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Thomas Tallis

2016/2017

1º Ano da Licenciatura de Educação Musical

1º Semestre

Ciências Musicais e Oficina de Expressão e Comunicação

Orientação de: Doutor Rui Bessa e Doutora Teresa Ferreira

Escola Superior de Educação do Porto (ESE-IPP)

09/01/1997

José Pedro Gomes Moreira (nº 3160262)

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Índice

Introdução 2

Thomas Tallis 3

Primeiros anos 3

Tallis no reinado de Henrique VIII 4

Tallis no reinado de Eduardo VI 4

Tallis no reinado de Maria I 5

Tallis no reinado de Isabel I 6

Últimos anos de Tallis 6

Estilo de Composição e Obras Musicais 7

Música Vocal Religiosa 7

Spem in Alium 10

Música para teclado 11

Conclusão 13

Bibliografia 14

Webgrafia 14

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Introdução

Este trabalho insere-se nas disciplinas e Ciências Musicais e Oficina de Expressão e


Comunicação.
Após vários anos de estudo ligados à música dita “clássica”, e tendo ouvido gravações,
assistido a performances de peças que vão desde Allegri a Stockhausen, assim como ter
aprendido a executar no piano obras desde Bach a Arvo Pärt, senti necessidade de
mergulhar na “música antiga”, algo que, de certa forma, este trabalho me permite. A escolha
do tema acabou por recair em Thomas Tallis, um compositor renascentista inglês do séc. XVI,
essencialmente, de música coral religiosa.
Dado que o Renascimento é um período histórico que me agrada bastante, devido à
assunção de um homem que busca incessantemente o conhecimento através de todas as
formas, decidi procurar na coleção de CDs de minha casa, música desse período. Ouvi De
Prez, Morley, Dowland, Palestrina, De Lassus, entre outros. No entanto, aquele que me
chamou mais a atenção foi Tallis quando escutei o seu majestoso motete latino “Spem in
Alium”.
Thomas Tallis, como afirmei anteriormente, insere-se no Renascimento Inglês. Este
período é marcado por várias mudanças a nível político e religioso, que tiveram origem na
Reforma Protestante iniciada por Henrique VIII, por isso, não deve ter sido fácil a Tallis impor
a sua música coral, de forma a cumprir as exigências dos monarcas para quem trabalhou,
durante quase toda a sua vida, cada um com as suas convicções, o que me leva a tentar
descobrir a essência da sua personalidade.
A nível estrutural, pretendo primeiro situar Thomas Tallis no tempo e no espaço histórico,
e daí partir para o seu trabalho, durante cada reinado dos monarcas que serviu, seguindo-se
uma pequena análise do seu estilo de composição das suas obras vocais litúrgicas,
explicando mais ao pormenor uma delas, que foi a que me levou a escolher este tema
(“Spem in Alium”) e por último, abordar a sua música para instrumentos de teclado.
Neste trabalho, proponho-me atingir os seguintes objetivos:

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- Descobrir a personalidade de Tallis; situar o compositor no tempo e no espaço; estudar
o seu estilo de composição, através de livros e gravações, assim como as suas obras
musicais; por último, ajudar a divulgar a obra do compositor.

Thomas Tallis

Thomas Tallis foi um compositor e organista inglês do período


renascentista, que ocupa um lugar cimeiro na música coral inglesa.
Apesar do seu elevado estatuto, pouco se conhece sobre a sua vida,
o que está espelhado no seu epitáfio, que faz, apenas, alusão a um
homem calmo e piedoso: “As he did live, so also did he die, in mild and quiet sort (O happy
man!); To God full oft for mercy did he cry, wherefore he lives, let death do what it can.”.
No entanto, a música de Tallis dá-nos mais informações. Segundo Grout e Palisca (1994) a
sua carreira reflete ”os sobressaltos religiosos e as desconcertantes reviravoltas políticas que
afetaram a música inglesa neste período”. O compositor viveu numa época histórica em que
a situação política e religiosa inglesa era inconstante: da mesma forma que os monarcas se
sucediam, mudava a religião, alternando entre o protestantismo e o catolicismo, o que vai
revelar a sua capacidade de adaptação e criatividade, tão necessária à escrita de música
litúrgica, segundo a exigência de cada monarca.

