna escola particular de medio porte de
Sao Paulo, onde foi possível constatar mudancas ñas concepcoes e no modo de agir
dos professores, como decorréncia de todo um trabalho de formacáo em servico pro-
vocado pela necessidade de rever o processo de avaliacáo utilizado.

A variedade de assuntos e temas, ainda que voltados para a formacáo de profes-


sores, enriquece sobremaneira essa obra, que se prop5e a trazer urna contribuicáo
real ao trabalho dos formadores bem como a todos aqueles que, trabalhando no en-
sino, buscam novas idéias e se dispoem a enfrentar novos desafios.

8
CAPÍTULO 1

Formar
Professores para
uma Nova Escola
Myrtes Alonso

Existe hoje, em todos os setores da sociedade, u m a pressão muito forte para a


mudança. Isso porque, estamos vivendo uma situação de instabilidade geral, em que
as coisas acontecem e se transformam muito rapidamente. O tempo parece ter ad-
quirido novas dimensões. A instabilidade é a marca de nossos dias e, com ela, a
incerteza, a insegurança. São as marcas dessa nova era que se sucedem à chamada
modernidade e, por isso mesmo, dita "pós-modernidade".

"A maioria dos autores coloca as origens da condição pós-


modema por volta dos anos 60. Pós-modernidade é uma condi-
gno na qual a vida política, econômica, organizacional e até mes-
mo a pessoal passam a ser organizadas em torno de principios
muito diferentes daqueles da modernidade. Filosófica e ideolo-
gicamente, os avanços nas telecomunicações ao lado do alarga-
mento e rapidez na divulgação da informação fazem com que se
rompam antigas certezas ideológicas e as pessoas descubram que
existem outras formas de viver. " (Hargreaves,1994, p. 37)

E m todas as partes, em todos os campos de atividade, as pessoas buscam o


"novo", o diferente, formas alternativas e pouco convencionais de agir, onde se
possam imprimir a sua marca, o seu diferencial. Essa corrida desenfreada à procura
O Trabalho Docente

de algo que não se conhece e que pode causar sensação, ou até mesmo espanto, in-
compreensão, pode ser o caminho do "sucesso".
Vivemos u m a época que em nada se assemelha a outras vividas por nossos ante-
passados e para a qual não fomos preparados, o que resulta em não termos referen-
cias para enfrentar os dasafios com que nos defrontamos. Tudo aquilo que nos dava
certeza, hoje gera insegurança. A própria Ciência, que nos oferecia principios e per-
mitia conclusões razoavelmente estáveis, apresenta-se hoje repleta de dúvidas, com
explicações provisórias, permitindo interpretações diversas senão contraditórias para
os fenómenos.
Nesse contexto, é muito difícil imaginar quais os melhores caminhos a seguir quan-
do se pretende formar os jovens e as crianças, ou mesmo decidir sobre a convenien-
cia de se ensinar esse ou aquele conteúdo disciplinar, tendo em vista as necessidades
que eles terão, ou os problemas que deverão enfrentar. Mais grave ainda, não estamos
seguros quanto aos valores, atitudes e comportamentos que deveriam ser estimulados
para permitir que esses jovens convivam harmoniosamente com pessoas muito dife-
rentes, provindas das mais variadas raças e culturas, expressando-se em línguas dife-
rentes da sua, com idéias, crenças e religiões as mais variadas.

"Que o mundo muda sem cessar: eis aí certamente uma banali-


dade. Mas para aqueles que analisam o mundo atual, alguma coi-
sa de radicalmente nova surgiu, alguma coisa mudou na própria
mudança: é a rapidez e a aceleração perpétua de seu ritmo, e é tam-
bém o fato de que ela se tenha tornado um valor enquanto tal, e
talvez o valor supremo, o próprio principio da avaliação de todas
as coisas." (Forquin, 1993, p.18)

A tudo isso soma-se o valor dado ao individual, a exaltação do personalismo, o


excessivo valor atribuído aos bens materiais e a convicção de que é preciso ser o me-
Ihor, vencer a competição, estarà frente dos outros, ser bem-sucedido na vida a qual-
quer preço.
Combinar todos esses ingredientes num único processo educativo que pretende,
a um só tempo, não só formar o homem e o cidadão, o ser individual capaz de reali-
zar-se como pessoa, mas também o ser social, que se identifica com o seu grupo, rea-
lizando-se socialmente num dado contexto histórico: esta parece ser uma missão qua-
se impossível. M a s esse é o grande paradoxo com o qual nós, educadores, nos de-
frontamos. Os desafios sao muito grandes e os professores diante deles mais parecem
pigmeus. A seu favor têm muito pouco: sua frágil e ultrapassada formação, suas cren-
ças - especialmente no que concerne à capacidade humana de aperfeiçoamento - e,
quem sabe, seu ideal em termos de educação. O maior problema talvez seja a sua
visão um tanto idealista, ou mesmo ingênua do trabalho educativo, uma idéia que tem

10
Formar Professores para uma Nova Escola

pouco a ver com a realidade de nossos dias e com as dificuldades próprias da situa-
ção de ensino, que nos dias atuais se tornaram muito maiores.
Os desafios são enormes e os que militam em educação se vêm atordoados di-
ante de tantas dificuldades e contradições.
Parece claro em todas as análises relativas à função da escola na sociedade con-
temporânea que o seu objetivo básico e prioritário é a socialização dos alunos: de um
lado, a sua preparação para o trabalho (Enguita, 1990) e, de outro, a formação do
cidadão. O que pode variar, de um autor para outro, é o significado que isso assume,
isto é, como se dá essa preparação para o trabalho e em que medida ela concorre
para reduzir as desigualdades sociais, ou para manté-las.
Entretanto, sabe-se que o mundo moderno requer habilidades e conhecimentos
que antes não eram necessários, mas que hoje constituem condições indispensáveis
tanto para a sua inserção no mundo do trabalho como para a sua participação efetiva
na vida pública. Formar o cidadão significa, hoje, torná-lo apto a compreender a di-
námica da sociedade e conseguir desenvolver mecanismos de participação no social.

"Ocorre que a escola, se ve diante de demandas contraditórias


em termos de socialização: de um lado precisa estimular a critica, a
autonomia e a participação e, de outro, a disciplina e a submissão
ao trabalho." (çõmez in Sacristán & çõmez, 1994, p. 20)

Acostumados a u m trabalho bem definido - o ensino, a transmissão de conheci-


mentos - , os professores se vêm diante de uma situação totalmente nova; embora muitas
vezes reconheçam a necessidade de redimensionar o seu trabalho e buscar novas bases
para o ensino, via de regra encontram-se despreparados, mal informados e sem con-
dições de, sozinhos, enfrentarem tantos desafios. As pressões são muitas e elas vêm
de vários fatores: de um lado, dos pais, que, por não compreenderem exatamente o
que está acontecendo, exigem do professor respostas que ele não está preparado para
dar; de outro, da sociedade, que o responsabiliza por todos os males sociais, exigindo
do professor e da escola soluções para os inúmeros problemas sociais. E assim, o
professor acaba se tornando o "bode expiatório" de todo o insucesso e incapacidade
escolares. Por outro lado, isso tudo acaba gerando no professor um sentimento de
culpa que irá constituir-se em um elemento a mais para que ele perca a sua identidade.
Esse estado todo de desconforto e incapacidade que toma conta do professor,
associado às condições de baixo salário e desprestígio social da profissão, compõe o
quadro geral de mal- estar docente a que se refere Esteves:

"A expressão mal-estar docente (malaise enseignant, teacher bur-


nout) emprega-se para descrever os efeitos permanentes, de cará-
ter negativo, que afectam a personalidade do professor como re-
sultado das condições psicológicas e sociais em que exerce a do-

1 1
O Trabalho Docente

cência, devido à mudança social acelerada. " (Esteves apud Nóvoa,


1991, p. 98)

A propósito, é particularmente interessante a comparação feita por Esteves em


sua abordagem sobre o assunto:

"A situação dos professores perante a mudança social é compa-


rável à de um grupo de actores, vestidos com traje de determinada
época, a quem sem prévio aviso se muda o cenárlo, em metade do
palco, desenrolando um novo pano de fundo, no cenárlo anterior.
Uma nova encenação pós-moderna, colorida e fluorescente, ocul-
ta a anterior, clássica e severa. A primeira reação dos actores seria
a surpresa. Depois, tensão e desconserto, com um forte sentimento
de agressividade, desejando acabar o trabalho para procurar os
responsáveis, a fim de, pelo menos, obter uma explicação. Que fa-
zer? Continuar a recitar os versos, arrastando largas roupagens,
em metade de um cenário pós-moderno, cheio de luzes Intermiten-
tes? Parar o espetáculo e abandonar o trabalho? Pedir ao público
que deixe de rir para que se oiçam os versos? O problema reside
em que, independentemente de quem provocou a mudança, são os
actores que dão a cara. São eles, portanto, quem terão de encontrar
uma saída airosa, ainda que não vejam os responsáveis. As reaçães
perante esta situação seriam muito variadas; mas, em qualquer caso,
a palavra mal-estar poderia resumir os sentimentos deste grupo de
actores perante uma série de circunstâncias imprevistas que os obri-
gam a fazer um papel ridículo." (Esteves in Nóvoa, 1991, p. 97)

Os sistemas de ensino, por sua vez, procuram se adaptar aos novos tempos, in-
troduzindo mudanças de todo o tipo, desde alterações estruturais até reformas
curriculares que implicam mudanças na grade curricular, ou mesmo orientações meto-
dológicas diferentes, na pretensão de que os professores aceitem e introduzam, em
seus trabalhos, as alterações propostas. Tais proposições, porém, refletem o pensa-
mento da cúpula do sistema e dos especialistas que lhes dão assessoria e, por isso
mesmo, distanciados do cotidiano escolar e da realidade do trabalho docente, o que
as t o m a inoperantes e inconvenientes. De outra parte, é preciso entender que as mu-
danças somente acontecem quando há envolvimento direto dos professores e demais
participantes do processo, quando eles estiverem convencidos de que a mudança é
necessária, ainda que desconheçam os seus caminhos.

"As reformas no curriculum, na organização e nos métodos de


ensino não fazem qualquer diferença, a menos que nós comprenda-
mos o que é que os professores fazem com os estudantes, e como

1 2
Formar Professores para uma Nova Escola

eles aprendem isso e transformam em atividades, relacionamentos


e interações em sala de aula. Compreender como os professores cres-
cem e se desenvolvem - o que sustenta e o que impede o seu desenvol-
vimento -é o que importa tanto quanto procurar compreender como
mudar a prática." (Hargreaves,1994, p. 38)

N a verdade, o que os professores querem e esperam de seus superiores é que


eles venhamà escola e conheçam, concretamente, os seus problemas e dificuldades,
oferecendo-lhes, então, os recursos técnicos e materiais de que necessitam. Por cer-
to, o que eles esperam mesmo e desejam é maior atenção e sensibilidade para o dra-
ma que eles vivem em suas salas de aula e escolas, abandonados a si mesmos, entre-
gues aos seus parcos recursos e fragilizados diante de tantas p r e s s e s e ameacas. Os
professores dão pouca atenção a essas reformas oficiais e diante delas as atitudes as-
sumidas sao as mais diversas: vão desde a indiferença à rejeição total e, conseqüente-
mente,à oposição.

"Os professores não sao apenas habitantes de uma sala de aula,


mas eles vivem nas escolas e na sociedade. Esses contextos onde
eles vivem e trabalham, seus desafios pessoais e profissionais,
engajamento com os colegas, da mesma forma que o clima de suas
escolas devem ser considerados se nós queremos compreender os
professores e envolvê-los em esforços para mudar a sua prática e
as suas escolas." (Hargreaves, 1994, Introdução do editor)

Transformar o ensino, mudar a escola, conseguir que os professores mudem a


sua maneira de trabalhar com os alunos, tudo isso se encontra na base das inúmeras
propostas reformadoras do ensino divulgadas nos documentos oficiais e comentadas
na literatura especializada.
Todavia, tais propostas devem ser vistas, principalmente, como um conjunto de
objetivos e aspirações, por vezes bem intencionados, compartilhadas pelos adminis-
tradores do ensino, mas dificilmente compreendidas e sustentadas pelos que praticam
a ação educativa nas escolas, dada a sua inconsistência diante da realidade que esses
atores enfrentam todos os dias. E m outras palavras, falta às propostas de reforma a
coeréncia necessária que transforma idéias em ações concretas, as quais devem estar
baseadas numa condição de liderança intrínseca.

"Apesar das recentes reformas levadas a cabo sob a bandeira


da emancipação dos professores, muitas das investigações feitas no
campo da educação permanecem uma atividade conduzida pelos
que estão fora da sala de aula para os que estão dentro. Quando
levados em conta, os professores são vistos como simples consumido-
res destas investigações." (Zeichner, 1993, p. 17)

13
O Trabalho Docente

É importante que se tenha em mente a natureza do trabalho educativo quando se


pensa em introduzir mudanças no trabalho docente sem que elas tenham surgido des-
sa prática, pois é no contato direto com o aluno que o professor redefine o seu conhe-
cimento, conferindo-lhe um significado. Todas as suas ações se orientam no sentido
de estabelecer u m a relação de apoio e confiança entre ambos, em busca do desenvol-
vimento total do aluno - e isto não pode ser definido a partir de decisões externas sem
qualquer vínculo com aquela realidade.
Os fatos educativos são práticas de caráter histórico e aberto, que têm um signi-
ficado pessoal e social sujeito a valorizações que não podem ser reduzidas nem mas-
caradas com explicações científicas.

"De outro lado, as Ciências da Educação, embora tenham contri-


buido para elucidar multas das questoes relacionadas com o ensi-
no e a aprendizagem, não foram suficientemente trabalhadas a pon-
to de fornecerem os elementos necessários ao estabelecimento de
um nova Didática, voltada para o tratamento das questões da atua-
lidade. Estamos longe de entender os professores como meros execu-
tores de práticas pensadas e decididas por outros, vítimas de mo-
das e linguagens que os colocam alheios aos desafios mais gritan-
tes que têm diante de si. Confiamos em que o pensamento pode aju-
dá-los a clarificar as situações em que trabalham e as dimensões
dos dilemas ante os quais, implícita ou explícitamente, têm que dar
soluções. Mas, por outro lado, duvidamos que a prática do ensino,
dentro das instituições escolares, possa ser uma atividade que se
solucione com diretrizes procedentes das várias ciências' que dizem ilu-
minar os fenômenos educativos." (Sacristán & Gómez, 1994, p.13)

Outra dificuldade com que se deparam os educadores em nossos dias decorre


do fato de que a educação esteve sempre atrelada a modelos organizacionais ultra-
passados e totalmente inadequados à realização dos seus objetivos. Transplantado para
a escola, o modelo organizacional burocrático nos moldes taylorista-fayolista com que
se identificou na empresa, ele impediu o desenvolvimento de um trabalho coerente com
a proposta, separando a concepção da execução. No caso do ensino, isso acarretou
u m sério prejuízo, u m a vez que os executores e principais responsáveis pela ação
educativa foram privados de sua capacidade de escolha e decisão relativamente aos
conteúdos e à forma mais adequados de agir. A separação entre o pensar e o agir no
desenvolvimento do trabalho educativo foi, em grande parte, responsável pela super-
valorização do trabalho dos administradores e especialistas do ensino em detrimento
do professor, cuja ação ficou reduzidaà mera aplicação de normas e preceitos, nem
sempre bem compreendidos, reduzidos aos seus termos mais simples, de forma a
permitir um controle mais fácil por parte das autoridades do ensino.

14
Formar Professores para uma Nova Escola

Some-se a todo esse quadro a fragmentação do conhecimento e sua conseqüen-


te especialização, assumidas totalmente pela escola, o que traria, entre outras conse-
qüências, a artificialização do conhecimento e a sua mecanização.
Estribada nesses pontos e caminhando às cegas, num mundo que se transforma
velozmente, a escola foi se mostrando cada vez mais inoperante e descomprometida
com a realidade que a cerca.
Enquanto o mundo exterior se mostra cada vez mais opressor e exigente com as
pessoas, a escola - instituição especialmente credenciada para realizar a transmissão
e a renovação da cultura - vai ficando defasada, incapaz de acompanhar a evolução,
redefinindo as suas funções de forma a responder às novas exigencias sociais. Enrijecida
a escola, não haveria razões para que os seus responsáveis assumissem sozinhos o
desafio da mudança, contrariamente às suas próprias condições enquanto organização.
Os professores, por sua vez, formados que foram de acordo com o modelo de
"racionalidade técnica", acostumaram-se a conceber o ensino e a sua atividade pro-
fissional utilizando-se dos principios gerais derivados das Ciencias Humanas e de suas
aplicações, desenvolvendo, portanto, habilidades coerentes com tais prescrições. Isso
fez com que reconhecessem, na teoria, u m a forma de conhecimento superior àquela
decorrente da prática e da experiencia; portante, aprenderam a ir buscar fora da sua
realidade de trabalho os elementos necessários para a sua ação. Olhar a própria ex-
periencia de forma crítica, refletir sobre a sua ação, extraindo dela subsidios para re-
organizar e redirecionar o seu trabalho de sala de aula, não constituiu parte de sua for-
mação e nem foi, portante, assumido como forma de ampliar o próprio conhecimento.
Daí porque o professor somente consegue entender o seu aperfeiçoamento a partir da
aquisição de novos conhecimentos fundamentados nas descobertas científicas, mes-
m o que nem sempre consiga relacionar esse conhecimento com a própria ação que
desenvolve, de forma a encontrar solução para os seus problemas de ensino e apren-
dizagem.
D e outra parte, refletir sobre a própria práticaà luz dos resultados obtidos, ou
simplesmente como um exercício de reflexão de quem está atento ao processo de
aprendizagem dos alunos, não é tarefa simples para a qual o professor não foi prepa-
rado durante a sua formação, valendo-se apenas da "intuição"e do registro de infor-
mações que ele obteve no desenvolvimento de seu trabalho.
O professor necessita de muito mais do que a intuição para procederà reflexão
sobre a sua prática: ele precisa estar preocupado com o aluno mais do que com o
conhecimento a ser transmitido, com as suas reações frente a esse conhecimento, com
os seus propósitos em termos de ensino e aprendizagem e estar consciente de sua res-
ponsabilidade nesse processo. A par disso, o professor terá de se colocar em u m a
so), que busca compreender e analisar os fenómenos que observa, com o objetivo de

1 5
O Trabalho Docente

encontrar não só respostas às perguntas que ele se faz e possíveis encaminhamentos,


como também soluções para as dificuldades constatadas.
A chamada prática reflexiva, amplamente estudada por diversos autores, entre
os quais: Schön, Zeichner e outros, é hoje u m a das proposições mais aceitas em ter-
mos de formação de professores, sobretudo quando tomada em confronto com as
atuais condições sociais efetivas em que se dá o trabalho educativo.
A proposta em si contém vários pontos sujeitosà discussão; porém, a base em
que se assenta parece a mais propícia para o desenvolvimento de u m a ação conscien-
te e responsável e na qual o docente ganha novo status e se coloca numa perspectiva
emancipatória.
Trata-se de um trabalho complexo para o qual, via de regra, o professor não está
preparado, necessitando, pois, de ajuda, orientação e, mais do que tudo, estímulo e
cooperação.
É nesse momento que compreendemos a importancia dos aspectos institucionais,
organizacionais, u m a vez que o local de trabalho, o ambiente geral da escola e as con-
dições oferecidas são fatores fundamentais a serem considerados na formação desse
"professor reflexivo".
Seguramente, outros elementos deverão estar associados para garantir ao pro-
fessor u m a evolução nesse processo de formação. Assim, por exemplo, a possibilida-
de de trocar idéias e informações com os seus pares, o acesso às fontes de informa-
ção (livros, revistas e outros materiais) e a disponibilidade de recursos didático-peda-
çõgicos atuais e eficientes terão de ser considerados quando se pretende formar pro-
fessores reflexivos. Esse poderá ser um caminho importante para desenvolver o po-
tencial do professor, a sua autonomia didática e a sua responsabilidade e comprome-
timento com a educação e o ensino.
N a verdade, é na escola que acontece o processo pedaçõgico por excelencia e,
portanto, é aí que se proporá a luta entre o novo e o velho, o estabelecido e o não-
reconhecido, em suma, toda contradição entre o que deve ser preservado e o que
deverá ser alterado. Por certo, esse confronto inevitável que permeia o trabalho pe-
daçõgico gera insegurança no pessoal escolar, notadamente no professor, daí a sua
reserva e desconfiança sempre que se propõem mudanças para as quais ele não está
preparado.
As pesquisas, de um modo geral e estas que temos conduzido em particular têm
deixado claro que, por trás de todo o empenho demonstrado pelos docentes no senti-
do de melhorar o seu trabalho de sala de aula, existem sempre fatores de ordem pes-
soal atuando como forças desencadeadoras de sua ação renovadora. Estes fatores
estão associadosà busca de realizações pessoal e profissional e a um forte "sentimen-
to de amor e dedicação a u m a causa", chegando a se configurar como u m "ideal"

1 6
Formar Professores para uma Nova Escola

expresso pelos interessados, muitas vezes como " vocação", visto que eles identificam
esse impulso com certas características e preferencias pessoais incontestáveis.
Pelo fato de esse processo de busca e renovação ser tão difícil e doloroso, supon-
do sacrificios pessoais e dedicação muito maiores do que se requer normalmente dos
profissionais nos modelos de organização burocrática, ele não é encontrado com fre-
qüência nas escolas e tampouco é visto com bons olhos por todos que a rejeitam, de
tal sorte que o desafio para os ousados renovadores acaba se tornando muito maior.

Pesquisas feitas por diferentes autores permitem extrair algumas conclusões re-
lativasà mudança em educação. Sabe-se, por exemplo, que ela não constitui um evento
único, isolado, mas sim um processo e, como tal, é preciso entender o seu ritmo e
acompanhar o seu desenvolvimento, interferindo apenas quando necessário.

Outro ponto bem evidenciado nesses estudos e investigações é a importância de


se utilizarem estratégias de integração em vez de usarem somente modos de agir que
fluam de cima para baixo, ou vice-versa. A propósito de esclarecimento sobre o as-
sunto, Hargreaves lembra a questão dos castigos físicos na Inglaterra, que se alterou
apenas quando foi estabelecido o ato legal de proibição dos mesmos. As crenças dos
professores, nesse caso, se sucederam ao ato que veio de cima e não ao contrário,
conforme seria de se esperar. Fatos como esse evidenciam a necessidade da interfe-
rencia por parte das autoridades ou dos educadores responsáveis, algumas vezes, até
m e s m o com o propósito de desencadear o surgimento de novas atitudes e ações
(Hargreaves, 1994).

É importante que se considere, ainda nessa questão da mudança no trabalho do-


cente, que são muitos e variados os fatores ou forças que pressionam o professor, dei-
xando-o cada vez mais confuso com relação ao seu papel; de um lado, há a inibição
educativa de outros agentes sociais, sobretudo a familia, que se desobriga cada vez
mais de sua responsabilidade nesse processo, transferindo-a para a escola; de outro,
há o surgimento das inúmeras outras fontes alternativas de conhecimento que se mos-
tram muito mais agradáveis e eficazes no que tangeà transmissáo de informações; e,
para tornar as coisas ainda mais difíceis, há ainda a inexistência de um consenso social
sobre o que seja a Educação e o que competeà escola, sobre a divergencia de valo-
res e as responsabilidades últimas da escola no processo de formação do cidadão.
E m se tratando de u m a sociedade pluralista, os valores sao, muitas vezes, contraditó-
rios e a socialização deixa de ser um processo de homogeneização. Cabe-lhe, antes,
combinar todos esses elementos distintos e trabalhar com diferentes modelos de soci-
alização. Tal propósito, contudo, parece conflitar com o processo de massificação cres-
cente, o qual requer um trabalho de compensação das carencias decorrentes do soci-
al, na tentativa de reduzir as desigualdades existentes, ou seja, possibilitando o acesso
das carnadas menos favorecidas aos bens materiais e culturais.

17
O Trabalho Docente

Posicionar-se relativamente a todas essas questões é algo que demanda esforços


e muito conhecimento por parte do professor, mesmo porque as expectativas dos pais,
alunos e seus superiores são, muitas vezes, incompatíveis, sobretudo quando se con-
sideram as funções seletivas e avaliativas inerentes ao seu papel.
É com base nas idéias expostas que nos situamos enquanto participantes de um
grupo de pesquisa relativaà formação de professores. Se, por um lado, eremos na
força do professor como o principal elemento desencadeador das reformas educacio-
nais, por outro, estamos certos de que a escola, enquanto grupo institucional organi-
zado, constitui-se no local privilegiado para a mudança ocorrer; para isso, necessita
de u m a total reformulação, desde a revisão de suas atuais funções e responsabilidades
até a transformação de seus ambientes físico e cultural, de sorte a permitir que aí se
realize, de fato, um trabalho educativo coerente com a época, mas também capaz de
atualizar o conhecimento e permitir o desenvol vimento da crítica.
Para poder dar conta de missão tão importante e complexa, a escola precisa de
professores e demais colaboradores capazes de reinterpretar os seus papéis e ampliar
a sua formação, colocando-a a serviço dos ideais de u m a educação democrática.

Referencias Bibliográficas

ENGUITA, Mariano. A face oculta da escola. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.

E S T E V E , José M. "Mudanças sociais e função docente". In N Ó V O A , A. (org.) Profissão professor. Porto:


Ed. Porto, 1991.

F O R Q U I N , Jean-Claude. Escola e cultura. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.

H A R G R E A V E S , A. Professorado, cultura y postmodernidad. Madrid: Ed.Morata, 1995.

N Ó V O A , A. (org.) Os professores e sua formação. Lisboa: Publicações D o m Quixote, I.I.E, 1992.

As organlzações escolares em análise. Lisboa: Public. Dom Quixote, I.I.E., 1992.

P E R R E N O U D , P. Práticas pedaçõgicas, profissão docente e formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote.


IIE, 1993.

SACRISTÁN, G. J . & GMEZ, A. I. P. Comprender y transformar la enseñanza.3. ed. Madri: Ed.Morata, 1994.

U N E S C O . La gestión pedaçõgica de la escuela. Santiago, Chile, UNESCO/OREALC, 1992.

Z E I C H N E R , K. M. A formação reflexiva de professores: idéias e práticas. Lisboa: Educa,1993.

I 8
CAPÍTULO 2

A Prática
Pedagógica como
Fonte de Conhecimento
Leide Mara Schmidt
Mariná Holzmann Ribas
Marlene Araújo de Carvalho

proposta desse trabalho é apresentar algumas considerações sobre a prática


pedagógica, a partir do que se vem discutindo em publicações recentes, tendo como
fio condutor a formação continua dos professores.
N o primeiro momento, tenta-se discutir o conceito de prática na perspectiva
dialética, tomando por base Vázquez (1977). Em seguida, estabelecem-se duas dire-
trizes j á utilizadas por Veiga (1989): a prática pedagógica repetitiva e a prática peda-
gógica reflexiva.
No segundo momento, tece-se um panorama onde aparecem os problemas da
educação e do ensino localizados na escola, que dificultam um trabalho participati vo e
coletivo. Ao mesmo tempo, chama-se a atenção para a exigencia de um novo profis-
sional capaz de responder aos desafios que a sociedade está a exigir.
No terceiro momento, coloca-se a preocupação de educadores e estudiosos de
vários países, inclusive do Brasil, sobre a necessidade de mudanças no trabalho do-
cente. Os estudos que estão sendo realizados têm em comum a reflexão sobre o saber
de experiência, isto é, a reflexão do professor sobre o seu próprio fazer cotidiano.
Todos sao unânimes em fazer uma chamada para a necessidade da formação contínua
dos professores e para a reorganização dos espaços escolares. Parece estar aconte -
cendo na educação uma revolução copernicana, pois a sociedade está tomando cons-
O Trabalho Docente

ciencia de que a escola não é o único centro formador de consciências; é apenas mais
um dentre tantos outros, haja vista a formação nas empresas, a ação das Organiza-
çães Não-Governamentais (ONGs), principalmente nos países de Terceiro Mundo e
os espagos oferecidos pela televisão e pela mídia em geral.
Pode-se perceber que essas preocupações vêm no bojo das reformas educacio-
nais que estão sendo implementadas em países da América do Norte, Europa e Amé-
rica Latina.
A prática como fonte geradora de conhecimento implica todo um problema de
reflexão que vem sendo pesquisado por diversos estudiosos de diferentes países. O
que esses estudos estão indicando é que não está claro para estes pesquisadores como
os professores podem se tornar mais capazes; parece nao terem clareza sobre que
competencias e habilidades são necessárias para que o professor possa fazer o seu
trabalho em termos de ensino que a sociedade exige hoje. Está bastante claro que os
cursos de formação de professores, da maneira como vêm sendo desenvolvidos, nao
sao suficientes para que o profissional da educação desempenhe, efetivamente, uma
prática pedagógica consciente que leve à transformação de si próprio e daqueles que
estão sob sua responsabilidade.
Para melhor compreender a prática pedagógica, é necessário elucidar o sentido
dos termos " prática" e " pràxis".
A palávra prática deriva do grego praktikós, de prattein, e tem o sentido de
agir, realizar, fazer. Diz respeito à ação que o homem exerce sobre as coisas, aplica-
ção de um conhecimento em uma ação concreta efetiva (Japiassu & Marcondes, 1993,
p.199).
N a filosofía marxista, a palavra grega práxis é usada

"[...]para designar uma relação dialética entre o homem e a na-


tureza, na qual o homem, ao transformar a natureza com seu traba-
lho, transforma a si mesmo. " (Japiassu & Marcondes, 1993, p. 199)

É c o m u m a substituição da palavra prática pela palavra práxis; ao se fazer tal


substituição, pensa-se estar resolvendo um problema teórico. Isso acontece por falta
de dominio de

"[...] uma categoria de pensamento enquanto instrumento teó-


rico mais elevado e adequado de compreensâo da realidade. " (Ri-
beiro, 1991, p. 15)

A prática tem u m a dimensão prático-utilitária quando tenta resolver apenas as


necessidades imediatas. O homem comum, segundo Vázquez (1977, p. 11)

"Considera a si mesmo como o verdadeiro homem prático; é ele


que vive e age praticamente. Dentro de seu mundo as coisas nao

20
A Prática Pedagógica como Fonte de Conhecimento

apenas sao e existem em si, como também são e existem, principal-


mente, por sua significação prática, na medida em que satisfazem
necessidades imediatas de sua vida cotidiana (...) o mundo prático
- para a consciência comum - é um mundo de coisas e significação
em si."

Sendo assim, de acordo com Vázquez, o homem comum só concebe a prática


como prática-utilitária, isto é, aquilo que ele usa para satisfazer as necessidades ime-
diatas da vida cotidiana.
A práxis, por sua vez, é

"[...] a atividade humana que produz objetos, sem que por ou-
tro lado essa atividade seja concebida com o caráter estritamente
utilitário que se infere do prático na linguagem comum." (Vázquez,
1977, p. 5)

Vista nesta perspectiva, a práxis é

"[...] a atividade humana transformadora da realidade natural


e humana." (Vázquez, 1977, p. 32)

Ela tem u m caráter consciente e intencional. Nela, o h o m e m compreende a


racionalidade da prática. N o dizer de Marx, o homem tem olhos para ela, isto é, tem
a consciencia da realidade.

"Em toda forma específica de práxis e na prática tomada em seu


conjunto, enquanto práxis total humana, está contida a teoria por
se tratar de uma prática de um ser consciente - o que equivale a
dizer que se trata de uma prática dirigida por finalidades que sao
produtos da consciência; finalidades estas que para se efetivarem
exigem um mínimo de conhecimento." (Ribeiro, 1991, p. 30)

É preciso ter u m a consciência elevada da práxis para poder captar e exprimir de


modo adequado o verdadeiro significado da práxis humana total e de suas manifesta-
ções particulares, concretas e específicas, como é o caso da prática pedagógica. Esta,
como forma específica de práxis, é u m a dimensão da prática social dirigida por obje-
tivos, finalidades e conhecimentos, vinculada com a prática social mais ampia.
A prática pedagógica pressupõe u m a relação teórico-prática, pois a teoria e a
prática encontram-se em indissolúvel unidade e só por u m processo de abstração
podemos separá-las.
Segundo Veiga (1989, p. 17):

21
O Trabalho Docente

"O lado teórico é representado por um conjunto de idéias cons-


tituido pelas teorías pedagógicas, sistematizado a partir da prática
realizada dentro das condições concretas de vida e de trabalho. A
finalidade da teoria pedagógica é elaborar ou transformar
idealmente, e nao realmente, a matéria prima. O lado objetivo da
prática pedagógica é constituido pelo conjunto dos meios, o modo
pelo qual as teorias pedagógicas sao colocadas em ação pelo pro-
fessor. O que a distingue da teoria é o caráter real, objetivo da
matéria prima sobre a qual ela atua, dos meios ou instrumentos com
que exerce a ação, e de seu resultado ou produto. Sua finalidade é
a transformação real, objetiva de modo natural ou social, satisfa-
z.er determinada necessidade humana. "

Como atividade humana, a prática pedagógica pode ou se constituir em ativida-


de prática, numa visão utilitarista, ativista e espontaneísta, ou em u m a práxis guiada
1
por intenções conscientes. Dessa forma, ela toma u m a dupla diretriz: de um lado, te-
mos u m a prática pedagógica repetitiva e, de outro, reflexiva.
N o primeiro caso, a unidade teoria e prática é rompida, a fragmentação do co-
nhecimento encontra espaço para efetivar-se, havendo dificuldades para a introdução
do novo. Nesse terreno, a prática do professor vai se efetivando num marasmo res-
paldado pela rígida burocracia e controle escolares.
No cotidiano da atividade docente, as ações parecem acontecer sem dúvidas nem
reflexões, num ativismo sem precedentes, o qual pode levar o professor a alienar-se
do seu trabalho e dos seus pares, correndo o risco de não se reconhecer no que rea-
liza. Embora haja nele u m a certa consciência - mesmo débil - em relação à sua prá-
tica, esta tende a desaparecer pelo caráter mecânico e burocratizado dessa prática.
As condições concretas de trabalho do professor transformam-no no último elo
de u m a cadeia rígida de poder, motivo pelo qual ele se sente impelido a cumprir um
papel no qual não se reconhece. N a sala de aula, seu trabalho é condicionado pelo
regimento escolar, pelas leis do sistema de ensino, pelas relações de emprego e pela
formação deficiente e inadequada que possui.
A prática pedagógica reflexiva é aquela enunciada por Paulo Freire:

"Ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a


si mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo
mundo." (Freire, 1975, p. 9).

1 E s q u e m a proposto p o r V e i g a , 1 9 8 9 .

22
A Prática Pedagógica como Fonte de Conhecimento

Isso significa que o processo de conscientização se desenvolve na medida em


que as pessoas, em grupo, discutem e enfrentam problemas comuns.
A prática pedagógica reflexiva tem como pontos de partida e chegada a prática
social. Caracteriza-se pela indissolubilidade entre teoria e prática, em que as dicotomias
tendem a desaparecer. Com um caráter inquieto, criador e acentuado grau de consciên-
cia, a prática pedagógica tem como preocupação produzir mudanças qualitativas e,
para isso, procura munir-se de um conhecimento crítico e aprofundado da realidade.

"Esta dimensão pedagógica está fundada num caráter episte-


mológico: e o conhecimento nao se dá pela transmissão de um con-
ceito abstrato de uma pessoa para outra, nem a partir de institui-
çõ de individuos isolados; o conhecimento ocorre no bojo do pro-
cesso histórico e coletivo da práxis. No processo de transformação
da naturez.a e da própria sociedade, os homens elaboram teorias a
partir e em função da prática, nesta se verificando também o senti-
do e o valor da teoria. " (Fleuri, 1992, p. 29)

Essa prática está marcada por u m a opção consciente, pelo desejo de renova-
ção, transformação e mudanças e pela busca e implementação de novos valores que
venham a dar u m a nova direção à prática social.
Podem-se identificar tais marcas naqueles que buscam u m a sociedade mais justa
e com melhores oportunidades para todos.
A prática pedagógica, nesse contexto, caracteriza-se como fonte de conhecimento
e geradora de novos conhecimentos. Nessa perspectiva, o novo encontra aqui o ni-
cho ideal para vicejar e expandir-se.
Sabe-se que o sistema de ensino e as escolas encontram-se estruturados de modo
fragmentado, setorizado, centralizado. A estrutura de poder no sistema de ensino faz
com que as decisões de Estado, de escola, de cursos, ou mesmo de disciplina sejam
tomadas de forma centralizada e de cima para baixo, sem a participação da maioria
que está na base e que sofre a ação resultante das mais variadas propostas. O mesmo
sistema é organizado por setores e departamentos que não se relacionam entre si. O
currículo e os programas sao fragmentados em graus, cursos e disciplinas, de tal for-
ma que passam a ser assumidos como estanques e sem relação crítica entre si.
Assim, predomina u m a estrutura que, de muitas formas, dificulta a união entre as
pessoas para discutirem e enfrentarem conjuntamente seus problemas comuns; são mui-
tas as resistencias que se colocam ao surgimento de grupos no espaço da escola. Sabe-
se que somente ações coletivas e planejadas podem produzir alguma transformação
significativa nas relações sociais de poder, no sistema de ensino e na escola, a qual
tem a função de transmitir o conhecimento socialmente construido, elaborado e siste-
matizado a todos os cidadãos.

23
O Trabalho Docente

Mas como é geralmente concebido esse conhecimento na prática escolar?


A prática fragmentada de elaboração do conhecimento determina um distancia-
mento da realidade também crescente. Na medida em que se focalizam apenas aspectos
isolados da realidade, existe maior dificuldade em compreendê-la totalmente, e quase
não se conseguindo enfrentar de modo orgânico seus problemas fundamentais.
A fragmentação do conhecimento e o seu distanciamento da realidade concreta
tornam o conhecimento elaborado acessível apenas a "especialistas", cada um em sua
área específica. Desse modo, o conhecimento especializado passa a ser considerado
como coisa, como objeto de posse por parte de algumas pessoas, que passam a ter o
direito de decidir como seu conhecimento deve ser utilizado ou assimilado pelos ou-
tros. Criam-se então, na vida cotidiana, relações de dependencia das pessoas que detêm
esses conhecimentos, para com aquelas que detêm frações do saber.
Sendo assim considerado detentor de uma parte do saber, o professor é pago
para trabalhá-lo com os alunos. E se é ele quem conhece, será ele quem deve resolver
como passar seu conhecimento, isto é, só o professor é que tem condições de progra-
mar, controlar e avahar a transmissão do seu saber. Os alunos não passam de simples
receptores desse conhecimento.
Esse tipo de relação pedagógica que considera o professor como sujeito que
deposita seu saber-objeto na cabeça vazia do aluno legitima-se por uma inversão do
processo de conhecimento e se dá, pelo menos, em tres circunstancias: primeiro, pelo
entendimento da teoria como separada da prática. N a realidade, toda teoria é
construida a partir e em função da prática e sua validade se constata em confronto
com a prática. Segundo, divide-se a teoria em várias áreas e segmentos estanques.
Tudo, porém, se relaciona e a visão da realidade só é crítica na medida em que sao
articulados dialeticamente os enfoques e as diferentes dimensões da realidade. Tercei-
ro, toma-se frações do conhecimento como objeto de posse de pessoas. O conheci-
mento, no entanto, é um processo de representação do real, construido socialmente
através da história e da cultura de povos de diferentes nações.
Há, ainda, dificuldades de se perceber o conhecimento como autoconhecimento,
o conhecimento como local e total.
A coisificação do saber representa, então, uma maneira falsa de se entender e de
se transmitir o conhecimento. E, na escola, essa falsificação do saber elaborado ser-
ve para escamotear e legitimar a relação de poder que se constata entre professor e
aluno.
Assim sendo, percebemos que na escola nao se considera toda a evolução do
conhecimento, todo o potencial do conhecimento produzido, que é dinâmico, man-
tendo sempre grande relação com todas as áreas. A escola e o professor não estão
valorizando toda a informação que existe no mundo hoje. Estão muito mais preocupa-
dos com o saber produzido como verdade, cristalizado, acabado, não entendendo que

24
A Prática Pedagógica como Ponte de Conhecimento

o conhecimento é provisório e que não é dado ou findo; ao contrário, está sempre em


construção. Como diz Nilda Alves:

"Se a partícula mais íntima da matéria está em movimento per-


manente, se a natureza está em continuo movimento, se os homens
são seres em movimento constante em sua luta por sobreviver e por
conviver, como poderia o conhecimento, e apenas o conhecimento,
ser estático? Falar em verdade absoluta é acreditar na finalidade
do conhecimento. Como um conhecimento finito poderla dar conta
da infinitude do real? Se o olhar do sujeito modifica o objeto, como
conceber que o conhecimento produzido na tensão sujeito em mo-
vimento e objeto em movimento seja estático?" (1992, p. 76)

A situação da escola não pode permanecer como se apresenta, tanto no aspecto


estrutural ou organizacional, quanto no aspecto de conceber e tratar o conhecimento;
é urgente que seja modificada. São tão grandes os desafios do mundo de hoje para a
educação que é fundamental procurar caminhos eficientes. Tem-se de agir; nao se pode
continuar esperando que as soluções venham de cima para baixo, nem ficar alheio a
todas essas mudanças sociais e culturais que aí estão e abalaram definitivamente as
necessidades das pessoas quanto à sua formação e qualificação para o trabalho. Novas
maneiras de agir surgem como forma de ultrapassagem, de enfrentamento de novas
situações. Não se pode deixar de perceber que novas formas de vida, de relação, de
transporte, de lazer, novos padrões éticos estão sendo forjados pelas culturas pós-
industriais. É imprescindível ter presente que os momentos histórico, cultural, social e
político exigem do ser humano grande operacionalidade de pensamento, habilidades e
atitudes próprias em virtude do avanço tecnológico tão rápido e intenso.
A vida hoje na escola, na sala de aula, tem de ser muito mais do que a transmis-
são de um conteúdo sistematizado do saber. Com certeza, deve incluir a aquisição de
hábitos e habilidades e a formação de uma atitude correta frente ao próprio conheci-
mento, uma vez que o aluno deverá ser capaz de ampliá-lo e reconstruí-lo quando ne-
cessário, além de aplicá-lo em situações próprias do seu contexto de vida.
Assim sendo, é substancial que o professor enfrente o desafio de compreender
os tempos novos para abarcar os anseios das novas gerações e auscultar os rumos do
futuro. Para isso, é necessário

"[...] dialogar com a realidade inserindo-se nela como sujeito


criativo" (Demo, 1993, p. 21),

para formar o sujeito histórico capaz de definir o seu destino e nele participar ativa-
mente, uma vez que a formação básica

25
O Trabalho Docente

"[...] tem como finalidade principal dotar a pessoa da caracte-


rística de pensar crítica e criativamente, e de manter-se em estado
ininterrupto de atualiz.ação" (Demo, 1993, p. 33),

levando em conta que

"[...] a alma da formação básica é aprender, saber pensar, in-


formarse e refazer todo o dia a informação, questionar. Conheci-
mentos pertinentes e sobretudo seu manejo propedêutico são base
para o exercício do papel do sujeito participativo e produtivo."
(Demo, 1993, p. 89)

Diante disso, é preciso que o professor tenha e esteja bem consciente de que:

"... ensinar já não significa transferir pacotes sucateados, nem


mesmo significa meramente repassar o saber. Sen conteúdo correto
é motivar o processo emancipatório com base em saber crítico, cria-
tivo, atualizado, competente. Tratase, não de cercear, temer, con-
trolar a competência de quem aprende, mas de abrir-lhe a chance
na dimensão maior possível. Não interessa o discípulo mas o novo
mestre. Entre o professor e o aluno não se estabelece apenas hie-
rarquização verticalizada, que divide papéis pela forma do autori-
tarismo, mas sobretudo confronto dialético. Este alimentase da rea-
lidade histórica formada por entidades concretas que se relacio-
nam de modo autónomo, como sujeitos sociais plenos." (Demo, 1993,
p. 153)

Infelizmente, como já se viu e a experiência mostra, não é assim que o trabalho


do professor se dá na escola. O professor ainda está arraigado ao modelo de sua for-
mação e poucos percebem que muitos dos problemas que surgem em sala de aula, e
na escola como um todo, estão em função da própria ação docente diante do conhe-
cimento. Não resol ve querer-se camuflar todas as dificuldades que se encontram no
trabalho com os alunos, como: desinteresse, indisciplina, nao-permanencia na escola,
desagrado pela escola, falta de estudo, desinteresse da familia, repetência, condições
econômicas precárias e procurar atribuir sempre a responsabilidade a causas exter-
nas. Alguma coisa tem-se de fazer no sentido de entender esses condicionantes, que
não deixam de ser influentes e, por isso mesmo, tornam o trabalho na escola mais di-
fícil. Considerando todos esses aspectos é que a escola tem um complexo trabalho a
ser feito que exige muito mais da habilidade do professor e que a sua formação deve
garantir.
Portanto, a formação do professor tem de ser repensada. Mas o que fazer com
esse mestre que ja está atuando na escola? O momento histórico está a exigir outra

26
A Prática Pedagógica como Fonte de Conhecimento

mentalidade, outro modo de ser e de agir. Será que o professor não teria de ser leva-
do a repensar o seu papel? O que lhe cabe de fato, hoje, como professor? O que é ser
professor? Qual a sua responsabilidade? Onde se localiza o cerne de seu tra-
balho?
Hoje, tem-se de admitir que apenas a transmissão do conhecimento não é o que
deve marcar ou justificar o trabalho do professor; então, o que é?
Diante desse problema e do tipo de questionamento, a tendencia natural dos sis-
temas de ensino é admitir que a qualidade de ensino passa pela competência ou in-
competência do professor e, então, tentar qualificá-lo. Entretanto, qualificá-lo tem sig-
nificado sempre investir mais em reciclagem, cursos de atualização, cursos à distancia.
Isto porque o pressuposto é que ele esteja despreparado em termos de conteúdos
curriculares e de aprendizagem e que carece estar mais atualizado com esses conhe-
cimentos; precisa entender melhor as implicações do processo ensino-aprendizagem,
ou, ainda, porque ele está utilizando uma metodologia inadequada para trabalhar com
os alunos atuais. Nesses eventos, passa-se então a trabalhar conteúdos de ensino com
o professor ainda na mesma perspectiva tradicional, atualmente inadequada. A mes-
ma que ele já usou com seus alunos, ou então, trabalha-se a questão metodológica
mostrando que a maneira de abordar o aluno tem de ser modificada, quando o cerne
da questão está no trabalhar o conhecimento como mola central dentro da escola.
É verdade que, de alguma forma - e talvez mesmo porque a formação do pro-
fessor seja frágil - , os seus conhecimentos estão defasados e, além de tudo, tem pou-
quíssimas oportunidades de atualização. Quando tem chances de que isto aconteça,
quase sempre é de maneira pouco adequada. Como diz Mello:

"... os resultados de estudos sobre a efetlvidade dos programas


de capacitação docente para melhorar a aprendizagem dos alunos
nao sao alentadores.
Se é sustentável o pressuposto de que a capacitação pode ser
melhor potencializada numa efetiva interação com a organização
escolar, as estrategias e formato desses programas deveria ser re-
pensados." (1991, p. 36)

Entende-se que é preciso trabalhar com o professor, há necessidade de constru-


ção de uma nova competencia pedagógica, de aperfeiçoamento de recursos huma-
nos, de capacitação em serviço ou, nas palavras de Ruth Pereira, de educação e m
serviço, entendendo-se com isso:

"... todas as atividades nas quais os profissionais se envolvem


quando estão em serviço e que são estruturadas para contribuir
para a melhoria do seu desempenho. (...)

