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Christian Jacq – Mozart – Vol.

3 (O irmão do
Fogo)
As Bodas de Fígaro, primeiro ato (diálogo entre Mozart e Thamos)

- A intriga parece simples – esclarece Wolfgang. – Fígaro, criado


do conde Almaviva, quer se casar com Susanna, camareira da
condessa. Mas o conde deseja seduzir Susanna, se necessário
restabelecendo o direito da primeira noite. Fígaro e Susanna
conseguirão escapar do predador e se unir em matrimônio, com o
apoio da condessa?
- Para fazer do seu Fígaro um Aprendiz franco-maçom – observa
Thamos -, é preciso retirar a dimensão polêmica, tão cara a
Beaumarchais. Ele encarnará o iniciado que deseja se unir a Susanna,
expressão da Sabedoria.
- É por isso que, sem que Fígaro perceba, a obra começa na
Câmara do Meio, onde Susanna mexe no espelho do conhecimento,
usado no grau do Aprendiz, e confecciona um chapéu, símbolo
reservado aos Mestres. Ali se celebra o casamento alquímico. No
centro, uma grande poltrona com braços, isto é, o trono do Venerável.
Primeiro trabalho do Aprendiz Fígaro: medir. Primeira palavra
pronunciada: “Cinco”, Número do Companheiro, o número ao qual ele
aspira, mas cuja chave ainda não possui. E o que ele mede? O leito
invisível, o símbolo do ataúde destinado a transformar a morte em
vida no grau de Mestre.
- Fígaro faz o trabalho com muita pressa, como um Aprendiz
impaciente – esclarece Thamos. – Por isso, Susanna chama a atenção
dele, qualificando-o de insensato e querendo afastá-lo de um lugar
tão perigoso.
- Aí – prossegue Wolfgang – eu simbolizo o despertar iniciático
por intermédio das sinetas que o conde e a condessa tocam para
chamar os empregados. Mas os números são diferentes: Susanna dá
dois passos para “se acercar” da condessa; fígaro, três pulos, Número
do Aprendiz, para se unir ao conde. Os dois somam Cinco, número do
Companheiro, em que Fígaro quer se transformar. Sem Susanna, é
impossível. Então, ela pergunta: Fígaro quer mesmo ouvir tudo? Como
ele responde afirmativamente para evitar o frio da morte, a iniciação
dele prossegue. “Escute-me e cale-se”, exige Susanna, que revela as
intenções do conde: possuí-la, restabelecendo o antigo direito feudal.
- Então se inicia o inevitável confronto entre o Aprendiz e o
Companheiro – diz Thamos.
- “Bravo, senhor meu mestre!”, exclama Fígaro. “Agora começo
a compreender o mistério”. Prometendo que fará o temível adversário
dançar de acordo com a sua música, Fígaro revela a sua estratégia:
com calma, dissimulando, esquivando-se, aguilhoando aqui, caçoando
acolá, ele acabaria com as maquinações e conheceria o segredo
desse ritual.
- Ao agir assim, o Aprendiz vira alvo dos aliados do
Companheiro, o médico Bartolo, para quem “a vingança é um prazer
reservado aos sábios”, e Marcellina, que desejava casar-se com
Fígaro! Juridicamente, os cúmplices do conde encontram “matéria
para confusão”, e reduzirão o Aprendiz ao silêncio. “E esse patife do
Fígaro será vencido!”, promete Bartolo.
- Porém, Susanna enfrenta Marcellina e faz com que ela fuja,
classificando-a de Sibila decrépita e de velha pedante!
- Chega o momento de usar a matéria-prima alquímica, a pedra
bruta na qual e com a qual trabalha o Aprendiz. Que personagem a
simbolizará?
- Cherubino – decide Wolfgang - , um anjo da guarda que
pertence às hierarquias celestes. Ele encarnará o amor andrógino,
sem polarização. O conde quer expulsá-lo do castelo, pois o anjo o
surpreendeu com a bela Barbarina. Só a madrinha de Cherubino, a
condessa, pode salvá-lo.
- Realmente, só a Sabedoria pode fazer com que a matéria-
prima apareça.