Primeiros anos
Não é conhecida a sua origem familiar e a sua data de nascimento não é exata, embora os
musicólogos tenham apontado para cerca de 1505. Apesar de não se conhecer a sua
educação musical, Harley (2015) afirma que Tallis terá sido um menino de coro, porque,
dessa forma, se teria familiarizado com as devoções diárias e cíclicas da Igreja, bem como,
com os Cânticos a elas associados. À medida que progrediu, aprendeu a tocar órgão, e talvez
viola da gamba.
A primeira data de que há registo é 1531, quando Tallis foi nomeado organista do
Priorado Beneditino de Dover, o que marca o início da sua carreira musical. Em 1537 tornou-
se organista na Igreja Anglicana de St Mary-at-Hil, em Londres, e em 1538, mudou-se para a

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Abadia de Waltham até à sua extinção, em 1540. Ficando desempregado, conseguiu
trabalho na Catedral de Canterbury como Lay Clerk, em 1541.

Tallis no reinado Henrique VIII


Henrique VIII é conhecido pelos seus seis casamentos e, em particular,
pelos esforços para anular o seu primeiro. O diferendo com o Papa sobre
essa questão levou-o a iniciar a Reforma, separando a Igreja da Inglaterra
da autoridade papal, nomeando-se Supremo Chefe da Igreja de Inglaterra.
Apesar de tal facto levar à sua excomunhão, permaneceu crente em
relação aos principais ensinamentos católicos.
Algures, entre 1543 e 1544, Tallis foi nomeado Cavalheiro da Capela Real, pelo Reitor da
Capela, Thomas Thirlby. Tallis deve ter ficado animado com a perspetiva de trabalhar tão
perto do centro da política e da diplomacia inglesa, assim como da possibilidade de
contactar com os mais recentes progressos na área da música e outras artes. A consciência
de Tallis não deve ter andado longe do conhecimento humanístico e teológico que o rei
reivindicou. Também, deve ter conhecido os livros publicados, em 1543, que mudaram a
visão da humanidade de si mesma e do universo: a coleção de desenhos anatómicos de
Vesalius (De Humani Corporis Fabrica Libri Septem) e a descrição matemática da teoria
heliocêntrica (De revolutionibus orbium coelestium) de Copérnico.

Tallis no reinado de Eduardo VI


Henrique VIII faleceu a 28 de janeiro de 1547. O seu sucessor foi
Eduardo VI, que ainda tinha nove anos, pelo que, durante três anos, o
poder foi regido por um Conselho. A transformação da Igreja num
órgão reconhecidamente protestante ocorreu sob este reinado, dado
que, embora o pai, Henrique VIII, tivesse rompido a ligação entre a Igreja da Inglaterra e
Roma, nunca renunciou à doutrina católica. Nesta altura, as reformas incluíram a abolição
do celibato e a missa passou a ser em inglês.

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Segundo Harley (2015), neste tempo, há sinais de que Tallis se tivesse tornado uma figura
importante entre os Cavalheiros da Capela Real, tanto que seria muito improvável que até à
nomeação de John Sheppard no final do reinado, alguém partilhasse a sua responsabilidade
como Diretor do Coro, assim como a sua proficiência como compositor
e organista. Se Tallis era realmente o responsável pela música da
Capela, a sua tarefa foi complicada pelas várias mudanças ocorridas. O
arcebispo Cranmer, de Canterbury, que tinha trabalhado em silêncio
para uma reforma, no tempo de Henrique VIII, na cerimónia de
coroação do rei Eduardo, pressiona-o, no seu discurso, para que a
idolatria acabe e as imagens dos santos sejam removidas. Outra indicação de intenção foi
dada quando, na Abadia de Westminster, em 4 de novembro, a abertura do Parlamento foi
marcada pelo canto em inglês do Ordinário da Missa, excluindo o Kyrie.

