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Resumo
Este artigo procura mostrar um caminho interdisciplinar para a formação do fisioterapeuta, identificando e
analisando, na prática docente, aspectos da interdisciplinaridade como: ambigüidade, provisoriedade, humildade e
erudição. Parte da apropriação do conceito e da história da Fisioterapia, para chegar à construção de uma proposta
de formação para esse profissional. Ao analisar as competências propostas nas diretrizes curriculares, aponta-se a
interdisciplinaridade como uma atitude que dialoga com as várias disciplinas, possibilitando superar a
fragmentação no processo formativo. A conclusão a que se chega é de que formar fisioterapeutas
interdisciplinarmente é uma possibilidade calcada no respeito ao ser humano e à sua individualidade, sempre
acompanhado pelo conhecimento e pela ética.
Palavras-chave: educação, ensino-aprendizagem, diretrizes curriculares, fisioterapeuta.
Abstract
This experiment intends to show an interdisciplinary approach to the formation of the physiotherapist, identifying
and analyzing in teaching practices aspects such as ambiguity, transitoriety, humility and erudition. Starting from
the concept of ownership and the history of Physiotherapy, it aims to construct of a proposed vocational training
for that. On examining the qualifications proposed in the curriculum guidelines, the interdisciplinary approach is
considered a dialogue with the various disciplines, allowing the attribute overcome the fragmentation in the
formative process. The conclusion we reach is that training physical therapists with an interdisciplinary
approach is a possibility based on respect for the human being and his individuality, always accompanied by
knowledge and ethics.
Key words: education, teaching-learning, curriculum guidelines, physiotherapist.
e das que ainda estão por vir. As finalidades da adequado das áreas física, emocional, social,
educação precisam ser reformuladas para atender às profissional, intelectual e espiritual (SILVA e DE
novas demandas sociais. O ensino precisa ser mais MARCHI, 1997).
crítico e menos formal, mais dinâmico e menos Em 2001, a Organização Mundial de Saúde
conservador, mais interdisciplinar e menos (OMS) publicou a “International Classification of
especializado. Functioning, Disability and Health (ICF)”, ou seja,
Com esta ótica, o texto enfoca, particularmente, a Classificação Internacional de Funcionalidade,
a formação de nível superior, mais especificamente Incapacidade e Saúde (CIF), que consiste numa das
a formação do fisioterapeuta. Reflexões sobre a várias classificações internacionais de saúde criadas
prática docente surgem entremeadas pela por aquela agência especializada, com a finalidade
interdisciplinaridade, fio condutor e referencial de descrever a saúde e seus estados relacionados
desta proposta de formação, em cujo bojo, a (ORGANIZAÇÃO..., 2003).
interdisciplinaridade acena como guia, tornando os A CIF baseia-se numa abordagem
envolvidos mais comprometidos e reflexivos. biopsicossocial, incorporando componentes de
É no diálogo entre as práticas educacionais e a saúde nos níveis corporais e sociais. Considera a
interdisciplinaridade que vão surgindo soluções condição de saúde como a integração de três
para a formação de fisioterapeutas mais humanos, dimensões: a biomédica, a psicológica – dimensão
mais responsáveis e mais realizados na profissão. individual – e a social. A saúde passa a ser
Não há qualquer pretensão de criar algo a ser constituída por três domínios:
imitado, mas de contribuir para o exame dos rumos a) funções e estruturas do corpo: corpo funções
que a educação superior está tomando e como cada fisiológicas – inclusive psicológicas – e partes
um dos envolvidos pode assumir sua parte no anatômicas;
processo.
b) atividades e participação:
participação execução de tarefa ou
ação e envolvimento em uma situação da vida; e
O FISIOTERAPEUTA c) fatores contextuais:
contextuais ambientais e pessoais.
esses aspectos do ser humano, percebendo que, político, e, finalmente, observar os aspectos afetivos
devido à sua complexidade, toda intervenção deve e emocionais dessa prática. Todo esse processo
ser multidisciplinar. Trabalhar em equipe requer, de deve ser desenvolvido sob a égide da ética. Como
cada um dos membros, virtudes como o observa Rios (2001, p. 23), o saber fazer bem “[...]
conhecimento das próprias limitações, cordialidade se revela na articulação de suas dimensões técnica
e capacidade de dividir decisões (LEME, 1998). e política, mediadas pela ética”. Alguns dos
Quando as tarefas de cada profissional não estão princípios éticos a serem destacados são: o
estabelecidas e conscientizadas pelo grupo, o respeito pela autonomia do cliente; a beneficência;
conflito é inevitável. a confidencialidade; e a justiça.