- Cherubino canta o desejo puro – continua Wolfgang. – “Eu falo
de amor quando estou acordado, eu falo de amor quando sonho, falo
de amor para a água, para a sombra, para as montanhas, para as
flores, para a relva, para as fontes, para o eco, para o ar e para o
vento”. Mas eis que ele está usando uma faixa roubada de sua
querida protetora, a conessa!
- Você está pensando nas “faixas” e nos “cordões” de oficiais
que usamos na Loja.
- Aliás, Cherubino está destinado a seguir uma carreira... de
oficial! Assim, ficará bem claro que ele pertence à esfera iniciática.
Além do mais, a faixa também representa um dos laços de amor
presentes no cordão com nós que é, ao mesmo tempo, Harmonia do
Universo e União dos Iniciados.
- E, agora, ocorrerá o primeiro confronto entre Susanna,
expressão da Sabedoria, e o conde, o Companheiro, depositário da
Força que ele pensa controlar.
- Essa cena será apresentada na Câmara do Meio, onde o conde
não deveria estar! Cherubino está escondido atrás de uma poltrona
na qual o Companheiro ousa sentar. Antes de viajar com Fígaro para
Londres, para onde foi nomeado embaixador, o conde quer ser
amante de Susanna. A chegada do seu professor de música, o
rabugento Basilio, obriga o conde, por sua vez, a procurar um
esconderijo. Assim, ele verá até que ponto esse professor, que é seu
empregado, lhe é fiel. Susanna ajuda Cherubino a se instalar na
poltrona tão importante e cobre-o com um véu.
- Novamente a matéria-prima é ocultada – comenta Thamos.
- Basilio recomenda a Susanna que ceda ao desejo do conde,
mas divulga tantos mexericos que o conde sai do esconderijo! Ele
retira o véu e traz Cherubino de volta para a luz. “Tudo vai muito
mal”, constata Susanna, que é acusada de infidelidade. Ela explica
que Cherubino lhe pedia para interceder por ele, pedindo à condessa
que o deixasse permanecer no castelo. O conde se alarma: Cherubino
teria ouvido a sua declaração de amor a Susanna? A ruidosa intrusão
de Fígaro à frente de um cortejo de camponeses e camponesas
vestidos de branco, cor do Aprendiz e do Companheiro, salva Susanna
e descontrai o ambiente. Irônico, Fígaro oferece flores ao conde e lhe
agradece por preservar a pureza de seus súditos. Cherubino se
tornará oficial e Fígaro se casará com Susanna.
- Então, esse primeiro ato termina com a aparente derrota do
Companheiro e a vitória, não menos aparente, de um Aprendiz que
julga que tudo lhe é permitido.
- Desconhecendo a verdadeira natureza de Cherubino, Fígaro o
ridiculariza, desejando-lhe a glória militar. Repudiar assim a matéria-
prima não impedirá a celebração das Bodas alquímicas?

As Bodas de Fígaro, segundo ato

- “Amor”, implora a condessa, “traga algum conforto” para a


minha dor e meus suspiros; restitua o meu tesouro ou, ao menos,
deixe-me morrer”. Assim começa o segundo ato, no quarto da
condessa que tem três portas – as portas dos três graus – e apenas
uma janela pela qual passa a Luz da Sabedoria, encarnada por ela.
Em poucas palavras, com uma melodia de pureza e solenidade
sublimes, a condessa expressa o sofrimento ao ver o Companheiro se
afastar e traí-la. Ou ele lhe devolve o tesouro iniciático, que é o
juramento de fidelidade, ou ela morrerá.
- Só Susanna, cujo nome vem da palavra egípcia que significa
“lótus”, pode conversar com toda a liberdade com a condessa – diz
Thamos. – Como são os dois aspectos da Sabedoria, Susanna e a
condessa tentam atrair o Aprendiz e o Companheiro. Na aparência,
Susanna é a serva da condessa; na realidade, é a Irmã e é quem toma
as atitudes.
- Aliás, no quarto ato elas trocarão as roupas, fazendo passar
uma pela outra. Nessa fase da ação, Susanna conta para a condessa
que o conde quer se apoderar da sua virtude. Teria ele realmente se
desinteressado da esposa? Certamente não, pois continuava
terrivelmente ciumento! Cobiçar Susanna significa que ele não sabe
moderar o poder; amar a condessa quer dizer preservar a Sabedoria
como objetivo e essência da vida.