Tallis no reino de Maria I


Alguns dias depois da morte do rei Eduardo VI, em 6 de julho de 1553, cumprindo-se o
seu testamento, foi proclamada rainha a sua prima, Lady Jane Grey. No entanto, foi deposta
nove dias depois, através de uma manobra política e militar dos apoiantes da irmã de
Eduardo, Maria, sendo esta proclamada Rainha.
Ocorreu, então, a restauração do rito latino, e especialmente da missa, sendo retomada a
missa cantada em Latim.
A impressão de que Tallis era a cabeça musical da Capela é reforçada pela concessão que
a Rainha lhe faz, bem como a Richard Bower, mestre das crianças da Capela, em 1557, por
vinte e um anos, do arrendamento da mansão de Minster, na Ilha de Thanet, que pertencera
ao mosteiro de Santo Agostinho.
Segundo Harley (2015), no final da década de 1550, há provas que sugerem que William
Byrd, que se viria a estabelecer como um compositor importante deste período, fosse seu
aluno:
He was almost certainly a chorister at St Paul’s Cathedral, and his exceptional talent
may have led Sebastian Westcote, who had charge of the choristers there, to seek
Tallis’s help in providing him with instruction in composition. When Byrd was himself a
Gentleman of the Chapel Royal, Westcote may have sent Peter Philips and Thomas
Morley to him for the same purpose. It is hard to think of anyone but Tallis who could

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have provided the kind of help needed by as gifted a pupil as Byrd undoubtedly was.
(Harley, 2015: 90).
No entanto, a única referência contemporânea aos estudos de Byrd com Tallis está no
poema latino de Ferdinando Heybourne, que integra o prefácio de “Cantiones, quae ab
argumento sacrae vocantur”, publicadas por Tallis e Byrd, em 1575.
Na altura em que a rainha Maria se casou com Filipe II de Espanha, houve uma mudança
na vida pessoal de Tallis. Este foi testemunha do testamento do seu amigo Thomas Bury,
também Cavalheiro da Capela Real, que morreu em 1554. O testamento menciona a esposa
de Bury, Joan e autoriza que após a sua morte, a sua viúva se pudesse casar com Tallis.

Tallis no reinado de Isabel I


Isabel sucedeu à sua meia-irmã, Maria, falecida a 17 de novembro de
1558, sendo coroada a 15 de janeiro, numa cerimónia realizada em latim.
A era isabelina representou um expoente cultural, sendo de relevar o
poeta e dramaturgo, William Shakespeare. No governo, Isabel foi mais
moderada do que os seus antecessores. Na religião, mostrou-se relativamente tolerante,
evitando a perseguição sistemática. Contudo, grande parte da legislação religiosa, decretada
sob o reinado de Maria, foi revogada. Foram aprovados novos Atos de Supremacia e
Uniformidade, em 1559, e houve mudanças em relação aos ministros da Rainha e oficiais,
bem como no Clero.
A posição de Tallis manteve-se inalterada. Este último tinha sido um servo leal, durante
três monarcas, não havia razão para supor que não servisse Isabel I, da mesma forma. No
entanto, vários membros da Capela Real foram dispensados.

Últimos anos de Tallis


As convicções pessoais e religiosas de Tallis só podem ser inferidas através do seu
testamento e dos seus cenários musicais dos textos religiosos. Naturalmente, o testamento
transmite pouco mais do que as ideias convencionais do tempo, embora a música, muitas
vezes, indique algo mais. Quaisquer que tenham sido os seus pensamentos, numa época em
que se impunha às pessoas a adoção de novas crenças e práticas, Tallis parece ter-se
contentado em obedecer às decisões dos seus soberanos.

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Tallis morreu no dia 23 novembro de 1585, de acordo com o registo da Capela Real. Foi
enterrado perto do altar-mor da igreja paroquial de S. Alfege, em East Greenwich, o que
sugere a sua importância dentro da congregação.
William Byrd homenageou-o com uma elegia profundamente sentida, Ye sacred muses,
para ser executada por um contratenor e quatro violas da gamba, que afirma que a música
morre com a morte de Tallis.

“Ye sacred Muses, race of Jove,


Whom Music’s lore delighteth,
Come down from crystal heav’ns above
To earth where sorrow dwelleth,
In mourning weeds, with tears in eyes:
Tallis is dead, and Music dies.”