27
O Trabalho Docente

... é urna atividade que possui objetivo definido e está compro-


metida com mudangas em individuos ou sistemas organizacionais.
Isto é alcangado através de mudangas ñas pessoas e nao em regras,
estruturas, fungoes ou ambiente físico (embora tttdo isso possa es-
tar relacionado a essas mudangas) e levado a efeito através de seu
aperfeigoamento continuo." (1993, pp. 38-39)

Em funcao dessas consideragSes, é possível entender que urna nova competen-


cia pedagógica se origine na própria prática, no debrucar-se sobre ela, no movimento
dialético agáo-reflexáo-agáo. Busca-se escapar da dicotomía entre teoria e prática,
evitando a simples justaposigáo ou associacao que encaminharia para urna atitude
apenas funcional, operativa.
Tanto a teoria quanto a prática tem papel assegurado nesse processo porque as
teorias sao como mapas que nos ajudam a viajar sobre o momento presente para
auscultar a realidade, o que nao se faz sem a historia. O que se busca, na verdade, é
a construgáo de urna prática pedagógica reflexiva, crítica e criativa. Além disso, deve-
se considerar que o planejamento de programas de formagao em servigo exige a de-
finigao do papel do professor e a respectiva competencia dele exigida, das aborda-
gens de currículo no sentido mais moderno dos conhecimentos exigidos hoje e inte-
resses dos profissionais envolvidos. Isso é fundamental, tendo em vista que durante a
vida profissional ocorre a participagao direta na elaboragáo/reelaboragao do saber e
do acelerado desenvolvimento tecnológico por que passa a sociedade. Portanto, a
melhor maneira de construir a competencia pedagógica é possuir a instrumentagao para
viver/conviver com as mudangas nos contextos educacional e social. Isso porque, o
educador deve estar atento para seguranga/inseguranga, certeza/incerteza, equilibrio/
desequilibrio na constaigáo do novo.
Por tudo isso, é necessário que haja urna agáo coletiva que permita a discussáo
do conhecimento, a troca de pontos de vista diferenciados, de modo a permitir o con-
fronto e, a partir daí, a imersao em confluencias amadurecendo perspectivas para o
surgimento de urna nova competencia, tanto dos profissionais quanto da escola; é o
que se pretende: a escola visualizada como espago de formagao dos profissionais do
ensino; como locus de aperfeigoamento que possibilita o encontró sistemático de seus
membros para que discutam e reflitam sobre a construgáo do conhecimento, sobre os
problemas do seu cotidiano; como espago a ser redirecionado, o que requerer, sem
dúvida, um movimento de reorganizagao da própria escola.
Lamenta-se, profundamente, que a escola nao acompanhe a ciencia e a tecnología
quando deveria estar á frente, oferecendo condigóes para tais conquistas.

"Diante desse horizonte, salta aos olhos que necessitamos de urna


educagao muito diferente daquela usual. Em primeiro lugar, preci-
samos de educagao que puxe o desenvolvimento, nao que se arras-

2S
A Prálica Pedagógica como Fonte de Conhecimento

te atrás, representando o atraso. Para tanto, carece corresponder


ao desafio de manejar e produzir conhecimento, ou seja, deve superara
reprodutiva/transmissiva. Tratase de superar a exclusividade, por-quanto continua

Para tal desafio, é basilar e urgente trabalhar com os professores de forma que
eles entendam que o conhecimento hoje se apresenta diferente, exigindo, principalmente
contexto que a modernidade está a exigir; é uma nova dimensão de vida que se impõe.

Posto esse quadro, no qual as idiossincrasias da profissão docente aparecem em


suas linhas gerais, não discordamos de Nóvoa (1992, p. 15) quando discorre sobre
os aspectos que devem ser considerados à implementação de estratégias de

Colocando a problemática da formação de professores no quadro de dific

"[...] aos olhos dos outros, a profissão docente tornou-se difícil


de viver do interior (...) a ausencia de um projecto coletivo, mobilizador
dos professores, dando azo a uma atitude defensiva mais própria
de funcionários do que de profissionais autônomos." (1992, p. 23)

Nóvoa entende e defende a formação dos professores como um contínuo


docente volte-se para o desenvolvimento pessoal: produzir a vida do professor, ao
desenvolvimento profissional: produzir a profissão docente e ao desenvolvimento
organizacional: produzir a escola.

Essa sugestão tem encontrado ressonâncias no pensamento de outros educ

A formação de professores tem ignorado, sistematicamente, o desenvolvim


tem valorizado uma articulação entre a formação e os projectos das
escolas, consideradas como organizações dotadas de margens de
autonomia e de decisão de dia para dia mais importantes. Estes dois
esquecimentos inviabilizam que a formação tenha como eixo de
referência o desenvolvimento profissional dos professores, na du-

29
O Trabalho Docente

pla perspectiva do professor individual e do coletivo docente." (1992,


p. 24).

Essa pode ser considerada urna boa justificativa para a formação de professores
nos moldes sugeridos por Nóvoa. O que ele entende ser o Desenvolvimento Pessoal
(produzir a vida do professor) é a formação nesse nível, no qual o professor, no
autor diz que a formação se constrói

"... através de um trabalho de reflexividade crítica sobre as p


saber à experiência." (1992, p. 25)

Os percursos educativos desse profissional devem estar na ordem do dia para


que ele possa aprender com o saber da experiencia. A troca dessas experiencias vai
consolidar espaços de formação mútua; no entanto, a organização das escolas tem
desencorajado essa parceria.

A partir dessas constataçães, Nóvoa (1992, p. 26) acredita que o conhecimen


na-ação - movimentos sugeridos por Schön (1990) - ganham pertinência no quadro
do desenvolvimento pessoal dos professores.

"Os momentos de balanço retrospectivo sobre os percursos pessoais


vida, o que, no caso dos professores, é também produzir a sua profissão."

O Desenvolvimento Profissional (produzir a profissão docente) não se dá


formação contínua, as práticas de formação devem tomar como referência as

"... produção dos seus saberes e dos seus valores." (Nóvoa, 1992,

É provável que o interesse mantido pelo próprio desenvolvimento possa

"... quadro de uma autonomia contextualizada da profissão docente"

30
A Prática Pedagógica como Fonle de Conhecimenio

Isso pode, inclusive, fazer com que muitos desses agentes passem a assumir a
responsabilidade da sua própria formação, nos espagos que eles possam ir

Parece estar-se caminhando no sentido de que os professores assumam-se

"... como produtores da sua profissão." (Nóvoa, 1992, p. 28)

Entretanto, sabe-se que os espaços de atuação desses profissionais devem

Se a formação de professores é encarada como um dos componentes da


desenvolvida a formação do seu pessoal. Nenhuma mudança inovadora e
setor vai, inevitavelmente, transformar as organizaçães escolares e seu desenvolvimento.
Se houver mudanças qualitativas nos desenvolvimentos pessoal e profissional, no
qualitativas no seu interior; estas, quando se originam de projetos de ação, ajudam a
consolidar alguns ganhos, partindo para muitos acertos, quando há uma preocupação
em se avaliar o processo desenvolvido pela escola e por seus membros.

Outro educador preocupado com a mudança na escola e na prática docente é


Ken Zeickner (In: Nóvoa, 1992, p. 117). Ele anuncia as inovaçães sobre a formação
docente no practicum, isto é

"... momentos estruturados da prática pedagógica (estágio, aula


prática, tirocinio) integrados nos programas de formação de professores."

Seus estudos, como diretor de programas de formação de professores do ensino


básico na Universidade de Wisconsin - Madison, envolvem investigaçães sobre esses
momentos estruturados da prática pedagógica consolidados nas instituiçães formadoras.

Esses estudos, centraçãs na investigação do practicum, têm como


fornece bases para o trabalho de Zeichner, com os conceitos de relfexão-na-ação,
reflexão-sobre-a-ação e sobre a reflexão-sobre-a-ação.

"A reflexão-na-ação refere-se aos processos de pensamento que

3 I
O Trabatho Docente

Sobre a reflexão-na-ação, parece u m a retrospectiva que o professor faz em


direção às reflexões anteriormente realizadas nos dois movimentos citados. Schön
(Nóvoa, 1992, p. 83), sobre este movimento, diz que:

"Após a aula, o professor pode pensar no que aconteceu, no que

Todos esses movimentos parecem navegar na direção do professor para que tome
suas práticas cotidianas como objeto de investigação, reflexão e criação do novo.
Perrenoud, em estudos recentes, segue a mesma linha de Nóvoa, afirmando que:

"Só é possível a formação dos professores pensando e repensando con


ciências humanas - as práticas pedagógicas e o funcionamento dos
11)

Nos textos examinados, o mesmo autor indica pistas - a utilização do tempo


de que as práticas pedagógicas se tornem claras e, assim, possam ser melhor com

No Brasil, as preocupações com a formação de professores disseminam-se, mas


é na regiões Sudeste e Sul do País que as discussões são veementes. N o momento,
tem-se notícias de que Maria Izabel da Cunha, Maria da Graça Nicoletti Mizukami,
Pedro D e m o e Luís Carlos de Freitas - para citar apenas alguns - estão publicando
trabalhos sobre o assunto.

Naturalmente, tem-se a convicção de que, nas questões relacionadas com a


dúvidas e incertezas. N o entanto, sabe-se que é necessário acreditar que esse
tarefa das mais fáceis, mas, seguindo as pegadas de Freire e Shor, concorda-se que é
preciso

"… ousar para criarmos e recriarmos com nossos alunos o conhecim

R e f e r ê n c i a s Bibliográficas

A L V E S , Nilda (org.). Formação de professores: pensare fazer. S ã o Paulo : Cortez, 1992.

32
A Prática Pedagógica como Ponte de Conhecimento

C A N D A U , Vera Maria (org.). Rumo a uma nova didática. Petrópolis: Vozes, 1988.

C O S T A , Marisa C. V. Estudos e pesquisas sobre trabalho docente: panorama das principais tendências.
(Versão preliminar). Goiânia. VII ENDIPE, 1994 (mimeo).

C U N H A , Maria Izabel da & FERNANDES, Cleoni Maria B. Formação continuada de professores un


n. 32, j a n . / j u l . , 1994.

D E M O , Pedro. Desafios modernos da educação. Petrópolis: Vozes, 1993.

D O W B O R , Ladislau. O espaço do conhecimento. In: A revolução tecnológica e os novos paradigmas da

F L E U R I , Reinaldo M. Educar para quê? São P a u l o : Cortez, 1992.

F R E I R E , Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação. São Paulo: Cortez e Moraes, 1979.

J A P I A S S U , H. & M A R C O N D E S , D. Dicionário básico de filosofia. 2a ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1993.

L U P O R I N I , T. J.; M A R T I N S , R. B.; RIBAS, M. H. Escola Básica: dois segmentos dissociados. Relatório de

M E L L O , Guiomar N. de. Políticas públicas de educação. In: Estudos Avançados. São Paulo, v. 5, n. 13, pp.

N Ó V O A , António (coord.). Os professores e sua formação. Lisboa: Publicaçães Dom Quixote/IIE, 1992.

PEREIRA, Ruth da C. Educação e m serviço para o professor: conceitos e propósitos. Tecnologia

P E R R E N O U D , Philippe. Práticas pedagógicas, profissão docente e formação. Lisboa: Publicações D o m

RIBEIRO, Maria L. S. Educação escolar e praxis. São Paulo: Iglu, 1991.

S H O R , I. & FREIRE, P. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.

V Á Z Q U E Z , A. S. Filosofia da praxis. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.

VEIGA, Ilma P.A. A prática pedagógica do professor de didática. Campinas: Papirus, 1989.

33
O Trabalho Docente

Comentário

A Prática Pedagógica como Fonte de Conhecimento

Marcos T. Masetto

Muitas vezes nos deparamos com estudos, reflexões e publicações voltados para
o estudo da prática pedagógica com o objetivo de aperfeiçoá-la, desenvolvê-la e

Nesse trabalho, as professoras Leide Mara Schmidt, Mariná Holzmann Ribas e


Marlene Araújo de Carvalho nos apresentam um estudo da prática pedagógica como
fonte de conhecimento:

• A prática pedagógica voltada não apenas para auxiliar o processo de a

• A prática pedagógica com capacidade de produzir conhecimento sobre ed

• A prática pedagógica capaz de produzir conhecimento sobre a postura do

Trata-se de uma linha de trabalho que obteve grande impulso a partir de


Formação de Professores), K. Zeichner (A Formação Reflexiva de Professores),
D. Schon (A formação reflexiva de professores sobre sua prática docente), Gimeno
Sacristán e Perez Gómez (Processo de aprendizagem e suas novas concepções).

Entre os pesquisadores e professores nacionais que vêm encaminhando suas

34
A Prática Pedagógica como Fonte de Conhecimento

Nesse trabalho que ora comentamos queremos destacar os seguintes aspectos:


a. Em primeiro lugar, a preocupação com o conceito de prática pedagógica
n u m a perspectiva dialética com base em Vázquez (1977). Essa posição
desconsidera, no conceito de prática pedagógica, o simples agir, fazer,

"… a relação dialética entre o homem e a natureza, no qual o


si mesmo." (Japiassu; Marcondes cf. citado no texto).

Este conceito aplicado à prática pedagógica traz aspectos novos e dinâmicos


não à distância dela, integrando-se a uma prática social mais ampla.

b. As autoras chamam atenção para o fato de que a prática pedagógica, quando


considerada apenas como um fazer docente preestabelecido e normatizado
transforma-se em atividade mecânica, ritualista, repetitiva, sem crítica,
os mesmos frutos com os mesmos problemas tanto para os alunos, como para
e do trabalho de seus pares, fortalecendo, uma vez mais, o individualismo numa
atividade que é preponderantemente comunitaria e/ou solidaria como a edu-
cação.

Trata-se de um alerta importantíssimo, uma vez que se aponta para um dos


maiores males que enfrentamos no processo educacional escolar: o individua-
lismo real e incentivado dos seus participantes (desde os hierarquicamente bem
colocados, até o servente da escola, passando pela direcao, professores,
pessoal administrativo e alunos).
A prática pedagógica entendida e vivida como praxis poderia reencaminhar
esta situação para uma devida orientação comunitária e social.
c. Outro ponto a destacar é que as autoras nos colocam no âmago do proble-
ma. Convidam-nos a pensar a prática pedagógica de uma forma tal que per-
mita superar:
o a fragmentação do conhecimento dos especialistas, em direção a um
conhecimento e um saber integrados e integralizadores, construidos em rede

35
O Trabalho Docente

onde os "nós", ao mesmo tempo que amarram conhecimentos aparente-


mente os mais diversos e de origens diferentes, soltam suas pontas para se
encontrarem com outras e juntas formarem novos "nós", ampliando-se a
"rede de conhecimentos";
o o distanciamento dessa prática pedagógica com a realidade onde vi-
vem os participantes do processo educativo: professores, alunos, direção...
Essa realidade que é nosso "habitat" não pode existir "apenas" fora dos
muros da escola e para a construção de "outros" conhecimentos que sao
vitáis para o professor, para o aluno e para a direção. Nela mergulhados e
nela nos debatendo, seja na escola ou fora dela, precisamos aprender, cres-
cer e evoluir individual e socialmente. É papel fundamental da prática pe-
dagógica fazer com que os alunos, professores e direção integrem e rela-
cionen! criticamente conhecimento, ciência, hábitos, valores com o mundo
e a sociedade em que estamos vivendo;
o a visão de que o papel do professor, nessa prática pedagógica, seja
o de transmissor de conhecimento, em direção a um professor que atra-
vés da sua prática desenha o caminho do seu desenvolvimento pessoal e
profissional e, com relação aos alunos, assuma o incentivo á busca, á des-
coberta, á comparação, á análise e á organização do conhecimento; além
disso, o incentivo á crítica, á co-responsabilidade no processo de aprendi-
zagem e á sua própria autonomía.

N o meu modo de ver, com esse estudo, as autoras nos oferecem uma contribui-
ção de alto nivel para todos nos - professores e pesquisadores - avançarmos em nossa
prática pedagógica e em nossas pesquisas.

36
CAPÍTULO 3

O Caráter Emancipatório de
uma Prática Pedagógica
Possível

Mariná Holzmann Ribas


Marlene Araújo de Carvalho

finalidade desse texto é discutir aspectos da reflexão do professor sobre a prá-


tica pedagógica no âmbito da escola, tendo como eixo central a formação continua
dos professores.
O texto é um convite á reflexão de todos aqueles que lutam por uma educação
de qualidade e, sobretudo, aqueles que se preocupam com a formação de formado-
res em termos de educação continuada.
A partir do que se vem discutindo sobre a prática pedagógica reflexiva, em pu-
blicagoes recentes, tentamos centrar nossa atenção na prática cotidiana do professor
e da escola, tendo por base as idéias de reflexáo-na-ação, reflexáo-sobre-a-acao
e sobre-a-reflexáo-na-acao, de Donald Schón, trabalhadas e divulgadas por António
Nóvoa, Carlos Marcelo Garcia, Angél Pérez Gómez, Ken Zeichner e outros.
As pesquisas empreendidas por esses autores têm como ponto comum a cons-
trução de um saber e de um saber fazer, a partir da própria prática docente individual
e coletiva, buscando a unidade teoria-prática.
Os estudos e pesquisas sobre a escola e a formação de professores, a partir da
década de 80, têm fornecido vasto material para implementar mudangas qualitativas
na escola, tanto no que diz respeito ao desenvolvimento pessoal dos profissionais da
educação, quanto ao desenvolvimento organizacional da escola. No entanto, as alte-
rações na vida escolar e de seus membros nâo têm sido satisfatórias.
O Trabalho Docente

Os momentos histórico, social e político exigem do ser humano grande operacio-


nalidade de pensamento, habilidades gerais de comunicação, abstração, integração e
atitudes próprias em virtude do avanço tecnológico tão célere e intenso.
A vida hoje na escola, na sala de aula, tem de ser muito mais do que o conteúdo
sistematizado do saber. Implica o tratamento do conhecimento presente no mundo,
em incessante movimento, a obtenção e desenvolvimento de hábitos e habilidades e a
formação de atitudes frente ao próprio conhecimento, que o aluno deverá saber apli-
car em diferentes circunstancias do seu contexto de vida.
Assim, urge que o professor acolha o desafio de compreender os novos tempos,
a fim de abarcar os anseios das novas gerações e perscrutar os rumos do futuro. Para
isso, é necessário

"... dialogar com a realidade, inserindo-se nela como sujeito


criativo."(Demo, 1993, p. 21)

Isso, para formar o sujeito histórico capaz de definir o destino e dele tomar parte
com propriedade, uma vez que a formação básica

"... tem como finalidade principal dotar a pessoa da capacida-


de de pensar crítica e criativamenté, e de manter-se em estado inin-
terrupto de atualização. " (Demo, 1993, p. 33),

considerando que

"... a alma da formação básica é aprender, saber pensar, infor-


marse e refazer todo dia a informação, questionar. Conhecimen-
tos pertinentes e sobretudo seu manejo propedêutico são a base para
o exercício do papel do sujeito participativo e produtivo."(Demo,
1993, p. 89)

Diante do exposto, a formação do professor precisa ser repensada, buscando na


prática o referencial que forneça subsídios para um melhor entendimento do trabalho
pedagógico.
E m um texto anterior (1995), dissemos que a prática pedagógica, como forma
específica de praxis, é uma dimensáo da prática social mais ampia dirigida por objeti-
vos, finalidades e conhecimentos. Dessa forma, objetiva transformar a realidade de
modo a satisfazer determinadas necessidades humanas.
Assim, entendemos que devemos buscar a competência pedagógica na própria
prática, no dia-a-dia da experiência vivida, no refletir-se sobre ela, uma vez que esta
reflexão se processa antes, durante e depois da ação, no movimento dialético ação-
reflexáo-ação, traduzido no triplo movimento reflexão-na-ação, reflexão-sobre-a-
ação e sobre-a-reflexáo-na-ação sugerido por Schön (Schön apudNóvoa, 1992),

38
O Caráter Emancipalório de uma Prática Pedagógica Possível

buscando a unidade teoria-prática e a construção de uma prática pedagógica reflexi-


va, ou seja, crítica e criativa.
Estas concepções de reflexão-na-ação e de reflexão-sobre-a-ação tém por
base urna visão de conhecimento que pressupõe a unidade indissolúvel teoria e práti-
ca, distante do que predomina no ensino corrente em seus diferentes graus, ancorado
no modelo de racionalidade técnica, onde a teoria é desvinculada da prática. O exem-
plo mais concreto desse modelo são os cursos de formação de professores, onde se
coloca o desenvolvimento de competências profissionais (prática de ensino - estágio
supervisionado) após o conhecimento das ciências básicas e aplicadas. Por tudo isso,
consideramos que a
"…formação do professor não se dá de fora para dentro. Ele se
forma, não é formado. A formação nao precede o exercício da pro-
fissão, ela se dá no exercício desta. E para que isto acontega é
necessária uma reorganização da escola. É preciso tempo para o
professor refletir, é preciso espaço a fim de que os professores se
encontrem, estudem, troquem experiências, discutam sobre suas ati-
tudes e ações, reflitam juntos sobre suas práticas, sobre as ques-
tões que os afligem e também tenham um salário condigno." (Ribas,
1989, p. 68)

Isto é, a escola deve passar por uma reorganização para minimizar as limitações
que se põem ao trabalho do professor reflexivo. Se é propósito da instituição escolar
ter esse tipo de professor atuando no seu interior, é imprescindível prolongar o seu
tempo de permanencia na escola - isso com a conseqüente melhoria salarial - , para
momentos de encontro e reflexão conjunta, com vistas ao enriquecimento curricular e
melhoria constante tanto da prática individual quanto da prática escolar como um todo,
o que diminuiria a rotatividade dos professores. Outro aspecto a ser levado em con-
sideração é o número de alunos por professor, o que possibilita uma atenção mais qua-
lificada. Além disso, é preciso lembrar que a função primeira do professor é a docência
de qualidade e nao a dispersão com o trabalho burocrático e com as preocupações
econômico-financeiras da escola.
O exercício profissional deve dar ao professor condições de refletir na e sobre a
sua prática, a fim de, realmente, conseguir sua formação.
Portante, há necessidade de trabalho coletivo que propicie, a partir do diálogo
com a atividade naconstrução/reconstrução do conhecimento, o confronto entre pontos
de vista diferenciados e, a partir daí, a imersão de confluências, amadurecendo pers-
pectivas para que emerja uma nova competencia, tanto dos profissionais quanto da
escola.
Esse tipo de ação exige profissionais que tenham mentalidade aberta para o
novo, respeitando o outro e tolerando posicionamentos diferentes: profissionais que

39
O Trabalho Docente

deixem de lado atitudes preconceituosas e parciais. Eles devem terresponsabilida-


de intelectual no sentido de estimar as possíveis conseqüências dos seus atos profis-
sionais, de tomar para si essas conseqüências e de perseguir intenções educativas e
éticas próprias da conduta docente. Por fim, devem munir-se de entusiasmo que
demonstre capacidade de enfrentar a rotina pela realização do novo. (Dewey apud
Garcia, p. 62)
Considerando o exposto, o professor reflexivo deve ser sensível à apreensão de
possibilidades alternativas: deve ter consciência de que ele também é passível de erros
nas suas concepções mais profundas, uma vez que, continuamente, está examinando
os fundamentos subjacentes a essas concepções para descobrir contradições, bus-
cando uma síntese, isto é, o cíclico movimento ação-reflexão-ação. Os professores
reflexivos estão sempre se questionando sobre o seu saber, o seu fazer e o seu saber
fazer em sala de aula, indo além das atitudes imediatistas e tendo presente o tipo de
homem que se quer formar.
A mentalidade aberta e a responsabilidade intelectual são atitudes fundamentais
para que o professor reflexivo tenha a consciência de que ele é responsável pela sua
formação continuada. Dessas condições lhe advém o entusiasmo para enfrentar a ro-
tina e construir o novo.
Para Zeichner (1993, p. 46), o professor reflexivo deve considerar, no que diz
respeito à sua responsabilidade no ato de ensinar, pelo menos três classes de conse-
qüências do próprio exercício docente:
"- Consecuencias personales: los efectos del proprio ejercicio do-
cente sobre los autoconceptos de los alumnos.
- Consecuencias acadêmicas: los efectos de la propria actividad
docente sobre el desarrollo intelectual de los alumnos.
- Consecuencias sociales y politicas: los efectos del proprio
ejercicio docente sobre las oportunidades que se abren para la
vida de los alumnos. " (1993, p. 46)

Além das reflexões sobre esses aspectos, o professor reflexivo tem de ponderar
sobre os resultados inesperados de sua ação, uma vez que, dada a complexidade da
prática pedagógica, os imprevistos estão sempre mesclando os resultados previstos
para a ação. Ao considerar os resultados do seu trabalho, não só basta perguntar-se
se os objetivos propostos foram atingidos, mas também se está satisfeito com os re-
sultados alcançados. É preciso deixar claro que é esse profissional que, realmente,
efetivará uma prática pedagógica reflexiva no âmbito da escola.
Mas, o que se entende por prática pedagógica reflexiva no âmbito escolar?
Estamos ainda em processo de elaboração desse conceito. Entretanto, inicial-
mente, podemos fazer uma primeira aproximação, dizendo que a prática pedagógica

40
O Caráter Emancipatório de uma Prática Pedagógica Possível

reflexiva no âmbito escolar é a busca constante de dados da realidade em que o pro-


fessor está inserido - isto é, os dados da prática, do saber da experiência - , sem per-
der os vínculos com a realidade social global, para, pela açãreflexão-ação, com-
preendê-la e modificá-la, tendo em vista os fins educativos estabelecidos coletivamente
no projeto político pedagógico da escola. Desse modo, defendemos uma prática pe-
dagógica reflexiva em que o professor reflita no e sobre o seu próprio trabalho e nas
condições sociais em que o seu exercício profissional está situado.
Para melhor compreender a atitude reflexiva na prática pedagógica escolar, acha-
mos importante transcrever o que diz Kemmis sobre a natureza do processo de re-
flexão:
"—A reflexão não é determinada biológica ou psicologicamente, nem
é pensamento puro, antes expressa uma orientação para a ação
e refere-se às relações entre o pensamento e a ação nas situa-
ções históricas em que nos encontramos.
- A reflexão não é uma forma individualista de trabalho mental,
quer seja mecânica ou especulativa, antes pressupõe e prefigura
relações sociais.
- A reflexão não é nem independente dos valores, nem neutral,
antes expressa e serve interesses humanos, políticos, culturais e
sociais particulares.
- A reflexão não é indiferente nem passiva perante a ordem soci-
al, nem propaga meramente valores sociais consensuais, antes
reproduz ou transforma activamente as práticas ideológicas que
estão na base da ordem social.
- A reflexão não é um processo mecânico, nem simplesmente um
exercício criativo de construção de novas idéias, antes é uma
prática que exprime o nosso poder para reconstruir a vida soci-
al, ao participar na comunicação, na tomada de decisões e na
acção social." (Kemmis apud Gómez, 1992, p. 103)

Isto posto, consideramos que, ao refletir na e sobre-a-ação, o professor não só


se serve apenas das teorías existentes, mas também de um cabedal de conhecimentos
advindos do seu saber de experiência e do saber de experiência dos seus pares. É
fundamental ter cuidado para não se centrar a reflexão apenas na atividade do profes-
sor e do aluno em detrimento dos aspectos sociais que influem no trabalho em sala de
aula. A reflexão não deve ter um fim em si mesma, nem ser individualista por limitar o
desenvolvimento pessoal e profissional do professor. Eis porque ela deve se concre-
tizar no coletivo, pois, enquanto prática social, a equipe de professores apóia e asse-
gura o desenvolvimento pessoal e profissional de cada participante e do grupo como

41
O Trabalho Docente

um todo, podendo até alterar as condições de trabalho existentes na escola. Nesse


espago de reflexão e luta, o professor vai tomando consciência de sua própria força
para encaminhar mudanças efetivas na estrutura e funcionamento da escola, com vis-
tas à melhoria das relações entre as equipes técnico-administrativa/corpo docente, pro-
fessor/aluno e escola/pais/comunidade, buscando melhoria na qualidade de ensino.
Todo esse processo leva, indiscutivelmente, a mudanças substanciais na gestão da ins-
tituição, porque ela deixa de estar centralizada nas mãos de poucos e passa a ser gerida
pela influência do coletivo.
Convém ressaltar que esse não é um processo fácil como se possa supor pelo
exposto, pois trata-se de um processo dialético não-linear, lento e gradativo.Tem pos-
sibilidades de ser bem-sucedido, mas também limitações, recuos, momentos de equi-
librio e desequilíbrio, o que pressupõe uma predisposição a inovações daqueles que
pretendem mudança na prática pedagógica escolar.
Outro aspecto a considerar é o uso malicioso do discurso da prática reflexiva,
pois ele pode ser usado não só na manipulação e controle sutis dos professores entre
si, como também dos professores para com os alunos de uma forma conscientemente
justificada. É necessário atentar, ainda, que nem sempre estamos realizando mudan-
ças na prática pedagógica, pois podemos estar maquilando práticas cristalizadas na
ilusão de uma prática reflexiva.

3.1 0 Objeto de Reflexão do Professor

É muito importante o objeto de reflexão do professor: ele tem de estar ciente de


que a sua prática pedagógica é de onde parte para toda a sua reflexão, mas ela deve
estar orientada por objetivos mais gerais, conectada com o projeto político-pedagó-
gico da escola.
A reflexão deve centrar-se tanto no seu trabalho do dia-a-dia quanto nas condi-
ções sociais em que ele se dá, a fim de que o professor tenha uma compreensão pró-
pria, particular de sua prática para que possa extrair dela seu saber, um conhecimento
originado da própria experiência, que vai ampliando seus esquemas de ação, o habitus,
"… esse conjunto de esquemas que permite engendrar uma infi-
nidade de práticas adaptadas a situações sempre renovadas sem
nunca se constituir em princípios explícitos." (Bourdieu apud
Perrenoud, 1993, p. 39)

A prática reflexiva tem um caráter emancipatório quando é capaz de perceber e


desmistificar as desigualdades e injustigas que se produzem na sala de aula a partir da

42
O Caráter Emancipatório de uma Prática Pedagógica Possível

própria ação do professor e dos alunos, por exemplo: o mau uso dos textos didáticos,
não considerando as várias realidades sociais presentes na sala de aula em particular
e na sociedade de um modo geral.
É preciso estarmos atentos a essa problemática para não incorrermos no erro de
culpar, pelo fracasso, a própria criança, a sua família e o seu meio social, eximindo a
escola e o sistema social de qualquer culpa. Magda Soares (1986) ilustra bem essa
questão, colocando em pauta três ideologias que explicam o fracasso escolar segundo
a classe dominante:
ideologia do dom, segundo a qual a causa estaria no aluno, por não possuir
as condições básicas para a aprendizagem, sendo assim considerado menos
apto e menos inteligente;
ideologia da deficiência cultural, que considera as desigualdades sociais
responsáveis pela diferença de aproveitamento dos alunos na escola; nessa
perspectiva, o aluno seria portador de "déficits socioculturais";
ideologia das diferenças culturais, que tem por base a desconsideração,
pela escola, das diferentes culturas dos alunos.
"É o uso da língua na escola que evidencia mais claramente as
diferenças entre grupos sociais e que gera discriminações e fracas-
sos: o uso, pelos alunos provenientes das camadas populares, de
variantes lingüísticas social e escolarmente estigmatizadas provo-
ca preconceitos lingüísticos e leva a dificuldades de aprendizagem,
já que a escola usa e quer ver usada a variante-padrão socialmen-
te prestigiada." (Soares, 1986, p. 17)

Educar é um ato político; portanto, a reflexão do professor deve estar voltada


também para as questões de raça, gênero e classe social para garantir a todos os alu-
nos o acesso ao conhecimento científico, pois ele é uma ferramenta para minimizar as
desigualdades e injustigas sociais. Essas questões devem ser tratadas de forma con-
creta, numa linguagem clara, precisa e acessível aos alunos. O professor tem de estar
consciente de que não basta o bom trabalho de "transposição didática", mas deve
atentar para os valores que, pelo seu comportamento, atitudes e exemplos passapara
os alunos, pois eles são facilmente assimilados e têm uma força muito grande na sua
formação.

"Qualquer gestão de sala de aula, qualquer didáctica, contém


um modo de tratamento das diferengas, o qual contribui (ou não)
para as transformar em desigualdades. Plano de trabalho, auto-
avaliação, ateliers, seqüências didácticas, material autocorretivo:
eis algumas maneiras de inflectir as interacções didácticas no sen-
tido da discriminação positiva. Mas a interacção joga-se em mui-

43
O Trabalho Docente

tos outros momentos, sem ser constantemente controlada por uma


racionalidade, multas vezes até à revelia do professor, o qual age a
partir da sua personalidade, hábitos, caprichos, preferências, cul-
pabilidades, automatismos, angústias, enfim, tudo o que determina
a intensidade, a tonalidade, a autenticidade e a riquez.a das
interacções com os alunos (Perrenoud, 1993, p. 29)

Considerando o processo de formação do professor como inseparável da práti-


ca e da reflexão na e sobre a prática, não estamos inferindo que seja da responsabili-
dade do professor ou da escola resolver os problemas sociais com os quais se de-
fronta. Sua responsabilidade é ampliar seu objeto de reflexão, como agente de uma
prática pedagógica consciente, reflexão que deve extrapolar os muros da escola para
identificar e compreender as contradições presentes no cotidiano escolar.
Isso pode levar - se houver intenção deliberada - à criação de grupos formados
por professores de outras instituições com a finalidade de confrontar as situações vi-
vidas para perceber que são muito semelhantes e que, a partir da discussão dessas
situações, sintam-se estimulados a enfrentar a rotina com elementos novos oriundos
do próprio grupo. Estes, além de facilitarem a troca de aprendizagem e de saber entre
essas instituições, propiciarão a formação de novos grupos com elementos de outras
instâncias da sociedade civil, que detêm formação e saberes diferenciados; possuem
um poder político maior, o que permitirá, além de uma discussão mais ampia sobre os
problemas da escola, uma intervenção no nivel mais geral, possibilitando melhoria na
qualidade da escola.
A escola, como não é o único espaço do conhecimento, tem de usar esse tipo de
estratégia para apropriar-se do conhecimento existente no mundo. Fechada em si
mesma não realizará tal empreendimento.
Esse movimento coletivo de ação-reflexão-ação permite uma abertura para que
a escola vá conquistando uma autonomia, mesmo que relativa, em alguns setores, como,
por exemplo, a autonomia didático-pedagógica.
Lembramos que o professor reflexivo é inquieto e insatisfeito e que em sua luta
diuturna, persegue a autonomia,
"…processo sempre inacabado, um horizonte em direção do qual
podemos caminhar sempre sem nunca alcançá-lo definitivamente"
(Gadotti, 1994, p. 44).

Embora seja essa uma conquista a realizar, pois faz parte das utopias possíveis
do educador, devemos persistir nessa busca. É ousando que se experimenta o novo;
é criando novas relações sociais que se mudam práticas autoritárias cristalizadas.

44
O Caráter Emaneipatôrio de uma Prática Pedagógica Possível

Referências Bibliográficas
DEMO, Pedro. Desafios modernos da educação. Petrópolis: Vozes, 1993.

GADOTTI, Moacir. Escola cidadã.2a ed. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1994.

GARCIA, C. M. A formação dos professores: novas perspectivas baseadas na investigação sobre o


pensamento do professor. In: NÓVOA, A. (Coord.). Os professores e sua formação. Lisboa: Publica-
çães Dom Quixote/IIE, 1992.

GARCIA, G. A relação pedagógica como vínculo libertador: uma experiência de formação docente. In:
PATTO, M. H. S. (Org.). Introdução a psicologia escolar. 2a ed. São Paulo: T. A. Queiroz, 1986.

GÓMEZ, A.P. O pensamento prático do professor - a formação do professor como profissional reflexivo. In:
NÓVOA, A. (Coord.) Os professores e a sua formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote/IIE, 1992.

LUPORINI, T. J.; MARTINS, R. B.; RIBAS, M.H. Escola Básica: dois segmentos dissociados. Relatório de
pesquisa. UEPG. Ponta Grossa, 1993.

NÓVOA, A. (Coord.) Os professores e sua formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote/IIE, 1992.

PERRENOUD, P. Práticas pedagógicas, profissão docente e formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote/
IIE, 1993.

RIBAS, M.H.; SCHMIDT, L. M.; CARVALHO; M. A. de. A prática pedagógica como fonte de conhecimento.
Ponta Grossa, 1995 (mimeo).

RIBAS, M. H. Treinamento de professores: sua validade e seus efeitos na prática docente. Uma análise da
questão no Estado do Paraná. PUC/SP. Dissertação de Mestrado. 1989.

SOARES, M. B. Linguagem e escola: uma perspectiva social. 3a ed. São Paulo: Ática, 1986.

ZEICHNER, K. El maestro como profesional reflexivo. Cuadernos de Pedagogia. Barcelona, n. 220, pp. 44-
49, dez., 1993.

_____. A formação reflexiva de professores: idéias e práticas. Lisboa: Educa, 1993.

Comentário

O Caráter Emancipatório de uma Prática Pedagógica Possível

Myrtes Alonso

O texto trabalha o conceito de professor reflexivo de forma profunda e, ao mes-


mo tempo, prática; fornece algumas pistas para que se compreenda com clareza o sig-
nificado desse processo de reflexão enquanto elemento de formação continuada do
professor.