- Caberá às duas Irmãs usarem o dinamismo do Aprendiz Fígaro
e armar uma cilada para o Companheiro, para que “aqui ele perca o
tempo e mais além o traçado”, ou seja, a ciência maior do seu grau, a
Arte do Traçado. Assim, ele perceberá que não é todo-poderoso e
recuperará a humildade, desde que vença a infidelidade, o capricho
egoísta e o ciúme possessivo.
- E não podemos nos esquecer de Cherubino! – intervém
Wolfgang. – Depois de cantar o amor, esse “bem que ia além dele”,
Cherubino será introduzido pelas duas Irmãs na Câmara de Reflexão
onde a matéria-prima nasce eternamente, em segredo.
- Vestido de mulher – especifica Thamos -, Cherubino se torna
andrógino. Com a cabeça coberta igual a um Mestre, já possuidor do
diploma de oficial da Loja, ele declara: “Morrer não me é permitido”,
isto porque a matéria-prima da Obra nunca se extingue.
- Um único problema: no diploma de oficial falta o selo! Em
outras palavras, Cherubino permanece virtualidade. E acontece a
tragédia: o retorno prematuro do conde, que bate à porta do quarto
da condessa. Uma porta fechada! Por quê, já que ela está sozinha?
- Onde esconder Cherubino a não ser no seu lugar de origem, a
Terra Mãe da Câmara de Reflexão?
- A condessa o tranca ali, guarda a chave e abre a porta para o
conde, em trajes de caçador. Imediatamente, ele pede explicações.
Da câmara provém um grande barulho! Portanto, há alguém lá
dentro. Quem? “Susanna”, responde a condessa, a mulher que
perturba o conde bem mais do que ela. O conde ordena à criada que
saia; a condessa proíbe que ela o faça. Então, ao menos, ela deve
dizer alguma coisa! “Fique em silêncio”, exige a condessa. Estamos à
beira de um escândalo e da desordem ritual, que necessariamente se
deve evitar. O conde se convence de que a esposa, apesar de ser
uma mulher acima de qualquer suspeitas, esconde um amante! Já
que ela se recusa a abrir essa câmara tão particular, ele age como
um Companheiro e vai buscar as ferramentas necessárias para abri-
la, não sem tomar duas precauções: levar com ele a condessa e
fechar a chave todas as outras portas. O amante não poderá escapar.
- Desse modo, você representa uma das atitudes características
do Companheiro – observou Thamos. – Ele quer ter acesso ao mistério
pela Força, o pilar relacionado ao seu grau. Toda a energia está
centrada na aquisição do Mestrado, ligado à Sabedoria encarnada
pela condessa e por Susanna, mas ele ainda confunde o Mestrado
com a simples força e exercício do poder. Até aonde ele irá para
conquistar essa força e esse poder?
- O alto ruído que ocorreu na Câmara de Reflexão marca o início
do final deste ato – anuncia Wolfgang. – Ele terminará com o
confronto entre a condessa, Susanna e Fígaro, de um lado, e o conde
e seus aliados, do outro. Como a Sabedoria corre perigo, Susanna, o
aspecto operacional, deve salvá-la. Só há uma solução: assumir o
lugar de Cherubino na Câmara de Reflexão. Mas tirá-lo de lá exige um
ritual que praticam algumas Lojas por ocasião das provas: o salto no
vazio. Como todas as saídas estavam fechadas, ele teria de dar essa
salto. Uma vez que estamos no grau de Aprendiz, o pajem lembra que
“não se deve perder a cabeça”; só o perjuro é que degolará a si
mesmo, segundo o simbolismo desse grau. Ligado à condessa,
Cherubino não poderia traí-la: “Antes de prejudica-la, eu me jogaria
no Fogo”.
- Existe melhor maneira para salientar o feliz término da quarta
e última viagem da primeira iniciação? O salto é bem-sucedido, o
trabalho de Cherubino é realizado. Independentemente do que
aconteça, a Sabedoria modelou a matéria-prima, suporte da Grande
Obra Alquímica, revelada no Mestrado.