Estilo de Composição e Obras Musicais

O estilo de composição de Tallis mudou ao longo da sua vida, de forma a agradar aos
diversos monarcas para quem trabalhou. Desta maneira, compôs tanto música protestante,
como católica, com textos em inglês e em latim. Segundo Grout e Palisca (1994), Tallis “faz a
ponte entre os estilos musicais ingleses do início e do fim do século”. Tallis não seguiu o
caminho dos madrigais ou de outro tipo de música secular, mas sim o religioso. A sua música
demonstra mais contenção do que exuberância e grande parte do seu trabalho possui um
carácter melancólico e reflexivo (por exemplo, “The Lamentations of Jeremiah the
Prophet”), mas também, evidencia habilidade técnica suprema. O melhor exemplo é o
motete “Spem in Alium” com a sua impressionante tapeçaria de vozes. Compôs, também,
algumas peças complexas para teclado, como as duas variações virtuosas” Felix Namque”.

Música Vocal Religiosa


Candê (2005) refere que Tallis compôs services e anthens para a Igreja anglicana, mas é
nas missas e motetes latinos que mais se destaca. Uma das mais importantes caraterísticas
da obra de Tallis é “a natureza basicamente vocal das melodias. Sentimos ao ouvi-las ou

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cantá-las, que foram concebidas, não como uma inter-relação de linhas melódicas abstratas,
mas como uma interligação de vozes-tal a precisão com que a curva melódica desposa a
cadência natural das palavras, tamanha a imaginação com que projeta o conteúdo destas e
tal a naturalidade com que se apresenta ao cantor.” (Grout e Palisca, 1994: 232)
Tallis já compunha antes de entrar na Capela Real. A “Missa Salve Intemerata”, por
exemplo, foi escrita entre o final da década de 1520 e o início de 1530. Harley (2015) afirma
que, apenas, algumas das suas primeiras obras sobreviveram, devido à perda de fontes, mas
podemos ter a certeza que estudou as obras de Fayrfax e Taverner, que deram um grande
contributo para a música litúrgica inglesa. As primeiras obras em Latim, escritas antes e
depois da Reforma, mostram como Tallis conjugou os aspetos conservadores da polifonia
sacra, com as técnicas avançadas do continente. Exemplo disso são “Ave Rosa Sine Spinis” e
“Ave Dei Patris Filia”, antífonas devocionais à Virgem Maria.
A rutura de Henrique VIII com o catolicismo romano, em 1534 e a ascensão de Thomas
Cranmer, como arcebispo de Canterbury, influenciou a música. Cranmer recomendou um
estilo silábico como está definido na Litania Inglesa de 1544. Como consequência, a escrita
de Tallis e seus contemporâneos tornou-se menos florida.
No reinado de Eduardo VI, Tallis foi um dos primeiros músicos a escrever hinos em inglês,
embora o latim continuasse a ser usado.
Harley (2015) informa que em meados do século XVI, três fontes musicais compilam a
música em Inglês para grupos de cantores e incluem obras de Tallis em cada um deles. O
livro Lumley (1547-1552) é uma coleção de música do reinado do rei Eduardo, que contem
duas peças de Tallis: “ Remember not” e “Benedictus”. No entanto, o maior número de
peças sagradas eduardinas está contido no livro Wanley (1548-50). Tallis é representado por
duas peças: “Hear the voice and prayer” e “If ye love me”. O terceiro livro, “Mornyng and
euenyng prayer and communion”, foi impresso em 1565 e dele fazem parte, apenas, obras
do reinado de Eduardo VI, incluindo quatro peças de Tallis: duas que já constavam do livro
‘Wanley, e “Lord in thee is all my trust” e “Remember not”.
Parece que pouco foi exigido a Tallis, durante os anos que passou na Capela Real de
Henrique VIII e na de Eduardo VI. No entanto, não podemos ter a certeza de quanto foi
destruído, quando um monarca sucedeu a outro, de uma convicção religiosa diferente,
afetando, dessa forma, a conservação dos manuscritos.