45
O Trabalho Docente

Partindo da discussão de como deveria ser concebido o trabalho pedagógico em


nossas escolas hoje, esclarece o processo de reflexão-sobre e na-ação, de forma a
garantir uma articulação perfeita entre teoria e prática.
Por essa linha de raciocinio, contesta-se a forma como são organizados os cur-
sos de formação de professores, valendo-se do modelo de"racionalidade técnica",
em que as disciplinas ditas de fundamentação teórica precedem o contato com a prá-
tica e a aplicação do conhecimento científico. Essa forma de entender o processo de
formação separa totalmente os dois aspectos - teoria e prática - por entender que as
habilidades e destrezas necessárias ao exercício profissional deverão decorrer da apli-
cação mecânica dos conhecimentos adquiridos.
Chama-se ainda atenção para o fato de que a reflexão crítica sobre a prática não
é um trabalho simples e requer formação para tanto.
Há de se considerar a necessidade de desenvolver atitudes fundamentais no pro-
fessor com relação ao ensino e ao desejo de autodesenvolver-se.
Embora o conceito de prática pedagógica reflexiva não esteja ainda bem desen-
volvido, é possível afirmar que ele supõe a utilização constante de dados da própria
experiência, enquanto material de análise, em relação às condições sociais em que o
trabalho escolar acontece.
A apresentação de alguns pontos - extraídos de Kemmis - sobre a natureza do
processo de reflexão é uma tentativa de tornar explícitos alguns aspectos da questão
que ainda poderiam estar nebulosos, como, por exemplo, a sua relação estreita com a
questão dos valores sociais e a sua importância para o processo de reconstrução so-
cial.
Alerta-se aí para o fato de que, além das teorias, o professor se utiliza de todo o
seu saber de experiência e dos seus pares.
Outro ponto importante destacado pelas autoras é o caráter político do ato pe-
dagógico e a importância desse tipo de reflexão sobre a prática para lhe fornecer pis-
tas dos resultados efetivos, de suas ações e, por conseqüência, corrigir distorgóes exis-
tentes.
Entendo que o artigo, tal como se apresenta e aliado a outros tantos que nesse
mesmo livro tratam do assunto, poderá contribuir de forma inequívoca para os estu-
dos relacionados com formação continua do professor a ponto de permitir a revisão
do paradigma existente muito utilizado nos cursos de formação.

46
CAPÍTULO 4

Formação Continuada de
Professores e Mudança
na Prática Pedagógica

Mariná Holzmann Ribas


Marlene Araújo de Carvalho
Myrtes Alonso

creditamos que formar professores é trabalhar numa situação muito particular, na


qual o conhecimento que se domina tem de ser constantemente redimensionado,
reelaborado, devido às mudanças que ocorrem na sociedade em que se vive, conse-
qüência, em grande parte, dos avanços da ciência e da tecnologia. Dessa forma, urge
trabalhar com a realidade local e com as transformações que estão acontecendo no
mundo, em todas as áreas do conhecimento, tendo em vista que o processo de forma-
ção não cessa, envolvendo sempre novos contingentes de professores. Trata-se, pois,
de uma situação muito peculiar em que o envolvimento do professor e a sua responsa-
bilidade com o processo de formação constituem condição fundamental.
Trabalhamos em um Núcleo de Pesquisa, cuja preocupação principal é a forma-
ção de professores, entendida como um processo continuo, isto é, que se inicia com a
graduação e se estende por toda a vida profissional do professor.
Os trabalhos que se desenvolvem nesse Núcleo incluem o estudo crítico dos
referenciais bibliográficos atualizados sobre o assunto e a realização de pesquisas em
escolas selecionadas em função da qualidade do trabalho pedagógico e do interesse e
envolvimento com o processo de mudança que se evidencia no trabalho docente de
sala de aula, melhor dizendo, em sua prática pedagógica cotidiana.
O Trabalho Docente

Os dados de pesquisa coletados até o momento permitem-nos extrair algumas


conclusões, ainda que tímidas e provisórias, não só dos fatores associados à busca de
melhor qualidade de ensino por parte desses protessores, mas também das possíveis
razões que os teriam levado a pesquisar e até mesmo ousar, ensaiando novas formas
de proceder no ensino. Isso permite-lhes maior aproximação com os alunos no senti-
do de propiciar-lhes uma aprendizagem mais efetiva, em que o conhecimento adquiri-
do é fruto da participação do aluno, da utilização de suas próprias idéias, em suma, o
desenvolvimento de uma postura crítico-construtiva com relação ao conhecimento.
Essa é a razão por que nos utilizaremos, por vezes, de depoimentos desses pro-
fessores como ilustrações sugestivas e esclarecedoras de algumas afirmações que fa-
remos no decurso do texto.
Diante do quadro delineado anteriormente, entendemos ser importante pensar
sobre a formação do professor, deste professor que passou por instituições cujo mo-
delo de formação está baseado na racionalidade tecnocrática, de modo que ele seja
capaz de perceber as contradições que se originam no próprio processo de trabalho,
no interior da sala de aula.
É relevante lembrar que as instituições responsáveis pela formação do professor
não são nichos de consenso; a formação não se dá de forma linear, visto ser um pro-
cesso complexo e dialético, o que possibilita tanto o aparecimento de formas de do-
minação quanto de resistência. Formadores e formandos têm de estar atentos para
esses aspectos, a fim de buscar caminhos para a superação dos conflitos. Ainda que
a lógica da racionalidade dominante oponha-se sempre ao exercício de uma práxis
reflexiva, ela não consegue vedar essa possibilidade.
Segundo Nóvoa,
"… a formação de professores tem ignorado, sistematicamente,
o desenvolvimento pessoal, confundindo formar e formarse, não
compreendendo que a lógica da atividade educativa nem sempre
coincide com as dinámicas próprias da formação." (1992, p. 24)

Nóvoa entende e defende a formação dos professores como um contínuo funda-


mental em suas vidas e na das escolas. Ele sugere que a formação docente volte-se
para o desenvolvimento pessoal: produzir a vida do professor, para o desenvolvimen-
to profissional: produzir a profissão docente e para o desenvolvimento organizacional:
produzir a escola (1992, p. 24).
Entendemos que o termo " formar" traz uma conotação extremamente autoritá-
ria, que possibilita a reprodução social e cultural. É certo que não podemos negar a
presença da racionalidade técnica nos esquemas de formação das instituições forma-
doras, mas que esse " formar" se dê num processo dialético, onde esteja imbricado o
"formar-se"; assim, o sujeito terá a consciência de tomar em suas mãos a responsabi-

48
Formação Continuada de Professores e Mudança na Prática Pedagógica

lidade de sua formação, isto é, além daqueles subsídios propiciados pelas instituições
formadoras, deve buscar conhecimentos por sua própria conta e a partir de seus inte-
resses específicos. Nesse sentido, o depoimento de alguns professores pode ser bas-
tante ilustrativo para evidenciar a atitude daqueles que conseguiram ir muito além de
sua formação inicial, descobrindo caminhos que os ajudaram a vencer as dificuldades
próprias do ensino, inovando em certos aspectos, mas orientados sobretudo pelas
necessidades de seus alunos:

"São essas coisas, essas experiências de vida que me fazem re-


fletir sobre a importância do conteúdo, quando ele é trabalhado
para desenvolver habilidades. Se ele for dado para, simplesmente,
te informar, você não é formado. Não te serve para nada. E nem te
dá condições pra tá sozinho tentando descobrir aquilo; aí eu per-
cebi que aprender é isso, é dar condições para o indivíduo, pra ele
sozinho, com as condições que a escola, a universidade desenvol-
vem, você sozinho ser capaz de ir para frente, de até aprender o
que não te ensinaram (…)
Eu comecei dentro da sala de aula a questionar, a procurar en-
tender mais, como é que as coisas se relacionavam, o que é que tava
por trás, o que tava nas entrelinhas. Porque eu aprendia a discutir
História nas entrelinhas, porque nas linhas mesmo não dizia nada.
Então a minha relação foi uma relação assim de estar sempre bus-
cando, e os meus professores nunca pregaram um excesso de tra-
balho. "

A constatação de que o processo de formação não está acabado, mas, ao con-


trário, somente se iniciou com o curso de graduação, é algo que se destaca na fala
desses professores "inovadores". Da mesma forma, se destaca o seu desejo de acer-
tar, de realizar o trabalho da melhor forma, de atender às exigências de um ensino efi-
ciente, consoante com a realidade de seus alunos. É a partir dessa tomada de consci-
ência que tais professores vão em busca de novos conhecimentos, de informações úteis
e de orientações adequadas, de qualquer forma identificadas a partir da sua própria
experiência e de suas dificuldades reais de trabalho, nunca por razões externas ou
determinaçães arbitrárias.

"O que foi que eu percebi: se na minha formação esses conten-


aos não foram bem trabalhados, não foram (…) eu tinha que pro-
curar cursos que falavam daqueles conteúdos (…) Eu comecei a ver
qual era o problema de conteúdo e procurar cursos que falavam
daqueles conteúdos. A PUC tem esses cursos de especialização e
eu fui procurando os conteúdos desde o colegial, que é onde pega

49
O Trabalho Docente

mais forte (…) antigamente, na minha formação. Tinha que ser um


curso que pá, pá, pá, tudo de uma vez, num tempo menor e que não
se preocupasse se estou desenvolvendo, aprendendo ou não, mas
que passasse as idéias principais, pra que eu pudesse desenvolver
sozinha. Então eu fiz esses cursos, (…) bem rápido e comecei a
comprar livros, livros e livros. (…), e foi assim que eu comecei a
construir, resolver o problema de conteúdo, e o problema de como
passar o conteúdo era analisando o que acontecia nas salas de aula.
… paralelo à Geografia eu fiz. um curso de Pedagogia, então as
leituras específicas, os autores de Pedagogia, os trabalhos também
foram muito importantes."

Pelos discursos apresentados, percebemos que


"… estar em formação implica um investimento pessoal, um tra-
balho livre e criativo sobre os percursos e sobre os projetos própri-
os, com vistas à construção de uma identidade, que é também uma
identidade profissional." (Nóvoa, 1992, p. 25)

O importante nessa nova situação de aprendizagem em que se coloca o profes-


sor é a sua identificação com o aluno, a sintonia que com ele estabelece, buscando
uma compreensão efetiva de suas dificuldades e problemas e, a par disso, a constante
avaliação que o professor faz do seu trabalho, a crítica justa e objetiva que o acompa-
nha, associada ao desejo de acertar, de fazer sempre o melhor:

"Essa bagagem foi assim, foi empírica, foi farejando em sala de


aula, porque quando você é nova, eu comecei muito nova meu tra-
balho em sala de aula, eu ouvia o meu aluno, então eu fui apren-
dendo com ele e aí eu comecei a agir diferente, quer dizer, aquilo
que eufazxa não era mais legal e o que eu fazia com ele era mais
concreto. E aí depois na faculdade é que fundamentei, mas mesmo
assim foi pobre. Quando eu me formei e passei a fazer cursos de
faculdade fora é que eu escolhia o curso relacionado com a minha
prática. Então hoje eu faço assim na sala de aula, aí tal professor
me disse isso, então vou atrás dele. Aí me dava uma dica: faz. com
fulano tal curso que vai ser bom. (…). Enfim, é curioso dizer isso,
mas é verdade, eu leio muito, mesmo na área de Pedagogia eu vivo
lendo. (…)
Eu assistia aula de pós-graduação como aluna especial. Nessa
ocasião é que eu estudei alguma coisa mais aprofundada de Peda-
gogia: o sócio-construtivismo de Piaget e de Wallon, Maria Helena
S. Patto, Magdalena Freire, Paulo Freire e Emília Ferreiro, mas

50
Formação Continuada de Professores e Mudança na Prática Pedagógica

assim, era uma coisa que eu fazia por corita própria, uma loucura,
eu fazia encaixando horário. "

Muitas vezes, esses professores deparam-se com situações nas quais estão já
desenvolvidas idéias semelhantes àquelas que ele próprio defendia, constatando aí a
validade de seu trabalho ou, pelo menos, a confirmação dos caminhos já percorridos.
Nesses casos, tal confronto é útil para estimulá-lo em sua busca; é mais uma forma de
conscientizá-lo das necessidades de aperfeiçoamento, ou até mesmo de mudança.
"Quando eu terminei, ela falou assim para mim: você já leu a
visão de área da Prefeitura? O que você fala já está escrito há tem-
pos. Aí eu fui ler. Gente! Não é que era exatamente como eu estava
falando? Fiquei supercontente. Eu peguei aquele livro e aí aprendi
quem falava e aí eu fui assistir também Ubiratan D'Ambrósio (…),
a coordenadora me indicou as livros, eu li e o que é que eu fiz?
Peguei a bibliografia e fui atrás. Olha, pelo menos uns dez. livros
eu tinha na minha casa. Eu falei: tá aqui e eu só li assim umas pá-
ginas e outras e aí eu comecei a ler melhor, a procurar …"

Além disso, é preciso ter claro que o saber produzido na Universidade não é algo
mágico, posto, sem estar situado no tempo e no espaço. É um conhecimento interes-
sado, elaborado por sujeitos conscientes e em determinado tempo histórico, na medi-
da em que as evoluções social e cultural passam, impreterivelmente, pela formação de
homens.
Segundo Lopes, é fundamental, em sua condição de formar pessoas e de orientá-
las no domínio em que são especialistas,
"…reconhecer que a democratização da educação universitá-
ria não pode ser equivalente a uma massificação desfigurado ra, a
uma criação desordenada de cursos, de unidades acadêmicas sem
uma política baseada na competência do pessoal docente." (1985,
p. 105)

A formação não tem um caráter cumulativo, ou seja, ela não se constrói por acu-
mulação de conhecimentos, mas sim por meio da reflexão crítica sobre a própria ex-
periência e em interação não só com os outros elementos da comunidade escolar, como
também com outros segmentos da sociedade.
O diálogo do professor com tais elementos é fundamental para sedimentar sabe-
res que emergem das diferentes práticas profissionais. O estabelecimento desses es-
pagos coletivos de discussão/reflexão é de grande importância para que se socialize o
conhecimento transmitido/reconstruído/produzido na escola.

51
O Trabalho Docente

De um modo geral, é possível afirmar que a escola nao está organizada de modo
a favorecer o diálogo, a troca de idéias, muito menos a construção de um trabalho
coletivo. A divisão em disciplinas estanques, a obsessão pelo cumprimento de progra-
mas disciplinares rígidos, o clima de desconfiança reinante e a própria sujeição às nor-
mas, sem qualquer possibilidade de contestá-las, favorecem, e muito, o trabalho isolado
dos professores e o enclausuramento em suas salas de aula e em matérias específicas.
Conseqüentemente, a forma hierárquica como a escola está organizada tem difi-
cultado a relação pedagógica, porque proporciona uma cisão entre teoria e prática,
professor e aluno, professor e demais profissionais da escola; enfim, o trabalho do
professor é violentado e empobrecido.
Para ilustrar o que estamos afirmando, registramos depoimentos de professores
entrevistados que trabalham nos diferentes graus de ensino:
"Na faculdade eles cobravam da gente um cronograma, dia por
dia, o que você vai fazer na sala de aula (…) Eu já sou contra isso,
eu acho que tem que haver um planejamento, mas tem que ser flexí-
vel (…) e na faculdade eles não querem isso da gente, pelo menos
na faculdade onde eu trabalhei. Eu tinha que fazer o cronograma
bimestral, data por data, o que vou dar de conteúdo, é o conteúdo
que eu vou dar a toda sexta, toda segunda e toda quarta que eram
os dias que eu trabalhava. (…), eu estudava o conteúdo baseado
no livro que eles adotavam; também não era o professor que sele-
cionava a obra. Tinha que seguir o que já estava programado na
faculdade."

Hoje, esta mesma professora, trabalhando numa escola de ensino fundamental e


médio, nos diz:
"Eu sinto viver duas realidades aqui dentro: o mundo da minha
sala de aula, que é meu mundo maravilhoso, e o mundo da organi-
zação, que é hierárquico. "

No depoimento de outro professor entrevistado, registramos o seguinte:


"Não houve nestes anos que estou na Prefeitura, nenhum ques-
tionamento sobre a questão pedagógica: o que é que se está fazen-
do ou não. Há uma preocupação em saber se você chegou, se está
na sala de aula, só isso. "

Nessa perspectiva, torna-se muito difícil, senão impossível, introduzir as mudan-


gas necessárias; estas terão de ser concebidas no nível da escola enquanto organiza-
ção escolar, de forma a compor-se com as novas idéias, abrindo aos professores o

52
Formação Continuada da Professores e Mudança na Prática Pedagógica

espaço necessário para as novas maneiras de conceber e interpretar o trabalho do-


cente e, assim, orientar-se para objetivos de formação bem mais ampios; estes terão
de contemplar não apenas aqueles itens usuais de um programa de ensino, mas tam-
bém, e sobretudo, de se voltar para as dimensões da cultura que hoje definem o ver-
dadeiro conhecimento. Mudanças no conjunto de professores não ocorrem sem que
acontega o mesmo na escola. As mudangas qualitativas nos desenvolvimentos pessoal
e profissional, no coletivo dos professores, se ocorrerem, é porque a escola também
as está produzindo no seu interior.
A situação da escola não pode permanecer como se apresenta nem no aspecto
estrutural ou organizacional, nem no da concepção e tratamento do conhecimento; é
urgente, pois, que seja modificada. São tão grandes os desafios do mundo de hoje
para a educação que se precisa procurar saídas eficientes. Tem-se de agir; não se pode
continuar esperando que as soluções venham de cima para baixo, nem ficar alheio a
todas essas mudanças sociais e culturais que afetam a vida das pessoas quanto à sua
formação e qualificação para o trabalho. Novas maneiras de pensar e agir surgem como
formas de superação, de enfrentamento das novas situações.
É preciso ter presente que os momentos histórico, cultural, social e político exi-
gem do ser humano grande operacionalidade de pensamento, habilidades e atitudes
próprias em virtude do avango tecnológico tão rápido e intenso. A vida hoje na esco-
la, na sala de aula, tem de ser muito mais que o conteúdo sistematizado do saber. In-
clui o conhecimento existente no mundo, em constante movimento, a aquisição de
hábitos e habilidades e a formação de atitudes frente ao próprio conhecimento que o
aluno deverá saber aplicar em situações próprias do seu contexto de vida. Portanto, é
imprescindível que o professor encare o desafio de compreender o tempo de hoje para
abraçar os desejos das novas gerações e examinar os rumos do futuro. Para formar o
sujeito histórico capaz de estabelecer o seu destino e nele participar firmemente, é
necessário

"… dialogar com a realidade inserindo-se nela como um sujeito


criativo." (Demo, 1993, p. 21)

O professor deve ser um profissional cujas ações criem condições para o desen-
volvimento de habilidades cognitivas, afetivas e sociais, enfim condutas desejáveis tanto
no que diz respeito ao indivíduo quanto a grupos humanos. No entanto, convém lem-
brar que, além disso, ele deve apropriar-se do conhecimento nos diferentes âmbitos
do saber, utilizar-se da experiência e da reflexão como ferramentas de compreensão e
análise do proprio fazer pedagógico. Isso o levará a extrapolar e alargar os limites da
sua formação inicial, a fim de que possa enxergar o mundo sob outra perspectiva, para
ter consciência do trabalho que desenvol ve junto à sociedade.
O depoimento de alguns professores é bastante ilustrativo dessa questão:

53
O Trabalho Docente

"Então quando termina minha aula, eu faço uma reflexao. Eu


dei pro cara o que ele queria? Ele saiu satisfeito da minha aula?
Aquela aula demoron a passar? É legal quando termina a aula.
Ah!… acabou?"
"Parte dos meus planos é no banheiro, deitado no chão. Fico lá
uns 15, 20 minutos. Lá eu estou formulando; lá eu fico enxergando
as turmas; lá eu estou vendo o que aconteceu; lá eu estou vendo os
alunos; lá eu estou vendo a fala deles; lá eu estou vendo a reação
deles; lá eu estou vendo como um videoclipe do que acontecen; aí
eu vou tomar banho, aí eu começo a repassar na minha cabeça
como é que eu vou fazer no dia seguinte. Aí quando eu entro na
sala de aula é que eu vou saber se está casando com o que eu tinha
feito no dia anterior e sigo o espírito deles e aplico a metotologia
na hora."
"Através desses relatórios (dos alunos sobre suas aulas) eu vou
questionando a minha prática, eu vou vendo em que momento eu
mudei, se eu não mudei, por que eu mudei, o que a minha vida par-
ticular atrapalhou naquele momento, o que eles trouxeram que atra-
palhou; eu estou sempre questionando, sempre analisando tudo."

O que se percebe desses relatos é a preocupação do professor com aquilo que


se poderia chamar de redimensionamento do conhecimento, pelo menos daquele
conhecimento definido, programado para a escola e que supostamente deveria ser
transmitido pelo professor de forma tal que o aluno o dominasse e o utilizasse.
Os professores pesquisados parecem posicionar-se de forma diferente com re-
lação ao conhecimento, procurando compreendê-lo de forma articulada com a vida,
mais especificamente com as experiências dos alunos, questionando-se, todo o tem-
po, sobre a importância do conhecimento e os efeitos por ele produzidos sobre os
alunos.
A prática pedagógica do professor não é neutra nem deve ser burocrática. Sua
ação deve ser intencionalmente definida e comprometida filosófica e socialmente. O
professor não poderá realizar o seu trabalho sem que, antes, explicite as suas concep-
ções teóricas, nas quais esteja presente a sua opção por uma teoria de conhecimento
que oriente uma prática repetitiva ou reflexiva.
A propósito, vejamos o depoimento de uma professora pesquisada:
"Então eu penso assim, que dentro de um processo de educação
só tem dois caminhos: ou vou ser ponte para questionar, transfor-
mar, ou vou ser ponte para aceitar e imitar, e eu nunca quis imitar
o que via, então eu fui para aquele lado. "

54
Formação Continuada de Professores e Mudança na Prática Pedagógica

Esse projeto histórico construido cotidiana e coletivamente traduz-se para o pro-


fessor num projeto pedagógico. Tal projeto implícito, presente em sua consciência, é
o guia de suas açõães.
"Os professores reflexivos estão sempre se questionando sobre
o seu saber, sobre o seu fazer e sobre o seu saber fazer em sala de
aula, indo além das atitudes imediatistas, tendo presente o tipo de
homem que se quer formar." (Ribas e col, 1995, p. 4)

"Depois, peguei os primeiros colegiais. Aí já vi aquele buraco


negro na matemática, nos alunos de primeiro colegial. Eu via coi-
sas assim que eu não acreditava, dentro do conhecimento específi-
co da matemática, os tipos de erros que eles traziam. Então, eu te-
nho que ajudar, eu não tenho que acusar "você não sabe isso ". Eu
tenho que ajudar a mostrar para eles que o que eles não sabem,
eles ainda podem saber e sabendo isso, eles podem avançar e sem-
pre foi uma boa relação com os alunos e com o conhecimento, por-
que eu nunca usava o conhecimento como uma arma, mas como
objetivo para a gente vencer, para a gente melhorar, porque era
assim que eu via para mim. "
"No começo do ano, inicio jalando para eles, dando algumas
idéias de como eu sou e este ano eu vou mostrar a minha visão da
matemática e a minha visão do ser humano. E mostrar para eles que
o meu objetivo é ajudá-los e não acusá-los."

Sendo assim, fica claro que uma nova competência pedagógica nasce na refle-
xão sobre a própria prática, no movimento dialético ação-reflexão-ação. Procura-se,
pois, anular a dicotomia teoria-prática evitando a ação fragmentada.
"Tanto a teoria quanto a prática tem papel assegurado neste
processo, porque as teorias são como mapas que nos ajudam a via-
jar sobre o momento presente para auscultar a realidade, o que não
se faz sem a história. O que se busca na verdade, é a construção de
urna prática pedagógica reflexiva, crítica e criativa." (Schmidt e col,
1995, p. 5)

Ao fazermos essas colocações, não estamos afirmando que os problemas soci-


ais vividos pela escola devam ser resolvidos apenas nesse âmbito. É de responsabili-
dade da escola e do professor dilatar seu objeto de reflexão e de intervenção, uma
vez que ele é o agente consciente de sua prática pedagógica; reflexão e intervenção
que devem ir além da escola para minimizar as contradições presentes em seu seio.

55
O Trabalho Docente

Esta reflexão é necessária para que o professor compreenda a sua prática, extra-
indo dela um saber, um conhecimento em diferentes âmbitos, pois é em função dele
que o mestre vai ampliando seus esquemas de ação ou habitus, "esse conjunto de
esquemas que permite engendrar uma infinidade de práticas adaptadas a situações sem-
pre renovadas sem nunca se constituir em princípios explícitos."(Bourdieu apud
Perrenoud, 1993, p. 39)
O professor reflexivo está sempre atento à possibilidade de mudanças, visto que
ele é inquieto, insatisfeito, persistente, um ser inacabado ousando experimentar o novo.
É ele quem, exercitando sua prática pedagógica no âmbito escolar, buscará nela sua
autonomia.
"A prática pedagógica reflexiva no âmbito escolar, é a busca
constante de dados da realidade em que o professor está inserido -
isto é, os dados da prática, do saber da experiência - sem perder
os vínculos com a realidade social global, para, pela ação-refle-
xão-ação, compreendê-la e modificá-la, tendo em vista os fins
educativos estabelecidos coletivamente no projeto político pedagó-
gico da escola." (Ribas et al, 1995, p. 6)

É o profissional reflexivo quem carreia as condigoes para desenvolver uma prá-


tica transformadora capaz de propiciar a aquisição dos instrumentos conceituais e
operativos para a humanização do homem.
O que parece ficar claro em todos os depoimentos apresentados é que a busca
de novos conhecimentos e modos de agir constituiu, em todos os casos, uma decisão
própria dos professores que, insatisfeitos com os resultados do seu trabalho, ficaram
atentos às novidades e disponíveis para aceitação de idéias diferentes daquelas que já
possuíam. Portanto, o que se constata, nesses casos, é a presença de um elemento
motivador que impulsiona os professores ao seu próprio desenvolvimento. Embora
algumas instituições se mostrem interessadas pela mudança, os esforços que elas de-
senvolvem nem sempre são suficientes para atender aos reclamos dos professores;
tampouco oferecem oportunidades que permitam ao professor ir além dos limites es-
tabelecidos, preferindo conduzir esse processo a partir da direção da escola.
O descompromisso, de grande parte das instituições, com relação às necessida-
des de formação em serviço deixa para o professor a responsabilidade pelo sucesso
ou fracasso das idéias que, porventura, ouse experimentar. Da mesma forma, fica com
o professor todo possível ônus dessa busca de aperfeiçoamento e tentativa de mu-
dança.
Quanto à possibilidade de transformar essas iniciativas e descobertas pessoais
em suporte ou subsidio para uma ação coletiva transformadora, com efeitos diretos
sobre a prática docente e, por conseqüéncia, melhoria da aprendizagem, isso parece

56
Formação Continuada de Professores e Mudança na Prática Pedagógica

muito distante e pouco provável, devido às dificuldades e aos entraves da própria re-
alidade organizacional da escola.
Qualquer projeto de formação continua do professor que se proponha a uma
modificação efetiva da ação docente para além da utilização de recursos técnico-pe-
dagógicos - para formar alunos conscientes e críticos, com autonomia para investigar
e capacidade para encontrar as suas próprias respostas - deve supor, necessariamen-
te, um trabalho de formação dos dirigentes escolares e demais responsáveis pelo pro-
cesso de educação escolar; isso a fim de torná-los conscientes de sua responsabilida-
de atual e prepará-los para uma atuação mais efetiva frente ao processo de mudança
necessária.
Não há como ignorar a influência dos fatores intra-escolares, como, por exem-
plo, o clima reinante propício ou não ao diálogo, à troca de informações para a deter-
minação de um ambiente amistoso, facilitador, não-repressivo. Tais condigoes são pro-
pícias à mudança, porque estimulam o espírito de luta do professor; daí porque se acre-
dita ser necessário trabalhar a questão da formação contínua sob todos os aspectos e
dimensões do problema. Assim, não basta proporcionar oportunidades de capacitação
docente, ignorando as condições e o ambiente de trabalho do professor.
Resta-nos, pois, atentar para a complexidade da questão - formação contínua
de professores - , visto que o ponto central desse processo é a mudança com todas as
implicações e conseqüências que isso possa ter.

Referências Bibliográficas
ALVES, N. (org.). Formação de professores: pensar e fazer. São Paulo: Cortez, 1992.

DEMO, P. Desafios modernos da educação. Petrópolis: Vozes, 1993.

FÁVERO, M. de L. de A. "Universldade e estágio curricular: subsidios para discussão". In: ALVES, N.


(org.). Formação de professores: pensare fazer.São Paulo: Cortez, 1992.

LOPES, L. J. "Reflexões sobre a universidade". Educação Brasileira, v.7, n. 15, pp. 103-12, 1985.

NÓVOA, A. (coord.). Os professores e sua formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote/HE, 1992.

_____. Organizações Escolares em análise. Lisboa, Dom Quixote/IIE, 1992.

PERRENOUD, P. Práticas pedagógicas, profissão docente e formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote/
IIE, 1993.

RIBAS, M. H. & CARVALHO, M. A. de. "O caráter emancipatório de uma prática possível." Ponta Grossa,
1995 (mimeo).

SCHMIDT, L. M.; RIBAS, M. H.; CARVALHO, M. A. de "A prática pedagógica como fonte de conhecimento".
Ponta Grossa, 1995 (mimeo).

57
O Trabalho Docente

Comentário

Formação Continuada de Professores e Mudança na Prática Pedagógica

Maria da Graça Nicoletti Mizukami

O texto Formação Continuada de Professores e Mudança na Prática Peda-


gógica constitui importante contribuição para o debate em torno da aprendizagem e
do desenvolvimento profissional de professores.
Aprender a ensinar pode ser considerado como um processo complexo - pauta-
do em diversas experiências e modos de conhecimento - que se prolonga por toda a
vida profissional do professor, envolvendo, dentre outros, fatores afetivos, cognitivos,
éticos e de desempenho. Inicia-se antes da preparação formal, prossegue ao longo
dessa e permeia toda a prática profissional do professor.
Estudos sobre o pensamento do professor, o ensino reflexivo, a base de conhe-
cimento para o ensino, apesar da diversidade teórica e metodológica que os caracte-
rizam, têm apontado para o caráter de construção do conhecimento profissional para
o desenvolvimento profissional ao longo do exercício da docência e para a construção
pessoal desse tipo de conhecimento. Tais estudos se referem, igualmente, a processos
de socialização, autodesenvolvimento e identidade profissional e vêm indicando siste-
maticamente a importância da experiência pessoal na aprendizagem profissional, da
significação pessoal de tal experiência e da consideração da prática profissional como
importante fonte de tal aprendizagem. Embora seja reconhecido pela literatura que a
aprendizagem pela experiência tenha força na construção de práticas pedagógicas,
pouco se conhece, até o momento, sobre ela. O genérico 'aprender pela experiência'
pode mascarar questões importantes relativas ao desenvolvimento profissional de pro-
fessores, tais como: Quais elementos particulares da experiência possibilitam que o
professor aprenda a partir dela? Quais são as diferenças entre o ensino daqueles que
aprenderam pela experiência e dos que não o fizeram? Estão alguns professores mais
dispostos a aprender a partir de suas próprias experiências do que outros? É necessá-
ria tal disposição para aqueles cuja experiência de ensino é longa, lenta e confusa? É
possível implementar programas de formação de professores de modo que a aprendi-
zagem pela experiência seja encorajada? A essas questões cabe acrescentar que não
se dispõe, até o momento, de uma teoria geral de conhecimento sobre aprendizagem
profissional que possa iluminar a compreensão do desenvolvimento profissional de
professores de forma a subsidiar o delineamento de cursos de formação básica e pro-
gramas de formação continuada de professores.

58
Formação Continuada de Professores e Mudança na Prática Pedagógica

O assim chamado 'ensino reflexivo', mesmo quando considerado sob diferentes


óticas teórico-metodológicas, passa a aglutinar as preocupações com a experiência
pessoal e com a prática na formação e no desenvolvimento profissional de professo-
res. Embora se tratando de produção heterogênea, quer se considerem as temáticas
investigadas, quer as ênfases e orientações teóricas e metodológicas adotadas, coloca
o professor no centro do debate educacional.
A premissa básica do ensino reflexivo considera que as crenças, os valores, as
suposições que os professores têm sobre ensino, matéria, conteúdo curricular, disci-
plinas escolares, alunos, aprendizagem etc. estão na base de sua prática de sala de
aula. A reflexão oferece a eles a oportunidade de se tornarem conscientes das crenças
e suposições subjacentes a tal prática, assim como de examinarem a validade de suas
práticas na obtenção de metas estabelecidas. Pela reflexão, os professores aprendem
a articular suas próprias compreensões e a reconhecê-las em seu desenvolvimento
profissional.
Os processos de aprender a ensinar e de aprender a profissão, ou seja, de aprender
a ser professor, de aprender o trabalho docente são de longa duração e sem um está-
gio final estabelecido a priori. Tais aprendizagens ocorrem, grande parte das vezes,
nas complicadas situações que constituem as aulas. A complexidade da sala de aula é
caracterizada por sua multidimensionalidade, simultaneidade de eventos, imprevisibi-
lidade, imediaticidade e unicidade. Professores enfrentam interesses e exigências que
continuamente competem entre si; suas tomadas de decisões representam, na maior
parte das vezes, um equilíbrio entre múltiplos custos e benefícios. Eventos inespera-
dos e interrupções variadas podem, por sua vez, mudar a condução do processo
instrucional. Sendo uma atividade interativa, nem sempre as aulas saem de acordo com
o planejado. Professores lidam diariamente com situações complexas e, consideran-
do o ritmo acelerado das atividades e as múltiplas variáveis em interação, há pouca
oportunidade para que eles possam refletir sobre os problemas e trazer seus conheci-
mentos à tona para analisá-los e interpretá-los. O conceito de reflexão-na-ação é de
extrema importância na consideração de parte significativa das situações em que o
professor toma decisões ao longo da aula, a partir de interpretações não previstas das
situações práticas. Refere-se, pois, a um processo dinâmico - e muitas vezes impre-
visto - , no qual as tomadas de decisão são feitas a partir de leituras diferentes da re-
alidade vivenciada.
Professores geram quadros referenciais ao longo de suas interações com pes-
soas e com aspectos das instituições nas quais trabalham, de forma que as novas con-
cepções resultantes não são nem inteiramente determinadas pelo contexto, nem com-
pletamente escolhidas por eles. A reelaboração dos seus quadros referenciais consti-
tui, sob essa ótica, mediação entre teoria e prática, revelando, de um lado, novos sig-
nificados da teoria e, de outro, novas estratégias para a prática. Tais quadros referenciais

59
O Trabalho Docente

são dinâmicos e ancorados em valores. Para que se possa compreendê-los, além da


consideração dos valores, crenças e conhecimentos adquiridos ao longo das trajetó-
rias de escolarização dos professores e de suas experiências de ensino, é necessário
que se considere o ethos das escolas em que têm atuado, ou seja, as prioridades, práticas
e valores que caracterizam uma escola, assim como o subgrupo das normas que dife-
renciam grupos particulares dentro de uma mesma escola.
É importante, no momento atual, compreendermos como o(s) processo(s) de
aprendizagem profissional ocorre, de forma a delinearmos cursos de formação básica
e programas de formação continuada que, de fato, promovam tal ou tais processos.
Considerando o caso específico de programas de formação continuada, pode-se di-
zer que as reformas educacionais estão defendendo, cada vez mais, padrões acadê-
micos elevados a serem atingidos por todos os alunos. Defendem também o redimen-
sionamento dos papéis dos professores, já que é muito provável que apopulação que
eles passarão a atender seja cada vez mais diversa - cognitiva, social, cultural, étnica,
lingüisticamente, etc. - , exigindo deles conhecimento mais profundo, flexível e sofisti-
cado da matéria que ensinam e como desenvolver um ensino bem-sucedido. Sem esse
conhecimento, é provável que o professor tenha dificuldades em sua tarefa de media-
ção dos saberes escolares para os estudantes. Para tanto, urge que eles estejam
engajados em atividades de desenvolvimento profissional, precisando de tempo, es-
paço institucional e de investimento da escola e dos órgãos relacionados a políticas
públicas, assim como de oportunidades para experimentar aprendizagens de formas
compatíveis com as exigências das políticas públicas e para observar práticas de en-
sino que ajudem a todos os alunos em suas aprendizagens significativas.
O presente capítulo constitui, à luz das colocações anteriores, uma contribuição
de professoras e pesquisadoras para a melhor compreensão de processos de apren-
dizagem e desenvolvimento profissional de professores, assim como para o debate atual
em torno da formação continuada. Além de discutir teórica e metodologicamente tais
processos, indica possibilidades de retorno, a curto prazo, de resultados de pesquisa
para situações cotidianas de desenvolvimento profissional.

60
CAPÍTULO 5

O Pensado e o Construído:
Um Olhar sobre o
Cotidiano da Escola

Mariná Holzmann Ribas


Rosilda Baron Martins
Teresa Jussara Luporini

5.1 A Escola Fundamental: Situação Atual

A escola de ensino fundamental, criada pela Lei n° 5.692/71 como um continuum,


não atingiu seu objetivo, apresentando-se, entre outros motivos, fragmentada pelo tra-
tamento pedagógico e administrativo que recebe. Isso vem sendo constante e vee-
mentemente denunciado pelos educadores nas mais variadas oportunidades e na lite-
ratura especializada.
A Escola Pública, de ensino fundamental, encontra-se afundada em tremenda crise
produzida em função dos sistemas econômico e político, que interfere de fora para
dentro do sistema escolar, embora muitos fatores internos à própria escola concorram
para potencializar esta situação adversa.
A precariedade das instalações, a insuficiente qualidade de formação do profis-
sional, que se reflete na baixa qualidade de ensino, as dificuldades de relacionamento
do professor com a clientela que freqüenta a escola pública, o caráter autoritário do
sistema escolar são apenas alguns dos problemas, entre tantos outros, que colaboram
para o descrédito dessa escola.
Entende-se que uma escola que sirva à maioria da população deva ser democrá-
tica, capaz de favorecer a compreensão dos interesses diversos existentes, que per-
O Trabalho Docente

mita a existência do confuto. Deve, ainda, apresentar contemporaneidade com o mo-


mento presente pela compreensão da realidade.
Para que se construa uma escola democrática, partindo da crítica da escola pú-
blica atual, é preciso melhorar, para o aluno, as condições de acesso e permanência
na escola, ofertando-lhe um ensino de boa qualidade, ou seja, que garanta a socializa-
ção do saber e a formação do cidadão. A escola deve existir, portanto, para facilitar
o domínio de instrumentos que propiciem o acesso ao saber elaborado e à forma de
produção do conhecimento. Para tanto, é necessário democratizar a gestão escolar,
permitindo que todos e não só o diretor participem desse processo.
A democratização da escola passa pela decisão de oportunizar no próprio âmbi-
to escolar práticas que assegurem um ensino competente, uma vez que a competência
está indissoluvelmente ligada a um profundo conhecimento da escola e do processo
educativo efetivado no dia-a-dia, que se relaciona ao movimento social mais ampio.
Na literatura recente sobre a educação, observa-se que as práticas cotidianas
dos professores têm assumido duas direções distintas:
Algumas têm tentado caminhar em direção da mudança, possibilitando que a
escola se organize, ofereça condições favoráveis para a melhoria do ensino e
colabore para o acesso e permanência dos alunos. Aqui estão incluídas as pro-
postas de aplicação de metodologias alternativas, de experiências que procu-
ram favorecer a ligação entre o saber popular e o sistematizado.
Outras, caindo no pessimismo, têm exacerbado o peso do macro sobre o mi-
crossocial, ficando na constatação de que pouco ou quase nada pode ser fei-
to ou mudado. Incluem-se aqui as práticas pedagógicas legalistas que cum-
prem prazos, planejamentos e produzem avaliações rigorosas e seletivas.
A realidade da escola apresenta um quadro que dificulta o desenvolvimento de
propostas inovadoras em função do caráter altamente burocrático e centralizador do
sistema escolar brasileiro.
Essa situação reflete-se no ambiente escolar obstaculizando as ações que enca-
minham a escola para a autonomia, contribuindo para o imobilismo dos profissionais
que nela atuam. Isso colabora para que, na maioria das vezes, se espere que o sistema
resol va pela escola o que for melhor para ela e para que medidas impositivas tomem
a aparência de normalidade, sem resistência por parte dos envolvidos.
Tudo isso leva à reflexão sobre o tipo de formação desse profissional e sobre as
oportunidades oferecidas pelo sistema de ensino, a fim de estimulá-lo a posicionar-se
diante de medidas autoritárias e a lutar por melhores condições de trabalho e estudo.
São muitas as dificuldades encontradas pelo professor: a luta pela sobrevivência,
principalmente hoje, na crise socioeconômico-política que atravessamos e os proble-
mas próprios da profissão. Entre outros fatores, citam-se ainda a formação profissio-

62
O Pensado e o Construído: Um Olhar sobre o Cotidiano da Escola

nal, os conhecimentos básicos deficientes, a falta de comprometimento com o traba-


lho e de responsabilidade para com a aprendizagem do aluno e a falta do "sentimento
de pertença" ao projeto pedagógico da escola.
Observa-se que a grande maioria dos profissionais do magistério não tem opor-
tunidade de detectar suas próprias falhas, refletir sobre elas, procurar saná-las, ou
mesmo atualizar seus conhecimentos. Suas condições sociais, profissionais e pessoais
não lhes faculta entrar em contato com teorias e experiencias novas em educação ou
na sua área específica e exercitar a modificação da sua prática.
Apesar desse quadro, ainda existem escolas que reagem contra o imobilismo cau-
sado por situações adversas, criando espaços no já institucionalizado, para refletir so-
bre as suas práticas na tentativa de aperfeiçoá-las, instituindo trabalhos diferenciados.
O desenvolvimento dessa forma de ação contribui para que a unidade escolar se
destaque no sistema de ensino, mostrando a viabilidade das experiências que repudi-
am o caráter burocrático, legalista da educação formal, na busca da qualidade de en-
sino. Além disso, revela que as ações internas da escola podem potencializar ou
minimizar as distorções do sistema educacional.

5.2 Ação Coniunta Supervisão-Direção de Escola:


Relato da Experiência

Esse texto pretende discutir uma proposta de ação conjunta, desenvolvida por
uma escola pública estadual, nos anos de 1990 e 1991 e gerada a partir da constatação
a
dos altos índices de evasão e repetência na 5 série, fatos que se produziram desde
anos anteriores.
a a
A escola em questão oferece ensino regular e supletivo de 1 a 8 série e classe
especial - deficiência mental (O ensino regular e a classe especial no período diurno e
O ensino supletivo no noturno). No biênio em questão abrigava, aproximadamente,
1 260 alunos e contava com 40 professores, destes apenas um sem formação de nível
superior.
Embora localizada no centro da cidade, os alunos que a freqüentam, na sua maioria,
são oriundos da classe popular e habitam em bairros de sua proximidade.
Entendendo que a construção de uma escola democrática passa pela organiza-
ção no próprio âmbito escolar, de práticas que garantam a qualidade de seu ensino, e
que essa qualidade vincula-se ao desenvolvimento de projetos específicos, peculiares
à realidade vivenciada, os professores e demais membros da escola elaboraram e
executaram um projeto en vol vendo aspectos importantes para o tratamento da pro-
blemática, como: a capacitação docente, a gestão interna da escola e a ação supervisora.