- O drama continua a se complicar – continua Wolfgang. –
Acompanhado da condessa, eis que o conde volta com torqueses e
um martelo que o fazem pensar que tem em mãos o poder de um
Mestre de Loja. Quando ele se prepara para forçar a porta da Câmara
de Reflexão, a condessa confessa que é o Cherubino que está
escondido ali, um Cherubino desnudo que ia ser vestido de mulher.
Louco de ciúme, o conde insulta a esposa. Exige a chave e ela a
entrega. Com vontade de matar Cherubino, o conde abre a porta.
- Na soleira aparece... Susanna! A primeira transmutação foi
realizada, a matéria-prima se tornou um dos aspectos da Sabedoria.
Ela convida o conde a explorar a Câmara de Reflexão, enquanto
mostra à condessa a janela por onde Cherubino saltou. Confuso, o
Companheiro pede perdão à Sabedoria. “A sua loucura não merece
piedade”, respondem juntas a condessa e Susanna. “Eu as amo”,
afirma o conde, mas ele recebe um julgamento cruel: “Assim, a
fidelidade de uma alma que ama deve esperar por um cruel
pagamento”. A Sabedoria não reconhece nesse Companheiro a
capacidade de ser elevado ao Mestrado, pois ele a desprezou e a
acusou injustamente.
- Pela primeira vez – assinala Thamos – o conde chama a esposa
pelo nome: Rosina, “a que é da rosa”, símbolo secreto da iniciação.
“Ora”, declara a condessa, “eu não sou mais aquela Rosina, e sim o
miserável objeto do seu abandono, que você sente prazer em deixar
desesperada”. A pedido do conde, Susanna intercede a seu favor.
Como a Sabedoria poderia rejeitar um autêntico amor? O
Companheiro compreende que acabou de passar por uma série de
provas destinadas a conscientiza-lo dos seus erros. Com os dois
aspectos da Sabedoria, ele canta um apelo ao conhecimento do
coração.
- Um momento de rara harmonia, a paz recuperada, a felicidade
reconstruída... Mas eis que o nosso Aprendiz Fígaro reaparece! Ele
quebra violentamente a frágil quietude – diz Wolfgang – e anuncia
que os músicos estão prontos para tocar nas suas bodas. Ele não
poderia ter chegado numa hora pior! “Calma, calma, não tenha tanta
pressa!”, objeta o conde, recuperando a impetuosidade devido ao
erro do Aprendiz, controlado pelo conde devido a um bilhete
comprometedor. Fígaro se debate desajeitadamente, mas a condessa
e Susanna lhe dão um conselho decisivo: “Não use o seu talento em
vão, descobrimos o mistério. Não há nada a acrescentar”.
- De acordo com as exigências de seu grau, Fígaro respeita uma
espécie de silêncio – acrescenta Thamos. – Aqui, eu sugiro a
intervenção de um personagem que os egípcios chamavam de Bés, “o
Iniciador”. De barba, atarracado, músico, brincalhão, barulhento, ele
presidia o nascimento dos novos iniciados.
- Será Antonio, o jardineiro – decide Wolfgang. – Ele terá a
função de um Vigilante, pois viu muito bem alguém pular do balcão
da condessa. É verdade que ele bebe um pouco demais, mas essa
prática não é proibida em nenhuma Loja! E, mesmo que se trate de
embriaguez divina, Antonio obriga Fígaro a fazer uma corajosa
declaração: “Por três tostões, fazer tanto barulho! Já que o fato não
pode ser mais ocultado, fui em quem pulou daqui”.
- Assim, o Aprendiz se identifica com a matéria-prima da Grande
Obra – prossegue Thamos. – Ele assimila a substância de Cherubino,
cuidadosamente amadurecida pela Sabedoria na Câmara da Reflexão.
- Mas o nosso Antonio não se convence! Então, Fígaro fornece
uma prova: ele torceu o pé e manca, como no início da cerimônia de
iniciação.
- O papel do bom Vigilante consiste em pôr à prova o Irmão que
ele orienta – lembra Thamos. – Por isso, Antonio não se contentou em
observar o pulo. No lugar da queda, ele recolheu um documento que
mostra ao Aprendiz. Ele os teria perdido?