A saúde é dinâmica, envolve não só o presente O exercício das competências e habilidades
como o passado e o futuro. O fisioterapeuta tem específicas do fisioterapeuta requer conhecimentos
habilidades para atuar na promoção e prevenção, para: realizar todas as etapas do processo
antevendo as situações de risco, corrigindo-as e fisioterápico; fazer o diagnóstico cinético-funcional
orientando a população para realizar diversos e a intervenção fisioterápica; desenvolver atividades
tratamentos que restituam o indivíduo ao nível de planejamento, organização e gestão de serviços
anterior de saúde e para recuperar parte das funções de saúde; emitir laudos e atestados; prestar todos os
perdidas, garantindo uma vida digna e produtiva. esclarecimentos ao cliente e familiares; encaminhar
O objetivo maior da Fisioterapia é o retorno do o cliente a outros profissionais sempre que
indivíduo a um estilo de vida tão normal e integral necessário; zelar pela eficácia das técnicas
quanto possível, ou, então, a manutenção ou fisioterápicas; e conhecer os fundamentos históricos
maximização da função remanescente. Por função e legais da profissão.
entendem-se todas as ações fisiológicas dos No futuro, a Fisioterapia deverá ampliar seu
sistemas do corpo. Assim, a funcionalidade de um campo de atuação com uma ação cada vez mais
indivíduo é uma interação entre estado ou condições eficiente para a saúde da sociedade. Daí, a
de saúde e os fatores ambientais e pessoais. A importância da pesquisa e da formação contínua,
Organização Pan-americana da Saúde (OPAS) descobrindo e atualizando conhecimento, e do
sugere que a incapacidade não é um atributo do controle sobre suas atividades privativas.
indivíduo, mas um conjunto complexo de Surge, então, a dúvida de como formar esse
condições, muitas das quais criadas pelo ambiente novo fisioterapeuta, de como desenvolver as
social. Desse modo, é a partir da desintegração da competências esperadas para o exercício pleno e
questão física e política que surge a disfunção e, eficaz de suas atribuições. O papel das instituições
conseqüentemente, torna-se necessária uma de ensino seria o de desenvolver, com a
abordagem biopsicossocial para obter a integração instrumentalização, o potencial humano para formar
das várias perspectivas de funcionalidade cidadãos capazes de intervir eticamente na
(ORGANIZAÇÃO..., 2003). O fisioterapeuta deve sociedade, sendo suas ações movidas pelo
considerar a disfunção não causada diretamente pela conhecimento inovador. Uma atuação cidadã é
doença, trauma ou outro estado de saúde, mas, crítica, criativa, efetiva, presente, exemplar e
também, como problema criado socialmente, cuja competente.
intervenção nas políticas de saúde torna-se
necessária. O enfrentamento do problema requer
ação social, enquanto cidadão e enquanto A FORMAÇÃO DO FISIOTERAPEUTA
profissional da saúde, resgatando os direitos
humanos por meio de ações diretas e de A formação deve desenvolver competências
conscientização da população. técnicas e humanitárias, preparando o profissional
O primeiro passo rumo à aquisição das para enfrentar os três grandes desafios de nossa
competências é o domínio das técnicas próprias da época: a globalidade, a complexidade e a expansão
Fisioterapia. Isto significa não apenas aplicá-las descontrolada do saber. A globalidade envolve uma
corretamente, mas, também, selecionar a mais ampla capacidade de visão, uma captação da
adequada para cada situação e saber quais as realidade dentro da totalidade e da inter-
conseqüências imediatas e futuras do uso dessa relacionalidade. Os componentes da globalidade são
técnica. inseparáveis, assim como os da unidade, devido à
A seguir, o fisioterapeuta deve saber situar o sua condição de complexidade (MORIN, 2000).
uso da técnica no contexto socioeconômico e
processos ativos que requerem compromisso, tempo disposição para o diálogo. Só dialoga quem, ao
e envolvimento. reconhecer a própria fragilidade, torna-se forte,
A tradição incumbiu o professor da função de quem não tem medo de pôr à prova suas certezas.
ensinar e o aluno da ação de aprender. Porém, essa Desta forma, a humildade traduz-se pela certeza da
visão dicotômica do sistema de ensino- necessidade do diálogo e, conseqüentemente, da
aprendizagem não leva em consideração que quem parceria. Tornar-se humilde, significa reconhecer os
ensina modifica o outro, e, ao modificá-lo também limites e vontade de rompê-los. A humildade é uma
se transforma. Logo, seria preferível mencionar que virtude que leva ao comportamento ativo de
o professor é o sujeito que tem por principal – mas insatisfação e busca.