63
O Trabalho Docente

O trabalho foi assessorado por professores do Departamento de Métodos e


Técnicas de Ensino, da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG-PR), e cons-
tituiu-se, também, em objeto de suas investigações, objetivando a produção do co-
nhecimento sobre a questão.
A integração dos antigos segmentos primário e ginasial representa um ponto im-
portante no ensino fundamental, especialmente no que concerne aos assustadores ín-
dices de evasão e repetência.
Apesar disso, é de conhecimento geral a dicotomia existente entre esses segmentos,
pois as revistas especializadas em educação, os registros das secretarias de Educação
e os relatos dos professores têm divulgado amplamente esse fato.
Vivendo concretamente as dificuldades dessa situação, os corpos técnico-admi-
nistrativo e docente de uma escola de ensino fundamental realizaram um projeto de
desenvolvimento de recursos humanos com o objetivo de favorecer a reflexão sobre
as dificuldades apresentadas para a integração das diferentes disciplinas nos espaços
distintos de sua concretização na sala de aula. Pretendiam, também, viabilizar exame,
estudos e discussões sobre as diferenciadas formas de tratamento dos variados con-
a a
teúdos veiculados nesse nível de ensino ( 1 a 8 série).
O projeto teve origem na percepção das enormes dificuldades que os alunos en-
a a
frentavam na passagem da 4 para a 5 série, observadas através do desempenho dos
as
alunos e das queixas dos professores de 5 séries.
1
Isso foi possível devido á atuação das supervisoras da escola, que dimensionaram
a
o problema dos altos índices de evasão e repetência na 5 série; acreditaram que, dis-
cutindo, refletindo sobre as dificuldades que se apresentavam, era possível estabele-
cer formas coletivas de trabalho para vencer os desafios que se apresentavam no co-
tidiano. Acreditaram, ainda, que as práticas cotidianas que buscam a mudança servi-
am, naquele momento, para que a escola se organizasse e oferecesse condições favo-
ráveis para a melhoria do ensino.
Assim, em 1989, o projeto foi elaborado e estruturou-se em três eixos: a força
da gestão interna da escola, a ação supervisora compartilhada e a disponibilidade e
comprometimento dos professores da escola em desenvolver uma proposta que apri-
morasse o "fazer pedagógico" pela troca de experiências "domésticas" próprias a cada
ambiente escolar.
Os pressupostos que nortearam o planejamento e a execução do trabalho se-
guem, com alguns comentários julgados pertinentes, para maior esclarecimento.

1 No Paraná, a supervisão do ensino é realizada por supervisores que têm formação espe-
cífica e que, através de concurso, são lotados em uma unidade escolar onde exercem as
suas funções.

64
O Pensado e o Construído: Um Olhar sobre o Cotidiano da Escola

Considerando-se que toda escola, em maior ou menor grau de intensidade, se-


gue o modelo de uma organização burocrática, é possível compreender que é nesse
ambiente burocratizado que os seus corpos docente e técnico devem definir o seu papel;
só assim a ação torna-se dinâmica, através de formas de participação efetiva no am-
biente escolar.
Se houver na escola uma ação conjunta, muitas lideranças emergirão no grupo e
assim se modificarão as relações de poder na escola, possibilitando que se efetive a
gestão interna, a supervisão compartilhada e o desenvolvimento pessoal.
Neste caso, pela resposta positiva dos professores às propostas ¡novadoras apre-
sentadas pelo corpo técnico-administrativo da escola, observou-se adisponibilidade
dos professores em participar e apresentar um bom desempenho.
2
Essa postura ficou constatada pelas discussões entre a direção da escola, a equipe
técnica e o corpo docente, a respeito das mazelas que surgem, em especial na escola
em questão, e sobre as dificuldades da metodologia específica da matéria e do ensino.
Os professores predispuseram-se a participar de ações pedagógicas que colaboras-
sem para vencer os desafios que se apresentam no cotidiano escolar.
Considerando-se o objetivo dessa publicação e levando-se em conta que o tra-
balho realizado na escola ocorreu num longo espaço de tempo, envolvendo um gran-
de número de ações, julgou-se pertinente destacar aquelas mais significativas, a fim de
apresentá-las. Nesta perspectiva, e com a preocupação de não descaracterizar a ex-
periência realizada, selecionaram-se as seguintes atividades: seminário de integração
a
envolvendo professores, pais e alunos de 5 série, reuniões mensais de estudo, horá-
a
rio especial de aulas para crianças de 4 série e reuniões quinzenais de planejamento.
O seminário de integração foi desenvolvido para discutir com os envolvidos (pais,
alunos e professores) a estrutura e funcionamento da escola e, em especial, a sistemá-
a
tica de funcionamento da 5 série. Discutiu-se também a proposta pedagógica para o
ano letivo a fim de que fosse acompanhada e avahada por todos.
A presença dos pais, no início do desenvolvimento do projeto, era pouco nume-
rosa, aumentando, significativamente, nos últimos encontros com uma participação
inteligente e produtiva.
Esta atividade teve grande valor, uma vez que, se a escola pública pretende ofe-
recer um ensino de qualidade à população, isto só se efetiva se houver a participação
dos usuários.
Foram realizadas reuniões de estudo com os professores, para discutir suas ne-
cessidades e as da escola. Participaram dessas atividades os professores, especialis-
tas na área do conhecimento em estudo, supervisoras e direção. Os temas emergidos

2 A direção de escola, no Paraná, é conquistada via eleição.

65
O Trabalho Docente

das discussões foram trabalhados na perspectiva da construção coletiva do conheci-


mento, buscando-se sempre romper com as posturas cristalizadas. Procurou-se ofe-
recer ao professor a oportunidade de construir o seu próprio conhecimento, repas-
sando essa postura para a sala de aula na relação educador-educando.
Foi muito enriquecedora a vivência de crescimento do grupo na medida em que
se quebrou a relação hierarquizada entre professores, supervisão e direção do esta-
belecimento, tradicionalmente considerada como corpo técnico da escola, cuja fun-
ção era impor formas de ação ao corpo docente.
as a
O horário especial de aulas para as 4 séries simulou o funcionamento de uma 5
série regular, para que os alunos fossem se acostumando com a sistemática da série,
isto é, a troca de professores a cada aula de 50 ou 100 minutos. Os pais foram avisa-
dos sobre o desenvolvimento da atividade para que pudessem acompanhar e tecer
a
considerações a respeito. A receptividade de alunos e professores de 4 série foi ex-
a
celente, o que facilitou, sobremaneira, o trabalho dos professores da 5 série.
As relações entre os profissionais envolvidos no trabalho pautavam-se pela con-
fiança e consciência de uma atividade coletiva. São comuns as críticas dos professo-
a a a a
res de 5 a 8 série a respeito do trabalho que desenvolvem os professores de 1 a 4
série, considerando-o inadequado para que os alunos acompanhem o segundo seg-
mento do ensino fundamental. Tendo em vista esse preconceito, percebe-se o avanço
a a
que o projeto propiciou, porque tanto o professor de 4 série recebeu o colega de 5
em sua sala de aula, permitindo que interferisse no seu cotidiano para conhecer os seus
procedimentos profissionais, quanto este socializou os seus conhecimentos específi-
cos na área em que atua.
a a
As reuniões quinzenais de planejamento com professores de 1 a 8 série tinham
como finalidade o planejamento do trabalho a ser desenvolvido e a avaliação do rea-
lizado na quinzena anterior, com a participação das supervisoras.
Foi uma atividade que contribuiu para a construção de propostas metodológicas
alternativas, uma vez que permitiu o encontro/confronto de diferentes saberes, de ex-
periências profissionais diversificadas e de posicionamentos distintos frente ao conhe-
cimento e ao ensino. A diversidade de posturas permitiu calorosos debates, estudos e
reflexões sobre a prática efetivada, o que facilitou o desenvolvimento do trabalho.
Para a avaliação das atividades propostas no projeto, realizaram-se encontros
com a participação de todos os envolvidos, assinalando como pontos válidos as refle-
xões acerca do trabalho, a integração dos dois segmentos, o melhor relacionamento
entre os professores da escola, a melhoria do desempenho tanto do professor quanto
do aluno e, o mais importante, a percepção de que a escola possui um projeto coleti-
vo passível de execução, que colabora para a melhoria do ensino oferecido. É preciso
ficar claro, no entanto, que, para tal, se faz necessário contar com um diretor que co-
mungue perfeitamente da idéia e participe ao máximo das atividades, tendo em vista
que ele é o responsável pelas orientações administrativa e pedagógica da escola.

66
O Pensado e o Construído: Um Olhar sobre o Cotidiano da Escola

De modo geral, as possibilidades da força da gestão interna foram percebidas no


desenvolvimento da proposta como um todo, apesar da heterogeneidade do grupo de
profissionais atingido pela experiência e dos obstáculos decorrentes desse fato. Per-
cebe-se que os professores vislumbraram a possibilidade de participação, embora nem
sempre a tivessem utilizado. Provavelmente, isso ocorreu devido à falta de hábito e
até de habilidade para a tomada de decisões coletivas.
Por um lado, embora o processo democratizante na unidade escolar tenha sua
origem nessa proposta conjunta, é essencial considerar que fatalmente ele permeou
outras ações e decisões ocorridas em função do corpo docente como um todo. Por
outro lado, as influências centralizadoras e autoritárias do sistema educacional tam-
bém se fizeram presentes em determinados momentos, pois, certamente, não há con-
cepção teórica que se apresente em sua pureza. Daí a necessidade de equilíbrio, de
sensibilidade do grupo para perceber estas nuanças, reavaliar posicionamentos e
redefinir as ações em direção das práticas democratizantes.
A prática da supervisão compartilhada possibilitou a melhoria do desempenho
docente e discente. Afirma-se isso porque, devido à atuação da supervisora, os pro-
fessores construíram a respeito dela uma nova imagem, afastando-se de atitudes de
subordinação/acomodação para caminhar em busca de uma prática pedagógica mais
autónoma, formando pontos de vista particulares, discutindo e argumentando.
Para tanto, foi imprescindível a prática da ação supervisora compartilhada: aquela

"… desenvolvida conjuntamente por supervisores e professores


para, em termos de igualdade, coordenarem e desenvolverem as
atividades pedagógicas da escola." (Falcão Filho, 1986, p. 5)

Nesse sentido, exercendo a sua liderança, o supervisor deve criar oportunidades


para que qualquer participante do grupo, em determinada circunstância, venha a exer-
cer a liderança do trabalho. A circunstância de liderança é criada em função da capa-
cidade profissional, da competência do domínio específico de cada professor em sua
área de atuação. Isso explica por que uma pessoa pode exercer a lideranca numa dada
situação e não em outra. Além disso, é importante considerar que a lideranga é uma
questão de participação, que pode ser aprendida, assim como suas habilidades pro-
cessuais. Isso remete às práticas democratizantes, que dependem de exercício cons-
tante e coletivo para se converterem numa conquista do grupo.
Nessa perspectiva, a supervisão, como mediatizadora desse processo, deve atuar
assumindo não apenas a sua dimensão técnica, mas, sobretudo, as dimensões humana
e política, em função de uma proposta de possível transformação da realidade.
Com efeito, o maior ganho ficou por conta da tomada de decisões conjuntas de
profissionais dos segmentos da escola de ensino fundamental que planejaram, execu-

67
O Trabalho Docente

taram, acompanharam e avaliaram as ações educativas, interferindo na construção do


currículo entendido como o

"… conjunto das atividades nucleares da escola. " (Paraná, 1990,


p. 16)

Um aspecto a ressaltar foi a significância da troca de saberes entre os profissio-


nais envolvidos, com todas as dificuldades que isso acarretou. O professor teve opor-
tunidade de sentir-se detentor de um saber específico, ao mesmo tempo que reconhe-
ceu no outro - seu par - uma competência singular. Houve necessidade de criação de
relações dialogais, de divisão de poder, de quebra de hierarquização de cargos e
posicionamentos, beneficiando um apoio mútuo entre os profissionais envolvidos.
No que se refere ao desempenho discente, é legítimo indicar que a mudança e a
melhoria da prática dos professores favoreceram a aprendizagem dos alunos, toman-
a
do-os mais críticos e mais preparados para a 5 série. Também foi possível perceber
que os professores avançaram na compreensão das dificuldades existentes em cada
segmento, o que os levou a construir uma nova prática, um novo conhecimento sobre
a a
o currículo e a aplicação deste no ensino de 1 a 8 série. Essa postura permitiu que
adotassem formas de trabalho mais democráticas, favorecendo uma efetiva participa-
ção e melhor rendimento dos alunos.
Quanto à capacitação em serviço, é evidente que pode ocorrer resistência do
professor, principalmente no que se refere à inovação. Entretanto, quando existe o com-
prometimento com uma proposta pedagógica, há a possibilidade de participação na
seleção de conteúdos a serem desenvolvidos e formas de ação a adotar. Quando a
ação educativa é efetivamente apoiada pelos envolvidos e acompanhada pela equipe
técnico-administrativa, como é o caso do trabalho desenvolvido nesta escola, os re-
sultados são consistentes e produtivos. Isso ocorre porque se parte das necessidades
do professor e da escola, criando-se um ambiente mais natural, e discutindo-se os
elementos essenciais a serem trabalhados.
É certo, ainda, que os resultados obtidos foram alcançados também em função
da prática da gestão interna e da supervisão compartilhada, porque ocorreu a divisão
do poder, a troca de saberes, a quebra da hierarquização de cargos e posicionamentos.
Para atingir melhor competência profissional, é preciso que a escola estabeleça
relacionamentos com outras instâncias educacionais - Núcleo Regional da Educação
(NRE), universidades e outras escolas -, a fim de refletir, debater sobre as questões
ampias e restritas que a afligem. Além de angariar luzes para iluminar sua realidade,
estará colaborando para o avanço de estudos e discussões de temas mais gerais que
subsidiam as reflexões sobre a educação brasileira e, notadamente, sobre a escola pú-
blica.

68
O Pensado e o Construído: Um Olhar sobre o Cotidiano da Escola

No caso analisado, esta perspectiva foi efetivada devido ao envolvimento dos


profissionais da equipe técnico-pedagógica e administrativa com a universidade local
e à divulgação da experiência em evento educacional, por iniciativa da própria escola.
Na experiência, objeto de análise, perceberam-se nuanças da passagem de de-
legação de poder à construção conjunta, uma vez que a proposta foi apresentada ao
corpo docente e, de sua discussão, resultou a decisão de desenvolvê-la.
No desenvolvimento da proposta, avanços foram percebidos rumo à participa-
ção como construção conjunta e recuos no sentido da participação como delegação
de poder.
Isso foi observado dependendo do profissional, da situação e do momento. E é
justamente esta heterogeneidade de pessoas e de situações que confere riqueza à ex-
periência, considerando-se que

"… participação não é ausência, superação, eliminação de po-


der, mas outra forma de poder. " (Demo, 1987, p. 69)

Assim, cabe discutir a questão do poder na escola, uma vez que no seu cotidiano
atua um conjunto de forças dinâmicas, em contínua interação, expressando-se em di-
ferentes e conflitantes direções. Aí tem origem um foco constante de tensão que, em
sua essência, nada mais é do que uma hita política pelo poder, pela preponderância de
determinados pontos de vista no interior da escola.
A percepção do poder no cotidiano escolar é básica para que o profissional vi-
sualize de forma ampia o contexto onde se insere. Isso facilita o seu envolvimento no
cotidiano, contribuindo para o aperfeiçoamento das questões pedagógicas e da sua
maior participação; faz com que o poder nessa área se divida, o que aumenta a sua
autonomía e consciência quanto ao processo desenvolvido. A partir daí, esse profis-
sional estará apto a colaborar para mudanças institucionais, uma vez que

"… aumenta, também a pertença do professor ao projeto peda-


gógico." (Cruz, 1993, p. 26)

Lembre-se, ainda, que as decisões institucionais são legitimadas pelas práticas coti-
dianas.
Só quando o grupo estiver apto para colaborar ñas mudanças institucionais na
própria situação de trabalho é que ele será capaz de posicionar-se diante de uma re-
alidade adversa, tendo consciência da possibilidade da "desobediencia civil". Esta
também é uma forma de participação no nível macrossocial.
Essa consciência política fortalece a proposta pedagógica da escola, pois, cons-
cientes e comprometidos com a realidade onde se inserem, podem enfrentar com
competência os desafios que se apresentam na escola pública.

69
O Trabalho Docente

"A escola pública - é bom repetir - é a única verdaderamente


aberta, democrática e que pode realizar concretamente os ideais
de uma sociedade mais justa e mais democrática. Importa valorizá-
la, valorizando suas instalaçães, seu professor, hitando pela am-
pliação da permanência diária do aluno na escola e pelo aumento
do número de dias letivos. Fazer ao contrário, como às vezes o es-
pírito corporativo bitolado nos mostra, é atitude política retrógra-
da que só favorece o privativismo e os interesses comerciais na
educação." (Garcia, 1989, p. 10)

A qualidade do ensino que se desenvolve nas unidades escolares do sistema


público está diretamente ligada à competência dos profissionais que nelas atuam e à
sua resistência à ideologia que permeia o sistema educacional. Uma das formas de
resistência na busca da qualidade é a execução de pequenos projetos nas próprias
escolas, oriundos de suas necessidades específicas, que resultam em maior eficácia
por estarem mais próximos da realidade cotidiana da escola. Como diz Gadotti,

"… só as escolas que conhecem de perto a comunidade e seus


projetos, podem dar respostas concretas a problemas concretos de
cada uma delas." (1992, p. 69).

Entretanto, esta perspectiva não exclui a consciência de que cada unidade esco-
lar está inclusa no sistema educacional com o qual se relaciona diuturnamente e que
não deve fechar-se em si mesma porque se considera auto-suficiente, sob pena de
produzir a autofagia. O resultado de suas experiências deve, inclusive, ser encaminha-
do aos órçãos centrais da administração do ensino para serem socializados, porque,
além de expressar os seus avanços, a escola também pode entrar em contato com as
conquistas de outras unidades escolares, estabelecendo um intercambio que a fortale-
cerá cada vez mais.
Não é demais ressaltar que, para o desenvolvimento de projetos na escola, há a
necessidade de se contar com profissionais que se comprometam com a educação,
visando mudanças e que apresentem valores como a participação, o senso crítico, a
solidariedade e a consciência política. Quanto mais tais valores estiverem presentes
no cotidiano, maiores possibilidades se apresentarão para que a escola venha a insti-
tuir as suas próprias normas. Desse modo, ela apresentará maior especificidade em
sua caminhada, na construção de sua própria história. Mas é preciso ter clareza de
que isso apenas será possível em função dos avanços e recuos produzidos durante a
trajetória da unidade escolar; ambos igualmente necessários como fatores de cresci-
mento de uma comunidade.

70
O Pensado e o Construído: Um Olhar sobre o Cotidiano da Escola

Referências Bibliográficas

CANDAU, V. M. Pensando a formação do educador/supervisor. Tecnología Educacional. Rio de Janeiro, n.


49, pp. 22-6, nov./dez., 1982.

CRUZ, C. H. C. Educação libertadora-como projeto politico social. Revista da Educação. AEC, Brasília, v.
22, n. 87, pp. 15-33, abr./jun., 1993.

DEMO, P. Participação é conquista. São Paulo: Cortez, 1988.

FALCÁO FILHO, J.L. As relações entre o supervisor pedagógico e os professores.AMAE Educando. Belo
Horizonte, n. 20, pp.31-6, ago., 1987.

Supervisão: uma análise crítica das críticas. AMAE Educando. Belo Horizonte, pp.30-7, abr.,

1990.

Umavisão compartilhada.AMAE Educando. Belo Horizonte, pp.4-12, maio, 1986.

GADOTTI, M. Escola cidadã. São Paulo: Cortez, 1992.


GARCIA, W. E. Decisões políticas para uma educação democrática. Tecnologia Educacional, v. 17/18, n.
85/85, pp.7-10, nov./88, fev./89.

KRAMMER, S. Melhoria da qualidade do ensino: o desafio da formação de professores em serviço. Revista


Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasilia, v. 70, n. 165, pp. 189-207, maio/ago., 1989.

LUPORINI, T. D. Pesquisando e compreendendo história: uma experiência com alunos da8asérie. Disserta-
ção de mestrado, PUC/SP, 1989.

LUPORINI, T.J.; MARTINS, R.B.; RIBAS, M.H. Escola Básica: dois segmentos dissociados. Relatório de
pesquisa. UEPG. Ponta Grossa, 1993.

MARQUES, J. C. Administração participativa: poder, conflito e mudança na escola. Porto Alegre: Sagra,
1987.

MENDES, R. E. de A. Supervisão pedagógica: do modelo burocrático ao modelo participativo. Revista da


Educação. AEC, v. 14, n. 57, pp. 7-17, jul./set., 1985.

PENIN, S.T. de S. Política educacional: o revigoramento a partir das práticas cotidianas. Cadernos de
Pesquisa. São Paulo, n. 69, pp. 80-5, maio, 1989.

Cotidiano e escola: a obra em construção. São Paulo: Cortez, 1987.

RIBAS, M. H. Treinamento de professores: sua validade e seus efeitos na prática docente. Uma análise da
questão no Estado do Paraná. Dissertação de mestrado, PUC/SP. 1989.

SCHMIDT, L. M. A instituição escola numa perspectiva de renovação. Dissertacáo de mestrado, PUC/SP,


1989.

7I
O Trabalho Docente

Comentário
Vida na Escola

Ivo José Botli

Desenvolver ensino não se torna um fato ¡solado, mas redunda de ato de coni-
vência entre educador, aluno, sociedade e Poder Público. No entanto, cada sala de
aula representa uma realidade escolar diversa, exigindo autonomía e criatividade de
ações, que muitas vezes o próprio educador jamáis experienciou quando estudante.
Muitos são os questionamentos que o educador e a escola se fazem diante de um
contingente escolar tão heterogêneo socioculturalmente tanto na zona urbana quanto
na rural. Entre outros, surgem os que se seguem:
Como autogerir essa instituição de ensino?
o Como tornar a escola e as aulas mais atraentes?
o Como avahar as possibilidades dos alunos de uma série?
o Diante de tantos alunos, como compreender a cada um?
o Como propiciar aos alunos experiências reais na escola, permitindo, a cada
um, uma oportunidade satisfatória?
Mesmo que o educador tenha conquistado larga experiência em sala de aula e
usufrua de comprovada capacidade e qualidades de mestre, encontra-se ele em cada
sala de aula diante de novos desafios que lhe exigem diversidade de alternativas de
solução.
Por sua vez, apresenta-se o aluno com suas expectativas, de como será sua acei-
tação por parte do educador e dos colegas e como ele se sairá diante do desafio pos-
to de estudar e passar para a série seguinte.
O Capítulo O Pensado e o Construído: um Olhar sobre o Cotidiano da Esco-
la preocupa-se, dentre outras, com esta realidade escolar, principalmente quando tra-
ta das possibilidades de uma escola democrática, onde educador, aluno, Poder Públi-
co e sociedade se irmanam em função de uma qualidade de ensino possível e que con-
vém.
Não fica despercebida a decisiva participação dos pais por uma escola que aju-
de o aluno a enxergar mais longe, a vislumbrar horizontes que lhe possam dar alguma
esperança de um futuro melhor que ele mesmo ajudará a desvelar a partir das
potencialidades desenvolvidas em sala de aula.
O Plano Decenal de Educação para Todos situa a escola como

72
O Pensado e o Construído: Um Olhar sobre o Cotidiano da Escola

"… lugar privilegiado e autônomo de gestão e desenvolvimento


da aprendizagem e da formação do cidadão, incentivando-lhe a
criatividade, a capacidade de inovação e de ajustamento cultural
ao seu entorno social. " (Brasil. MEC, 1993)

Preconiza-se sempre mais a democratização da escola não tanto como fenôme-


no de crescimento quantitativo, mas como agente de transformação qualitativa que
atinge o aluno em suas características mais profundas.
Durkheim se pronunciava a respeito de uma educação a ser pleiteada pelo aluno,
com a participação da escola e do educador:

"Toda a educação consiste num esforço contínuo para impor à


crianga modos de ver, de pensar e de agir, à qual não teriam che-
gado espontáneamente e que lhe são exigidos pela sociedade no
seu conjunto e pelo meio social a que é particularmente destina-
da." (1912, p. 34)

Os fundamentos científicos e o humanismo dessa educação preconizada por


Durkheim estão hoje sendo postos em causa. Educadores questionam-se sobre o tipo
de educação a ser propiciada pela escola. Para Monteiro,

"As alternativas formuladas vão desde o reformismo ao extre-


mismo. Para os primeiros, basta modernizar a escola. Para os últi-
mos, ela tem de desaparecer. Em última análise, é a concepção de
sociedade o elemento determinante, que confere ao problema esco-
lar aquela dimensão qualitativa que dele faz objeto da crescente
preocupação dos dirigentes políticos. " (1974, p. 13)

A escola constituí permanente centro das atenções, pois a concepção de educa-


ção sofre mutações as mais diversas diante da volúpia dos atos administrativos que se
sucedem de gestão em gestão educacional. Se por um lado essa versatilidade na
mutabilidade de concepção provoca reações positivo-negativas, por outro, estudos
se aprofundam para lhe dar alguma sustentação com conhecimento de causa a partir
da vivência escolar dos educadores.
Ganha corpo inclusive o debate em torno da presença física da escola, visto que,
para alguns educadores, a escola tornou-se de tal forma uma instituição forte e privi-
legiada ao longo dos tempos, que muitas vezes se identificou ou mesmo se identifica
com educação escolar. Para outros, ainda, o debate atual acerca da educação - como
fator de desenvolvimento humano, de progresso científico-tecnológico e de transfor-
mações políticas - acontece preferentemente no nível escolar.

73
O Trabalho Docente

Igualmente existe um grande contingente de educadores que entende que o mai-


or problema da escola pública, especificamente, não reside no seu abandono, na sua
qualidade e nem na sua superlotação, mas na sua colocação não no centro do sistema
educacional e sim na periferia do mesmo.

"Enquanto os dirigentes educacionais não entenderem que a


escola é o lugar onde a educação acontece, e que ela deve ter au-
tonomia para desempenhar bem o seu trabalho, vai ser multo difí-
cil dar um salto de qualidade no ensino brasileiro. " (Dia da Esco-
la, 1998, pp. 2-3)

Seja como for, as inúmeras frentes de debate que as articulistas Ribas, Martins e
Luporini estão a propiciar em seu documento dão a exata dimensão de sua importân-
cia no contexto acadêmico-científico. Seu trabalho toca o âmago da questão educacio-
nal: vida na escola.

Referências Bibliográficas

1 BRASIL. MEC. Plano decenal de educação para todos. Brasilia, 1993.

2 DURKHEIM, Emile. Problèmesde lajeunesse, Emile Copfermann, FM/Petite Collection Maspero. Paris,
1972.

3 MONTEIRO, Agostinho dos Reis. Educação, ato politico. Lisboa: L. Horizonte, 1974.

4 DIA DA ESCOLA. In: Projeto Aprendiz: colunas. (rossetti@uol.com.br), mar. 8-14,1998.

74
CAPÍTULO 6

Projetando a Mudança
a partir de um
Estudo do Cotidiano Escolar

Maria de Lourdes Rocha

brigada a receber um número maior de alunos oriundos das camadas mais po-
bres da população, por pressões sociais de toda sorte, e despreparada para trabalhar
com esses alunos, a escola pública brasileira tem-se revelado cada vez mais ineficiente
no desempenho de sua tarefa básica, constituindo-se em alvo de críticas e objeto de
referência principal quando se trata de avaliar a atuação de seus egressos no mercado
de trabalho e nas várias funções que a sociedade brasileira requer.
Indicadores contundentes desse desempenho insatisfatório são as estatísticas sobre
evasão e repetência. Os dados, muitas vezes apresentados de forma atenuada, numa
tentativa de escamotear o duro quadro da realidade educacional, apontam verdadei-
ros obstáculos ao avanço quantitativo do acesso ao ensino fundamental, conforme
assinalam alguns estudos (Flechter/Ribeiro, 1987 e Ribeiro, 1990).
Há décadas, a evasão e retenção na 1 a. série do ensino fundamental tem girado
em torno de 50%, e tais perdas não se limitam a essa série. Para exemplificar, tome-
a
mos o número de alunos ingressantes na l série em 1980 em confronto com o dos
concluintes em 1987 (ano de conclusão provável desses alunos) e verificamos que o
índice foi de 0,148, ou seja, para cada mil alunos matriculados apenas 148 concluem
o ensino fundamental em oito anos previstos (MEC, 1992).
Esse aspecto seletivo do sistema educacional brasileiro tem marcado um estado
de "crise permanente" bastante antigo, indicando a existência, desde o período colo-
O Trabalho Docente

nial, de uma escola para atender reduzida parcela da população, ou ainda, o receio
dos grupos mais favorecidos, ao permitirem o acesso das camadas populares a edu-
cação formal, de estarem contribuindo para o processo de mudança social.
Muitas são as tentativas de explicação para o fenômeno da seletividade. Os pró-
prios professores, apoiados na teoria da carência cultural, amplamente divulgada na
década de 70, buscam justificativas nas carências sociais, culturais e materiais dos alunos,
eximindo-se, dessa forma, de qualquer responsabilidade pelo insucesso de seu traba-
lho. Mostram-se pouco interessados em proceder a uma avaliação mais rigorosa de
todo o processo, o que exigiría, certamente, uma revisão de suas práticas.
Fatores como esse, associados a outros de ordem política, que não favorecem
em absoluto e, muitas vezes, inviabilizam qualquer proposta de mudança, tornam a
questão mais séria a ponto de se falar em "crise do ensino" e até mesmo em "crise da
educação brasileira".
Entendemos que a crise é visível não apenas nos resultados anunciados, mas tam-
bém, e sobretudo, na rotina escolar, nas precárias condiçóes de funcionamento das
escolas, nos baixos salários dos professores, no desinteresse geral apresentado por
alunos, professores e demais participantes do processo educativo. Sua manifestação
é de tal ordem que desafia a competência dos educadores em geral nos seus aspectos
técnico e político, uma vez que os coloca inertes diante da necessidade de atender aos
alunos das camadas mais desfavorecidas, não apenas oferecendo uma vaga na esco-
la, mas preparando-os, de fato, para o exercício da cidadania.
Certamente, existem entraves de diferentes ordens impedindo o desenvolvimen-
to de práticas educacionais que tornariam as escolas mais eficientes e democráticas.
Parte dessas dificuldades decorre das políticas vigentes e de sua normatização por parte
dos órgãos responsáveis pela administração do ensino. são orientações que estimu-
lam a prática de rotinas e de comportamentos burocratizados susceptíveis de controle
por parte dos órgãos centrais da administração e que não deixam margem à criatividade
e à inovação; por isso mesmo, não se mostram adequadas às reais necessidades dos
alunos e professores no desempenho de seu trabalho escolar.
Superar tais dificuldades constitui um grande desafio para os educadores que
priorizam o processo de construção de conhecimento significativo por parte dos alu-
nos. Isso implica trabalhar com suas necessidades individuais e sociais e, sobretudo,
conhecer e explorar suas experiências de vida, que constituem uma via de acesso para
apreender a realidade escolar num contexto mais amplo.
Em nossa pesquisa, constatamos a precariedade de trabalhos que tomem por base
as experiências social e cultural dos alunos, o que dificulta a formulação de propostas
pedagógicas mais condizentes com suas múltiplas necessidades.
Por essa razão, entendemos ser importante desenvolver investigaçães que se pro-
ponham a dimensionar a vida escolar através das percepções e significados dos pró-

76
Projetando a Mudança a partir de um Estudo do Cotidiano Escolar

prios alunos, proporcionando um conhecimento realista do trabalho da escola e das


lacunas que se apresentam, favorecendo, assim, a formulação de um diagnóstico mais
verdadeiro e esclarecedor da situação educacional existente.
Nosso objetivo com esse artigo é exatamente trazer para discussão a necessida-
de do conhecimento do cotidiano escolar, de apreendê-loem sua totalidade e, poste-
riormente, extrair dele as informações e idéias que poderão subsidiar a formulação de
novas propostas de trabalho pedagógico.
Para tanto, iremos nos valer de dados colhidos em pesquisa que realizamos por
ocasião de nosso doutorado, em uma escola de ensino fundamental da rede pública
estadual de são Paulo, que denominamos de Escola Y, onde colhemos percepções e
idéias dos alunos quanto às suas experiências de aprendizagem e oportunidades de
vivências nessa instituição.'
Informações importantes foram obtidas com essa pesquisa, indicando que algu-
mas dimensões do processo educativo são pouco exploradas quando se procura ava-
har o ensino e a aprendizagem. Trata-se das dimensões afetivas e sociais que se apre-
sentam entrelaçadas com o cogniti vo, de tal modo que a simples identificação de apren-
dizagens, em termos de informações obtidas ou até mesmo de conhecimentos elabo-
rados, parece insuficiente para entender o trabalho escolar. É preciso estar atento para
o papel das emoções e do aspecto social da convivência e companheirismo no desen-
volvimento da aprendizagem.
No decurso do nosso relato, traremos algumas informações relativas ao cotidia-
no da Escola Y, a título de ilustração, tecendo, concomitantemente, nossas considera-
ções sobre o assunto e procurando apresentar propostas de alterações que julgamos
necessárias à vida escolar vigente.

2
6.1 A Rotina da Escola Y: Um Estudo de Caso

Nesta escola, as atividades rotineiras envolvendo os alunos do ensino fundamen-


tal começam, diariamente, às 13 horas, quando o sinal soa, estridente e prolongado,

1 Vide a respeito ROCHA, Maria de Lourdes, O Ensino Fundamental na Escola Pública Paulista:
a a
Um Estudo da Questão sob a Ótica de Alunos de 7 e 8 Séries do 1° Grau, tese de
doutoramento, PUC/SP, 1995.

2 Trata-se de uma escola da rede pública estadual, situada na zona oeste da cidade de
Estado de são Paulo - 1991/94. Este Programa assegurou às escolas envolvidas alguns
recursos, tais como: 5 horas de aula para os alunos e horas de trabalho pedagógico (HTPs)
para os professores.

77
O Trabalho Docente

marcando o início imediato da primeira aula. Porém, o que se constata é um tempo de


5 a 15 minutos, quando não mais, para que os quase 400 alunos e 12 professores, que
fluem dos banheiros, escadarias, pátio e demais dependências, se acomodem no inte-
rior das salas de aula.
Essa "passagem", de uma atividade mais espontânea para outra formal, é acom-
panhada pelo movimento lento de alunos e professores, contrastando com o ritmo
acelerado dos funcionários e da assistente de direção, empenhados em garantir o ime-
diato início das aulas.
As aulas devem transcorrer dentro de limites de tempo fixados, supondo-se,
portanto, que elas aconteçam em momentos precisos e na seqüência estabelecida, o
que quase sempre não é observado; a movimentação morosa de alunos e professores
na entrada do período e no final de cada aula provoca a redução do tempo de aula.
Diariamente, das 13 horas às 18h20, estão previstas seis aulas de 50 minutos e
recreio de 20 minutos, destacando-se duas situações rotineiras diferenciadas: uma para
as quatro primeiras séries e outra para as quatro últimas.
Para o primeiro segmento (ensino fundamental) há um professor polivalente, com
uma só turma de, no máximo, 40 alunos. Ele é responsável pela organização e desen-
volvimento das atividades de cada disciplina do currículo formal, podendo ele pró-
prio, ou com sua classe, determinar o ritmo, ou seja, a duração e a seqüência das ati-
vidades programadas para o período de 5 horas.
a a
Da 5 à 8 série, estão previstas aulas com três ou quatro professores por turma
de, no máximo, 40 alunos. Nesse segmento, o ritmo da aula é determinado pela uni-
dade de 50 minutos. Esse tempo impõe a mesma seqüência dos ates para quase todas
as aulas. Professores e alunos pouco interferem na ordem dos trabalhos, como se
estivessem alijados do processo.
a
A partir da 5 série, observa-se um descompasso entre o rigor dos horários e o
movimento dos alunos e professores que se deslocam a cada toque da campainha.
Formalmente, não há previsão de um tempo determinado para a "passagem" das pes-
soas de uma para outra atividade, supondo-se que tudo deva ocorrer imediatamente.
Vige o pressuposto de que o tempo e a ordem escolares estejam introjetados pelos
alunos e professores.
Procurando favorecer a reorganização da rotina em sala de aula e criar melhores
a a
condições para a adaptação do aluno na passagem da 4 para a 5 série, a Escola Y
a
estruturou seu horário, a partir da 5 série, com "dobradinhas", duas aulas seguidas de
uma mesma disciplina (100 minutos). Porém, a direção alega que, quando faltam os
professores, os alunos ficam muito tempo sem aula e sem controle do adulto, tumultu-
ando o ambiente. A escola não sabe o que fazer com os alunos "ociosos", não está
preparada para isso.

78
Projetando a Mudança a partir de um Estudo do Cotidiano Escolar

Entre os professores, as opiniões divergem: para uns, as "dobradinhas" possibi-


litam alterações de hábitos e maior criatividade quanto aos procedimentos didáticos;
para outros, duas aulas seguidas de uma mesma disciplina é cansativo e pouco eficien-
te, principalmente se a turma for indisciplinada. Os alunos qualificam as "dobradinhas"
como cansativas, notadamente quando não gostam da disciplina ou quando "o pro-
fessor só fala…só escreve na lousa"
Entendemos que os 100 minutos podem constituir "duração" adequada às práti-
cas em sala de aula, local onde as crianças e adolescentes vivenciam a maior parte dos
acontecimentos escolares. Esse elemento objetivo da rotina poderá favorecer a que-
bra de uma tradição de aula calcada na rápida exposição do professor e, no pouco
tempo restante, exercícios para os alunos.
Um tempo maior destinado ao encontro entre alunos e professores poderá esti-
mular uma convivência que permita o aprofundamento das relações entre as crianças,
adolescentes, jovens e adultos e destes com os conhecimentos específicos de cada
disciplina, rompendo com um padrão de aula que não prioriza tais relações.
Assim, a maior amplitude do tempo permitiria uma outra ordem seqüencial de
acontecimentos que poderia provocar a organização de um tipo de aula preocupada
com a relevância da relação face a face, característica essencial do processo educacio-
nal, sobremodo na escola fundamental.
Nossa suposição é que o tempo escolar representa uma ordem segundo a qual
se sucedem as diversas etapas de uma atividade e, em sentido mais ampio, as etapas
do processo de escolarização das crianças, adolescentes e jovens ao longo dos dife-
rentes níveis de ensino. Tal ordem, indicando duração e seqüência dos acontecimen-
tos, é resultante das convenções sociais e dos costumes pedagógicos, vale dizer: o
substrato que aembasa sofre interferências internas e externas às instituições.
Esse posicionamento tem também como pressuposto o "tempo psicológico" ou
a "duração interior", ou seja, o tempo da ação individual, vivenciado de modo subje-
tivo e afetivo durante o desenrolar da própria ação. Segundo Piaget, a "duração inte-
rior" do indivíduo não nasce já inteiramente organizada; pelo contrário, é construída
pouco a pouco, a partir do tempo prático.ousensório-motor. O "tempo psicológico"
resulta de uma lenta e gradual elaboração, marcada pelo intercambio entre o indivíduo
e os meios ambientes físico e social, representando o tempo de trabalho realizado frente
à rapidez da atividade em curso, onde a motivação e o interesse têm importante papel
(Piaget, s/d).
O ajustamento do "tempo psicológico" do aluno, habituado à aula de 50 minu-
tos, ao novo tempo de 100 minutos, requer a construção de nova ordem ou seqüência
dos acontecimentos que caracterizarão um padrão de aula em que ele mesmo possa
ser sujeito do seu aprendizado, numa interação face a face com outros alunos e com o
professor, mediada pelo conhecimento que compete à escola proporcionar. Ademais,

79
O Trabalho Docente

a construção dessa nova ordem, potencialmente definidora de outro padrão de aula,


certamente implicará um processo de construção coletiva.
Pode-se constatar que escola é sinônimo de aula; outras situações de aprendiza-
gem programadas, mesmo que apresentem as características de transmissão organi-
zada de conteúdos, mas se realizadas fora do contexto "sagrado" da sala de aula,
do sua primazia em relação ás demais atividades.

A distribuição do tempo escolar pelas diferentes disciplinas do currículo formal


depende do prestígio de cada uma; Português e Matemática, com maior carga horá-
ria, ocupam de 10 a 12 horas semanais, de um total de 30.
Alunos e professores da Escola Y entendem que aula significa uma transmissão
planejada e sistemática de conhecimentos, conforme ressalta Demo (1991). Entretan-
to, na prática, verifica-se que aula tem consistido no repasse mecênico dos conteúdos
dos livros didáticos. A rotina de sala de aula está centrada nas ações do professor. É
o que se depreende da seqüência dos atos em classe: "Todos chegam, dão boa tarde,
sentam, fazem a chamada, dão a matéria". Os alunos descrevem "dar a matéria" como
ato de passar, escrever na lousa, ditar ou falar: "É o professor que fala…faz perguntas…dá
o resumo que quer…manda escrever no caderno…dita…fica com a palavra".
A seqüência das atividades em sala de aula não resulta da relação do aluno com
o conhecimento, mediada pelo professor. O aluno deve aprender a se organizar a partir
de uma ordenação prefixada pelo professor e/ou pelas normais legais que definem a
organização da escola.
Os alunos classificam as aulas como "boas, gostosas, chatas e ruins". "É boa
quandoaprendo…participo…o trabalho é interessante…". "Nas aulas chatas, a gente
dá uma olhada para a classe; tem um conversando, outro escrevendo, outro dormin-
do, um ouvindo walk-man, outro brigando…, enquanto a classe está dormindo, ou-
vindo música, o professor está falando, falando…escrevendo…" A sociabilidade, ou
seja, o treino de compartilhar as experiências vivenciadas pelos estudantes, tem espa-
ço muito limitado no contexto da "aula ruim ou chata", o que é mais corriqueiro. Este
tipo de aula pressupõe uma interação exclusiva entre professor-aluno, todavia, nem
mesmo este tipo de interação sempre ocorre: "O professor fica escrevendo ou falan-
do muito tempo…todo mundo está ali de corpo presente, mas o espírito está em outro
lugar…"
As aulas "diferentes ou boas", durante as quais ocorre quebra da rotina ou do
padrão estabelecido, propiciam condições para o exercício de determinadas compe-
tências cognitivas e sociais: "Leitura em sala deaula…todo mundo lendo como se fos-
se uma biblioteca… a professora fazia roda crítica para os alunos comentarem suas
leituras…pela nossa opinião, ia indicando outros livros mais difíceis… a gente ia len-
do… seinteressando…porque livro que prende é gostoso de 1er…" Durante esse tipo

80
Prajetando a Mudança a partir de wn Estudo do Cotidiano Escolar

de aula, os alunos têm oportunidade de trabalhar juntos, quebrando o isolamento en-


tre si e o professor.
A seleção do material, que quase sempre se reduz ao livro didático, é de respon-
sabilidade do professor de cada disciplina. Esse material é relevante como suporte dos
conteúdos repassados. Os professores exigem que os alunos tragam os livros.