- O conde se apodera do documento – sugere Wolfgang. – E
surge a questão mortal: se foi mesmo Fígaro quem pulou, se o
documento lhe pertence, ele deve saber o seu conteúdo!
- O nosso Aprendiz parece arrasado. Como poderia responder?
O Companheiro triunfa.
- Que a ciência do Aprendiz seja limitada, não é nada anormal.
Como é justo e de direito, Susanna, expressão da Sabedoria, o
socorre. Com uma ajuda tão grande, Fígaro vence a prova de
“telhadura” e responde corretamente! O documento? O diploma de
oficial do pajem. O que falta nele? O selo. Furioso, o conde rasga o
documento inútil e reconhece: “Para mim, tudo isso é um mistério”.
No entanto, como bom Companheiro, ele não depõe as armas. O trio
formado por Marcellina, Bartolo e Basilio vem em seu socorro. “Três
tolos e três loucos”, pensa injustamente o Aprendiz, cedendo à
vaidade da sua vitória passageira. Isso porque Marcellina anuncia que
tem em seu poder um promessa de casamento assinada pelo próprio
Fígaro! Portanto, é com ela, e não com Susanna, que ele deve se
casar. Abatidos, a condessa, Susanna e Fígaro exclamam: “Um diabo
dos infernos os trouxe aqui!”
- As Bodas alquímicas tão esperadas jamais serão celebradas –
conclui Thamos. – No lugar delas, uma horrível desordem.
- Estamos apenas no fim do segundo ato – retruca Wolfgang. – A
aventura ainda não terminou.

As Bodas de Fígaro, terceiro ato

- Cabe ao pseudovencedor, o conde, encarnação do


Companheiro franco-maçom, fazer um balanço – anuncia Wolfgang a
Thamos. – “Tudo isso é um grande aborrecimento!”, declara ele numa
sala suntuosa, preparada para as bodas. Dois tronos foram colocados
na sala, destinados ao conde e à condessa. Mas ele duvida, tão
dominado que está... pelo erro humano! Como vê, desde o começo do
terceiro ato, esse desespero significa que nada está resolvido.
É verdade que ele ainda não conseguiu conquistar Susanna,
que, devido à função que exerce, não teme enfrenta-lo. Conivente
com a condessa, ela o convida para ir ao jardim, dando a entender,
ao mesmo tempo, um “sim” e um “não”. E eis o nosso Companheiro
ébrio de si mesmo, certo de que vai possuir a Sabedoria!
- Ilusão rapidamente dissipada – intervém Wolfgang -, pois ele
percebe a armadilha por uma palavra a mais dita por Susanna. Ele
canta uma ária de vingança animada por uma força destruidora. O
conde nunca deixará o aprendiz Fígaro triunfar!
- Como você vai acalmar essa fúria?
- Com a interferência dos aliados do conde, Don Curzio e
Bartolo, para obrigar Fígaro a se casar com Marcellina. E chega o
momento das revelações! Fígaro lembra que é de origem nobre.
Raptado quando criança, nunca mais encontrou os pais. E as provas
do ilustre nascimento? O menino havia sido despojado pelos raptores
do ouro, das jóias e dos tecidos bordados. Mas ele tem uma marca
hieroglífica no braço! A futura esposa de Fígaro, Marcellina, não
acredita no que ouve. “Uma espátula impressa no braço direito?”,
pergunta ela. Exato, mas como ela sabe? Porque Fígaro é o seu filho,
raptado nas proximidades de um castelo! Na realidade, ele se chama
Rafael, e Marcellina lhe apresente o pai: Bartolo! Susanna, que trazia
mil dobrões para comprar a liberdade de Fígaro, ao vê-lo beijar
Marcellina, pensa, inicialmente, que ela a traiu. Depois de estapeá-lo,
ela descobre a incrível verdade. Não só serão celebradas as bodas de
Fígaro e de Susanna, mas também as de Marcellina e Bartolo!
- As bodas serão duplas – constata Thamos – e a multiplicação
alquímica, deflagrada. Você também pode anunciar um terceiro
casamento: o do Cherubino disfaçado de criada para permanecer no
castelo com a bela Barbarina. O Três triunfa, o conde parece vencido.