não a única – função, ensinar e que a função do Gudsdorf (1987) destaca que o professor
aluno – mas, também, não a única – é aprender. assumiu uma responsabilidade para com os outros
A investigação demonstra que o sucesso do que, muitas vezes, se torna um fardo, pois o que os
processo ensino-aprendizagem depende do empenho alunos desejam aprender é a verdade. Por outro
dos sujeitos envolvidos. Alguns dos deveres do lado, há necessidade de humildade do professor no
professor são: preparo técnico e científico para reconhecimento de sua incapacidade de ensinar a
ministrar suas aulas, aperfeiçoamento contínuo, verdade universal. A verdade constitui-se-lhe a
tratamento igualitário em relação aos alunos e justiça procura e não a solução. A verdade é traída toda
nas avaliações. O aluno, por sua vez, precisa realizar vez que se pretende ensinar a verdade, conforme
as tarefas solicitadas, estudar em casa, manter uma prega Gudsdorf (1987, p. 97).
boa disciplina para não atrapalhar os demais colegas e Exercer a interdisciplinaridade exige certa dose
tratar o professor de forma respeitosa. de ousadia para transformar insegurança em
Nessa troca, o professor deve assumir o papel processo de construção de conhecimento
de líder, porém essa liderança não deve ser imposta, (FAZENDA, 1997). O sistema educacional
mas deve resultar de seu conhecimento e experiência, o brasileiro, tradicionalmente, confere ao professor
que é chamado pela perspectiva interdisciplinar de uma aura de infalibilidade e, ao aluno, punição pelo
erudição. erro. Entretanto, estas ações podem aprisionar e
paralisar a busca pelo conhecimento. Cada um,
O professor não pode ter receio de manifestar
alunos e professores, precisam estar cientes de suas
liderança, pois, ao deixar de assumir seu papel,
deficiências para, então, procurar suprimi-las. Quem
acaba por prejudicar todo o processo de ensino e
se acha infalível ou tem medo de errar não se
aprendizagem. Na definição e adoção da identidade
arrisca, mas também não inova, não amplia
individual, constrói-se uma parceria, cujos
horizontes nem cresce. Buscar formas alternativas
elementos se esforçam para cumprir seus papéis e de ensinar e aprender, em lugar de se limitar ao que
também devem se sentir livres para exigir o já conhece, é uma atitude ousada que liberta.
comprometimento dos envolvidos. Há um equilíbrio Em alguns momentos, trabalhar com a
entre os direitos e deveres, tanto dos alunos quanto interdisciplinaridade gera insegurança, em razão de
dos professores, mantido graças a objetivos claros e sua condição de provisoriedade. É necessário ter
resultados concretos dessa associação. paciência para aceitar o temporário sem cair na
A interdisciplinaridade faz da humildade um de tentação de experimentar caminhos já conhecidos.
seus pressupostos básicos. Ao abordar a atitude Quem deseja aderir à interdisciplinaridade, precisa
interdisciplinar pautada na humildade, HAAS estar aberto às inovações.
(2000, p. 169) menciona que seria: Toda intervenção interdisciplinar requer tempo
para que seus resultados apareçam. Nessa espera,
[...] uma atitude que tem como pré- reside a angústia do provisório. A própria divisão
requisito a humildade traduzida em do funcionamento das instituições de ensino, com
reconhecimento da fragilidade da
cursos semestrais, semanas de prova, prazos para
dimensão individual na busca de soluções
e na produção de conhecimento quando, entrega de notas leva ao desejo de resultados
conseqüentemente, o diálogo fica imediatos. Há necessidade de ressignificar o tempo
facilitado, pois existe a predisposição para do aprendizado, valorizando tanto o conhecimento
ele. adquirido diariamente quanto as construções mais
elaboradas que levam um tempo maior para se
Nessa interpretação, não há sinal de fraqueza – concretizarem.
tantas vezes associada à humildade –, mas de
Na busca de soluções práticas para a formação BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de
do fisioterapeuta, como profissional apto a Educação. Resolução CNE/CES 4, de 19 de fevereiro de
2002. Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de
desenvolver todas as competências exigidas no graduação em Fisioterapia. Diário Oficial da União, Seção 1,
desenrolar de suas atividades, encontra-se a Brasília, 4 mar., 2002.
possibilidade interdisciplinar. Trabalhar com a FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. Interdisciplinaridade:
interdisciplinaridade requer um conhecimento história, teoria e pesquisa. Campinas: Papirus, 1994.
vivenciado e refletido, uma apropriação diária da ________. Interdisciplinaridade: um projeto em parceria. 3.
prática, um complexo processo de construção. ed., São Paulo: Loyola, 1995.