A produção do aluno consiste, sobretudo, na devolução do resumo apresentado


pelo professor: "Ele dáo resumo que quer…escreve na lousa…manda copiar…avisa o
que vai cair na prova…" Instala-se uma prática pedagógica autoritária e castradora.
Essa orientação do processo pedagógico tende a criar hábitos que restringem a
ação do aluno quanto à construção e produção do conhecimento escolar e à seleção
do material de estudo. Eles ficam presos ao resumo que o professor "dá na lousa ou
dita": "Prefiro consultar o caderno, o assunto é específico e tem o que vai cair na
prova…nos livros as palavras são estranhas e nós temos que resumir".
Convencionalmente, o ensino, a aprendizagem e a avaliação do trabalho escolar
estão restritos às aulas. As atividades de reforço, de enriquecimento curricular ou outras
determinadas pelas necessidades das crianças e adolescentes raramente ocorrem no
espaço físico e temporal dessa instituição.
A rotina é marcada pela rigidez, o que dificulta a ocorrência de situações não
planejadas de ensino e aprendizagem, que não se caracterizam como aula. A escola
se imobiliza quando se defronta com uma realidade que não corresponde à sua pro-
gramação de aulas de 50 minutos. Não sabe, por exemplo, o que fazer com os alunos
"ociosos" quando os professores faltam.
Os alunos sem aulas, as atividades extracurriculares, como campeonatos, excur-
sões e até mesmo as aulas de Educação Física, ou as desenvolvidas em outros ambi-
entes e contextos desestabilizam a ordem vigente. Em geral, tais situações são carac-
terizadas como "tumultuadas" em decorrência da maior comunicação entre os alunos,
de mais liberdade de movimentos e do uso de materiais diferenciados.
Entendemos que a atividade "aula" pode e deve assumir um sentido mais ampio,
que extrapole o ensino tradicional e a sala de aula, possibilitando às crianças e aos
adolescentes, a partir de uma convivência organizada do grupo, a aprendizagem dos
conhecimentos que se pretende desenvolver.
Na escola de ensino fundamental e médio, todas as atividades deveriam repre-
sentar, mais que uma situação de ensino, oportunidades para o aluno aprender a viver
em grupo e estabelecer relações sociais e afetivas mediadas pela aprendizagem de
valores, de competências cognitivas, sociais e conhecimentos específicos, como a lín-
gua, as ciências, a matemática, a história.
Visando à construção de uma sociedade igualitària e justa, ressaltamos que a aula
não pode se limitar a uma atividade meramente instmcional, fundada num conhecimento

81
O Trabalho Docente

pronto e acabado e num único tipo de relação entre professor e aluno: professor "pas-
sa/dá" a matéria e o aluno "recebe". Ao contrário, poderão ocorrer múltiplas relaçães
em sala de aula entre aluno-aluno, aluno-professor e professor-aluno, todas mediadas
por um processo dinâmico de construção individual e coletiva do conhecimento. Isso
é desejável e parece possível.
Acreditamos que possa existir um partilhar constante das experiências vivenciadas
pelos estudantes que constituem o grupo classe, tendo em vista o desenvolvimento de
laços de solidariedade entre as crianças, os adolescentes e os adultos.
Em contraste com as situações corriqueiras nas salas de aula, nos recreios, nos
horários de entrada e saída da escola, as crianças e adolescentes correm e andam em
turmas ou duplas, raramente sozinhos, pelos corredores e pátio. A "atividade" mais
exercitada pelos adolescentes é o bate-papo; alguns ainda tomam lanche na cantina;
outros, ou correm pelas dependências do prédio, ou jogam bola na quadra, utilizando
com mais freqüência a comunicação gestual e corporal.
A maneira como as crianças e os adolescentes circulam pelos diferentes ambien-
tes e a de se comunicarem entre si indica a predominância de um clima de descontração,
até mesmo de agitação, refletindo a importância das experiências vivenciadas fora da
sala de aula.
Os horários de recreio, de entrada e saída da escola têm significado especial para
os alunos, representam momentos de encontro entre eles, situações estas restritas em
sala de aula. O pátio, pelo clima descontraído, é o lugar preferido para o exercício da
sociabilidade e expressão dos afetos: "O pátio é o lugar mais gostoso de ficar…é um
encontro…todo mundolá…jogando…conversando…"
A partir das atividades realizadas no pátio, na quadra, na biblioteca, pode-se
apreender a existência de um espaço educativo para além da sala de aula, muito pou-
co explorado pelos adultos da escola, quando não considerado problemático por pro-
vocar rupturas no padrão de ordem definido pelo trabalho individual, silencioso e
competitivo. O potencial educativo que representa o espaço extraclasse e o padrão
de atividade imposto constituem um contra-senso se considerarmos os objetivos de-
clarados da instituição "escola".
3
Grosso modo, a rotina escolar vigente reflete uma visão estática do conhecimen-
to, algo pronto e acabado, descolado da realidade, a ser meramente transmitido a par-
celas das novas gerações. Reflete uma concepção de educação que transforma a es-
cola numa instituição calcada mais nos rituais do ensino do que nas necessidades dos

3 Vide a respeito: HELLER, Agnes, O Cotidiano e a História; Sociología de la Vida Cotidiana;


Para Mudar de Vida. LEFEBVRE, Henri, A Vida Cotidiana no Mundo Moderno; PATTO, María
Helena de Souza, Produção do Fracasso Escolar: Histórias de Submissão e Rebeldia e
SIROTA, Régine, A Escola Primária no Cotidiano.

82
Projetando a Mudança a partir de um Estudo do Cotidiano Escolar

alunos; reflete também uma prática pedagógica discriminatória, na medida em que


exclui, durante o processo educacional, um número muito grande de crianças e ado-
lescentes que, bem ou mal, tiveram acesso à escola.
Pode-se observar que as atividades escolares são marcadas por ritos e ritmos
que extrapolam os muros da unidade, mantendo estreita relação com a forma de pen-
sar e atuar das pessoas, grupos e classes sociais que a instituição atende, ou seja, es-
tão atreladas às formas de organização que definem a existência de nossa sociedade e
que precisam ser consideradas.
Partimos do entendimento de rotina como um conjunto de acontecimentos
repetitivos que se sucedem num tempo e espaço social; é um "produto herdado", mas
é também uma "produção" resultante do fazer pedagógico e, por isso mesmo, pode
estar mais próxima e permitir melhor compreensão das pessoas que participam do
processo educativo.
Centrar nossas investigações nas experiências vivenciadas pelas crianças, ado-
lescentes e jovens no espaço escolar pode ser uma viade acesso ao complexo pro-
cesso que ali se desenvolve. Analisando e interpretando as manifestações dos alunos,
podemos aprofundar nosso conhecimento sobre a realidade educacional e viabilizar
formas de participação dos educandos na construção de uma escola de melhor qua-
lidade.
Não se trata de acatar, indiscriminadamente e sem reflexão, todas as colocações
dos alunos. Porém, suas concepções, críticas e expectativas devem constituir o ponto
de partida das atividades desenvolvidas pela escola.
Desprezar estas manifestações significa negar a natureza dinâmica do processo
educativo, constituído pela dupla mão entre "o novo e o velho", representada, de um
lado, pelas crianças, adolescentes e jovens e, de outro, pelos adultos, relação esta que
contrapõe, de um lado, os estudantes e, de outro, os professores e demais "autorida-
des educacionais".
Tais colocações estão fundadas não só na concepção de escola como organiza-
ção social, um espaço de processos interacionais entre educandos e educadores, mas
também como lugar privilegiado de transmissão e apropriação do conhecimento siste-
matizado, assim como da produção de novos saberes.
O encontro com os alunos da Escola Y, em suas atividades rotineiras, possibili-
tou-nos maior reflexão sobre as várias dimensões da escola: sucesso/fracasso, ale-
gria/tristeza, esperança/descrença, propiciando uma compreensão mais ampia da fun-
ção social da escola, do currículo oferecido e dos demais componentes de sua reali-
dade.
Rejeitando a idéia de que os.alunosconstituem uma massa indiferenciada e com
comportamentos homogêneos, pudemos observar, inicialmente, as manifestações das
criangas e adolescentes nas situações de recreio, entrada e saída da escola. Seus

83
O Trabalho Docente

movimentos pelas escadarias, corredores, pátio, quadra ofereceram os primeiros in-


dícios da existência de um espaço educativo para além da sala de aula.
Essa redescoberta, confirmada posteriormente também pelas entrevistas, revela
que os alunos têm uma compreensão ampia de escola e de currículo. Eles indicam que
o conhecimento valorizado não se restringe àquele explicitamente transmitido pelo
professor em sala de aula. Sem desconsiderar a importância da situação pedagógica
"aula", afirmam que a ação educativa se estende por todo espaço escolar. Assim, é
curioso como todo conhecimento advindo do senso comum extrapola em muito a
concepção restrita de escola que, na prática, os profissionais e os sistemas educativos
mostram ter.
Os estudantes destacam também a importância da informação e dos aspectos
sociais da educação, manifestando suas expectativas em relação a uma escola que
ultrapasse seus muros, numa interação contínua com o meio no qual está inserida.
Outro aspecto observado nas situações de recreio, entrada e saída da escola diz
respeito aos movimentos descontraídos das crianças e adolescentes, marcados por
sorrisos, bate-papos, corre-corre, sinalizando a existência de um clima de alegria en-
tre eles. A partir das falas de alunos, pudemos registrar que a dimensão prazerosa da
escola está no encontro entre eles, com os professores, diretor e pessoal administra-
tivo. Eles vivenciam juntos a alegria de aprender em sala de aula, durante as "aulas
boas", no pátio, na quadra, ou em qualquer dependência do prédio, sem transformar
a escola num jogo ou brincadeira.
Ao contrário, ressaltam que a aprendizagem, sobretudo em sala de aula, deve
ser marcada pela disciplina e esforço de cada um, mas sem prescindir da afetividade
e da cooperação dos professores e amigos. O que garante a alegria do processo en-
sino-aprendizagem, sem banalizá-lo, ou seja, sem reduzi-lo a um jogo, métodos agra-
dáveis ou relações simpáticas entre alunos e professores, é o prazer de enfrentar jun-
tos os desafios da conquista do conhecimento.
Ao mesmo tempo em que destacam as dificuldades vivenciadas no dia-a-dia, os
alunos indicam a possibilidade de construção de um cotidiano subsidiado pelas rela-
ções solidárias que podem estabelecer entre si, com os professores e com o diretor,
sem perder de vista a necessidade de apropriação do conhecimento escolar.
Para construir um cotidiano escolar fundado nas parcerias entre alunos-alunos,
alunos-professores e alunos-diretor, há que se considerar, entre outros aspectos, os
processos interacionais, revelados nos fenômenos mais concretos, muitas vezes, os
mais banais e simples do dia-a-dia.
Das colocações dos alunos da Escola Y pode-se inferir que um dos desafios a
ser enfrentado na reconstrução do cotidiano escolar é a organização de atividades
fundadas na cooperação e na solidariedade entre educandos e educadores. Nessa
perspectiva, as atividades rotineiras representariam, para as crianças, adolescentes e

84
Projetando a Mudança a partir de um Estudo do Cotidiano Escolar

jovens, oportunidades para tomar iniciativas, partilhar experiências e assumir respon-


sabilidades nesse processo coletivo, que é o processo educacional.
Se os acontecimentos diários traduzem uma prática que assegura aos alunos o
aprendizado do "uso" das coisas e costumes do ambiente escolar, isso pode favore-
cer sua permanência nesse espaço educativo carregado de significado social e repre-
sentar oportunidades de apropriação de um conhecimento que compete á escola ga-
rantir. são as atividades rotineiras, concretizando a ação educacional, que viabilizam o
papel mediador da escola entre o indivíduo-criança, adolescente, jovem ou adulto - e
a sociedade, ou seja, entre o indivíduo e o viver comum.
Porém, o que de fato se pode constatar hoje é a vigência de um conjunto de ati-
vidades rotineiras subsidiadas pela idéia de que o sucesso escolar é resultante de um
esforgo do indivíduo consigo mesmo e não da relação que estabelece com seu meio
social e físico. Isso tem gerado a competição entre os educandos e justificado, por
parte da escola, o abandono das crianças e adolescentes aos seus próprios recursos.
Com base nas idéias expostas, entendemos que a construção de uma escola de
melhor qualidade para atender as exigências da democratização do ensino impõe um
redirecionamento do processo educativo, requerendo, entre outras providências, um
conhecimento mais aprofundado dos vários e complexos componentes do cotidiano
escolar. Centrar a análise no dia-a-dia da escola não significa, certamente, considerá-
lo determinante único do que lá se passa. Ao contrário, o cotidiano escolar só tem
sentido se visto no espaço-tempo em que se sitúa, sem se reduzir aquele, mas consti-
tuindo-se numa esfera com relativa autonomía e dinâmica própria.

Referências Bibliográficas

BERGER, Peter & LUCKMAN, Thomas. A construção social da realidade. Tradução de Floriano de Souza
Fernandes. 7a ed. Petrópolis: Vozes, 1987.

CANIVEZ, Patrice. Educar o cidadão?Tradução de Estela dos Santos Abreu e Claudio Santoro. Campinas:
Papirus, 1991.

DEMO, Pedro. "O significado da modernidade em sala de aula". Brasilia, Ipea/Capes, julho, 1991
(mimeografado).

FLETCHER, Philip. "O ensino de 1° grau, um problema negligenciado da educação brasileira. Uma análise
prelimar para avaliação adicional". Revista Brasileira de Administração da Educação. Porto Alegre, v.
3n. 1, pp. 10-41, jan./jul.,1985.
°
FLETCHER. Philip & RIBEIRO, Sérgio Costa. "O ensino de 1 grau no Brasil de hoje". EmAberto. v. 6, n. 33,
jan./mar., 1987.

HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. Tradução de Carlos Nelson Coutinhoe Leandro Konder. 2aed., Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
a
Sociologia de la vida cotidiana. 3 ed. Barcelona: Ediciones Peninsula, 1986.

85
O Trabalho Docente

Para mudar de vida. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. são Paulo: Brasiliense, 1982.

Teorias de las necesidades em Marx.2aed. Barcelona: Ediciones Peninsula, 1986.

LEFEBVRE, Henri. A vida cotidiana no mundo moderno. Tradução de Alcides João de Barros. São Paulo:
Ática, 1991.

MCLAREM, Peter. Rituais na escola. Tradução de Juracy C. Marques e Angela M.B.Biaggio. Petrópolis:
Vozes, 1991.
o
MEC, Secretaria de Administração Geral, Coordenação Geral de Planejamento Setorial. "O ensino de 1 grau
o
- t a x a de retenção total." Informes Demográficosn 18.

PATTO, Maria Helena de Souza. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia.

PIAGET, Jean. A noção do tempo na chança. Tradução de Rubens Fiúza. Rio de Janeiro: Record, s/d.

RIBEIRO, Sérgio Costa. "A pedagogia da repetência". Tecnologia Educacional. Rio de Janeiro, v.19, n. 97,
pp.13-20, nov./dez., 1990.

ROCHA, Maria de Lourdes." O ensino fundamental na escola pública paulista: um estudo da questão sob a
a a o
otica de alunos de 7 e 8 séries do 1 grau." Tese de doutoramento, PUC/SP, 1995.

SIROTA, Régine. A escola primária no cotidiano. Tradução de Patrícia Chittoni Ramos. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1994.

SNYDERS, Georges. Alegria na escola. Tradução de Bertha Halpern Guzovitz e Maria Cristina Caponero.

86
CAPÍTULO 7

Escola Pública:
Representações,
Desafios e Perspectivas

Marina Graziela Feldmann

ratar da escola pública, hoje, é defrontar-se com a diversidade. Significa dizer que
não existe apenas uma escola pública, mas uma variedade de escolas que, embora
procurem atender a um mesmo padrão oficial, buscam por si próprias melhorar as suas
condições, inventando, dentro dos limites da burocracia, novas formas de captação
de recursos físicos e materiais, às vezes até mesmo técnicos, a fim de garantir a sua
sobrevivência, respondendo, ainda que precariamente, as necessidades de
escolarização de seus estudantes.
A questão toma-se particularmente difícil de tratar, nesse momento histórico, quan-
do o Estado brasileiro passa por reformas que pretendem reduzir as suas proporções,
afirmando-se nos princípios neoliberais, onde se evidencia o papel central do merca-
do em detrimento da ação governamental, mesmo quando se consideram funções de
caráter estritamente social, como é o caso da saúde e da educação.
A despeito disso, a ocasião parece propícia para discussão, pelo fato de nos
encontrarmos no momento de aplicação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, que se propõe, em sua nova versão, à definição de princípios gerais e dire-
trizes mais flexíveis, condizentes com o atual momento histórico, conferindo maior au-
tonomia às escolas e aos sistemas de ensino para adequarem os termos da lei às suas
realidades específicas.
O Trabalho Docente

Com o objetivo de tornar explícito nosso ponto de vista sobre o assunto, é pre-
ciso salientar que entendemos por escola pública aquela que presta serviço público à
sociedade, melhor dizendo, a que está a serviço dos interesses da população em urna
perspectiva de totalidade, e não em atendimento a grupos específicos que mantêm e
reproduzem os interesses de urna elite dominante. Repensar a escola pública de for-
mação básica como espaço de construção e socialização do conhecimento é articu-
larse visceralmente com a formação da cidadania da imensa maioria dos marginaliza-
dos, na qual se inclui o aluno trabalhador. Assim, o papel da escola pública não deve
ser circunscrito apenas à questão da escolarização, mas sim, e principalmente, à ex-
pressão de um compromisso social e político com a qualidade de vida dos alunos.
Considerar a escola como espaço de construção do conhecimento é concebê-la
como um ambiente formador de identidade dos sujeitos históricos que nela vivem e
convivem; é compreendê-la através dos valores, atitudes, sentimentos, emoções que
integram o processo de comunicação dos diferentes grupos que nela estão presentes.
Embora a prioridade, nesse momento, esteja colocada no ensino fundamental,
o
portanto, no antigo ensino de l Grau, um aspecto importante sempre presente nos
debates atuais sobre a educação brasileira refere-se à questão do trabalho e suas re-
lações com a educação, especialmente no ensino médio.
Ainda que este seja um assunto de interesse geral e constitua pauta obrigatória
dos encontros de educadores ou mesmo dos discursos oficiáis, observa-se que não
tem constituído objeto de estudos e análises aprofundadas por parte dos educadores
e pesquisadores que atuam nessa área. E ainda quando o fazem, não se dispõem a
buscar elementos significativos para uma avaliação profunda desse nível no cotidiano
escolar, na prática desenvolvida pelos professores ou mesmo na vivência dos alunos,
em suma na constatação do que se faz na escola de nível médio e das oportunidades
que ela propicia aos seus alunos.
As pesquisas existentes preocupam-se mais com os dados quantitativos que evi-
denciam, sem dúvida, um afunilamento em termos de escolarização; entretanto, as ex-
plicações para esse fato ficam sempre adstritas aos fatores socioeconômicos, sem se
aprofundar em avaliações mais rigorosas e efetivas do trabalho realizado nessas esco-
las, da contribuição que elas têm dado efetivamente para a formação do aluno em ter-
mos de sua preparação para enfrentar o mundo do trabalho, em sua acepção mais
ampia.
A escola pública tem um espaço próprio que precisa ser redimensionado. De-
vem ser revistos seus métodos pedagógicos, sua organização curricular, sua gestão,
os saberes nela e por ela veiculados, em concordância a uma definição e viabilização
de políticas públicas compromissadas com os princípios autênticos da democracia e
da participação. Mudar o tempo e o espaço da escola é inserir-se numa perspectiva
de mudança das estruturas sociais, tendo como horizonte de possibilidades a transfor-

88
Escola Pública: Representações, Desafios e Perspectivas

mação de u m a sociedade injusta e excludente para u m a sociedade mais igualitária e


integrada.
Em se tratando do ensino médio, parece-nos que não se poderá ignorar a impor-
tancia do fator trabalho e suas relações com o processo educacional que se pretende
desenvolver; portanto, qualquer pesquisa sobre o ensino médio terá de incluir essa ques-
tão de forma concreta, dimensionando-a no contexto de vida dos alunos que freqüen-
tam esse tipo de escola.
o
Nesse sentido, realizamos pesquisa com alunos do ensino médio (antigo 2 Grau)
de uma escola pública estadual de São Paulo com o objetivo de compreender o que
significava para esses alunos fequentar essa escola.
Dentre as várias formas possíveis de captar o significado desse ensino, preferi-
mos compreendê-lo através das representações dos próprios alunos, seu cotidiano na
escola, suas experiencias de vida em relação ao contexto escolar.
Alguns pressupostos básicos nortearam nossa investigação: o ensino médio tanto
para os alunos como para os professores apresenta-se sem identidade própria, sem
u m a característica que o diferencie dos outros níveis de ensino; a escola deve ser um
ambiente de aprendizagem favorável à formação do cidadão, portanto fundamentado
no cultivo de valores que supõem o desenvolvimento das capacidades intelectuais, mas
também de sentimentos e atitudes consoante com o tipo de homem e de sociedade
que se pretende construir; a escola deve ser o local privilegiado para a construção do
conhecimento, não se limitando à simples transmissáo e perpetuação dos elementos
do saber previamente selecionados.
Portante, busçãvamos a dimensão cultural da escola, que deve permear todo o
processo pedagógico, embora, muitas vezes, não esteja muito clara para os seus agentes,
mas que transparece no cotidiano da escola e se expressa nos sentimentos e nas ações
dos alunos.
A pesquisa visava encontrar dados que nos informassem sobre o valor formativo
da escola para os alunos, sobretudo através das relações entre as experiencias e vi-
vencias na escola e a sua participação no social, mais particularmente no mundo do
trabalho. Valor formativo foi entendido como a possibilidade que a escola deve propi-
ciar ao aluno de compreender o mundo do trabalho e suas respectivas mediações, assim
como refletir sobre suas condições de existencia, seus conflitos, sua situação dentro
do processo de produção.
Para esse propósito, sentimos ser necessário trabalhar com algumas categorías
básicas, como, por exemplo, o conceito de trabalho e seu significado na vida humana.
Nesse particular, ficou claro para nós que estaríamos lidando com as duas di-
mensões do trabalho: aquela que considera o seu lado positivo - que possibilita a
humanização do próprio homem - e a outra que lida com o aspecto negativo - quan-
do o trabalho é fragmentado e burocratizado, levando à alienação.

89
O Trabalho Docente

A pesquisa foi desenvolvida através de técnicas qualitativas de análise dos dis-


cursos, onde a teoria foi construida a partir dos dados levantados, pois o nosso intuito
foi construir o conhecimento acerca da percepção, impressões e sentimentos dos alu-
nos na relação escola e mundo do trabalho.
Além de colhermos dados diretamente com os alunos, procurávamos sentir o
ambiente da escola em sua totalidade, percorrendo os seus espaços, observando situa-
ções especiáis, partilhando de conversas informais e, muitas vezes, participando de
forma direta do encaminhamento de certas medidas tomadas pela direção ou por ou-
tros elementos que atuam na escola. Isso tudo nos possibilitou conhecer melhor a es-
cola, sentir o clima reinante e ser aceita pelos alunos de forma natural, quebrando bar-
reiras compreensíveis nessa situação de pesquisa.
A partir da análise interpretativa das representações dos alunos, pudemos
depreender, através dos seus discursos, que o forte vínculo que os unia àquela escola
eram as pessoas que conviviam naquele espaço escolar: os seus amigos com os quais
vivenciavam relações de afeto, descontração, alegría, esperança. Assim, em algumas
de suas expressões:

Gosto… pelas amizades euficaria nela, mas acho que pela es-
cola, eu saíria. Gosto, eu acho que gosto dos colegas que tenho na
classe, mas acho que a escola é muito fraca.

A marca "afetividade" está presente em quase todos os discursos. Mas esse afe-
to não se mostrou como um gostar ingênuo, pois o que se evidenciou em suas expres-
soes é que o gostar da escola manifesta-se apesar dod e s c o n t e n t a m e n t odiante das
suas limitagóes. Os alunos também diziam em seus discursos ser ela inadequada,
descompromissada, despolitizada em alguns momentos, mas contraditoriamente com-
preendiam-na como importante no seu crescimento pessoal.
Apesar de considerá-la anacrônica no que diz respeito ao seu tempo, desprepa-
rada em relação ao mundo do trabalho, consideravam-na fundamental á preparação
para a vida.
Em suas representações, a sala de aula revelou-se como o local que mais gosta-
vam de ficar dentro do espaço escolar, como o espaço mais acolhedor, menos impes-
soal quando comparado com outros, principalmente por poderem aí expressar mais
livremente sua subjetividade, compartilhando experiências pessoais e profissionais com
os amigos.
A despeito da sala de aula mostrar-se como o local mais prazeroso da escola
pesquisada, quando indagados acerca da qualidade das aulas, as expressões mais usadas
paraclassificá-las foram "primarias", "cansativas", "chatas", "perdidas".
O discurso a seguir é bem característico dessa avaliação:
Escola Pública: Representagoes, Desafios e Perspectivas

Algumas aulas sao boas, a maioria é chata, mas isso nao é por
causa da materia, da disciplina e sim pelos professores. O profes-
sor já chega desanimado e já passa aquilo para o aluno. Escreve,
escreve e você fica no caderno copiando e nao sai daquilo; aí toca
o sinal. Na próxima aula, ele faz, a mesma coisa. Esse sistema hitóla
o aluno. O tempo que a gente perde deveria ser mais ágil. E com
isso a gente deixa de aprender.

A classificagáo dada á aula mostra-se mais ligada á competencia e á pessoa do


professor, do que ao conteúdo das disciplinas. N a avaliacáo do aluno, a qualidade
das aulas supõe um método dinâmico, estimulante que o leva a pensar e agir. Percebe-
se também a importância que ele dá á forma como o professor interage com a classe,
pois acredita que a atitude de desânimo por parte dele acabe contagiando a todos.
Conforme a avaliação dos alunos, pudemos verificar que de fato as aulas, em geral,
se desenvolviam de modo passivo e desinteressante, tão-somente repassando con-
teúdos preestablecidos, de forma linear, mecánica, sem participação e envolvimento
dos alunos, predominando a relação de controle e dominação por parte do professor.
Esta dominação se expressava numa relação pedagógica centralizada na ação do pro-
fessor, cujo método tutorial do saber se concentrava na voz do professor, nos exercí-
cios e nas cópias propostas por ele, dificultando a participação no processo de trans-
missáo e construção do conhecimento.
Os alunos quando indagados sobre o tipo de leitura que faziam, constatamos que,
em geral, eles liam poucos livros e menos ainda jornais. As razóes apontadas foram: a
falta de tempo, ou simplesmente o fato de o livro nao prender a atenção. Dentre os
que liam, destacaram-se livros de esoterismo, revista de informática e de automóveis,
refletindo, assim, a escolha pelo gênero de assuntos mais lidos na atualidade.
Os alunos se mostraram frustrados na avaliação que fazem dos conteúdos
curriculares á medida que percebem que eles nao contribuem para urna formagáo básica
que possibilite o ingresso na universidade. Apontaram também a falta de integração
entre as experiencias vivenciadas no trabalho e na escola e a falta de preparo e de-
sempenho adequado dos professores.
Os alunos trabalhadores vêem na escola a possibilidade de mediação para a
profissionalização futura. Eles querem urna escola de boa qualidade que os capacite a
ingressar na universidade, embora nem sempre cheguem a explicitar o que represente
essa boa qualidade. Eles vêem nessa mediação da escola a oportunidade de conse-
guir empregos melhores e, conseqüentemente, um futuro menos pobre.
N a percepção deles, para se conseguir urna profissão melhor, menos rotineira e
alienante e melhor remunerada, o diploma de curso superior é visto como u m elemen-
to de peso, especialmente para ascender na escala profissional.
O Trabalho Docente

Dos alunos entrevistados apenas um relatou que, devido á falta de condições fi-
nanceiras, não iria tentar o ingresso no curso superior, mas sim um curso técnico de
nivel médio. Todos os outros pretendiam prestar o exame vestibular, apesar de apre-
sentarem as mesmas condições.
Os alunos trabalhadores não reivindicam uma escola de nivel médio profissiona-
lizante, terminal, pois percebem que o mundo do trabalho demanda atualmente um tra-
balhador mais qualificado com formação mais ampia. Eles possuem uma crença muito
forte no diploma universitário. Acreditam que com a posse deste modificarão suas vidas.
Todavia, pesquisas sobre o sistema escolar revelam que a maioria dos alunos concluintes
de ensino médio não prosseguem os estudos por falta de vagas na rede pública, ou de
recursos financeiros para pagar uma instituição de ensino privado.
N o Brasil, após os anos 70, o que se verificou foi uma ação deliberada do Esta-
do em promover uma expansão muito abaixo da demanda de quantidade de vagas
oferecidas na rede pública de ensino universitário, pretendendo-se com esta atitude
desviar para o mercado de trabalho, mediante profissionalização compulsória, parte
substancial dos alunos egressos do ensino médio (Cunha, 1975). N a realidade, isso
não aconteceu, pois o que se constatou foi o surgimento da empresa capitalista de ensino
que ofereceu aos barrados na universidade oficial um produto substitutivo de qualida-
de inferior, mas que preenchia formalmente as exigencias do credencialismo (Singer,
1988). O mercado de trabalho recebeu uma crescente massa de diplomados de nível
superior, cujos excedentes forçaram a elevaçãoda exigencia para ocupações até en-
táo de nível médio, o que levou á degradação do diploma de nível médio, com ou sem
formação profissional. Desse modo, o que se constatou é que o ensino médio, apesar
da política de profissionalização, continuou a exerçãr a funçãd que historicamente sem-
pre o caracterizou: função propedéutica em relação ao ensino superior.
No mundo do trabalho em sociedades modernas, é característica a elevação das
exigências das empresas em matéria de educação formal, com a valorização crescen-
te da qualificação geral em contraposição á específica e a necessidade de diplomas de
nivel cada vez mais elevado.
N o Brasil, o mercado de trabalho continuará a funcionar ainda por algüm tempo,
em alguns setores localizados a recrutar máo-de-obra náo-qualificada. Porém, as em-
presas de grande e médio portes já perceberam que o único modo de enfrentar a de-
senfilada competição que se instalou em economías globalizadas é a produção com
melhor qualidade e preços mais baratos, o que só se consegue com qualificação geral
elevada. O que queremos enfatizar é que o acesso hoje a diversas ocupações se res-
tringe cada vez mais a portadores de credenciais escolares mais elevadas. A o lado
dessa tendencia, assistimos ao desprestígio do ensino médio como preparatório para
o mercado de trabalho.
Escola Pública: Representagóes, Desafios e Perspectivas

Os alunos pesquisados conhecem as enormes dificuldades na luta pela sobrevi-


vência, apontam serios obstáculos na conciliação escola e trabalho e expressam que,
devido á sua origem de classe, não podem sonhar muito alto; mesmo assim, o seu grande
desejo é obter um diploma universitário como pressuposto para melhoria de qualida-
de de vida. Ao mesmo tempo, manifestam a percepção de que, atualmente, o diploma
de ensino médio tem pouca ou quase nenhuma validade.
A crescente exigencia de níveis maiores de escolaridade e a perda de prestigio
do ensino secundário talvez tenham refletido nas expectativas e relações que os alunos
incorporam ao seu cotidiano, pois suas representações, enquanto compreensão da
realidade, sao construídas no dinamismo social, envolvendo circunstancias históricas,
políticas, interesses hegemônicos, ideológicos, etc.
E m seus depoimentos, os alunos nos relatam que a escola não estava interessada
em transmitir informações sobre o mercado de trabalho, com exceção de alguns pou-
cos professores, o que nos levou a depreender a falta de preocupação com a forma-
ção e o desenvolvimento do aluno em sintonia com o mundo do trabalho. Ao se omitir
na veiculação de tais informações, desconsideran! suas experiências concretas.
Em suas representações, o aluno trabalhador, mesmo sem expressar uma cons-
ciência social e política acerca da relação capital e trabalho, percebe que freqüenta
uma escola desqualificada que não o instrumentaliza para o mundo do trabalho, nem
lhe dá uma formação básica para enfrentar o vestibular. N o que diz respeito ao vesti-
bular, os alunos entrevistados, quando indagados sobre a orientação da escola em
relação a esse aspecto, apresentam em seus discursos posições contraditórias. Em-
bora reconhegam que a escola tem influência muito grande em suas vidas, a grande
maioria relatou que ela não contribuiu em quase nada para as suas opções no vestibu-
lar. Situam essa escolha como estritamente individual, ¡solada do contexto escolar.
Outra marca encontrada nos discursos é a imagem negativa que eles têm da es-
cola pública, construída, a nosso ver, dentre outros fatores, pela discriminação e pre-
conceito ideologicamente expressos nos meios de comunicação; isto ao enfatizarem
demasiadamente as mazelas e precariedades da escola pública em contraposição a
uma valorização acentuada da qualidade da escola particular. Essa imagem negativa
da escola pública como reflexo da intenção política dos meios de comunicação e o
resultado das suas precariedades acabam por afetar a auto-imagem dos alunos traba-
lhadores, levando-os a se considerar alunos de segunda classe e, conseqüentemente,
cidadãos de segunda classe.
Para os alunos pesquisados, quanto ao trabalho, no que diz respeito as funções téc-
nicas desenvolvidas, parecem ser bastante rotineiras, repetitivas, alienadoras com baixa
exigencia de qualificação, o que torna quase sempre a tarefa de trabalhar uma ação
não realizadora no nível pessoal. Provavelmente, os empregos por eles escolhidos re-
presenten! muito menos o trabalho almejado e muito mais o trabalho encontrado.
O Trabalko Docente

O fato de trabalhar e estudar ao mesmo tempo constitui-se, a nosso ver, numa


condição de classe social, num problema que diz respeito as carnadas subalternas e,
talvez por isso, a escola, enquanto instituição, e as empresas não se sintam responsá-
veis pela relação educação e trabalho. Trabalhar e estudar não tem sido considerado
como dimensoes interdependentes no processo de crescimento e f o r m a ç ã o da cida-
dania do aluno trabalhador. Talvez porque, para a classe dominante, ser aluno traba-
lhador não é ser aluno-cidadáo. Assim, o ato de conciliar trabalho e escola torna-se
responsabilidade exclusiva do aluno.
N o sistema capitalista brasileiro, as empresas não tem se mostrado, salvo raras
excegoes, preocupadas com a f o r m a ç ã o do aluno-trabalhador. não existe uma polí-
tica de valorizaçãodo mesmo. Difícilmente sao adotadas iniciativas que diminuam os
obstáculos relativos á conciliação escola e trabalho, tais como: redução da jornada de
trabalho, horas disponíveis para estudo no local de trabalho, faltas justificadas na épo-
ca de provas e avaliagoes, o que contrasta com outros países, como Argentina e M é -
xico que asseguram na Constituição a jornada máxima de 6 horas e a proibição de
horas extras para o aluno menor trabalhador (Spindel, 1985).
Apesar de os alunos não elaborarem uma leitura crítica mais consistente da rela-
ção capital e trabalho, manifestam suas insatisfagoes diante das condigoes opressivas
de sobrevivencia, citando muitas vezes em seus discursos o responsável por tal estado
de coisa, o governo, caracterizado como uma entidade abstrata, genérica, sem
aprofundar a análise das relações de poder que se travam entre as diferentes classes
sociais e o papel do Estado na garantía dos direitos básicos do cidadáo.
Se, por um lado, a sociedade capitalista determina a lógica do funcionamento da
escola, por outro, sofre também determinações provenientes dos sujeitos que convi-
vem na escola: alunos, professores, especialista, pais, etc. O que se verifica é a presenga
de constante tensáo entre as expectativas dos membros da escola e o contexto maior
que a envolve. Todas as tensóes, conflitos e contradições que surgem na luta entre
expectativas diferentes germinam possibilidades de transformação. Assim a escola de
superação em superação de tensóes, contradições vai determinando transformações
e sofrendo outras determinações, uma vez que ela não é só reprodução das desigual-
dades sociais, é também o lugar do vislumbrar futuros, de projetar possibilidades.
Ao serem questionados acerca do valor do trabalho em suas vidas, os alunos apre-
sentam avaliagoes ambiguas. Ainda que muitas vezes deixem transparecer que o exer-
cício de suas ocupagoes gera uma avaliação negativa, viam também o trabalho como
positivo, uma vez que mesmo realizando tarefas parcelares, vazias de possibilidades
de realizações pessoal e profissional, o trabalho chega a gerar prazer, principalmente
pela oportunidade de conhecer pessoas, do salario para garantir a sobrevivencia e,
muitas vezes, o sustento familiar. Deixam transparecer também que o trabalho se toma
positivo á medida que abre novas possibilidades de conhecimento, transferindo apren-
dizagens desenvolvidas na escola para o local de trabalho e do mesmo para a escola.
Escola Pública: Representagoes, Desafios e Perspectivas

A partir da análise das representações dos alunos, pudemos depreender algumas


marcas significativas em relação á possibilidade de reconstrução do espago escolar:
o A escola tem sistemáticamente desconsiderado a afeti vidade como elemento
essencial na f o r m a ç ã o do aluno, agindo muitas vezes como se ele pudesse
aprender apenas com as capacidades intelectuais, despindo-se dos sentimen-
tos de raiva, amor, odio, etc.
o A avaliação que o aluno faz da sala de aula se traduz quase sempre pela com-
petencia ou não do professor em organizar a tarefa docente através de uma
conexão viva com conteúdos significativos para a sua vida.
o A escola enquanto instituição não tem conseguido articular os diversos espa-
ços educacionais para a formação do aluno.
o Os professores têm dificuldade de compreender a sala de aula como espelho
de sua competencia, de seu compromisso com propostas pedaçõgicas e tam-
bém como expressão de sua subjetividade.
o A escola, ao adotar uma ação uniformizadora em relação ao ato de aprender,
tem mostrado pouco interesse pelas parcerias de alunos na f o r m a ç ã o de há-
bitos de estudos, e quase sempre o tão usado trabalho em grupos constitui um
desvencilhar das funções do professor. Como e com quem o aluno estuda,
em que condições ambientais, como melhorar a qualidade de estudos em casa
são aspectos quase sempre ignorados pela escola e pelos educadores. Estu-
dar continua a ser uma tarefa árdua, solitária e não integrada.
o Quanto mais a escola nega a autonomía, a curiosidade, a criticidade e a eman-
cipação dos alunos, mais se presta a reproduzir as condições desiguais que
vigoram no mundo capitalista.
o A escola pública não exerce com competencia a função social de educar -
formar a identidade dos filhos das classes trabalhadoras.

Referências Bibliográficas

A N D R E , Marli & MENGA, L . Pesquisa em educação. Sao Paulo: EPU, 1986.

B A R D I N , Laurence. Análise de conteúdo. Edições 70, Lisboa: Persona, 1977.

B E R G E R , Peter I. & L U C K M A N N , T h o m a s . A construção social da realidade. Petropólis: Vozes, 1985.

B R A V E R M A N , Harry. Trabalho e capital monopolista - a degradação do trabalho no século XX. Rio de


Janeiro: Zahar, 1980.

C U N H A , Luis Antonio Rodrigues da. Política educacional no Brasil: a profissionalização no ensino médio.
Rio de Janeiro: Livraria Eldorado Tijuca, s/d.

D E M O , Pedro. Desafios modernos da educação. Vozes: Petrópolis, 1993.


O Trabalho Docente

ENGUITA, Mariano E A face oculta da escola - educação e trabalho no capitalismo. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1989.

F E L D M A N N , Marina Graziela. A dimensão trabalho na escola de segundo grau pública paulista: da história
ao cotidiano. Tese de Doutoramento, PUC/SP, 1995.

F R A N C O , Maria Laura P. Barbosa. Ensino médio e reflexões. Campinas: Papirus, 1994.

G A M B O A , Silvio Sanchez. A dialética na pesquisa e m educação: elementos de contexto. In.'FAZENDA,


Ivani ( o r g ) . Metodologia da pesquisa educacional. Sao Paulo: Cortez, 1989.

H E L L E R , A g n e s . O cotidiano e a historia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

K U R Z , Robert. O colapso da modernização. Da derrocada do socialismo de caserna á crise da economia


mundial. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.

MICHELAT, Guy. Sobre a utilização da entrevista náo-diretiva e m sociologia. /n.THlOLLENT, Michel. Crítica
metodológica, investigação social e enquete operaría. Sao Paulo: Ed. Polis, 1987.

SILVA, Tomaz Tadeu da. " P r o d u ç ã o , c o n h e c i m e n t o e e d u c a ç ã o : a c o n e x á o que falta". In: Educação e


Realidade, n. 3 1 , pp. 79-89, dez., 1988.

o
SINGER, Paul. "Sociedade, trabalho e escola de 2 . grau". In: Seminario ensino de segundo grau - Perspec-
tivas. Sao Paulo: USP, 1988 (mimeo).

S P I N D E L , C h e y w a R. "O menor trabalhador e a produção da pobreza". In: EmAberto. Brasilia, v. 4 , n. 28,


pp. 17-34, out./dez., 1985.

V Á S Q U E Z , Adolfo Sánchez. A Filosofía da praxis. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.

Comentario
"Projetando a Mudança a partir de um Estudo do Cotidiano Escolar
"Escola Pública: Representações, Desafios e Perspectivas"

Myrtes Alonso

Os dois artigos anteriores - de Maria de Lourdes Rocha e de Marina G. R.