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A católica Maria I começou a destruir algumas das reformas religiosas das décadas
precedentes. Acredita-se que duas das principais obras de Tallis, “Gaude Gloriosa Dei Mater”
e a Missa de Natal, “Puer natus est nobis” são dessa altura. Como era prática corrente, essas
peças foram destinadas a exaltar a imagem da Rainha e a louvar a Virgem.
As autoridades religiosas, no início do reinado de Isabel I, inclinaram-se para o calvinismo,
que tendia a desencorajar a polifonia na igreja, a menos que as palavras fossem claramente
audíveis e compreendidas como se fossem lidas sem cantar. Tallis escreveu nove salmos,
para quatro vozes, para o Saltério do Arcebispo Parker, publicado em 1567. Uma das nove
músicas, a "Third Mode Melody", inspirou a composição de “Fantasia sobre um tema de
Thomas Tallis” por Ralph Vaughan Williams, em 1910; o “Salmo 67” ficou conhecido como
"Canon de Tallis" e foi adaptado por Thomas Ken, em 1709, ao hino "All praise to thee, my
God, this night". As obras mais conhecidas de Tallis, desta
época, incluem “The Lamentations of Jeremiah the
Prophet” para os ofícios da Semana Santa e o motete “
Spem in Alium”.
Em 1575, a Rainha Isabel concedeu a Tallis e a William
Byrd um monopólio, de vinte e um anos, para produção de música polifónica, e uma patente
para imprimir e publicar música, que foi uma das primeiras concessões desse género, no
país. Tallis passou a ter direitos exclusivos para imprimir qualquer música, em qualquer
idioma. Tallis e Byrd usaram este monopólio para produzir “Cantiones quae ab argumento
sacrae vocantur”, no mesmo ano.
Segundo Harley (2015), a coleção foi dedicada à rainha, e talvez tenha sido apresentada
no dia da celebração da coroação, a 17 de novembro de 1575. “Cantiones” contém
dezassete peças de cada compositor. A obra de Tallis, “Miserere Nostri”, para sete vozes,
com o primeiro baixo a cantar uma melodia de dezassete notas, foi a décima sétima das suas
obras na coleção. Todavia, nem todas as contribuições de Tallis para a publicação eram
novas, e algumas delas baseavam-se em obras escritas cerca de vinte anos antes.
No final de sua vida, Tallis resistiu à inovação musical dos seus contemporâneos mais
jovens, como William Byrd, que abraçou a complexidade composicional e adotou textos
construídos pela combinação de diferentes extratos bíblicos. Tallis contentou-se em compor
sobre os textos da Liturgia para os cultos da Capela Real.

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Spem in Alium
“Spem in alium”) é um motete renascentista composto por Tallis com cerca de setenta
anos de idade. É uma das suas composições mais famosas e mais apresentadas.
A origem da obra é contada no “Commonplace BooK” de Thomas Wateridge, onde
este relata uma história de natureza quase anedótica, o que pode justificar algum
ceticismo sobre a sua veracidade:
In Queene Elizabeths time yere was à songe sent into England of 30 parts (whence
ye Italians obteyned ye name to be called ye Apices of ye world) wch beeinge Songe
made a heavenly Harmony. The Duke of [blank] bearinge à great love to Musicke
asked whether none of our English men could sett as good à songe, and Tallice
beeinge very skillfull was felt to try whether he would under take ye Matter wch he
did & made one of 40 partes wch was songe in ye longe gallery at Arundell house
wch so farre surpassed ye other yt the Duke hearinge of yt songe tooke his chayne of
gold from of his necke & putt yt about Tallice his necke & gave yt him(…) wch songe
was againe songe at yePrinces coronation. (Harley, 2015: 148)

Harley (2015) explicita que há razões para pensar que a obra enviada para Inglaterra
tinha, no entanto, 40 vozes, e tratava-se de uma missa de Alessandro Striggio, “Ecce beatum
lautam”, que visitou aquele país em 1567, conhecendo a rainha Isabel I, que elogiou o seu
madrigal “D'ogni gratia et d'amor”. Durante a sua visita, Striggio pode ter mostrado a sua
Missa a músicos ingleses. A casa de Arundel era a casa de Londres de Henry Fitzalan, conde
de Arundel. Este serviu como camareiro, sob Henrique VIII e Edwardo VI. Com Maria I e
Isabel I tornou-se Alto-Comissário. A Casa de Arundel era abastada e de grande dimensão,
pelo que é de esperar ser cenário de importante atividade musical e ter Tallis entre os
convivas habituais. O duque que terá tirado uma corrente de ouro do seu pescoço e
colocado no de Tallis, seria, provavelmente, um dos genros de Arundel, Thomas Howard, o
quarto duque de Norfolk. Assim sendo, a composição de “Spem in Alium” teria sido escrita
entre meados de 1567 e outubro de 1569, altura em que Howard foi preso, devido a uma
conspiração contra a Rainha, sendo julgado e posteriormente executado.
Se esta narrativa for verdadeira, Tallis poderá ter respondido ao desafio para defender a
honra criativa da Inglaterra ou para provar como um idoso ainda era capaz de criar uma
grande obra. Outra hipótese seria a vontade de se eternizar com uma obra-prima.
O texto latino original do motete é um responsorial (“Matinas, para a 3ª Lição”, durante a
quinta semana de setembro), no “Uso Sarum”, adaptado do “Livro de Judite”. Hoje o