Convém destacar a necessidade da conjugação entre ________. Interdisciplinaridade: definição, projeto, pesquisa.
a tarefa e o conhecimento e entre a ação e a In: ________. Práticas interdisciplinares na escola. 4. ed. São
Paulo: Cortez, 1997.
reflexão.
________. A virtude da força nas práticas
Entender e vivenciar a interdisciplinaridade exige
interdisciplinares. Campinas: Papirus, 1999.
um olhar mais acurado, mais reflexão, mais leitura e
________. Didática e interdisciplinaridade. 3. ed. Campinas:
mais escrita. Nesse sentido, fica nítida a importância de Papirus, 2000.
se repensar a prática, buscando a construção da FRANQUEMONT, Sharon. O mundo é dos visionários. [29
identidade do professor na memória e no presente. maio 2002]. Veja, n. 1753, p.11-15, maio 2002. Entrevistadora
Porém, pensar somente no professor como responsável Anna Paula Buchala.
pelo sucesso do processo é atribuir-lhe uma carga GUDSDORF, Georges. Professores para quê? para uma
excessiva. Sem o amparo institucional, não há ação que pedagogia da pedagogia. São Paulo: Martins Fontes, 1987.
se sustente. A experiência de ensinar não deve ser HAAS, Celia M. A universidade e a formação docente: em
solitária. busca da formação docente interdisciplinar. In: ROLDÃO,
Maria do Céu; MARQUES, Ramiro (Orgs.). Inovação,
Sem idealizar a tarefa educacional, consideramos currículo e formação. Porto, Portugal, 2000.
que é função do professor ver no aluno aquilo que nem
JAPIASSU, Hilton. Interdisciplinaridade e patologia do
o próprio aluno enxerga. É sua responsabilidade saber. Rio de Janeiro: Imago, 1976.
mostrar novos horizontes, resgatando no aluno o papel LALONDE, M. El concepto de “campo de la salud”: una
de agente da educação. Este é o papel que também cabe perspectiva canadiense. In: ORGANIZAÇÃO Pan-americana
ao fisioterapeuta na relação profissional-paciente, da Saúde (OPAS). Promoción de la salud: uma antologia.
permitindo-lhe entrar em contato com o cotidiano das Washington: Opas, 1996.
condições de saúde da comunidade para que se LEME, Luiz Eugênio G. Atenção interprofissional do idoso nos
diferentes níveis de assistência à saúde. Acta Ortopédica
sensibilize e busque as possíveis soluções.
Brasileira, v.6, n.1, p. 22-24, jan./mar. 1998.
O fisioterapeuta é um profissional privilegiado,
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do
pois sua atuação volta-se para melhorar diretamente a futuro. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2000.
vida do próximo, ajudando-o a vencer barreiras e a MUNIZ, José W.C. Desenvolvimento da criatividade no
conquistar a dignidade. Tem a possibilidade de emprego da metodologia de solução de problemas na formação
enxergar o infinito da capacidade humana e aliar dos profissionais de saúde do curso de fisioterapia, na disciplina
afetividade à técnica. fisioterapia e nas disfunções cardiovasculares. Fisioterapia em
Pistas de como o docente pode melhorar seu movimento, v. 12, n. 2, p. 73-80, out.1998/mar.1999.
desempenho, tornando-o mais comprometido com sua NICIDA, Denise Pirillo. A interdisciplinaridade como um
caminho para a formação do fisioterapeuta. São Paulo,
função, podem ser fornecidas pela interdisciplinaridade. 2002. 139 p. Dissertação (Mestrado em Educação) –
Diálogo, parceria e pesquisa são algumas delas. A partir Universidade Cidade de São Paulo, São Paulo, 2002.
do momento em que cada professor perceber o valor de ORGANIZAÇÃO Mundial de Saúde. CIF: Classificação
sua prática e se dispuser a refletir sobre ela, estará, internacional de funcionalidade, incapacidade e saúde - Centro
então, exercendo a interdisciplinaridade. colaborador da organização mundial da saúde para a família de
classificações internacionais. São Paulo: Edusp, 2003.
RIOS, Terezinha A. Compreender e ensinar: por uma
REFERÊNCIAS docência da melhor qualidade. São Paulo: Cortez, 2001.
SILVA, Marco A. D. da; DE MARCHI, Ricardo. Saúde e
BARROS, Fábio Batalha M. de. Autonomia profissional do qualidade de vida no trabalho. São Paulo: Best Seller, 1997.
fisioterapeuta ao longo da história. Fisiobrasil, n. 59, p. 20-30,
maio/jun. 2003.
Recebido: 05/04/2008
Aceito: 12/09/2008