F e l d m a n n - c o m p o r t a m uma análise e um comentário conjuntos uma vez que fizeram
parte de um mesmo projeto de pesquisa sobre a escola pública, seus problemas e pers-
pectivas, com o objetivo de levantar subsidios para um repensar da escola de ensino
fundamental e médio a partir do que pensam os alunos, de suas expectativas e neces-
sidades, bem como das novas necessidades de formação básica evidenciadas hoje na
sociedade brasileira.
Escola Pública: Representacoes, Desafios e Perspectivas

Assim sendo, e uma vez que participamos como orientadora de ambas as pes-
quisas, julgamos oportuno trazer o nosso ponto de vista sobre a questáo. O ponto de
partida é a grande interrogação presente nos estudos e investigacoes da maioria dos
educadores:
Qual o verdadeiro sentido da escola hoje? Eis ai uma questão que nos intriga e
nos preocupa a todos. O mundo mudou, a sociedade não pára de se transformar, as
pessoas sofrem o impacto dessas mudanças e se sentem cada vez mais despreparadas
para enfrentar os novos desafios que se apresentam.
A despeito disso, a escola permanece imóvel, fechada dentro de uma estrutura
rígida, inflexível, seguindo o seu curso em dissonáncia total com a realidade. Permane-
ce fiel á sua missáo reprodutora, mas incapaz de assumir a função de renovadora da
cultura.
Como explicar esse distanciamento se a escola foi pensada exatamente para pre-
parar as crianças e jovens para a vida adulta?
Q u a n d o foi, exatamente, que a escola e a sociedade deixaram de se encarar e
passaram a correr em raias paralelas?
Embora todas essas questoes constituam preocupações e objeto de discussáo
dos educadores, elas não tem o poder de desencadear as mudangas necessárias na
escola atual a ponto de transformá-la em algo dinámico, rico em experiencias, capaz
de gerar a produção e a renovação do conhecimento.
Cada dia mais, essa incapacidade da escola de assumir, na totalidade, a sua fun-
ção, traz conseqüéncias desastrosas para todos na medida em que as pessoas, estan-
do despreparadas para enfrentar os enormes desafios do social, acabam ficando á
mercé das circunstancias e nem sempre fazem as melhores escolhas. Assim sendo, a
escola deixa de cumprir o seu papel educativo de formadora do ser em sua plenitude,
o que fica, em boa parte, a cargo de outras agencias, instituições nem sempre
credenciadas para tanto.
Os autores costumam apontar uma dupla missáo para a escola atual: de um lado,
a socialização, cujo objetivo último é inserir os jovens na sociedade, mais particular-
mente no mercado de trabalho; de outro, a f o r m a ç ã o do cidadão, capaz de ter uma
participação consciente no social. Essa dupla função, em certo sentido contraditória
uma vez que supõe o desenvolvimento de capacidades distintas e habilidades de natu-
reza totalmente diferentes, requer por parte da escola inserção nas realidades social e
cultural e definição clara de propósitos educacionais a serem atingidos de acordó com
uma proposta de ação assumida coletiva e conscientemente pelos seus responsáveis.
O grande problema que enfrenta a nossa escola, sobretudo a que se diz pública,
é a diversidade sociocultural de sua clientela. Com a chamada "democratização do
ensino", a escola foi "invadida" pelas populações de baixa renda, desprovidas de qual-
O Trabalho Docente

quer patrimonio cultural, mas ansiosa por usutruir os privilégios e as oportunidades antes
reservadas apenas para as classes média e alta.
O acesso dessas populacoes ocasionou dificuldades para os educadores acos-
tumados a entender o ensino como um processo de mera transmissao de um "conhe-
cimento" considerado legítimo, porque construido pela humanidade, e cuja apropria-
ção por parte dos indivíduos é vista como necessária para garantir a sua inserção no
social. Assim, a tarefa de transmissao, objeto central do trabalho docente, deveria ser
programada dentro de uma seqüência lógica, podendo ser facilitada gracas á utiliza-
ção de estratégias de ensino que tornam o conteúdo a ser transmitido mais acessível,
além de facilitar a memorização.
Essa lógica que esteve sempre presente no trabalho escolar assume como pres-
suposto que todos os alunos aprendem da mesma forma, têm as mesmas dificuldades
e necessitam do mesmo tipo de "conhecimento", hipótese totalmente errada e incapaz
de sustentar-se numa situaçãocomo a atual, em que os alunos provém de realidades
infinitamente diversas, com problemas e necessidades de aprendizagem os mais varia-
dos. Além disso, eles trazem experiências ricas, ainda que obtidas de uma forma me-
nos convencional; porém, fazem uso dessas experiéncias para a sua sobrevivencia e
necessitam déla, embora devam ampliá-las e confrontá-Ias com outras formas de co-
nhecimento sistematizado, o que lhes permitirá expandir os limites do próprio conhe-
cimento.
O que importa salientar, para fins dessa análise, é o fato de que os professores e
a escola em geral precisam estar atentos para essa diversidade cultural, não para re-
duzi-la no sentido de buscar "homogeneizar" os alunos, mas para desenvolver um outro
padráo educacional que contemple a diversidade, que possibilite o desabrochar de
idéias, modos de conceber e agir diversos do estabelecido, sempre que isso signifique
propiciar o desen volvimento individual e estabelecer novas bases para um coleti vo mais
real e significativo.
Estudos como esses - de Maria de Lourdes e Marina, que se preocuparam em
conhecer a escola pública no seu cotidiano através do olhar daqueles que a deman-
dan!, seja no ensino fundamental ou no médio, trazem uma importante contribuição
para u m repensar da escola, do seu valor efeti vo para os alunos, de suas esperangas
e decepções e dos caminhos que poderiam ser vislumbrados a partir das constatações
feitas.
Entre os varios problemas detectados, um deles chama a atenção pela insistencia
com que se manifesta: o descaso com os aspectos afetivo e social que envolvem a
aprendizagem. A importância dada pelos alunos a essas questões a despeito de sua
náo-contemplação nas atividades auriculares, tampouco ñas intenções dos professo-
res é um bom indicador do quanto a escola se encontra distanciada de uma proposta
verdadeiramente educativa.
Escola Pública: Representações, Desafios e Perspectivas

Da mesma forma, a observação do cotidiano tomabem evidente o que predomi-


na na escola; o que é considerado mais importante é o cumprimento das rotinas em
detrimento da criatividade e da expressão pessoal.
O intercâmbio, o relacionamento dos alunos entre si, as oportunidades de socia-
lização, de convivencia e até mesmo os momentos de lazer que a freqüência à escola
pode proporcionar aos alunos parecem ignorados pelos educadores e administrado-
res escolares, uma vez que esse fato não é capitalizado em prol da educação dos jo-
vens no sentido de melhorar a sua condição de vida.
Do ponto de vista das políticas públicas, nota-se umatendência crescente - não
só no Brasil, mas no mundo todo - a conferir, cada vez mais, autonomia para as esco-
las, por entender que é nela que a mudança acontece; para tanto, é substancial que a
comunidade educativa - pais, professores, diretores e alunos - pense a sua própria
realidade e assuma os seus problemas. Nao resta dúvida que essa proposição é cor-
reta; porém, assumi-la significa ampliar, e muito, a responsabilidade dos educadores,
o seu compromisso com a educação e com os seus alunos, antes que apenas com a
sua disciplina.
Essa mudança, aparentemente simples, revela-se de grande complexidade na
prática, u m avez que envolve alterações profundas na forma de conceber os trabalhos
docente e administrativo e, por conseqüência, envolve mudanças de toda sorte na prá-
tica estabelecida e rotinizada.
U m aquestão que subjaz a tudo isso refere-se à maneira de conceber o conheci-
mento, u m avez que nao se confunde com a informação, ainda que se utilize dela para
a sua elaboração. É preciso que fique clara a participação ativa do individuo na cons-
trução do conhecimento; portanto, nao é possível aceitar que houve conhecimento quan-
do se observa a simples repetição mecánica de informações e "conceitos" sem atri-
buir-lhes sentido próprio, nem perceber a sua aplicação às mais diversas situações.
E a pergunta que se coloca, então, é a seguinte: Por que a insistencia em "vencer
os programas", apenas tópicos de conteúdos disciplinares, mesmo quando se tem a
convicção de que as idéias básicas para a construção daquele conhecimento não fo-
ram devidamente assimiladas a ponto de torná-lo significativo?
Questões como essas deveriam alertar-nos para a necessidade de repensar o
ensino, a aprendizagem e o desenvolvimento dos alunos de tal forma a estabelecer-
mos novas bases para a educação nas escolas públicas.

Referencias Bibliográficas

D E M O , P. Desafios modernos da educação. Petrópolis: Vozes, 1993.

ENGUITA, Mariano. A face oculta da escola. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.

99
O Trabalho Docente

E S T E V E , José M. " M u d a r ç a s sociais e função docente". Sn: N Ó V O A , A. (org.) Profissão professor. Porto:
Ed. Porto, 1991.

F O R Q U I N , Jean-Claude. Escola e cultura. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.

H A R G R E A V E S , A. Professorado, cultura y postmodernidad. Madrid: Ed. Morata, 1995.

N Ó V O A , A. (org.) Os professores e sua formação. Lisboa: Publicações D o m Quixote, HE, 1992.

As organizações escolares em análise. Lisboa: Publicações D o m Quixote, IIE, 1992.

S A C R I S T Á N , G. J . & çõMEZ, A. I. P. Comprender y transformar la enseñanza. 3a e d . Madri: E d . Morata,


1994.

UNESCO. La gestión pedaçõgica de la escuela. Santiago, Chile: UNESCO/OREALC, 1992.

N Ó V O A , A. (coord.). Os professores e sua formação. Lisboa: Publicações D o m Quixote/ IIE, 1992.

P E R R E N O U D , P. Práticas pedagógicas, profissão docente e formação. Lisboa: Publicações D o m Quixote/


IIE, 1993.

100
CAPÍTULO 8

O Diretor
da Escola Pública,
um Articulador
Martha Abrahão Saad Lucchesi

questão do poder no cotidiano da escola pública sempre nos sensibilizou, por


constituir um elemento próprio da atuação do diretor e um instrumento da fluencia ou
1
da obstrução das propostas pedagógicas.
O poder determina vontades, perscruta intimidades e projetos, está presente em
todas as relações, em toda parte, especialmente nos nichos. Perpassa a cotidianidade,
como o ar que nos circunda, cria teias que enredam pessoas, oculta-se em manobras,
promove perdedores inconformados, gera ira, provoca a inveja e, ao exercer-se, constrói
a liberdade ou a submissão.
Nesse sentido, o controle do espago público requer do administrador capacida-
de de articulação e construção. A escola pública, portanto, embora os que nela con-
vivem nem sempre se apercebam, é um espago para a viabilidade da compreensão de
um dos tragos marcantes do poder: o fato de ele aparecer dissimulado.
No interior da escola, o diretor acredita possuir o gerenciamento da verdade
educacional ou, pelo menos, isso lhe é atribuído. Traz impregnada em si a função
controladora, a ponto de se considerar o principal executor das leis dentro da institui-

1 V i d e a respeito L u c c h e s i , M.A.S. "A t r a m a l i d a d e do p o d e r n a e s c o l a pública". Dissertação


de Mestrado, PUC-SP, 1992.
O Trabalho Docente

ção escolar. A partir da constatação desse fato, se analisarmos algumas escolas, po-
deremos perceber que as providencias importantes obedecem exclusivamente ao pa-
drão da legalidade. Falta a certos diretores habilidade para canalizar e reordenar as
forças emergentes no cotidiano escolar.

8.1 A Teia do Poder

Compreender a "tramalidade" das relações de poder presentes no tecido social


e caracteristicamente na escola significa deslindar as diversas ações internas da insti-
tuição, que, ao serem analisadas meticulosamente, permitem detectar em seu interior
u m amultiplicaçõo de tensões integrantes do próprio ser da ação. Por isso,
"... o poder só pode ser captado de modo realista se de partida
nao acreditarmos em sua manifestação externa, que sempre usa para
mascarar. Poder realmente importante, efetivo, é aquele que sabe
esconderse, precisamente para mandar sem ser percebido." (Fou-
cault apud Demo, 1990, p. 20)

Esse disfarce nos convida a assumir umaposição de observador, de onde se possa


espreitar e determinar os "poderes" exercidos no cotidiano escolar. É preciso obser-
var, investigar, perscrutar, reter as palavras, idéias, disfarces e astucias, captá-los na
teia dos acontecimentos que se apossam do universo escolar, como se o oculto exer-
cesse umaforça muito maior e mais poderosa do que aquilo que é manifesto. É impor-
tante determinar o nivel das paixões, ódios, amores, vaidades, dedicação, lutas, resis-
tencia e vislumbrar até que ponto o conflito é saudável e democrático, ou quando se
torna incontrolável.
O desvelamento dessa tramalidade pode evidenciar
"... que cada luta se desenvolve em torno de um foco particular
de poder... E se designar os focos, denunciá-los, falar deles publi-
camente é uma luta... forçar a rede de informação institucional...
designar o alvo - é uma primeira inversão do poder, é um primeiro
passo para as outras lutas contra o poder. " (Foucault, 1981, p. 76)

Esta trama que arquiteta o poder nos remete às considerações de Foucault quando
verifica sua onipresença:
"O poder está em toda parte; nao porque englobe tudo e sim
porque provém de todos os lugares. E 'o' poder, no que tem de per-
manente, de repetitivo, de inerte, de auto-reprodutor, é apenas efei-

102
O Diretor da Escola Pública, um Articulador

to de conjunto, esbogado a partir de todas essas mobilidades, en-


cadeamento que se apóia em cada uma delas e, em troca, procura
fixá-las. Sem dúvida, devemos ser nominalista; o poder não é uma
alguns sejam dotados: é o nome dado a uma situação estratégica
complexa numa sociedade determinada." (1980: 89)

Os símbolos descritos retratam a dinámica do poder, sempre em construção e


movimento. Canalizar a fluencia desse poder numa ação educativa parece constituir
um desafio para o diretor da escola, articulador por função de todas as forças no in-
terior da instituição.
Em algumas escolas, estabelece-se u m arelação heterogênea, geradora de peri-
gos onipresentes e de tensões entre professores, professores e alunos, alunos e funcio-
nários, entre todos esses segmentos e o diretor e entre a escola como um todo e a
comunidade.
Situa-se, aqui, a importância do diretor como articulador de todas essas variá-
veis e sua imagem como intérprete de um papel institucional que lhe garante o direito
de cobrar e de tomar medidas para o bem-estar de todos. Ele nao apenas desenvolve
o aspecto político-pedaçõgico do processo, mas também legal.
Para isso, torna-se necessário que ele esteja consciente das microrrelações de
poder que perpassam seu cotidiano para poder execer seu papel de articular a
organicidade da escola, sem permanecer aferrado à sua face legal, que, como sabe-
mos, nem sempre é legítima, da mesma forma que nem sempre o legítimo é legal. No
espago da escola, o legal só ganha legitimidade à medida que o diretor, como agente
articulador, consegue construí-la. Caso contràrio, pode ocorrer o que se vem tornan-
do u m aprática institucional: "O diretor representa o poder de plantão."
Essas considerações remetem-nosà concepção de Foucault, que caracteriza o
poder como antropológico, presente no interior de cada individuo. Nos momentos de
maior tensão, ele emerge, e essa emergência tende a desarticular todo o contexto
organizacional de u m ainstituição. Essa realidade nos leva a indagar sobre a possibili-
dade de haver educação num contexto de educadores voltados prioritariamente para
a defesa de interesses individuais e corporati vistas, alheios ao bem primeiro da educa-
ção: a promoção do homem livre.
Nesse debate, ressalta-se a importancia de o educador aprender a lidar com as
relações de poder no interior da escola, onde se tomacada vez maior a participação
do aluno, numa perspectiva em que emergem os conflitos situados entre as concepções
de autoridade e autoritarismo. Ambas caminham lado a lado, o que significa que uma
sencia de autoridade não significa umaeducação libertària. A ausencia de autoridade

103
O Trabalho Docente

"... tambéra é uma forma de repressão. " (Gadotti apud Guima-


rães, 1985, p. 157)

8.2 Relações de Poder na Escola

U m aforma específica de conceber o poder revela-se no papel do administrador;


neste caso, o diretor de escola pública, envolvido por situações conflitivas para as quais
terá de encontrar soluções. Essa difícil tarefa leva-o a caracterizar-se por um perfil de
mediador, que exige equilibrio profissional para lidar com as tensões entre alunos, corpo
docente, comunidade e Estado.
Administrar é um processo complexo de gerir negócios, com características pró-
prias, decorrentes da instituição mantenedora. Em se tratando do Estado, como é o
caso da escola pública, o administrador escolar assume um compromisso de oferecer à

O modo como o poder é exercido na escola vincula-seà ideologia e ao quadro


de valores dos seus dirigentes e dirigidos, afetando as relações de trabalho dentro da
instituição. Dependendo do perfil ideológico do profissional é que se desenvolverá o
processo administrativo, de forma mais ou menos democrática ou centralizada.
Nesse sentido, podem-se distinguir dois tipos de poder: o adquirido, enquanto
capacidade para a ação, que se concretiza através da competencia técnica, e o auferido
ou concedido, enquanto direito de deliberar, agir e mandar.
Quando o poder se concentra na direção, nas instituições onde há u m a gestão
autoritària, a resistência manifesta-se por confrontos, transparentes ou não, na tenta-
tiva de subverter o grupo que o detém. Foucault caracteriza essa reação como
contrapoder. Na resistencia isolada, ou por meio de coalizões, manifesta-se a emer-
gencia, para que ocorra o processo de transformação e o surgimento de novas idéias
e de u m aprática democrática das relações na escola.
Preparado, geralmente, para responder a questões jurídicas e institucionais, quan-
do não tem habilidade suficiente para lidar com o pedaçõgico, o diretor acaba por
responder a essa limitação nas entranhas do jurídico-institucional; para sentir maior
segurança, transforma seu cargo num pequeno feudo, tranca-se no emaranhado da
burocracia e, amparando-se na letra da lei, submete, coage, deixa a impotencia ou a
resistencia atingirem a comunidade escolar.
Pudemos observar duas formas de manifestação do poder nas relações que se
estabelecem no cotidiano escolar:

104
O Diretor da Escola Pública, um Articulador

o A relação do diretor/coordenador, independente da atuação dos pro-


fessores, alunos e comunidade. Esse tipo de relação pode ser denominado
de "alienação burocrático-funcional", onde o diretor assume umapostura não-
criativa, prendendo-se apenas às obrigações burocráticas, numa conduta em
que os fins justificam os meios estabelecidos pela legislação, aos quais todos
devem se submeter fielmente. Procura exigir dos subordinados o ceçõ cum-
plimento das normas e disposições estatutárias, numa tentativa de negar a pos-
sibilidade das decisões em conjunto, por assumir como critério fundante as
determinações leçãis. Essa é umapostura extremamente câmoda para direto-
res e coordenadores.
o A relação dos professores, independente do trabalho conjunto com a
administração ou a coordenação. Nesse tipo de relação, os professores e
funcionários agem e decidem como se não houvesse diretor na escola, igno-
rando, em grande parte, o papel da autoridade. Inacreditavelmente, assumem
responsabilidades acima de sua esfera de atuação, abrindo mão de seus de-
veres docentes, e criticam a legislação, embora desconheçam seus aspectos
primários e se encontrem numa situação extremada. As vezes, utilizam o es-
paço escolar para operacionalizar interesses pessoais, fazendo com que aqui-
lo que é público se torne privado. Pode-se denominar, conceitualmente, esse
tipo de relação de "alienação pedaçõgico-docente".
Os professores envolvidos nesse segundo tipo de relação de poder assumem um
paternalismo assistencial em relação ao aluno, ao mesmo tempo que os liberam de todas
as obrigações estudantis. Tudo isso é feito em troca de apoio pessoal e irrestrito ao
professor.
O mito da escola como uma"grande família feliz" desagrega-se quando analisa-
do do ponto de vista da instituição, umavez que ela não difere de outras organizações,
como empresas, hospitais ou igrejas. A escola deve ser vista como locus da constru-
ção do saber e não como um espago "messiânico" e panfletário.
Etzioni (1974) busca demonstrar que grande parte dos conflitos insere-se na
"... inexistencia de ajustamento completo entre personalidades
individuáis e os papéis nas organizações."

Várias oposições entram emjogo nos conflitos: necessidade da organização versus


necessidade pessoal, racionalidade versus irracionalidade, disciplina versus autonomia,
relagoes formais versus relações informais e administração versus corpo técnico.
Interesses contraditórios geram no cotidiano escolar conflitos entre a administra-
ção, em especial o diretor que a representa, e subgrupos que fazem coalizões para
ampliar seus espagos de poder. Bachrach e Rawer (1981) analisam que

105
O Trabalho Docente

"... as coalizões podem solapar, modificar ou sustentar as rela-


ções de poder formalmente estabelecidas pela hierarquia de auto-
ridade..."

de onde depreendemos sua importancia na descrição das relações de poder nas es-
colas que observamos.
Por um lado, as relações entre os professores que reivindicam melhores condi-
ções de trabalho e o diretor, que representa a administração, são fontes permanentes
de conflito. Por outro, a rotatividade decorrente das remoções que ocorrem a cada
ano e o absenteísmo provocado, no mais das vezes, por desmotivação e pelos baixos
salários - ambos sérios problemas na escola - conduzemà ruptura de laços sociais
importantes para a manutenção da tranqüilidade na unidade escolar.
Gostaríamos de acrescentar que a conscientização dos conflitos e de suas causas
poderia ser positiva para a comunidade na qual ocorre. Assim, para Motta,
"... o contato com realidades sociais explosivas levaà consci-
ência da necessidade de administrarse o conflito plenamente, como
forma de manutenção do poder." (Motta apud Bastos, Seidel, 1992,
p. 53)

A postura do diretor frente aos conflitos que acontecem na escola e a sua com-
petencia ou habilidade para administrá-los pode ser determinante para sua manuten-
ção no cargo, conscientemente entendido como u m aposição estratégica no quadro
das relações de poder.
Outra postura assumida pela administração diante dos conflitos é ignorar ou "aba-
far" a situação, para dar continuidade a projetos estabelecidos; "desconhece-se tan-
to" o conflito interno nas microcélulas do sistema, quanto na própria escola. Isso, no
entanto, nao parece aplicar-se às greves, que fogem ao controle dos diretores.
Multiplica-se, conseqüentemente, o que denominamos de "arranjos institucionais",
que acabam por privilegiar grupos detentores do poder ocasional. Este "jeitinho" no
interior da escola pode, por vezes, ser determinado por coalizões com interesses an-
taçõnicos. Tudo ocorre como se houvesse u m averdadeira tranqüilidade. Os profes-
sores que conquistam o maior número de alunos como adeptos sentem-se no direito
de decidir sobre a maioria dos aspectos, tais como: o programa a ser cumprido, afas-
tamento ou permanencia de alguns professores que sao contrários ao seu projeto ideo-
lógico, aulas a serem dadas ou não, etc. Enfim, sentem-se com o direito de centralizar
em suas mãos as decisões administrativas e pedagógicas.
Protegida pelo muro do silencio e por múltiplos e variados interesses, a crise grassa
pelo espago escolar, atinge o corpo institucional, destrói o organismo escolar e leva a
umaprática pedaçõgica questionável ou nula, que produz alunos sem os necessários

106
O Diretor da Escola Pública, um Articulador

conhecimentos e com u m avisão distorcida da vida e da sociedade. Estes seriam as


vítimas de vitoriosos ocasionais, em decorrência da alienação da administração ou das
coalizões ou "panelinhas" de docentes e funcionários que nao se conscientizam de que
na ponta mais frágil do processo está o educando, que arca com o maior prejuízo.
Discursos ideológicos radicais podem servir de biombo para a incompetencia
técnico-pedaçõgica. Nesse sentido, conquanto a democracia pressuponha a pluralidade
de idéias, parece questionável tentar induzir as pessoas a viverem movidas por inte-
resses de outros, como se fossem seus, em nome de opções ideológicas particulares.
O aflorar das diferengas, o despertar e o cultivo da amizade como valor universal
e o saber lidar com os próprios limites compõem o cenário para operacionalização
das propostas pedagógicas. Nesse sentido, podemos afirmar que a burocracia só tem
sentido quando facilita o desabrochar da vida. Quando não leva em conta a dinámica
da existencia humana ela é um instrumento de negação da humanidade e, portanto, da
democracia; conseqüentemente, abre campo para o fortalecimento do autoritarismo.
Esse aspecto da burocracia evidencia as divergencias ideológicas, as diferentes
posturas educacionais, os blocos de privilegiados que se formam e se escondem atrás
dos discursos que se radicalizam e impedem qualquer tipo de atitude participativa ou
consensual. Na verdade, seu lema é participar para obstruir. O que acaba ocorrendo
é que as coalizões adquirem posições notadamente antaçõnicas e as relações de po-
der ganham um caráter coercivo ou manipulativo.
Tais considerações permitem inferir que as relações de poder são imanentes ao
sistema educacional, pois as escolas, tais como estão hoje estruturadas, burocratiza-
das e hierarquizadas, organizadas de maneira "formal", ao revés da administração
central, constituem palcos para a geração de conflitos, resistencia e perda de valor
referencial. Essa percepção leva a crer que a administração central tem sido bem-su-
cedida ao acobertar, sutilmente, as manifestações dos conflitos e da resistencia no micro-
universo escolar, impedindo que as divergencias se tornem públicas. Sem apretensão
de minimizar o papel do Estado nas relações existentes em nossa sociedade, cumpre
alertar para sua responsabilidade no que tange ao ensino público.

8.3 Os Conflitos do Poder Administrativo

Em nossa pesquisa, a figura do diretor de escola pública se nos apresenta como


a de um indivíduo perplexo, marcado por u m avisão fragmentada da realidade que o
cerca, concursado, efetivado e pronto para administrar a instituição social em que se
transformou a escola; trata-se de um professor egresso da sala de aula, com insufici-
ente competencia técnica, cuja visão de educação é destituida de senso histórico. Al-
gado ao cargo, no quadro de um sistema extremamente hierarquizado, cada vez mais

107
O Trabalho Docente

burocratizado, ele tende a posicionar-se como indivíduo investido de um cargo, não


se reconhecendo, muitas vezes, como educador e como pessoa, certo de que suas
atribuições e competencias legalmente previstas definirão quem manda e quem obe-
dece, com o risco de resvalar sorrateiramente para o autoritarismo, que viria ocultar
sua fragilidade para lidar com as questões humanas, especialmente com o poder.
O cargo de diretor de escola é definido em termos legais, a partir dos pré-requi-
sitos que preconiza a lei, para que o indivíduo possa ocupá-lo. Segundo estabelece o
Estatuto do Magistério, Lei Complementar n° 444/85, da Secretaria de Estado da Edu-
cação de São Paulo, o cargo de diretor de escola é provido através de concurso pú-
blico de provas e títulos, por nomeação ou acesso, com os seguintes pré-requisitos:
licenciatura plena em Pedagogia, com habilitação específica em Administração Esco-
lar; pelo menos cinco anos de exercício de docência e/ou como especialista de educa-
ção de ensino fundamental e médio, ou três anos de efetivo exercício no cargo de do-
cente e/ou especialista do magistério público oficial de ensino fundamental e médio, da
Secretaria de Estado da Educação de Sao Paulo; portanto, trata-se de um cargo de
carreira do magistério.
O Regimento Comum das Escolas Estaduais de Ensino Fundamental estabelece
que o diretor de escola é "competente" para mandar, delegar, punir, vigiar, represen-
tar...; recebe um encargo de "semideus", ou seja, o Estado postula-se o papel de le-
gislador e conduz o diretor a acreditar que deve ser esta sua principal função, em de-
trimento da dimensão educacional, e facilitador das relações no interior da escola. Diante
do Estado, a função do diretor acaba cingindo-se a fazer cumprir as leis, os regula-
mentos e determinações promulgados com o intuito de melhorar o funcionamento da
escola e do ensino na rede oficial.
Restrito ao cumprimento das leis, o diretor deixa de responder às reivindicações
da comunidade, quando colidentes com os interesses do Estado. Atendê-las pode sig-
nificar umaameaça aos interesses dominantes, umadesobediencia ao poder constitu-
ido. Disso pode decorrer sua postura de contrariar os anseios de alunos, professores,
pais e comunidade no sentido mais ampio. Contudo, umacontradiçõo entre as conve-
niencias do Estado e da comunidade, nesse caso, acaba por negar a Constituição, princi-
palmente o art. 203, que preconiza a participação popular nos equipamentos públicos.
Frente ao jogo dos interesses políticos partidários ou da situação de resistência
da comunidade intemaem abrir espago, a comunidade extemadeixa de usufruir do
seu direito constitucional de participar e a escola perde u m ade suas atribuições, que
é a de instrumento facilitador do exercício da cidadania por parte da população. Manzini
- Covre (1990) chama nossa atenção para o fato de que esses equipamentos promo-
tores da participação possibilitam o treinamento da população para a cidadania, cons-
truindo o novo homem público na sociedade brasileira.
As lutas nas instituições escolares são de caráter político-pedaçõgico e a ordem
jurídico-institucional não consegue administrá-las. Na análise dos conflitos, evidencia-

108
O Diretor da Escola Pública, um Articulador

2
se que certos diretores ignoram essa faceta do poder, da "emergencia", que ocorre
na dinámica da irrupção, como um vulção que traz do subterrâneo terçãs avassaladoras
que chegam à superfície com todo seu vigor.
Essas considerações sobre a emergencia do poder nas instituições, enquanto
micropoder e em termos de sua intervenção no espaço escolar, nos remetem àpre-
missa da arquegenealogia de Foucault. O que se pretende é apreender como esses
micropoderes, que possuem tecnologia e história específicas, se relacionam na base
da sociedade em seu nível mais elementar. É preciso lembrar que, segundo Foucault,

"… o poder não existe, existem sim práticas ou relações de po-


der. " (Machado In: Foucault, 1981, p. XIV)

As práticas a que se refere Michel Foucault ocupam hoje o interior de nossas


escolas, causando lutas, tensões e contradições, uma vez que a disputa das coalizões
para ter acesso ao exercício do poder torna-se cada dia mais intensa.
Outro aspecto a ser considerado é o grau ded e s c o n t e n t a m e n t odos educandos
em relação à ordem estabelecida, à medida que a escola nao consegue satisfazer suas
necessidades intelectuais e emocionais. Isso decorre, em grande parte, do excessivo
envolvimento do corpo docente em lutas ideológicas ou de poder e leva a questionar
a atuação e a relevância da escola na sociedade.
O envolvimento dos diretores com as

"… malhas burocráticas das determinações formais emanadas


dos órgãos superiores…"

para empregar a expressão de Paro,

"… constitui um obstáculo à sua atuação como educadores."

A burocracia, como apontara Tragtenberg, ou o burocratismo que domina a escola


tem n a a n o m i a e no autoritarismo suas duas faces (1985, p. 12).
A o priorizar a burocracia, os diretores afastam-se das outras dimensões de sua
missão. Nesse sentido, a instancia da autoridade torna-se omissa. A autoridade, no
pensamento de Freire, é insubstituível no processo educativo. Sua ausencia é um ca-
minho fértil para a indisciplina, que não conduz a lugar algum.

2 A emergência pode ser definida como o ponto de surgímento de um conceito, de um sen-


timento ou de um individuo, sempre produzido num determinado espaço de força. Talvez
possamos definir a emergencia como manifestação e atuação das forças na vida do indi-
víduo ou da s o c i e d a d e . Onde existe a pessoa humana, existe o poder, c o m seus
contrapontos de resistencia presentes nas r e l a õ e s . O poder emerge dos bastidores para
o palco da vida.

109
O Trabalho Docente

A legislação específica que determina o sistema, os inúmeros órgãos centrais e


intermediários, as funções e divisões internas, o "acomodograma" da estrutura pirami-
dal da Secretaria de Educação do Estado de Sao Paulo, é o Decreto n° 7.510/76, de
espirito tecnicista, reforçado pelo Regimento Comum das Escolas Estaduais de Ensi-
o o
no Fundamenta] e M é d i o (antigos 1 e 2 Graus),3 nos quais se imprimem claramente
todas as atribuições e competencias que tornam o diretor um "feitor".
Os diretores, preocupados com sua autoridade e seu papel a desenvolver, te-
m e m que relações mais igualitárias ou horizontais entre eles e a comunidade provo-
quem uma alteração das relações de poder formalmente estabelecidas. A conseqüên-
cia é que os alunos perdem o sentido do limite, da disciplina que Foucault caracteriza
como aquilo que ajuda o homem a produzir e a se integrar nas relações sociais. A o
representar o poder do Estado, em consonancia com as leis, regulamentos, regimen-
tos e normas dele emanadas, na tentativa de coibir a "desordem" e construir a "or-
dem", alguns diretores desconhecem que o poder nao emana unicamente do Estado
para os individuos e que no interior da escola as manifestações de poder nao podem
ser evitadas. Elas certamente emergem das necessidades circunstanciais que ocorrem
no espaço em que a comunidade atua.

8.4 Educar para a Liberdade e para a Cidadania

Queremos recuperar a idéia de que a escola pode subsidiar a transformação da


sociedade mediante a criação de iniciativas renovadoras, com propostas pedagógicas
libertadoras. O educador tende sempre a nutrir a esperança da construção de u m a
nova ética e do explicitar das grandes questões sociais e filosóficas.

"… sem esperança, a educação" acredito eu "permanecerá no


mesmo lugar. Já sabemos quais são os problemas, reconhecemos
as dificuldades profissionais dos diretores de escola, dos professo-
res, dos funcionarios da educação em geral…" (Guimarães, 1985,
p. 15., grifo nosso)

3 Gustaríamos de apresentar algumas das principais atribuições e competencias do diretor


de escola, preconizadas nessa Lei: definir a linha de ação a ser adotada pela escola, ob-
servadas as diretrizes da administração superior; propor instalação de classes; estabele-
cer os horários das aulas, expedientes, etc.; presidir o Conselho de Escola; submeter
quaisquer planos á Delegacia de Ensino; responder pelo cumprimento, no ámbito da es-
cola, das leis, regulamentos e determinações, bem como prazos para execução dos traba-
Ihos estabelecidos pelas autoridades superiores.

110
O Diretor da Escola Pública, um Articulador

Reforçamos que educar para a liberdade não significa, como parecem entender
alguns professores e diretores, uma educação pautada no "assembleísmo" apresenta-
do com uma feição democrática; na realidade, é um "democratismo" que acaba por
caracterizar-se como uma das expressões do autoritarismo. Não há consenso entre
os educadores e quem não concorda com aqueles que estão liderando é obrigado a
silenciar.
A escola atua como um instrumento de transformação, quando exorciza a tirania
que nela possa residir, tanto da parte do diretor, dos professores, funcionários e alu-
nos, quanto da própria comunidade local. A escola deve ser um canteiro que permita
o germinar de uma pluralidade de idéias e de projetos pedagógicos, onde se consiga
uma unidade entre teoria e prática, a verdadeira prá0xis.
Para Ivone Khouri (apudD' Antola, 1989), é evidente a necessidade de uma outra
organização para o funcionamento da escola. É preciso ir em busca de uma nova dis-
ciplina, ou melhor, de uma antidisciplina, que leve à redefinição de papéis e a novas
responsabilidades e direitos para todos. O que não se pode permitir é que, em nome
de um democratismo e de uma pseudoparticipação, desarticulem-se os projetos pe-
dagógicos das escolas públicas. Em nossa leitura, o que a autora denomina de
antidisciplina é uma forma diferente de se fazer a disciplina. O que desejamos eviden-
ciar é que a participação pode ocultar ou mascarar as estratégias de manipulação.
O processo de indisciplina que se instaura nas escolas pode ser compreendido a
partir das relações de poder que advêm dos diferentes valores das pessoas que com-
põem as comunidades interna e externa das escolas e que perpassa todo o universo
da prática pedagógica, a qual só será efetiva se atender sempre às necessidades do
aluno e da comunidade a que serve. Épor essa razão que transformar a escola em
palco de lutas ideológicas ou de interesses panfletários pode desviá-lade seus princi-
páis objetivos e, em especial, de formar o aluno para a cidadania.
É na construção da unidade entre teoria e prática que os discursos panfletários
perdem sua força, deixando emergir as categorías universais de disciplina e democra-
cia, que ganham vida nova no desenvolvimento das relações.
Isso significa que nem sempre o sentido da categoria em sua gênese seja o mes-
mo em seu desenvolvimento. Por conseguinte, uma leitura de Foucault mostra que ele
não estuda a disciplina em sua origem apenas como adestramento, mas tenta apanhá-
la em sua evolução, como instrumento para a liberdade.
Nosso intuito é ressaltar o fato de que na relação entre teoria e prática pode-se
perceber o currículo oculto e o manifesto. O que certos grupos de professores no in-
terior da escola desejam é manipular os alunos; para tal finalidade, tentam articular e
vender a imagem do "lobo pelo cordeiro e deste pelo do lobo". Esta metáfora quer
dizer que a autoridade se confunde com autoritarismo, que se apresenta como autori-

111
O Trabalho Docente

dade; tudo isso para "controlar" os alunos. Essa idéia torna-se mais explícita na
constatação de que a

"… massa dos alunos é conduzida por impulsos emotivos, habil-


mente manipulados por professores em quem depositam confiança
cega e que sabem usar o poder subterrâneo e sussurrar palavras
de ordem, que, depois, são repetidas pelos alunos no enfrentamento
de qualquer autoridade." (Lucchesi, 1994, p.78)

Destacamos, ainda, que a disciplina, ou a autodisciplina não deve ser entendida


como meio de adestramento, mas como sistematizadora das relações homem-meio e
construtora da liberdade. O que buscamos é o aluno disciplinado, mas nao submisso,
pois se a disciplina implica liberdade individual, com ela temos de construir a respon-
sabilidade social:

"Numa democracia, ninguém deve ser educado para obedecer,


mas sim para colaborar e respeitar os direitos alheios… no afã de
evitar o autoritarismo, … corremos o risco de… cair no… excesso
de liberdade, que pode levar ao desrespeito e à confusão entre os
conceitos de autoridade e autoritarismo." (D'Antola, 1989, p. 49)

Nossa compreensão do que ocorre no interior de algumas escolas é de que o


excesso de libertinagem acaba por confundir a idéia de autoridade c o m a de
autoritarismo, o que permite aos alunos e a alguns professores romper os limites. Quanto
aos demais professores, aqueles que se mantêm à margem do processo, acreditamos
que, em que pese serem caracterizados como competentes, sao coniventes ou, no
mínimo, cúmplices, porque o contrapoder só ganha sustentação quando encontra eco.
N a maioria dos casos esses professores permitem a manipulação dos demais, porque
são omissos e a omissão é u m componente do poder.
Podemos tentar abolir as punições, abrandar a disciplina, subverter a ordem.
Porém, o poder disciplinar, que atinge tanto nossa vida pública quanto privada, conti-
nua a crescer, está presente, mesmo que sempre aja de modo não-manifesto e inter-
mitente. Trata-se de um poder menos dominador, mas muito mais manipulador. Não
tem a intenção de punir, mas de disciplinar.

"É preciso ter consciência dos micropoderes, para resistir ou


concordar, mas, principalmente, para manter nosso indispensável
pressuposto de liberdade." (Lucchesi, 1994, p. 82).

Postula-se também que as estruturas educacionais, sociais e políticas da socie-


dade brasileira disseminam uma cultura autoritária. Ao estudar a "tramalidade", abre-
se, ainda, mais uma indagação: como é possível, no espaço de poder ou na arena dos

112
O Diretor da Escola Pública, um Articulador

conflitos, desenvolver urna educação para a cidadania, sem que ela se transforme numa
educação para a violencia?
Obviamente,

"… refletir sobre disciplina num país que prima pela desorgani-
zação, pelo desrespeito a todo e qualquer tipo de ordem ou norma,
que coloca interesses de algumas pessoas ou grupos minoritários
poderosos acima até dos valores humanos de dignidade, respeito e
solidariedade, é não só uma proposta temerária, como um grande
desafio." (Vianna In: D'Antola, 1989, p. 13)

8.5 Considerações Finais

Desvelar a "tramalidade" do poder na escola, apresentando alguns de seus ato-


res, já é um primeiro passo para o repensar sobre os limites e fragilidades da integração
entre competencia política e técnica nos profissionais da educação. As falhas concep-
ções de educação e a inabilidade política reinante têm-nos mantido prisioneiros de várias
formas de poder, quer do Estado, quer do aluno, dos diretores, do corpo técnico-
administrativo, de ideologias, de segmentos de professores, da comunidade.
Embutido no processo de descaso e sucateamento que assinala o ensino público
no País, uma agravante a mais são as relações de poder no interior da escola, que se
manifestam por conflitos ideológicos, disputas pelo poder, afrontas à disciplina e,
mesmo, desacato à própria legislação.
Enfatizamos a idéia da autoridade e da importancia do diretor no processo de
condução das ações educativas. A autoridade tem como uma de suas atribuições es-
tabelecer e construir os limites. Compreendemos que, muitas vezes, o diretor foge desse
papel importante que se constrói no contato com os alunos e professores, priorizando
coisas corriqueiras, como a grade da janela, o prego que caiu, a lâmpada queimada…,
perdendo-se o que talvez seria o aspecto mais importante de sua missão: a questão
disciplinar, que não se resume no adestramento, mas constitui um instrumento privile-
giado para ajudar o aluno a enfrentar a vida de forma a construir-se.
A prática cotidiana demonstra que a escola, como instituição social, não está con-
seguindo desincumbir-se de todas as tarefas que lhe são imputadas. U m a observação
participante leva à constatação de que as relações de poder estão equivocadas. Para
vislumbrar o que realmente ocorre, é preciso distinguir as manifestações externas das
máscaras do poder.
O poder é intrínseco à escola e as lutas que o envolvem são travadas entre os
diversos segmentos da comunidade escolar: entre diretor e alunos, professor e alunos,

113
O Trabalho Docente

alunos e alunos. Em todas essas relações, o poder subterrâneo manifesta-se a todo


instante. A categoria "poder" perpassa as concepções de autoridade, autoritarismo,
burocracia, hierarquia, instituição, liberdade, disciplina e saber.
Emerge aqui uma pergunta: Como garantir um projeto educacional que contenha
a utopia da democracia, numa situação de poder latente, como é o caso de algumas
escolas? Porque democracia não é negar as diferenças, mas aprender a dialogar com
elas, canalizando-as para um projeto maior de humanização das pessoas envolvidas.
Desafio essencial da educação é construir o homem público, não só consciente
dos seus direitos, mas também dos seus limites, empenhado na promoção do bem
comum. Nesse sentido, Heller (1989, p. 35) alerta que o homem maduro é aquele que
sabe lidar com esses limites. Isto não significa negar o poder delineado por Foucault,
como algo antropológico. Assim como Heller e Foucault, poderíamos dizer que o ho-
m e m maduro é aquele que sabe lidar com o poder para conquistar os seus espaços e
constaur o bem comum.
U m dos desafios aí colocados é o da autoridade do educador, que poderia ser
melhor explicitado na seguinte questão: Como educar para a liberdade sem que pro-
fessores e diretores percam a autoridade ou caiam no laissez-faire ou no autoritarismo?
A esse respeito, concordamos com Demo quando ele afirma que

"... agir de modo autoritário não combina com a educação, mas


perder a autoridade também não." (1990, p.112)

A garantia de uma prática educacional democrática está no envolvimento de to-


dos os atores no interior dessa prática. Ela é de todos, todos devem opinar, participar,
defender seus interesses, apresentar projetos em vista de uma educação que possa
construir a utopia da democracia.
U m outro desafio é referente á concepção da escola pública voltada para servir
à comunidade, no cumprimento de sua missão de educar para a democracia. Nessa
medida, professores e diretores devem possuir uma formação política e técnica que
possibilite aos discentes obter competência para a vida em sociedade.