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responsorial aparece no rito latino, no “Ofício de Leituras”, na primeira lição da terça-feira
da 29ª semana do ano.
A estrutura musical de “Spem in Alium” é notável, e ao ser coordenada com a estrutura
do texto latino, o seu significado é reforçado. O motete foi escrito para 40 vozes (oito coros
de cinco vozes: soprano, contralto, tenor, barítono e baixo). Começa com uma única voz do
primeiro coro, ao qual se juntam outras vozes, em imitação, silenciando-se, cada uma, por
sua vez, enquanto a música se move em torno dos oito coros. Todas as quarenta vozes
entram, simultaneamente, em alguns compassos, e então o padrão da abertura é invertido e
a música passa do coro oito para o coro um. Há outra breve seção, após a qual, os coros
cantam em pares antifonais, emitindo o som através do espaço entre eles. Finalmente, todas
as vozes se unem para o culminar da obra.
Embora composta em estilo imitativo e ocasionalmente homofónico, as suas linhas vocais
individuais agem livremente dentro de seu elegante quadro harmónico, permitindo que um
grande número de ideias musicais sejam cantadas, durante o seu tempo de execução, cerca
de dez a doze minutos. “Spem in Alium” apresenta bastantes contrastes: as vozes individuais
cantam e silenciam-se uma de cada vez. As vozes tanto se ouvem sozinhas, como em coro,
outras vezes chamando e respondendo, assim como, também, todas juntas, mas, de tal
modo, que está muito longe de resultar numa confusão de ideias monótonas. Segundo
Harley 2015), “Spem in Alium” depende do efeito mais sobre as suas linhas melódicas do
que sobre mudanças dramáticas na tonalidade. Cada voz tem a oportunidade de seguir o seu
caminho melódico individual. As notas constitutivas de cada acorde tendem a espalhar-se
uniformemente por todas as vozes. Mas, com algumas exceções deliberadas, as vozes
raramente duplicam o som de uma nota, numa determinada oitava. 0Tallis consegue, ao
mesmo tempo, dedicar a atenção aos contornos formados pelas vozes mais altas e mais
baixas. De uma forma resumida, “Spem in Alium” estará certamente no topo das obras
corais do Renascimento, especialmente devido à sua fluidez.

Música para Teclado


Acredita-se que quando o órgão era substituído pela execução vocal do canto, os deveres
do organista, muitas vezes, exigiam pouco mais do que a decoração espontânea da melodia.
Mas ocasiões havia em que a improvisação não chegava e algo tinha que ser escrito
previamente.