"... educação não se esgota na face propriamente política ... mas


inclui sempre a face técnica, ligada à informação e ao ensino. Não
poderia ser cidadania competente aquela desinformada, analfabeta,
destituída de instrumentações técnicas para enfrentar a vida em
sociedade." (Demo, 1990 p.81)

É mister ressaltar que, em que pese as lutas de poder que se estabeleceram em


algumas escolas, preferimos dizer que temos boas notícias, pois freqüentemente nos
recordamos de alguns elementos de nossa prática de educadora, num reflorescer dos
sonhos, que voltam a criar vida no presente e a se projetar para o futuro, superando

1 14
O Diretor da Escola Pública, um Articulador

os desencantos da jornada. A esperança teimosamente se mantém viva, naquilo que


podemos chamar de pessimismo do intelecto e otimismo da vontade (Gramsci, 1989,
p. 223). Pela inteligência, reconhecemos a inexistência de uma vontade política de le-
var a bom termo o processo educacional. Mas, a cada pequena vitória, sentimos a
velha paixão sendo correspondida, a paixão por "educar os homens".
O que sempre nos conforta é o fato de não estarmos sozinhos nessa luta. Conhe-
cemos em nossa trajetória muitos professores, diretores e pessoal de apoio que, ao
extrapolarem suas funções, criaram em escolas públicas verdadeiras "ilhas de exce-
lência". Pintaram paredes, organizaram festas, fizeram bingos, saíram em busca de
contribuições, mobilizando a sociedade civil, para que esta os ajudasse a cumprir aquilo
que o Estado, embora por dever constitucional, devesse aos cidadãos e, por sua máquina
burocrática emperrada, tantas vezes deixou de desempenhar. Para Nosella, há uma
polaridade que reflete a realidade brasileira na escola,

"... reproduz o melhor de nossa tradição educacional... levada


em frente por bravos educadores que, maís recentemente, criaram
heróicas associações de resistência, mas, ao mesmo tempo, reflete
o descaso e a incompetência de nossos dirigentes ... " (1993, p. 97)

C o m o valorizar o professor sem desvalorizar o aluno e vice-versa é um outro


desafio que pode aqui ser colocado, porque é no equilíbrio dessa relação que se pro-
cessa o sucesso de um projeto pedagógico. A desvalorização dos agentes da educa-
ção é um fator que leva ao absenteísmo, à sabotagem, à busca de compensações se-
cundárias, a patologias de variados tipos, como apontam os especialistas, em prejuízo
da qualidade do ensino.
Finalmente, um outro desafio é que diretores e professores devem partilhar a
angústia dos limites da0educaçãocom a sociedade civil. É imprescindível o envolvimento
de todos os segmentos sociais para estabelecer um projeto educacional que vise mo-
dernizar a sociedade brasileira. A concretização desse objetivo requer que os educa-
dores aprimorem suas habilidades política e técnica para subsidiar a sociedade.
E m síntese, um dos maiores desafios colocados para professores e diretores é o
da competência técnica e política para equacionar as manifestações de poder no inte-
rior da escola, elaborando propostas educacionais que levem em conta essa realida-
de. Esse texto assume como um dos seus objetivos colaborar para tal fim. Se isso ocorrer,
já nos sentiremos gratificadas.

Referencias Bibliográficas

A P P L E , Michel W. Educagáo e poder. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.

115
O Trabalho Docente

FOUCAULT, Michael. Microfísica do poder. 2a ed. Rio de Janeiro: Graal, 1981.

Vigiare punir. Petrópolis: Vozes, 1977.

FREIRE, Paulo. "Dialogando sobre disciplina com Paulo Freire". In: Disciplina na escola: autoridade versus
autoritarismo. São Paulo: EPU, 1989.

G R A M S C I , Antonio. Os intelectuais e a organizçãio da cultura. 7a ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasilei-


ra, 1989.

K H O U R I , Ivonne. "Disciplina X Antidisciplina". In: Disciplina na Escola: autoridade x autoritaismo. São


Paulo: EPU, 1989.

M A N Z I N I - C O V R E , Maria de Lourdes. A cidadania que não temos. São Paulo: Brasiliense, 1986.

MOTTA, Fernando Cláudio Prestes. Organização e poder, empresa, Estado e escola. São Paulo: Atlas,
1986.
Q
NOSELLA, Paolo. "Em busca da organicidade da escola pública de 1 grau". In: Idéias 16, São Paulo: FDE,
1993.

PARO, Vitor Henrique. Administração escolar, introdução crítica. 4a ed. São Paulo: Cortez, 1990.
a
S A V I A N I , D e r m e v a l . Educação. Do senso comum à consciência filosófica. 1 0 ed. São Paulo: Cortez/
Autores Associados, 1 9 9 1 .

SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO. Estatuto do Magistério. Lei Complementar 444/85.

SILVA J Ú N I O R , Celestino Alves. A escola pública como local de trabalho. São Paulo: Cortez, 1990.

I 16
CAPÍTULO 9

Buscando Novos
Caminhos para a Supervisão
Martha Abrahão Saad Lucchesi

experiência aqui narrada representa para mim grande realização como educa-
dora e cidadã porque possibilitou unir minha visão transformadora adquirida na aca-
demia à prática profissional, um casamento feliz e fecundo.
Após o Mestrado, foi-me colocado um desafio: reestruturar uma escola que se
encontrava em situação bastante crítica. Infelizmente, algumas vezes existe certo pre-
conceito contra o profissional que prossegue sua formação acadêmica, como se esta
fosse incompatível e até prejudicial à prática e não, ao contrário, um importante instru-
mento de crescimento e apoio desta. Estava posto o desafio. Era a oportunidade para
testar a minha crença na reflexão-ação-reflexão.

9.1 Reconhecendo o Terreno

A chegada de um novo supervisor a uma Unidade Escolar é sempre um momen-


to de tensáo num campo de forgas e de poder. A realidade apresentou-se pior que o
esperado.
O Trabalho Docente

Ao entrar no hall do edifício escolar, meus olhos captaram num relance o estado
de abandono e desmotivação em que se encontrava a escola, bem como o corpo do-
cente e de funcionários. O hall era simbólico. Como em certos filmes ou literatura, o
cenário falava das pessoas que ali viviam: descuidado, cheio de objetos quebrados,
sujo, apesar da arquitetura de época e de certa imponência do prédio. Abandono,
caos, desarticulação, falta de organicidade, desmotivação, o hall tornara-se um sím-
bolo do aniquilamento.
Os escombros eram resultado de um conflito institucional entre a Delegacia de
Ensino e a Unidade Escolar, que havia passado por uma sindicência administrativa. A
documentação foi regularizada, mas os atores do processo educacional foram
destruídos. A escola, vista como entidade abstrata, foi "posta em ordem", mas, como
não existe concretamente sem as pessoas que nela trabalham, foi, na verdade,
desestruturada. As vontades humanas foram curvadas ao que, supostamente, repre-
sentaría o interesse do Estado. Estavam todos assustados. E o educando, que deveria
ser o final e o centro das atenções, fora simplesmente relegado ao esquecimento. O
meio virara fim.

"As estruturas organizacionais escolares, em sua maioria fun-


dadas na perspectiva burocrática, levam os educadores nelas atu-
antes a não se perceherem como sujeitos responsáveis pelo que
ocorre, mas meros executores de papéis determinados pelo "poder".
De fato, ao dividir rigidamente o poder e o trabalho, a proposta
burocrática cria condições para o imobilismo e a impessoalidade,
sendo ocasião muito propícia para que se dê um grave fenômeno:
o da ocultação e esquecimento do sujeito condutor do processo edu-
cacional escolar." (Militão, 1996, p. 95)

Para o autor, toda construção humana - e, nesse caso, a escola - é fruto da ação
de pessoas concretas que, intencionalmente ou não, produziram uma dada realidade.
Essas pessoas são, assim, sujeitos da ação desenvolvida.
Ao novo núcleo de direção, composto por profissionais com competência téc-
nica, faltava motivação e laços com a escola, por desconhecerem a história da insti-
tuição.
O resultado dessa desestruturação era a ausência de uma situação educativa
configurada e de um projeto pedagógico. Como conseqüência, os índices de evasão
e repetência eram altos. Havia alunos nas classes, professores em aula, secretaria com
documentação, direção a postos e, ao mesmo tempo, uma sensação de abandono,
desmotivação e cumprimento estrito da lei, ainda que com enorme resistência, princi-
palmente por parte dos alunos, por causa das aulas desinteressantes e dos professo-
res desinteressados.

1 18
Buscando Novos Caminhos para a Supervisao

9.2 O Papel do Supervisor

As atribuições do Supervisor de Ensino, previstas no Decreto n° 7 . 5 1 0 / 7 6 e


ainda na Del. C E E 26/86 - com alterações introduzidas pela Del. 11/87 específica
para a rede particular, com caráter de orientação - vêm sendo cumpridas pelo grupo
de supervisão. N o entanto, é preciso não tornar a legislação uma espécie de "cartilha"
do supervisor, uma camisa-de-força, que, quando não bem entendida, inviabiliza qual-
quer prática democrática. Contudo, a p r á x i s pode possibilitar o encaminhamento para
a democracia, depende do e d u c a d o r que existe em cada um, a escolha varia de acor-
do com o sistema de valores do leitor das normas emanadas do Estado.
A Supervisão Educacional tem por objetivo contribuir para a melhoria contínua
das condições técnicas, organizacionais e humanas e, como conseqüência, do currí-
culo, eficiência e eficácia do ensino, o que é essencial para animar u m a escola
desmotivada, desinteressante, anacrônica. O tipo de educação que estamos oferecendo
em nossas escolas públicas, obsoleta para a era industrial, está se tornando inviável
para a era da informação.
Historicamente, a supervisão surgiu como resposta à necessidade de orientar
profissionais para exercer novas funções e papéis. A construção de u m modelo de
supervisão, condizente com as necessidades educacionais do País, deveria ser reali-
zada pelos sujeitos do processo.
A supervisão escolar deriva de uma relação de força entre o poder controlador
e as várias unidades, públicas e privadas que ministram a educação. O confronto de
forças entre o macro e o micro no sistema de ensino converge na figura do supervisor,
herdeiro moderno do inspetor de ensino.

"(…) o poder não é principalmente manutenção e reprodução


das relações econômicas, mas acima de tudo uma relação de for-
ça." (Foucault, 1995, p. 176)

As relações de poder, na visão foucaultiana, não têm a conotação pejorativa de


outros autores. Para ele, o poder é, antes de mais nada, produtivo, contexto em que

A supervisão é a representação legal da relação de força entre o Estado e a


de imposição, pode servir tanto à burocracia estatal como à escola, ajudando a

"A questão fundamental é realmente a nova maneira de conce-


ber a autoridade dentro da organização." (Alonso, 1988, p. 47)

119
O Trabalho Docente

9.3 Escola Pública: Sentido e Função

Eu habito a escola e a escola me habita. É uma relação de paixão estabelecida


desde a mais tenra idade. Sempre gostei de estar lá. Recordo-me sempre de que não
conseguia compreender a expectativa dos que me cercavam, quando ia para uma nova
escola. Chegava simplesmente, instalava-me e sentia-me parte, nunca infeliz, nunca
alheia, jamais entediada, mas sempre integrada ao organismo escola. Ainda hoje, a
cada dia, mesmo trabalhando em duas ou três escolas de ensino fundamental e médio
ou superior, em todas me sinto parte integrante.
É u m a relação dialética, complementar, porque sinto a reciprocidade dos seus
membros. U m processo permanente de reflexão-ação-reflexão-nova ação que m e
permite construir meu mundo e o mundo da escola, que permanentemente interagem,
compreendem-se, construindo um reinventar a cada dia, um refletir a cada noite.
1
Minha atividade como educadora concretiza aquilo que afirma Edgar Morin:

"Caminhante, o caminho se faz. no caminhar. "

Mais ainda, tudo faço num exercício de paixão, às vezes, inconsciente de mim
mesma, outras vezes lúcida, que me permite reconstruir uma prática tantas vezes

A prática refletida tem me demonstrado que a educação se concretiza sobretudo


a partir de recursos humanos motivados e qualificados. Transmitir minha paixão pela
escola a quem ainda não possui e valorizá-la em quem já a vivencia tem sido uma

Essa postura talvez não seja norma geral no ensino público. Mas, felizmente, muitas
vezes, encontrei, nas escolas em que trabalhei, tenacidade e dedicação do núcleo de
direção, funcionários e professores, que, verdadeiras trincheiras de luta em favor da
educação, realizavam um projeto educativo, apesar e além das regras estabelecidas
pelo Estado.
Os trabalhos que realizam acabam por fazer parte de sua própria personalidade.
Contudo, infelizmente, não se trata de uma unanimidade entre os educadores. Não
porque alguns sejam menos capazes ou desinteressados, mas, sobretudo, porque não
conseguiram vislumbrar as possibilidades de superar os muros que o Estado estabele-
ce, limitando ao mínimo aquilo que se dá ao educando. Muitas vezes, o Estado cum-
pre sua função com um padrão limitado, enquanto o educador deseja o máximo. O
Estado, na verdade, é em si mesmo frio, porque abstrato, ao contrário do educador e
do educando, seres humanos, concretos e vivos. A relação entre eles, em conseqüên-
cia disso, muitas vezes torna-se tensa e corre o risco de tornar-se improdutiva.

1 Conferência proferida na PUC/SP em outubro de 1996.

120
Buscando Novos Caminhos para a Supervisáo

A escola pública tem o dever de produzir educação de qualidade para a popula-


ção. Não é um favor que o Estado presta ao povo, é um dever constitucional, um di-
reito subjetivo do cidadão, que paga caro por ela, através de seus impostos. Quando
não atinge os fins para os quais foi criada, a educação se torna ainda mais cara. Quais
são esses fins? O primeiro é a educação do sujeito cidadão. Os demais, como a for-
mação de profissionais capacitados, são decorrência do primeiro e a eles estão ou
deveriam estar subordinados.
Freqüentemente, a educação pública se reduz a um cumprimento mínimo das
exigências constitucionais, sem objetivos claros.
A administração da educação tem considerado apenas interesses políticos e
clientelistas. Na escola, mais do que em qualquer outro lugar, faz-se necessária a com-
preensão de que o funcionário público é pago pelo povo e a este deve servir. Esse
funcionário tem de ser motivado, vislumbrar o sentido de sua missão, pois a relação
entre educadores e educandos é tão vital que qualquer deslize traz conseqüências gra-
ves e imediatas. E foi desse modo, desmotivados e sem rumo, que encontramos os
educadores da escola que aqui analisamos.

9.4 Os Primeiros Passos

Feito o diagnóstico, precisou-se resgatar o educador adormecido nos sujeitos, o


que só é possível em uma relação de confiança entre a supervisão, que representa o
Estado impessoal, e a unidade escolar, mais ligada à comunidade concreta e

"A escola atua como um instrumento de transformação, quando


exorciza a tirania que nela possa residir, tanto da parte do diretor,
dos professores, funcionários e alunos, quanto da própria comuni-
dade local. Dentro deste quadro, também o supervisor pode esta-
belecer relações mais igualitárias e parcerias. A escola deve ser um
canteiro que permita o germinar de uma pluralidade de idéias e de
projetos pedagógicos, onde se consiga uma unidade entre teoria e
prática." (Lucchesi, 1994, p. 78)

O princípio norteador para o resgate foi o estabelecimento de parcerias:


valorização. O primeiro passo foi com relação à outra supervisora, designada para
ajudar-me junto à Unidade Escolar. Sendo ela uma pessoa que centra seus interesses
no educando (o que a tornava especial dentro de um grupo no qual a maioria se iden-
tifica como representante do Estado), foi possível contar com ela como agente facilitador
do resgate.

121
O Trabalho Docente

A estratégia foi o fortalecimento do coletivo da escola através de seus membros


permanentes, de modo que os membros transitórios, no caso, nós, supervisoras, so-
lidificassem a autonomia da unidade escolar, capitalizando ou contornando as inter-
venções estatais.
Propusemos criar relações horizontais, de parceria, o que é possível, pois, em-
bora os cargos sejam estabelecidos pelo Estado, seu objetivo é c o m u m a todos: o
desenvolvimento e concretização da educação para a cidadania.
O início das relações da nova supervisão com o núcleo de direção foi pautado
por resistência natural, devido ao processo de intervenção traumática pelo qual a
se instalara desde o momento em que se sentiram invadidos pelas forças do Estado-
legislador.

Entendo que certas erros fazem parte do aprendizado.


2
"Sem errar não se conhece. O erro faz parte da busca. " (Freire)

Minha parceira de supervisão e eu decidimos que seria mais produtivo começar


gradualmente, buscando um relacionamento positivo com um pequeno grupo e, aos
poucos, chegar ao todo.
É c o m u m nas instituições recorrer-se a "não falar para fazer de conta que não
existe", como se não mencionar um problema pudesse solucioná-lo.

"Protegida pelo muro de silêncio e por múltiplos e variados inte-


resses, a crise grassa pelo espago escolar, atinge o corpo institu-
cional, destrói o organismo escolar e leva a urna prática pedagógi-
ca questionável ou nula." (Lucchesi, 1994, p. 106)

Assim, procuramos inicialmente modificar aquilo que era manifesto, embora sou-
béssemos que o oculto estava sempre presente. Situações de incerteza, dúvidas (de
ambas as partes) ou atitudes de defesa eram enfrentadas com relaçães abertas, ami-
gáveis, procurando demonstrar que estávamos ali para ajudar e não castigar.

9.5 Conquistando Aliados

A secretaria da escola era um dos pontos nevrálgicos, com três funcionários para
responder pelos documentos de 2 000 alunos e quase 200 professores. N u m a insti-

2 Em palestra proferida na PUC/SP em 12 de abril de 1996.

122
Buscando Novos Caminhos para a Supervisáo

tuição em que o burocrático havia se tornado prioritário, era natural evitar que deslizes
burocráticos transparecessem para a Delegacia de Ensino, pois ninguém desejava sofrer
novas críticas. Nesse sentido, recebemos total apoio da Delegada de Ensino, que nos
deu autonomia para encontrar o melhor caminho, aquele que pudesse produzir os
melhores resultados.
Atuávamos em dupla, concentrando-se cada uma nas tarefas de sua especialida-
de. Por minha formação em Direito e Pedagogia, pude ajudar na reciclagem do pes-
soal da secretaria de maneira positiva, o que logo levou o corpo docente a nos pro-
curar.
O passo seguinte foi conquistar o núcleo de direção, que, uma vez motivado, de-
cidiu investir no corpo docente. Foi escolhida a Semana de Planejamento para o res-
gate do todo orgânico da unidade e da responsabilidade de cada u m no processo.
Foram três dias de trabalho no início do ano que mudaram radicalmente a postu-
ra da escola. Surgiram novos planejamentos anuais, os conteúdos programáticos bem
como o currículo foram revistos, surgindo a compreensão de que a autoridade do pro-
fessor está calcada naquilo que ele sabe. Sempre acreditei que o conhecimento é o
paradigma e o aluno reconhece isso. Ele sabe responder à autoridade de conhecimen-
to com participação e respeito. A partir do conhecimento, é possível refazer a relação
dialógica entre educador e educando. Quando quem ensina sabe, tem autoridade moral
para avahar o aluno de maneira conseqüente, não utilizando a nota como forma de
punição.
Estabelecemos, minha parceira e eu, trabalhar individualmente com cada um dos
atores do processo, comparecendo à escola o mais freqüentemente possível. N o
sendo aceitos e passaram a fazer parte da cultura interna.

Refeito o planejamento, foi reestruturado o Plano Escolar. Começaram a surgir


projetos ¡solados, que se consolidaram coletivamente, como oficinas de criatividade
(o Projeto Cartão Postal), feira de ciências, olimpíada de matemática, feira de artes,
festival de música, campeonatos esportivos. O quadro de professores foi completa-
mente preenchido, diminuiu o absenteísmo e a rotatividade. O clima da Escola tinha
mudado: o desânimo dera lugar à euforia.

9.6 A Comunidade na Escola e a Escola na Comunidade

A comunidade foi chamada a ajudar no processo de reconstrução da Escola. Hoje,


considera-se fundamental a integração entre escola e comunidade. É fundamental que
a comunidade reconheça a escola como sua, atuando nela, colaborando e também

123
O Trabalho Docente

exigindo, o que constitui um dos mais importantes fatores de transformação e aperfei-


çoamento do ensino.
N a escola estudada, a comunidade, antes participante, agora se mostrava arre-
dia. C o m a mudança dos relacionamentos, voltaram as Festas Juninas, a Festa da
Primavera e do Folclore, aumentando a arrecadação da Associação de Pais e M e s -
tres, que pôde contratar funcionários.
O dinheiro provindo do aluguel de espaço para a colocação de outdoorspossi-
bilitou a compra de equipamentos: computador, xerox e até máquina fotográfica.

9.7 A Reorganizção, urna Nova Ruptura

N o início de 1996, houve redistribuição de turmas nas escolas estaduais. Por


determinação "democrática" da SE, as delegacias de ensino destinaram unidades para
a a
as turmas de 1 a 4 séries do ensino fundamental (o antigo curso primário) e outras
para as quatro últimas séries do ensino fundamental e médio e ainda outras somente
para o ensino médio.
a
Com essa transformação, perdemos professores de Ciclo Básico a 4 série que
haviam participado ativamente na reestruturação da Escola. O novo desafio era inte-
grar professores e alunos que chegavam ao novo modo de vivenciar o cotidiano
construído. Nós recuperamos na escola um clima de "grande família" que não desejá-
vamos ver rompido. O sentimento de filiação a uma unidade escolar é importante para
o professor. Alguns dos que vinham estavam descontentes por terem sido removidos
e também por saberem dos recentes problemas da unidade.
A supervisora e o núcleo de direção decidiram organizar uma festa de boas-vin-
das para os professores que chegavam. Nós, supervisoras, assumimos a tarefa de dia-
logar com eles. Como resultado, as resistências diminuíram, pois conseguimos demons-
trar que havia ali um ótimo ambiente de trabalho e que contávamos com eles para o
processo de renovação pelo qual passava a Unidade.
A integração dos novos alunos foi muito mais difícil e hoje, quase um ano depois,
ainda existe insatisfação de alguns grupos, que se manifesta através da indisciplina. Não
aceitam terem sidos obrigados a mudar de escola, algumas vezes mais distante, o que
representa perigo sobretudo à noite após as 23 horas, numa cidade como São Paulo.
A insatisfação levou a atitudes anti-sociais de depredação da escola, que criou
um projeto de integração entre os alunos e os responsáveis pelo projeto da Preserva-
ção do Patrimônio. Isso tem ajudado a controlar aquilo que é tantas vezes incontrolável.
A reorganização também atingiu a supervisão, separando-me de minha compa-
nheira, destinada a outros projetos. Trouxe, porém, para a equipe dois coordenado-

124
Buscando Novos Caminhos para a Supervisao

res pedagógicos. Apesar de seu valor, encontraram resistência, não da base, mas da
cúpula, o que aconteceu em toda a rede estadual. A integração dos coordenadores é
um novo desafio, que é preciso enfrentar porque eles representam um avanço importante.

E m meados de 1996, o Estado, tendo em vista as mudanças e o prestígio


continua um símbolo, agora altamente positivo, agradável para quem entra na escola.
Tem recepção, exposição de trabalhos de alunos, que são alternados durante o ano, e
ainda flores que dão boas-vindas à comunidade.

E m agosto, com a suplementação de verbas, foram contratados novos funcio

Inovações pedagógicas, como gráficos de rendimento escolar expostos na sala


dos professores, auxiliam na tentativa de diminuir a evasão e a repetência, em que a
Escola está obtendo algum êxito.
A Coordenação Pedagógica vem desenvolvendo um trabalho importante, sobre-
tudo porque a avaliação, definitiva, passou a ser diagnóstica.
A experiência veio comprovar na minha prática cotidiana aquilo em que de longa
data aprendi a acreditar: somente a colaboração, a parceria entre supervisor e escola
podem trazer resultados positivos de longa duração.
O processo é permanente; é basilar continuar sempre lutando diante de novos
desafios. O importante é que aprendamos coletivamente a lutar contra a desesperança.
Não se deve alimentar a ilusão de que a presença permanente do supervisor na escola
seja positiva. Sendo de fora, ele pode ter uma visão ampia do sistema escolar, evi
mildade de reconhecer o valor e a razão dos que trabalham na escola, tratando-os
não como subordinados mas como parceiros. Obtém-se, assim, uma escola autôno

Referências Bibliográficas

ALONSO, Myrtes. O papel do diretorna administração escolar. 6- ed. Rio de Janeiro: Bertrand, 1988.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 11. Reimpressão. Rio de Janeiro: Graal, 1995.

LUCCHESI, Martha Abrahão Saad. A "tramalidade" do poder no cotidiano da escola. São Paulo: PUC, 1994.
(Dissertação de Mestrado).

SILVA, Jair Militão. Educação comunitãria e educação escolar: em busca de uma metodologia e ação
educativa democratizadora. In: SILVA, Jair Militão (org.). Educação Comunitária: estudos e propostas.
São Paulo: SENAC, 1996.

125
O Trabalho Docente

Comentário:
"A Trama do Poder: o Diretor de Escola e o Supervisor de Ensirio.
Teoría e Prática"

João Gualberto de Carvalho Meneses

Durante alguns anos, a Administração Escolar (ou Educacional) permaneceu esgr


democrática versus autocrática, delegação e descentralização, entre outras lides. A
3
análise pioneira da Professora Myrtes Alonso deslocou a questão para os aspectos
sociais em que ocorre a ação administrativa do diretor escolar e, nessa linha de estu-
dos, ela vem orientando alunos dos cursos de mestrado e doutorado da PUC-SP.

Os dois capítulos que a seguir serão comentados foram elaborados por uma de
suas orientandas mais lúcidas - j á mestre e preparando-se para o d o u t o r a d o - , a

N o Capítulo 8, O Diretor da Escola Pública, um Articulador, à p. 101, ela


retoma a sua dissertação de mestrado intitulada A Tramalidade do Poderna Escola
Pública.
A figura da trama tem sido usada por alguns educadores. Almeida Júnior, ao
defender a necessidade de maior duração do ano letivo do curso primário e maior
número de horas de permanência do aluno na escola, por dia, pontificou que

"… a trama da educação exige a urdidura do tempo."

Nesse texto, a autora procura deslindar a teia do poder e a tramalidade das


terligados; finíssimos fios invisíveis; como a teia de aranha, por mais que se limpe, sempre
permanecem fios inacessíveis. É assim mesmo. O poder se esconde, se mascara, usa
disfarces e astúcias.

A análise do poder elaborada por Foucault é transposta, pela autora, para a ges-
tão da escola.

3 Vide ALONSO, Myrtes. O papel do diretor na administração escolar. 6- ed. Rio de Janeiro,
Bertrand, 1988.

126
Buscando Novos Caminhos para a Supervisao

Algumas observações coincidentes já haviam sido relatadas por Dias (Direção


da Escola Secundária, 1968) em sua tese de doutorado quando afirmava que a
conflitos são bem resolvidos e não há problemas sérios; o mérito é atribuído a outros
fatores e o diretor é mesmo dispensável. Tira-se o diretor, o reboliço é total,
autora diz:

"Poder realmente importante, efetivo, é aquele que sabe esconderse p

A autora propõe uma posição de observador para o diretor espreitar e desvelar


a trama do cotidiano escolar. O capítulo oferece preciosos dados para esse acompa-
nhamento sherloquiano das relações de poder na escola e de suas formas de manifes-
tação. Elafinaliza o capítulo com valiosas contribuições para uma educação direcionada
para a liberdade e a cidadania. Suas conclusões revelam a necessidade do papel de
articulador que o diretor deve assumir na gestão democrática da escola. Pode-se di-
zer que nesse capítulo a autora parte de formulações teóricas para a sua aplicação na
prática. N o capítulo seguinte ela inverte a mão de direção.

Buscando Novos Caminhos para a Supervisão é um relato de uma


dados desde a sua chegada na condição de novo supervisor da escola (o poder insti-
tuído); apresenta seu diagnóstico da situação e as medidas por ela adotadas para sa-
near e dinamizar as atividades, procurando modificar a escola. O capítulo constitui um
importante depoimento sobre os conflitos organizacionais: o relacionamento direção -
professores - alunos - comunidade; a reorganização de estruturas sociais; as técnicas
de envolvimento e ação dos pais. Não se trata de um discurso acadêmico. Pelo
conhecedor das análises teóricas se comporta na prática.

A o escrever o seu antológico Ensaio de uma Teoria da Administração Escolar,


José Querino Ribeiro (FFCL - USP, 1952) colocou na dedicatória a frase lapidar de
Roldão Lopes de Barros: "Esta disciplina não é de brilho, mas de bom senso". Certa-
mente, o bom senso é de se saber utilizar oportuna e adequadamente o conhecimento
sistematizado que se tem. Não é outro o sentido usado por Dewey ao dizer que

"… a teoria é, no final das contas, a mais prática de todas as


coisas." (Dewey, 1929, p.17)

O presente capítulo oferece ao leitor (de modo especial aos supervisores) u m


forte conteúdo de consciência profissional da autora e que merece ser ressaltado, par-
ticularmente quando se vive em período de desalento e desencantos. N o caso relata-

127
O Trabalho Docente

do, após a rearrumação da casa, quando a escola readquiria seu perfil educacional, os
ó r g ã o s centrais d e t e r m i n a m m u d a n ç a s que alteram a sua p r ó p r i a e s t r u t u r a
organizacional. Perde quadro de pessoal e recebe novos professores compulsoriamente
remanejados de outras escolas também reestruturadas ou fechadas.
Reorganização, uma Nova Ruptura e O Trabalho Continua são subtítulos que,
além de continuar o relato da supervisora, são colocados para incentivar o trabalho
do supervisor em exercício. Como diz a autora, referindo-se à função supervisora,

"… o processo é permanente, é preciso continuar sempre hitan-


do diante de novos desafios. "

Para concluir, é interessante retomar a figura usada por Griffiths (Teoria da


sinar caminhos, esquecendo-se que eventualmente eles podem estar obstruidos. Me-
lhor seria ensinar a 1er mapas, pois eles oferecem a possibilidade de se encontrar rotas
altemativas.

Os capítulos de Martha A. S. Lucchesi - ao oferecer textos acadêmicos teóricos


e práticos sobre a autoridade e poder - mostram visões de lados da mesma moeda.
Não se trata de se dar importância à cara - prática, ou coroa - teoría na formação e
no exercício da direção e supervisão. A visão de todo é que deve estar sempre pre-
sente.
Esse pequeno comentário não é uma resenha dos trabalhos. Antes, é uma refle-
xão de um professor, que também viveu a experiencia de diretor e supervisor de ensi-
no e que revive agora com a colega, suas novas e ponderadas reflexões sobre a teoria
e a prática da administração educacional.

128
CAPÍTULO 10

Escola: Cultura, Clima e


Formação de Professores

Regina Lúcia Giffoni Luz de Brilo

mbora reconhecendo a importancia da formação inicial do professor para o seu


fazer profissional, esse artigo centra-se nos aspectos relativos à sua formação conti-
nua.
Através da constatação de uma relação de reciprocidade entre a ação do educa-
dor, a cultura e o clima da escola, vislumbram-se possibilidades inovadoras.
Nóvoa (1992), Perrenoud (1993), Sarmento (1994) e outros estudam a forma-
ção continuada do educador, destacando tres temas: formação continua, cultura e cli-
ma da organização escolar.
As expressões "cultura organizacional" e "clima organizacional" são considera-
das, atualmente, como metáforas passíveis de novas interpretações que podem indi-
car perspectivas diferentes nos rumos da educação.
Questiona-se: O que se entende por cultura organizacional e clima organizacional?
C o m o se aplicam à organização escolar e á formação continuada de professores?
O Trabalho Docente

10.1 Organização: Cultura e Clima Organizacional

Atualmente, as organizações sao definidas como universos simbólicos constituí-


dos por representações mentais, idéias, mensagens, discursos e símbolos que envol-
vem aspectos ideológicos, científicos, artísticos e técnicos, cujas manifestações se re-
velam através de valores, crenças, normas morais, conhecimentos, expressões estéti-
cas, técnicas, mitos, lendas, preconceitos, estereótipos, costumes, dogmas, conven-
ções sociais, etc.
A cultura passa a assumir outros significados e atribuições além do senso comum,
que a considera como arte ou erudição, e da antropologia, que a considera como
expressão geral de uma dada sociedade.
Entende-se também a cultura como uma das dimensões da realidade social e das
organizações capaz de permitir ao ser humano a supremacia sobre o meio ambiente.
Assumindo-se que todo comportamento humano é simbólico, a cultura envolve
toda atividade humana, cognitiva, afetiva, motora e sensorial. Ela é aprendida e parti-
lhada pelos atores sociais em interação com outros atores e com o meio ambiente,
não herdada biologicamente, mas assimilada pela aprendizagem num processo de
endoculturação e/ou socialização. Nessa interação são cunhados modos de pensar,
sentir e agir que definem a identidade de grupos determinados.
Individuos de sociedades ou meios sociais diferentes sao facilmente identificáveis
pelo modo de agir, sentir e pensar. Quando tais modos sao impingidos como os mais
corretos e naturais, ocorre o etnocentrismo.
Todavía, parece, que o etnocentrismo fere u m outro canceito conhecido por
relativismo cultural. É a diversidade dos costumes do ser humano, ou seja, o relativismo
social, que atribui a toda e qualquer cultura uma relatividade, configurando o fenóme-
no multicultural.
A relatividade não impede processos de aculturação, ou seja, mudanças que re-
sultem de contatos com outro sistema cultural. Considerando-se que as mudanças
ocorrem no exterior e no interior das organizações, a relatividade abrange a própria
dinâmica e coerência interna do sistema cultural.
A cultura envolve a organização in totum, das práticas organizacionais aos mei-
os materiais empregados, como um amálgama que liga todos os membros na direção
de objetivos e modos operacionais comuns.
Ao se definir cultura e organização, surge um outro conceito: cultura organizacional,
que se explicita de acordo com a postura ou linha que se adota. Elatem recebido muitas
definições. N o inicio dos anos 50, autores americanos identificaram perto de 160 de-
finições. M a s somente no inicio dos anos 80, o conceito de cultura da organização
(empresarial) se impõe na literatura sobre administração.

130
Escola: Cultura, Clima e Formagao de Professores

Diante de um universo conceitual tão vasto, opta-se aqui por abordar apenas
algumas definições que possam oferecer subsidios para um melhor entendimento do
que seja cultura das organizações e m geral.
As definições mais simples, como o diagnóstico de clima, revelando uma postu-
ra empiricista, buscam apreender os padrões culturais de uma organização, tendo como
ponto de partida a soma de opiniões e percepções de seus membros. Desse modo, a
sociedade seria uma somatória de indivíduos e a cultura uma somatória de opiniões e
comportamentos individuais. A investigação do real acontece sem referencial teórico
prévio, buscando-se generalizações através de casos, via indução.
N u m a linha antropológica, as definições questionam o significado do universo
simbólico das organizações, percebido por um observador (participante ou não) que,
munido de referencias teóricas, questiona, durante o próprio processo de pesquisa, o
modelo conceitual. Equiparando cultura e sociedade, muitos antropológos conside-
ram que a prática social, em todos os seus aspectos, integra-se pelo simbólico.
N u m a linha ou postura terapêutica são coletadas informações e dados observa-
cionais que buscam no irracional das organizações, em sua dinámica latente, as ten-
sões, conflitos e contradições a serem trabalhados. U m modelo previamente definido
orienta tal processo de pesquisa quanto à coleta, análise e interpretação das informa-
ções.
Dois grupos aglutinam definições afins: no primeiro, as definições consideram a
organização como tendo uma cultura substantiva, específica, capaz de diferenciá-la
das outras, obtendo-se uma identidade construida pelo coletivo. No segundo, as defi-
nições consideram a organização como sendo uma cultura, portanto, uma sociedade
humana. A cultura adquire ares paradigmáticos, posto que as ações coletivas que resul-
tam em decisões, normas, regras, ações e políticas são interpretadas como símbolos.
Srour (s/d, pp. 9-11), lembrando Thévenet, define cultura como um conjunto de
hipóteses básicas partilhadas na organização, que se constituem ao longo da história,
em relação à problemática ambiental externa e interna. Citando Beyer & Trice, consi-
dera a cultura organizacional como redes de concepções, normas e valores, submersas
na vida organizacional. Salienta que tais redes, apesar de submersas, são tomadas como
corretas e transmitidas a todos os membros da organização através de ritos, rituais,
mitos, estórias, gestos e artefatos.
Define-se rito como um conjunto planejado de atividades que combinam várias
formas de expressão cultural: ritos de passagem (seleção), degradação (demissáo),
reforço (seminários ou celebrações), renovação (programas de desenvolvimento in-
terno), administração de conflitos (negociações coletivas) e integração (festas).
A definição de Shein, bastante aceita e retomada por autores como Fleury (Apud
Fleury & Ficher, 1990, p. 20), revela um movimento de síntese, pois incorpora os con-
ceitos oriundos da Psicología Social.

131
O Trabalho Docente

Para essa autora, a cultura organizacional é entendida como um conjunto de pres-


supostos básicos que um grupo determinado inventou, descobriu ou desenvolveu ao
lidar com problemas de adaptação externa e de integração interna. Sao hipóteses que
funcionaram bem o suficiente para serem consideradas válidas e ensinados a novos
membros como a forma mais correta de perceber, pensar e sentir os dados relaciona-
dos a esses problemas.
Sao considerados como problemas de adaptação externa os elementos culturais
originários de consenso como a missão, as funções e as tarefas de uma organização,
os objetivos, os meios, os critérios de avaliação e as estratégias corretivas.
Os problemas de integração interna são os elementos culturais que se originam
do consenso sobre linguagem e sistema conceitual comuns (tempo e espaço); delimi-
tações de grupos; critérios envolvendo estratifiçõgóes como alocações de influencias,
poder, autoridade; relacionamento entre pares, tais como: intimidade, amizade, amor;
recompensas ou punições; questões religiosas e ideológicas que exigem administrar o
inadministrável.
A definição de Schein implica em que a essência da cultura se revela por um
conjunto de pressupostos básicos que envolvem o relacionamento do homem com a
natureza, compreendendo a organização em si, o meio ambiente, a natureza da reali-
dade, da verdade, do tempo, do espago, da atividade e dos relacionamentos huma-
nos.
A cultura de uma organização pode ser apreendida em vários níveis: do incons-
ciente, dos valores, objetos e criações.
N o nivel dos valores, há maior envolvimento da consciência, o que implica em
racionalizações e idealizações. O nível dos objetos e criações visíveis engloba a arqui-
tetura, o ambiente construído da organização, a aparência, a arte, a tecnologia, docu-
mentos, a moda e os padrões visíveis de comportamento.
Fleury ressalta que os valores, explícitos ou implícitos nos comportamentos, re-
presentam apenas os valores manifestos da cultura, o que as pessoas consideram como
a razão do seu comportamento, na maioria das vezes, idealizações ou racionalizações.
As razões subjacentes ao comportamento se mantêm, entretanto, escondidas ou in-
conscientes. (ApudFleury & Ficher, 1990, p. 20)
O nível dos valores que governam o comportamento das pessoas revela-se difícil
de observar diretamente. Observações, entrevistas com membros representativos de
uma organização, bem como a análise de conteúdo de documentos formais, entre outros
instrumentos de investigação, podem ser utilizados.
N o nivel dos pressupostos inconscientes estão aqueles que determinam como os
membros de u m grupo percebem, pensam e sentem aquilo que se lhes apresenta. Na
proporção que certos valores, compartilhados pelo grupo, conduzem a determinados

132
Escola: Cultura, Clima e Formagao de Professores

comportamentos adequados à resolução de problemas, o valor é gradativamente trans-


formado em um pressuposto inconsciente. Assim, na medida em que um pressuposto
se introjeta, transfere-se para o nivel do inconsciente.
Apesar de suas fortes raízes psicológicas, Shein, citado por Fleury, considera os
sistemas culturais apenas em sua capacidade de comunicação e expressão de uma vi-
sao consensual sobre a organização.

"A dimensão do poder, intrínseca aos sistemas simbólicos, e o


seu papel de legitimação da ordem vigente e ocultamento das con-
tradições, das relações de dominação, estão ausentes nestes estil-
dos... " (Fleury Apud Fleury & Ficher, 1990, p. 22),

o que não permite vislumbrar o poder modelador, sancionador, mantenedor e trans-


formador inerente à cultura.
Tais observações revelam uma politização do conceito de cultura organizacional,
a qual não há como ignorar, quando se pensam as organizações em geral, entre elas, a
escola.
A cultura organizacional

"... é um conjunto de valores e pressupostos básicos expressos


em elementos simbólicos que, em sua capacidade de ordenar, atri-
buir significações, construir a identidade organizacional, tanto
agem como elementos de comunicação e consenso como ocultam e
instrumentalizam as relações de dominação. " (Fleury Apud Srour,
s/d, p. 16)

Observa-se nesta afirmação uma dimensão ideológica, também encontrada em


outros autores, como Sainsaulieu e Pagès (Apud Sour, s/d, pp. 16-7)
Para Sainsaulieu, há duas formas de ver a organização (empresarial): num pri-
meiro olhar, ela se revela um tecido de subgrupos, com formas próprias de represen-
tações embasadas nos interesses de classes sociais e de grupos, os quais se explicitam
nas reivindicações sindicais e profissionais. Não se trata de cultura da organização,
mas sim de cultura dos grupos que a compõem. N u m segundo olhar, a organização
(empresarial) não é vista como uma instituição social produtora de sociabilidade como
a familia, o Estado, a escola ou a religião, uma vez que não dispõe de mecanismos de
aprendizagem, transmissão, controle, construção e difusão de cultura.
Apesar de opiniões diferenciadas, todos reconhecem a necessidade de se criar,
na organização, uma forte cultura organizacional, que englobe as subculturas das uni-
dades, sobrepondo-se a elas, para o que é necessário experienciar vivências comuns.
N u m a abordagem psicanalítica, nao antropológica, e considerando a cultura
organizacional como ideologia de classe, Pagès entende as empresas capitalistas clás-

133
O Trahalho Docente

sicas como locus privilegiado das relações econômicas onde se trabalha para a
sobrevida. As empresas se apóiam em aparelhos ideológicos da sociedade global, ou
seja, na família, religião e escola, esta última uma organização dotada de mecanismos
de aprendizagem, transmissão, controle e difusão de cultura.
Ao se considerar a escola como organização, reconhece-se nela uma cultura,
surgindo daí o conceito de cultura da organização escolar.
A cultura é fonte de referencias capaz de exprimir a identidade da organização
construída ao longo do tempo e de contribuir para sua permanencia e coerência. Ser-
ve de elo entre o passado e o presente ao moldar as ações de seus membros segundo
um mesmo sistema de referencias.
As práticas organizacionais reveladas (ou veladas) na cultura da organização es-
colar sao possibilitadoras da construção de esquemas coletivos de significados, atra-
vés de interações desenvolvidas nas práticas organizacionais, constituindo o clima da
escola. O clima, pois, não é produto individual, mas cultural, nem objetivo ou subjeti-
vo, mas sim intersubjetivo.

"A noção de clima social é uma expressão metafórica que expõe


as características dominantes das atitudes coletivas, a 'atmosfera
social' ou o 'ambiente moral', ao sugerir a idéia de 'temperatura'
num meio social dado. Significa ambiente interno prevalecente... "
"O clima de uma organização não pode ser confundido com os
padrões culturais dela, com suas práticas recorrentes ao longo do
tempo. O corte fotográfico das opiniões e percepções individuais,
fortemente marcadas pela subjetividade, não representa as regula-
ridades simbólicas da coletividade. Tratase [o clima] de uma pul-
sação da cultura organizacional, pois reflete o estado de ánimo dos-
agentes num dado momento (é conjuntural)... Dentro de uma mes-
ma organização, vários microclimas podem existir, dependendo do
estado de ánimo das subunidades organizacionais. " (Srour, s/d, pp.
32-3)

Cultura organizacional é o conjunto de fenômenos decorrentes da interação


de seres humanos na organização, u m fenômeno grupal, resultante e caracte-
rístico de u m a coletividade que engloba os fatos materiais e os abstratos, re-
sultantes da convivencia institucional.

1 Os grifos são nossos.

134
Escola: Cultura, Clima e Formagao de Professores

A cultura pode compor-se de tres conjuntos de elementos, cada qual abrangen-


do uma série de fenômenos: preceitos (normas, regulamentos formais e informais, etc.),
tecnologia (instrumentos, processos metodológicos) e caráter (manifestações subjeti-
vas, percepções, sentimentos, etc.).
Resultante da cultura, o clima também age sobre ela, o que se denomina

"... causalidade circular entre cultura e clima." (Souza, 1978,


p. 75).

Tal binomio produz efeitos sobre a produtividade organizacional, podendo


obstaculizá-la, entravá-la ou facilitá-la, provocando mudanças e inovações.
Tais fatos também se aplicam à escola. Contudo, para evitar u m a transposição
acrítica e simplista, busca-se compreendê-los na organização escolar relacionados à
formação continuada de professores.

10.2 Organização Escolar: Cultura e Clima

Ainda que as organizações escolares estejam integradas num contexto cultural


mais ampio, produzem uma cultura interna própria, revelando os valores, os ideais
(sociais) e as crenças compartilhadas pelos membros da organização.
A realidade objetiva se constrói num campo de forças que se estende sobre to-
dos os elementos da organização escolar, produzindo diferenças interorganizacionais
e intra-organizacionais, através das interações pelas quais as pessoas percebem a re-
alidade que as envolve.
O clima da escola pode ser definido como uma série de atributos, que a levam a
agir consciente ou inconscientemente de determinada maneira, conforme as percep-
ções das pessoas sobre a realidade da escola e da sociedade.
H á inter-relação entre natureza objetiva e subjetiva, resultando na natureza
intersubjetiva do clima da escola.
Os estudos sobre o clima da escola caracterizam-se pela identificação, descri-
ção e explicação das percepções do ambiente de trabalho que os intervenientes escola-
res demonstram ou desenvolvem, através das suas interações sociais e das relações
entre estas interações e as condições, os processos e os resultados da vida organiza-
cional (Carvalho, 1992, pp. 25-48).
O clima de uma organização escolar pode ser definido como um elemento capaz
de impulsionar, significativamente, as descrições coletivas de u m a subunidade
organizacional, ou da própria organização como um todo; um ponto referencial para
os membros da organização determinando atitudes, expectativas e condutas; media-

135
O Trabalho Docente

dor das práticas organizacionais das quais é originário e pelas quais se mantém; como
multiclimas, de acordo com as muitas práticas e percepções dos atores no seu interior.
Ele pode ser considerado sob um tríplice aspecto: social, académico e organizacional.
N o clima social da escola, destacam-se as interações entre os intervenientes da
vida escolar; no clima académico, as atitudes, valores e expectativas educacionais dos
membros da comunidade e no clima organizacional as interações entre a administra-
ção da escola e os membros da comunidade escolar à qual pertencem alunos, pais,
professores, funcionários e outros de relações menos diretas.
N u m a visão integradora, o clima de uma organização pode ainda ser considera-
do nas dimensões ecológica, psicossocial-social e cultural, que correspondem aos ní-
veis através dos quais se pode apreender a cultura organizacional: objetos, valores e
pressupostos inconscientes.
A dimensão ecológica - nivel dos objetos - diz respeito aos elementos físicos e
materiais: características arquitetônicas, tamanho, equipamentos da organização, etc.
A dimensão psicossocial - nível dos valores - refere-se aos atributos pessoais
dos membros da escola: características físicas, psicológicas, sociais, econômicas,
condicionantes da quantidade e qualidade das interações que ali se desenvolvem.
A dimensão social incorpora as normas que regulamentam os comportamentos e
intercepções relativas aos processos decisórios, aos graus de cooperação e competi-
tividade e estilos de liderança.

"A liderança não é mágica ou mistério, propriedade de pessoas


eminentes, fruto de qualidades especiais inatas, panacéia para
solução de problemas ou uso de poder pessoal para garantir ade-
sões ou propósitos pessoais. Liderança é habilidade humana e ge-
rencial alcançãvel por pessoas comuns, produto de habilidades e
conhecimentos aprendidos, forma de comunicação e articulação de
uma missão e de futuros alternativos, uso de poder existente nas
pessoas para garantir o alcance de propósitos comuns. " (Motta,
1995, p. 222)

A dimensão cultural define ou redefíne valores, ideologias e estruturas cognitivas


dos próprios artífices da escola.
Entre os intervenientes pessoais determinantes (e determinados) do clima da escola,
salientam-se a ação e valores dos educadores, em especial do professor, que refletem
e são refletidos pelo clima da escola e pelos aspectos históricos que lhes são inerentes.
Vários estudos sobre o clima da escola ressaltam a existencia de relação entre as
percepções do ambiente de trabalho e a integração, satisfação e desenvolvimento dos
professores e da comunidade escolar.

136
Escola: Cultura, Clima e Formagao de Professores

"As percepções do ambiente de trabalho dependem da interação


entre os interesses profissionais e organizacionais, dos valores da
vida escolar relacionados com as estruturas, processos e práticas
de administração. Numa dimensão mais abrangente, valores e carac-
terísticas pessoais dos atores escolares, no caso, os professo-
res. "(Brito, 1989, pp. 138-55)

Para vários autores (BrunetIn: Nóvoa, 1992b, pp. 135-6), o clima desempenha
papel preponderante no sucesso escolar dos alunos, na eficácia do professor, no de-
senvolvimento pessoal dos aprendizes.Um clima democrático contribui para o desen-
volvimento do educando, implicando um processo de participação.
N u m processo de formação contínua, o professor e todos os que trabalham na
escola tornam-se educandos em uma relação de reciprocidade.
O clima social da escola é tecido por um conjunto de variáveis e pelo modo como
são definidas e percebidas por seus membros. Tais variáveis podem ser vistas como
normas do sistema social, expectativas partilhadas pelos diversos membros e irradia-
das à totalidade do grupo.
No clima organizacional da escola podem-se destacar três fatores: os alunos, os
professores e a direção.
O primeiro refere-se à percepção dos estudantes sobre as possibilidades e ex-
pectativas do seu sucesso no sistema, conflitos e competitividade, dificuldades, pro-
cessos de união e desunião, modos de avaliação de seu rendimento académico e nor-
mas da escola como sistema social.
Os fatores organizacionais mais significativos para o sucesso dos alunos são as
expectativas da direção e dos professores quanto ao seu rendimento, ao incentivo a
comportamentos de partilha, ajuda e simpatia mútuas, à criação de um ambiente segu-
ro e agrádável.
O segundo faz referência às percepções e expectativas dos professores a seu res-
peito, à avaliação do seu trabalho e às normas do sistema social que os afetam tais
como: a administração e suas práticas, a sua carga de trabalho, as relações com a direção
e colegas, a eficácia educacional, o rendimento, aperfeiçoamento e material pedagógico.
O terceiro está na percepção do diretor em relação aos outros membros da or-
ganização, às expectativas dos estudantes e às normas e esforços para melhorar a si-
tuação ou clima, aspectos que envolvem a gestão da escola.
Considerando-se o educador como educando em processo de formação contí-
nua, as variáveis do aluno também se aplicam a ele.
Em uma gestão participativa, os fatores relacionados à direção da escola dizem
respeito a todos que compõem a comunidade pedagógica, portanto, ao próprio pro-
fessor.

137
O Trabalho Docente

10.3 Escola: Clima, Cultura e Formação Continua d e Professores

Todos esses fatores compõem a cultura da escola e, portanto, a cultura de for-


mação dos educadores compreendida em sua continuidade.
As estruturas de poder, objetivos, relações com o processo ensino-aprendiza-
gem, conflitos, motivações, relações interpessoais entre pais, pessoal da escola e es-
tudantes criam um clima possível de se consubstanciar na própria cultura da escola,
enquanto organização.
Segundo Motta (1995, p. 200), as organizações precisam aprender a apreciar o
poder e a beleza da celebração. Para ele, não há limites para se celebrar. A alegria e
o entusiasmo devem fazer parte da moderna administração, incluindo-se a escola, que
deve criar motivações propicias ao processo ensino-aprendizagem.
Há uma relação de reciprocidade na qual o clima define e é definido pela cultura
da escola. A m b o s , num todo único ou não, podem revelar-se numa ambiência
epistemológica favorável ao aprendiz que habita a escola: professor, aluno, diretor ou
outro memoro da comunidade pedaçõgica que ali esteja em interação.
Para que isso ocorra, tem de haver um clima de mudança animado não só pela
administração, mas por todos os segmentos da escola, entre os quais destaca-se o
professorado, pela própria substancialidade e i esponsabilidade de sua função educativa.
Acreditava-se antes na capacidade transformadora das reformas educativas con-
cebidas e conduzidas de forma centralizada pelas administrações. Atualmente, a énfa-
se recai na apropriação e criação, pelos atores educativos, das condições do proces-
so de mudanga, colocando-se neles - na sua vontade e capacidade reflexiva - e na
própria escola a chave do sucesso para as mudangas.
Á administração escolar cabe cuidar da utilização racional dos recursos materiais
e conceptuáis da escola e da coordenação do esforgo humano coletivo que a vivifica,
em especial do professorado. Nao se pode desconsiderar a ambiéncia epistemológica
que envol ve a escola: o clima e a cultura, responsáveis pela identidade de cada escola
em particular e de todas no seu conjunto.
A cultura da escola é uma multicultura, formada pela cultura de varios segmen-
tos, pessoas heterogéneas, em épocas diversificadas. Os professores, enquanto gru-
po significativo, encontram-se em condições privilegiadas para um movimento de mu-
danga cultural da escola, o que supóe mudangas em sua formação.
O clima e a cultura da escola, firmando-se cada vez mais como uma questão de
administração escolar, têm em seus diversos atores seus principáis artesãos, notada-
mente os professores, senão pela questão numérica, por motivos bem mais significa-
tivos. É como afirmam os autores,

138
Escola: Cultura, Clima e Formagüo de Professore.s

"A formação de professores pode desempenhar um papel impor-


tante na configuração de uma 'nova' profissionalidade docente,
estimulando a emergencia de uma cultura profissional no seio do
professorado e de uma cultura organizacional no seio das escolas. "
(Nóvoa, 1992a, p. 24)

"O homem 'culto' é, em primeiro lugar, o homem do espirito aber-


to e livre que sabe compreender as idéias e as crenças do próximo
ainda quando não pode aceitá-las ou reconhecê-las válidas. Em
segundo lugar, e por conseqüência, uma cultura viva e formativa
deve ser aberta ao futuro, mas ancorada no passado. Nesse senti-
do, o homem culto é aquele que nao se desarvora diante do novo
nem Ihe foge, mas sabe considerar no seu justo valor, vinculando-
o ao passado e iluminando-Ihe as semelhanças e disparidades. Em
terceiro lugar, a cultura é fundada (...) na capacidade de efetuar
escolhas ou abstrações que permitam confrontos, avaliações de
conjunto e, portanto, orientações de natureza relativamente está-
vel." (Abbagnano, 1982, p. 212)
"A sociedade, por sua cultura, e o individuo, pela sua persona-
lidade, em termos de mudança, são considerados mais estáveis que
as organizações. A capacidade de mudança é diferente entre socie-
dade, indivíduo e organização. As organizações, enquanto sistemas
temporários de relações e transações, lugares de passagem, áreas
de troca, revelam-se locus privilegiado para mudanças. " (Srour, s/
d, pp. 50-2).

As significativas mudanças culturais não se viabilizam sem mudanças nas relações


de poder.Torna-se imprescindível que os vetores estruturais da organização, suas prá-
ticas sejam transformados, mantendo-se uma gestão coerente, que garanta ao profes-
sorado vez e voz, criando-se um clima favorável àcontinuidade de sua formação, de
forma a permitir-lhes renovar a cultura da escola.

Referencias Bibliográficas

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1982.

BRITO, Regina Lúcia Giffoni Luz de. O professor profissionalizante da habilitação específica de 2- grau
para o magistério e a democratização do ensino. Dissertação. PUC-SP, 1989.

Clima e cultura da Escola: Uma questão de Administração Escolar.Trabalho apresentado para


o I Seminario Estadual da ANPAE, 1996 (mimeo).

J39
O Trabalho Docente

BRUNET, Luc. "Clima de trabalho e eficácia da escola. In: Nóvoa, Antonio (org.) As organizações escolares
em análise. Lisboa: Dom Quixote, 1992b.

CARVALHO, Luís Miguel. Clima de escola e estabilidade dos professores. Lisboa: Educa,1992.

FLEURY, M.T.L. & FICHER, R.M. Cultura e poder nas organizações. São Paulo: Atlas, 1990.

FLEURY, M.T.L. "O desvendar a cultura de uma organização - Uma discussão metodológica." In: Fleury &
Ficher, R.M. Cultura e poder nas organizações. Sao Paulo: Atlas, 1990.

MOTTA, Paulo Roberto. A ciencia e a arte de ser dirigente, Rio de Janeiro: Record, 1995.

NÓVOA, Antônio, (org.) Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992a.

Formação de professores e profissão docente. In: Nóvoa, Antonio (org.). Os professores e a

sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992a.

(org.) As organizações escolares em análise, Lisboa: Dom Quixote, 1992b.

PARO, Vítor Henrique. Administração Escolar. Introdução crítica. Sao Paulo: Cortez, 1986.
PERRENOUD, Philippe. Práticas pedagógicas e profissão docente e formação (Perspectivas Sociológicas),
Lisboa: Dom Quixote, 1993.

SARMENTO, Jacinto Manuel. A vez e a voz dos professores. Porto, 1994.

SOUZA, Edela Lanzer Pereira de. Clima e cultura organizacionais. Como se manifestam e como se
manejam. Porto Alegre: Edgard Blücher, 1978.

SROUR, Robert Henry. Cultura nas Organizações. FEA-USP (mimeo), s/d.

THÉVENET, Maurice. A cultura de empresa hoje em dia. Revista de Administração da USP, São Paulo,
v. 26, n. 2, pp. 32-39, abril/jun.,1991.

Comentário
"Escola: Cultura, Clima e Formação de Professores:
A Cumplicidade de uma Releitura"

Vitoria Helena Cunha Espósito

Dizer de u m texto é dizer daquilo que se tornou presente ao leitor. É dizer daque-
le que o produziu e que, ao fazê-lo, tornou presente alguma coisa. Édizer, ainda, da-
quele que l êo texto e que, ao atribuir significados áquilo que nele se mostra, nele vê-
se enredado.
O texto coloca-se, pois, como u m mediador, um favorecedor do encontro de
horizontes: o do leitor, que se abre àcompreensão do outro, e o do autor, que se doa

140
Escola: Cultura, Clima e Formacao de Professores

pela obra. Nesse enredamento, ao dizer-se de um texto, espera-se poder apontar o


que se apreendeu, o que foi re-significado a partir do que ali está posto. É o que m e
disponho a fazer aqui. E faço-o com convicção e prazerosamente, pois, nele, pela cla-
reza das idéias postas, pela articulação do conteúdo e forma trabalhados, pude ver
beleza, e, ao apreendê-la, confrontar-me com a relevancia do tema.
D a autora, digo, principalmente aqueles que nao a conhecem, ou que, como eu,
compartilham o mesmo espaço de trabalho, que é uma pesquisadora séria, atenta; uma
educadora cuidadosa; mulher forte e de espirito fraterno.
D o texto, há que dizer de cultura, clima e formação, conforme abordados por
Regina:
Cultura que amalgama os membros da instituição na direção de objetivos e de
modos operacionais comuns. Cultura como uma das dimensões da realidade social e
das organizações e que, vista como atividade humana, apresenta diferentes dimensões:
a cognitiva, a afetiva e a sensorial-motora. Dimensões que, ao serem assimiladas,
possibilitam interações, cunham modos de pensar, sentir e agir, definindo identidades.
Cultura que, sendo fenômeno de diferentes percepções, é organizacional, u m con-
junto de pressupostos básicos criados ou desenvolvidos na lida com problemas de
adaptação externa e de integração interna - pressupostos que, funcionando bem, são
validados e ensinados a outros como forma de pensar e sentir os dados relacionados
a esses problemas. Cultura que define e redefine valores, ideologias e estruturas
cognitivas dos próprios artífices e que, na escola, acha-se presente como parte
constitutiva da rede que se enlaça em tramas nas quais essa escola se organiza.
Mais do que isso, a autora captura a tensão constante entre cultura e clima, con-
siderando clima como uma série de atributos que, de forma consciente ou não, orde-
na determinados modos de ser, ver, sentir a apreender-se, tanto na escola como na
sociedade.
Clima é um elemento organizador que possibilita o crescimento de lagos, de inter-
subjetividades e que viabiliza, para cada escola, uma cultura organizacional própria.
Clima como favorecedor da mediação constante entre os elementos mais amplos da
cultura e aqueles que têm lugar na escola, tecido em que se acham enredados profes-
sores, alunos, direção, pais; de que emergem valores, preconceitos, pressuposições,
estruturas de poder - elementos a serem considerados por uma liderança competente
e preocupada em administrar um processo permanente de formação continuada e
participativa.
Cultura e clima que podem tornar a escola um lugar propício àformação con-
tínua de seus profissionais.
Cultura, cujo sentido originário busco no grego, descobrindo a referência ao cul-
tivo da terra e ao cuidado necessário a esse cultivo. Cuidado que, no léxico, aproxi-
marse da idéia de formação. Cultura e formação, que, hoje, tomadas em diferentes

141
O Trabalho Docente

acepções, mostram-se como palavras guardando proximidades significativas - aquilo


que, ao separar o que esteve unido, manteve ainda os sinais da tensão original, pois
que a formação deve ser tomada como processo que se descobre pela vida, de-
senvolvendo capacidades, adquirindo conhecimentos, educando.
F o r m a ç ã o que nutre suas raízes na seiva veiculada pelo clima da escola e que
vejo calcada no cultivo de valores éticos e estéticos. Formação que, sendo projetada
por mentes abertas àcompreensão de si, do outro e do mundo, se acha comprome-
tida com o homem como ser histórico, que é capaz de construir, projetar, transfazer.
Cultura, clima e formação contínua: tríade em constante movimento, metáforas
prenhes de significação e que hoje solicitam reinterpretações, apontando novos ru-
mos, novas possibilidades para as organizações.

142
CAPÍTULO 11

Avaliação de Aprendizagem:
Instrumento de Reflexão
da Prática Pedagógica

María de los Dolores Jimenez Peña

sse artigo trata de uma experiencia que vivemos - eu e os os professores de en-


sino fundamental e médio de uma escola privada confessional de Sao Paulo - desen-
volvendo u m projeto de avaliação de aprendizagem, que tenta ultrapassar o aspecto
conservador e classificatório da avaliação, geralmente utilizado com o objetivo de
corrigir algumas distorções por mim observadas no contato com os professores no
dia-a-dia de seu trabalho de sala de aula.
Tudo começou quando, concluido o mestrado, com mil idéias na cabeça, fui con-
vidada a assumir a orientação pedagógica dessa escola, respondendo pelas séries
avançadas do ensino fundamental e médio.
Através da análise de documentos (diário de classe, planejamento, tarefas dos
alunos, avaliações escritas) e entrevistas com alunos e professores, percebi a dificul-
dade em dar prosseguimento àlinha construtivista, já em pleno desenvolvimento nas
séries iniciais do ensino fundamental, sem grandes avanços nas demais.
Este fato não foi surpresa, pois ministrando cursos em várias escolas privadas de
Sao Paulo, venho observando que os professores de níveis mais avançados geralmente
são os que mais resistem a mudanças e inovação.
O Trabalho Docente

Os professores das séries avançadas do ensino fundamental e médio tinham difi-


culdade em realizar uma avaliação, que, além de verificar os avanços e dificuldades
dos alunos, contribuísse para decidir sobre o processo de ensino e aprendizagem,
possibilitando aos alunos e professores se auto-avaliarem.
A avaliação somativa e classificatória vinha sendo praticada, porém, não havia
uma compreensão clara de seu significado.
Os critérios de avaliação eram formulados no decorrer da própria avaliação, fi-
cando a observação da qualidade da aprendizagem atrelada a fatores circunstanciais.
As avaliações continuas eram muito pouco praticadas, devido àfalta de experiencia
em observar os alunos em atividades como: trabalhos, pesquisa, estudo do meio, ati-
vidades que constituem um programa de avaliação diferente da avaliação escrita e
chamada oral.
A prova escrita cumulativa no final da cada unidade do conteúdo ou apenas no
final dos bimestres e a chamada oral eram os únicos instaimentos utilizados para aferir
a aprendizagem.
Propus-me trabalhar com os professores a avaliação como instrumento de auxi-
lio, ou seja, fortalecer o seu caráter diagnóstico antes que classificatório, portanto,
dissociado da idéia de punição ou mesmo de nivelamento dos alunos.
Iniciei, pois, desenvolvendo o conceito de avaliação enquanto atividade diagnós-
tico-formativa, mostrando aos professores a sua utilidade como instrumento de refle-
xão sobre os resultados de aprendizagem ou desempenho dos alunos frente ao traba-
lho por eles efetuado, de forma a permitir uma tomada de consciência mais realista do
seu trabalho.
A partir disso, era necessário que os professores se dessem conta de que o tra-
balho pedagógico se processa lentamente e que os seus efeitos sobre os aprendizes é
cumulativo, portanto, supõe alterações nem sempre perceptíveis ao professor quando
este se prende apenas a resultados ¡mediatos de desempenho expresso nas provas
finais. Muitas das alterações produzidas são difíceis de captar através desses instru-
mentos; porém, se acompanhadas atentamente pelo professor, dão pistas para o pros-
seguimento do ensino em sintonia com os níveis de elaboração mental dos alunos e
com suas necessidades de aprendizagem.
Tratei de desenvolver a avaliaçãao diagóstico-formativa, entendida como um
feedback reflexivo sobre o processo da aprendizagem, u m a tomada de consciência
sobre sua função de apoio e estímulo,

"... não é mera acumulação e armazenamento de noções e de


processos, mas busca hesitante e, ao mesmo tempo obstinada (num
movimento em espiral seria a metáfora espacial mais adequada).
Questiona-se sobre a justificação (e não justeza ...) de um projeto,

144
Avaliagao de Aprendizagem: Intrumento de Reflexao da Prática Pedagógica

de um determinado 'passo', langa pontes para o futuro, faz. surgir


novas questões, abre portas, descobre novas pistas. Deste modo, a
avaliação formativa é de fato, sempre, ao mesmo tempo, retrospec-
tiva e prospectiva. " (Abrecht, 1994, p. 164)

Partindo do pressuposto de que para desenvolver-se a avaliação diagnóstico-


formativa há necessidade de estabelecer objetivos claros e pertinentes, a questão do
planejamento de ensino mostrou-se relevante, urna vez que

"... tendo presente os fins onde se déseja chegar, a interação


reflexiva do educador com os acontecimentos permitir-lhe-á identi-
ficar os modos de ação adequados e necessários. " (Luckesi, In: Re-
vista de Tecnología Educacional, 1984, p. 10)

O planejamento era elaborado de forma acrítica e mecánica, mais para cumprir


uma exigencia burocrática do que pela consciência da importancia de se refletir sobre
o conteúdo, a forma e os fins, o que é imprescindível para proceder à seleção dos
conteúdos a serem desenvolvidos.

"... o planejamento de ensino, é na realidade tido por eles como


atividade meramente burocrática, um papel a mais a ser preenchi-
do pelo professor no decorrer do ano letivo, perdendo com isto,
o carácter de instrumento de trabalho docente." (Martins,1989,
p. 69)

Os professores preocupavam-se com o conteúdo e, questionados a respeito do


porque de sua escolha e do que esperavam do aluno, mostravam a falta de clareza e
de propósitos em relação ao ensino.
Os alunos devem saber o que se espera deles, a importancia de conhecer o que
se está ensinando.

"É essencial que o aluno saiba sempre por que razão deve apren-
der aquilo que Ihe ensinam e, sobretudo que o professor faga uma
idéia do percurso do aluno, de "como" aprende, do ritmo da sua
progressão." (Abrecht, 1994, p. 67)

A avaliação diagnóstico-formativa adquire papel fundamental no processo ensi-


no-aprendizagem. A diagnóstica procura verificar os avanços e dificuldades do aluno
e tomar decisões, enquanto a formativa permite o redirecionamento da ação docente
durante o processo.
Segundo Despresbiteris (1993),

145
O Trabalho Docente

"... numa perspectiva mais ampia a avaliação contínua visará a


uma regulação interativa, ou seja, todas as relações professor-alu-
no serão avaliações que permitam adaptações do ensino e da apren-
dizagem. " (In: Souza, p. 67)

Este modelo de avaliação não é visto apenas em uma perspectiva estritamente


metodológica, mas sim pragmática.

"Avaliação é o processo de planejar, obter e proporcionar in-


formação útil para julgar alternativas de decisão. " (Stufflebeam
In: Roseales, 1992, p. 24)

Stufflebeam, grande defensor desta abordagem de avaliação, considera que avaliar


é ajudar a tomada de decisões racionais e abertas proporcionando informação e zpro-
vocando a exploração das próprias posições de valor de quem decide.
Para viabilizar esse tipo de avaliação deve-se realizar análise constante da clare-
za dos objetivos de ensino preestablecidos, o que implica em mudança na concep-
ção dep l a n e j a m e n t oe avaliação.
A decisão de trabalhar com objetivos e registrar os avanços feitos pelos alunos
em termos desses objetivos conflitou, em parte, com a exigencia regulamentar do co-
légio de expressar o aproveitamento do aluno em notas na escala de zero a 10 no final
de cada bimestre. Este fato fez com que várias reuniões fossem destinadas a discus-
sões para encontrar uma forma de expressar a correspondência dos objetivos atingi-
dos, segundo observações e constatações do professor, com as notas a serem atri-
buidas aos alunos.
O registro dos objetivos alcançados possibilitou ao professor acompanhar ade-
quadamente o progresso dos alunos, ao invés de limitar-se a uma avaliação mecánica
e formal expressa por número de pontos atingidos.
A despeito disso, a proposta de expressar os objetivos alcançados através de
nota somente no final do bimestre inquietou alguns professores, configurando-se em
dificuldade de registro no diário de classe, bem como insegurança ao tentar explicar
aos alunos e aos seus pais os resultados obtidos, melhor dizendo, o aproveitamento
escolar dos alunos.
A abolição da nota exige que o professor saiba justificar a aprendizagem do alu-
no através de critérios claros de juízo de valor da sua prática e desempenho do aluno.

"... apesar de toda dificuldade que temos em definir critérios,


uma coisa é certa: eles são importantes uma vez que tornam as "re-
gras dojogo" mais explícitas e poderão ser mais adequadas quan-
to maior integração houver entre professores e alunos. " (Despres-
biteris. In: Souza, 1993, p. 70)

146
Avaliagao de Aprendizagem: Intrumento de Reflexáo da Plática Pedagógica

Foram necessárias diversas reuniões com alunos e pais para a apresentação e


explicação das fichas descritivas de avaliação, elaboradas a partir das sugestões dos
professores e aperfeiçoadas posteriormente.

"Se a avaliação formativa seguir em contracorrente, se nao es-


tiver inscrita numa pedagogia diferenciada tendo todos os meios
que ambiciona, os professores formados neste espirito terão de su-
portar uma tensão, uma contradição entre a avaliação que gosta-
riam de praticar e o que poderão realmente fazer." (Perrenoud,
1993, p. 168)

A prática de registro, a complexidade que envolve refletir sobre a dissonância


cognitiva, o conflito gerado sobre o sentimento de impotencia perante as dificuldades
de determinados alunos e, por que não dizer, o enfrentamento com alguns pais, o nú-
mero excessivo de alunos em sala e a rotatividade de professores foram fatores nega-
tivos no desenvolvimeto do projeto.
Hoje as fichas descritivas de registro já se encontram na quinta versão, estão
adaptadas ao diário de classe e o nivel de cansaço dos professores se encontra mais
ameno.
O planejamento de ensino foi elaborado pelas equipes que compõem os depar-
tamentos, tendo em vista o consenso sobre os objetivos gerais da sua área e, a partir
daí, cada professor traçou os objetivos específicos de sua disciplina.
Observei a dificuldade e mesmo angustia de muitos professores, quando da re-
flexão e elaboração dos objetivos de sua disciplina. Foram reelaborados inúmeras vezes
após reflexão e observação da realidade da sala de aula, pois muitos professores não
haviam experienciado esta prática anteriormente.
Este exercício propiciou a reflexão constante da prática pedagógica (refletir an-
tes de fazer) e inquietou muitos professores quanto aos objetivos de sua disciplina e
da aprendizagem.
U m a avaliação que se quer formativa funciona efetivamente como um revelador
feroz:
o do absurdo de certos conteúdos e objetivos do ensino;
o da imprecisão ou do irrealismo dos níveis de maestría visados;
o da ignorancia na qual vive o sistema escolar quanto aos efeitos do ensino em
termos reais. (Perrenoud, 1993, p. 169)

A reflexão como forma de auxiliar o professor no processo de construção do


conhecimento vem sendo incentivada pela escola, abrindo mais espaço para reuniões,

147
O Trabalho Docente

(quatro horas/aula por semana), elaboração de projetos interdisciplinares, estudo do


meio, oficinas pedagógicas, recursos técnico-pedagógicos, em suma, propiciando maior
liberdade de ação ao professor. A reflexão vem contribuindo para o professor rever o
processo de avaliação, assumindo, de fato, os critérios estabelecidos de forma coerente
com a abordagem pedagógica. Tem contribuido, ainda, para um novo posicionamento
do professor diante dos alunos, estabelecendo com eles os objetivos a serem alzean-
çados de forma a torná-los responsáveis e cooperativos nesse processo.

"A criação e construção de uma nova realidade obrigam a ir além


das regras, jatos, teorias e procedimentos. " (Gomes. In: Nóvoa, 1992,
p. 110)

"Para mobilizar o conceito de reflexão na formação de profes-


sores é necessário criar condições de colaboração e de trabalho
em equipe entre professores, que facilitem e justifiquem a aplica-
gáo de modelos e de estratégias reflexivas. " (García. In: Nóvoa, 1992,
p. 64)

C o m o resultado, a sala de aula tem se tornado espago de reflexão de alunos e


professores. Projetos individuais e coletivos de professores vêm surgindo; Projeto de
a s
Ciencias com alunos das 7 séries que estão interagindo na favela da Coréia em Sao
;1S as
Paulo, Projeto de Geografía, História e Ciencias com alunos das 5 e 6 séries, estu-
dando as questões ambientais de uma comunidade carente no Piauí, estudo do meio
nas cidades de Ouro Preto - M G , Santos, Bertioga, Caminho dos Bandeirantes,
Paranapiacaba, Campos do Jordão - SP; estudo da flora do Colégio, estudo de Físi-
ca mecánica no parque de diversões do Play Center, Projetos de Informática nas au-
las de Matemática, Portugués, Ed. Artística, Inglés, Ciências e outros que, aos pou-
cos, vêm mobilizando alunos, corpo docente e direção na caminhada rumo à Educa-
gao Transformadora.

"O ensino deve ser encarado como forma de investigação e ex-


perimentação, adquirindo as teorias práticas dos professores uma
legitimidade que Ihes é negada pelo ponto de vista dominante da
ciencia aplicada." (Zeichener. In: Nóvoa, 1992, p. 126)

Tais projetos têm levantado questionamentos sobre a organização do currículo e


concepção de conhecimentos estabelecidos e transmitidos pelas disciplinas. O estudo
do meio, atividade por mim incentivada e amplamente utilizada pelos professores,
permitiu maior integração das disciplinas - o aluno pode vivenciar amplamente o co-
nhecimento tratado na sala de aula - e, ainda, favoreceu a socialização dos alunos en-
tre si e com os professores.

148
Avaliação de Aprendizagem: Intrumento de Reflexão da Prática Pedagógica

Hoje, após quatro anos de desenvolvimento do projeto, os professores não se


contentam apenas com o livro didático e textos por eles elaborados; tratam de formar
grupos de estudo para elaboração de projetos integrados, visando à produção de
material didático.
A inquietação e a busca por mais conhecimento incentivaram a pesquisa, exigi-
ram a ampliação do acervo da biblioteca, propiciaram a implantação de novas
tecnologias (computadores, softwares, Internet) e incentivaram a capacitação docen-
te, aproveitando o espaço das reuniões, ampliando-se, depois, com assessoria de es-
pecialistas. Tudo isso foi reforçado pela direção, criando melhores condições de tra-
balho e salário.
Conforme pude constatar, mudanças profundas no processo de avaliação impli-
cam na transformação de todo o contexto pedagógico, ou seja, na forma como os
objetivos educacionais são estabelecidos em termos de conhecimento, na própria
concepção de aprendizagem com o qual trabalham os professores, na maneira de
conceber o planejamento, em suma, em todo o trabalho pedagógico.
A prática tem demonstrado, porém, que a mudança não depende apenas da
conscientização do professor, mas, principalmente, do apoio técnico-pedagógico-
administrativo. Sozinho nada se muda!
Todo este processo também tem proporciado rever freqüentemente meu papel
como orientadora, refletindo com os professores nossos propósitos comuns de edu-
cadores, pois, como diz Pimentel,

"… só é possível ao orientador educar se juntos se prepararen!


para enfrentar uma prática desafiadora, numa constante avalia-
ção e reformulação em busca do significado do seu ser e do seu
fazer." (1993, p. 5)

Os resultados obtidos com o projeto justificam a importância da divulgação de


sua história aos colegas professores. A "cara" da escola e as mudanças significativas
na prática docente de um número expressivo de professores contribuíram para a dimi-
nuição dos índices de repetência e para a melhoria da qualidade do ensino e da produção
de conhecimento dos alunos. Houve, sem dúvida alguma, avanços na desmisfificação
do conceito de avaliação e do estudar apenas para a nota. D a parte da Instituição,
algumas mudanças foram significativas, sobretudo porque contaram com a participa-
ção direta dos professores.
O desencadeamento de um trabalho de formação contínua de professores em
serviço pode mudar o paradigma da ação docente e levar à prática da avaliação diag-
nóstico-formativa, inclusive nas séries mais avançadas do ensino fundamental e nas de-
mais séries do ensino médio, onde esta prática é muito pouco expressiva.
Colega, você está convidado a participar dessa história!

149
O Trabalho Docente

Referências Bibliográficas

ABRECHT, Roland. A Avaliação Formativa. Lisboa: Edições ASA, 1994.

B E C K E R , Fernando. A epistemologia do professor. São Paulo: Ed. Vozes, 1993.

D E M O , Pedro. Educação e Qualidade. São Paulo: Cortez Editora, 1987.

FAZENDA, Ivani C. Arantes. Interdisciplinaridade: História, Teoria e Pesquisa. Campinas, São Paulo: Ed.
Papirus, 1994.

H O F F M A N N . J u s s a r a . Avaliação Mito & Desafio: Uma Perspectiva Construtivista. 7a Edição, U F R S , Porto


Alegre,1992.

L U C K E S I , Cipriano C. Verificação ou Avaliação: o que pratica a escola? In: Idéias. São Paulo: FDE (8):71-
80,1990.

N Ó V O A , Antonio. Os professores e a sua formação. Lisboa: D. Quixote,1992.

P E R R E N O U D , P. et alii. Avaliação Formativa num Ensino Diferenciado. Coimbra: Almedina, 1986.

Práticas Pedagógicas Profissão Docente e Formação. Lisboa: D o m Quixote, 1993.

PIMENTEL, Maria da Glória. O professor em Construção. Campinas, São Paulo: Ed. Papirus, 1993.

SOUZA, Clarilza P. et alii. Avaliação do rendimento escolar. Campinas, SãoPaulo: Papirus, 1993.

Comentário:
"Avaliação de Aprendizagem:
Instrumento da Reflexão da Prática Pedagógica"

Ivani Fazenda

A intenção dessa coletânea é das mais nobres: introduzir pesquisadores iniciantes


através da palavra de pesquisadores mais antigos.
No caso de Dolores, penso que a questão nao é bem esta; venho acompanhan-
do o seu trabalho como pesquisadora há, aproximadamente, dez anos, sendo que, em
1991, ela já fez parte de uma coletânea de textos por mim organizada intitulada Prá-
ticas Interdisciplinares Na Sala de Aula (Cortez, 1991), cujo texto "Interdisciplinari-
dade: questão de atitude" vem sendo dos mais conhecidos e debatidos por u m infinito
número de professores das redes públicas de ensino do País, visto o mesmo encon-

150
Avaliação de Aprendizagem: Intrumento de Reflexão da Prática Pedagógica

a
trar-se e m sua 36 edição. Naquela ocasião, Dolores dizia sobre as questões da inter-
disciplinaridade a partir de sua experiência na docência da disciplina Biologia, que pos-
teriormente incorporou enquanto professora de Didática em cursos superiores de for-
m a ç ã o de professores.
Naquela ocasião - 1991 - , Dolores apresentava-se como uma pesquisadora que
nao apenas refletia, mas que executava, que fazia. Todo o seu discurso era povoado
de exemplos vivos de um cotidiano bem-sucedido. A inovação sempre foi marca re-
gistrada de suas ações e seu espírito contagiante era seguido por cada um de seus alu-
nos que freqüentaram a sua sala de aula. Seu lema sempre foi o seguinte: é importante
que o bom aluno, o bom professor, possa "se sentir, se encontrar, possa ser, para então
poder fazer."
Esse mesmo espírito de guerreira encontramos em sua Dissertação de Mestrado,
ousada para os padrões formais da Academia na época, na medida em que dava voz
e voto, sempre em destaque maior às ações realizadas. A Didática que Dolores apre-
sentava era mais u m a didática vivida e sentida, portanto mais exercida do que re-
fletida; isto porque os parâmetros teóricos da disciplina Didática na época eram po-
bres, unilaterais, disciplinares, em nada combinando com o espírito interdisciplinar que
Dolores imprimia ao seu cotidiano.
O tempo apenas aperfeiçoou o seu lado guerreiro, a virtude da força desta edu-
cadora. Não mais contentou-se com uma sala de aula isolada, a sua, mas propagou
esse espírito de luta a grandes projetos que teve o privilégio de coordenar, ou as-
sessorar, tenham sido eles da rede pública de São Paulo ou de escolas particulares.
Minha condição nesse caso em particular tem sido de espectadora, daquela que
assiste de fora a batalha por u m a e d u c a ç ã o melhor empreitada por u m a guerreira.
Aproximo-me dela em fagulhas de tempo, em centelhas de momentos como este, mais
para inebriar-me em sua força e realimentar-me com ela. Assim, não sei quem apre-
senta quem, se estarei apresentando uma nova pesquisadora, ou se estarei revelando
o lado inédito de uma pesquisadora a n t i g a - e i s o sentido mágico e ambíguo de uma
educação do amanhã.

151
Outras obras da EDITORA PIONEIRA:

• Brincar e Suas Teorias, O


Tizuko Morchida Kishimoto
• Como Entender e Aplicar a Nova LDB
Paulo Nathanael Pereira de Souza e
Eurides Brito da Silva
• Desnudando a Escola
Luiza Laforgia Gavaldon
• Educação Básica Pós-LDB, A
Eurides Brito da Silva (org.)
• Educação Escolar Brasileira - Estrutura,
Administração e Legislação
Clóvis Roberto dos Santos
• Educação Sem Fronteiras:
em discussão o ensino superior
Ana Gracinda Queluz (org.)
• Estrutura e Funcionamento da
Educação Básica
João Gualberto de Carvalho Meneses
(org.)
• Guia para Elaboração de Monografías e
Projetos de Dissertação de Mestrado e
Doutorado
Maria Martha Hübner
• Inteligência e Afetividade da Criança na
Teoria de Piaget
Barry J. Wadsworth
• Interdisciplinaridade na Pré-Escola
Gabriel de Andrade Junqueira Filho
• Jogo e a Educação Infantil, O
Tizuko Morchida Kishimoto
• Método nas Ciências Naturais
e Sociais, O
Alda Judith Alves-Mazzotti e
Fernando Gewandsznajder
• Orientação Educacional na Prática
Lia Renata Angelini Giacaglia e
Wilma Millan Alves Penteado
• Psicanálise e Educação -
novos operadores de leitura
Leny Magalhães Mrech
• Trabalho Docente na Pré-Escola, O
Maristela Angotti
O Trabalho Docente
Teoria & Prática

Esse livro, composto de artigos e comentários elaborados por diferentes


educadores, é fruto do trabalho desenvolvido no Núcleo de Formação de
Professores do Programa de Pós-Graduação em Educação e Currículo da
P U C / S P na busca de novas bases para u m repensar da escola brasileira e do
trabalho de seus agentes.

Algumas idéias básicas têm norteado esse grupo de educadores objeti-


vando maiores explicações e maiorentendimento da questão. São elas:

A necessidade de o educador estar inserido em seu tempo, capaz


de entender a realidade socioeconômica e cultural que o cerca, a
ponto de redimensionar o seu conhecimento e as suas responsabi-
lidades sociais e profissionais.

A importância de se compreender o processo de formação como algo


inacabado, que apenas se inicia com a aquisição do diploma.

o A percepção de que a mudança no ensino e na educação em geral


depende muito mais do desejo, da vontade firme, do compromisso de
todos os responsáveis pelo processo do q u e de decisões
governamentais firmadas em atos legais não respaldados em u m
trabalho consciente e responsável dos que irão executá-los.

A variedade de assuntos e temas, ainda que voltados para a


formação de professores, enriquece sobremaneira essa obra, que
se propõe a trazer uma contribuição real ao trabalho dos
formadores bem como a todos aqueles que, trabalhando
no ensino, buscam novas idéias e se dispõem a
enfrentar novos desafios.

Você também pode gostar