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Harley (2015) considera que devido a Tallis ter tocado órgão, durante a sua longa vida,
deve ter escrito consideravelmente mais música para o instrumento do que o que chegou
até nós. A sua obra mais antiga para órgão é “Alleluia Per te Dei Genetrix”, composta entre
1530 e meados de 1540.
A maior parte da música de teclado inicial é de natureza simples e está incluída no livro
de Thomas Mulliner, compilado entre o período de 1558 e 1564, mas o conteúdo cobre um
longo tempo e inclui mais música de John Redford do que de qualquer outro compositor
posterior, sendo pouco útil na datação das obras de Tallis.
No entanto, Tallis só escreveu verdadeiras obras virtuosas na era Isabelina, usando
cantus firmus como base para a sua composição. Duas das peças compostas, desta maneira,
“Felix Manque”, datam, a primeira, de 1562 e a segunda, de 1564. Estão ambas incluídas no
“Fitzwilliam Virginal Book”.
Estas obras inserem-se na prática de cantochão, bastante tempo depois do seu
desaparecimento do culto da Igreja Inglesa, derivando de uma tradição em que o organista
deveria executar um solo mais ou menos elaborado, em cantus firmus, no Ofertório da
Missa em honra à Virgem Maria. Ambas as peças parecem ter sido escritas não para órgão,
mas para virginal, um instrumento da família do cravo.
Provavelmente, a maioria das peças para teclado de Tallis não chegou até nós. No
entanto, o pouco que conhecemos, dá para constatar que a sua música instrumental, apesar
de apresentar bastante qualidade, não é comparável com o nível da sua música coral.
Todavia, poderá ter influenciado produções posteriores para teclado, indiretamente, visto
que o seu aluno e amigo William Byd viria a utilizar métodos pioneiros, onde o crescimento
orgânico seria sustentado pela lógica harmónica.

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Conclusão

Investigar Thomas Tallis é um desafio de biógrafo e um prazer enorme para um


musicólogo. Por haver poucos documentos oficiais, as referências do século XVI são raras.
Podemos conjeturar que foi menino de coro da Catedral de Canterbury, mas não temos
provas documentais. Conhecemos, no entanto, nomes de músicos com os quais Tallis
trabalhou, como William Byrd, sendo provavelmente seu aluno. Outros nomes que se ligam
a Tallis, como Henry Fitzalan e Thomas Howard sugerem que existiam relações com a corte,
mas nada indica o seu nível de convívio com a nobreza ou se dela recebeu alguma benesse.
Não existem informações sobre os seus interesses além da música, mas a maneira como
compôs textos religiosos, leva-nos a pensar que aderiu às crenças do tempo, de forma
sincera.
Tallis viveu uma vida calma, mesmo em tempos de mudança. No entanto, a sua
moderação e determinação podem ter sido a chave para as suas composições, porque só
terá chegado ao topo, na Capela Real, pelo esforço, bom desempenho e experiência.
Tallis desenvolveu a sua atividade como compositor desde a década de 1520, se não
antes, até à década de 1570, época em que publica “Cantiones” juntamente com Byrd.
A sua música é, sem dúvida, o trabalho de um homem que era ao mesmo tempo
contemplativo e inventivo, contribuindo para o entusiasmo dos protestantes, que
encontraram o seu ideal na sua música de igreja com textos em inglês, e posteriormente dos
católicos que queriam defender a sua música latina.
Mais de quatro séculos após a sua morte, ainda não é fácil familiarizarmo-nos com todas
as suas obras, já que poucas foram criados com um propósito apenas musical: a maioria foi

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destinada a ofícios da igreja. Partindo das suas circunstâncias originais, tiveram que assumir
uma nova identidade. Felizmente, a construção musical e conteúdo das peças de Tallis
deu-lhes força para suportar uma transformação frequente em obras de concerto
independentes.
Nos últimos anos, as gravações multiplicaram-se. Esta produção, que abrange mais a
obra latina, proporciona oportunidades infinitas de escuta privada, de forma a se chegar a
um entendimento muito mais aprofundado da obra e do seu autor.

Bibliografia

-Candé, R. (2005). História universal da música, Volume 1. Lisboa: Edições Afrontamento.


-Grout, D. & Palisca, C. (1994). História da Música Ocidental. Lisboa: Gradiva.
-Harley, J. (2015). Thomas Tallis. New York: Routledge.

Webgrafia

- Encyclopædia Britannica, Thomas Talis (2014),


https://www.britannica.com/biography/Thomas-Tallis - 30/12/2016, 16.37.
- Andrew Stewart, Classic FM, The World’s Gratest Music, Thomas Tallis (2014),
http://www.classicfm.com/composers/tallis/#dXRjcWUO0bdOFKD8.99 - 30/12/2016,
16.58.
-Classic Music.Com, The website of BBC Music Magazine (2012) - http://www.classical-
music.com/topic/thomas-tallis - 02/01/2017, 12.43.
-Hickey, Sue, Thomas Tallis (c.1505-1585) - A short biography (1994),
http://www.medieval.org/emfaq/composers/tallis.html - 02/01/2017, 14.30.

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