E a origem de Fígaro elimina a sua condição de empregado. Eis que o
Aprendiz é tão nobre quanto o Companheiro.
- Como a condessa poderia abandonar esse Companheiro? –
questiona Wolfgang. – A função da Sabedoria consiste em atraí-lo
para si, para que ele recupere a retidão e seja elevado aos outros
Mistérios. Desprezada, ofendida, traída, ela se recorda dos bons
momentos de ternura e prazer, quando o Companheiro respeitava o
juramento feito. Tudo se transformou em lágrimas e em dor, e a
lembrança dessa felicidade mal é percebida. Porém, o amor constante
da condessa talvez mude o coração ingrato do conde e lhe permita
ter acesso ao Mestrado.
- O coração é um dos símbolos mais importantes do grau de
Companheiro – lembra Thamos. – Ao trair, ao faltar à palavra dada, ao
sair do caminho da retidão, ele arranca o próprio coração. É isso o que
a Sabedoria quer evitar.
- A súplica da condessa dá novas forças ao Companheiro –
observa Wolfgang. – Ritualmente, o Primeiro Vigilante, encarregado
da instrução dos Companheiros, intervém. Então, o jardineiro Antonio
entrega ao conde o chapéu de oficial de Cherubino e lhe diz que o
pajem, vestido de mulher, não saiu do castelo. E a condessa dita um
bilhete ao seu outro eu, Susanna. As duas vozes se entrelaçam em
perfeita comunhão.
- Como Ísis e Néftis, elas são uma e, ao mesmo tempo, duas –
especifica Thamos.
- “Escreva”, diz a condessa a Susanna, “eu me responsabilizo
por tudo”. Sob os pinheiros do bosque, uma cilada será armada para
o Companheiro infiel. Não uma emboscada, mas um laço de amor,
como os da nossa corda de nós que simbolizam os poderes celestes.
Não adianta escrever tudo em detalhes, o iniciado compreenderá o
resto! E a condessa entrega à moça um alfinete para fechar o bilhete,
em substituição ao lacre, e Susanna o esconde no corpete.
- Os que procurarem uma dimensão social na sua ópera ficarão
ressentidos – diverte-se Thamos. – Uma condessa aliada à camareira!
- Se este mundo pudesse compreender que a fraternidade e a
irmandade, palavras pouco usadas, são os únicos meios de se
evitarem os conflitos entre as castas, que verdadeiro progresso
conseguiria!
- Não vamos sonhar – aconselha Thamos – e sim continuar o
nosso ritual.
- Barberina, Cherubino vestido de mulher e as mulheres do
povoado oferecem rosas à condessa Rosina, como testemunho de que
a amam. Essa pequena cerimônia deveria ocorrer em segredo, entre
Irmãs, mas o Primeiro Vigilante, Antonio, o jardineiro, reconhece o
intruso, Cherubino, lhe tira a touca de mulher e põe o chapéu ritual
na cabeça dele, exclamando: “Ah! Eis o nosso oficial!”
- Então, tudo entra em ordem.
- Não, pois o conde acha que o seu poder foi desrespeitado e
quer castigar Cherubino. Barberina se interpõe: “Excelência,
Excelência, todas as vezes que vindes me beijar, dizeis: Barberina, se
você me amasse, eu lhe daria tudo o que deseja. Então, dê-me
Cherubino em casamento”. Qualificado de “bom patrão” por um
Primeiro Vigilante zombador, o Companheiro concorda. “Não sei que
homem ou que demônio vira tudo contra mim”, lamenta ele.
Percebendo que o conde está desamparado, Fígaro o desafia
estupidamente e ele mesmo se põe numa situação difícil. Como o
Aprendiz podia mexer-se tão rápido com o pé torcido depois da
queda? Tendo sido iniciado, ele não manca mais e anda quase
normalmente. E se fosse Cherubino que tivesse pulado e não Fígaro?
Sem dúvida ambos pularam, arrisca Fígaro, rebatendo: “Não contesto
o que não sei”.
- Não ouvimos ao longe uma marcha arrebatante que
interrompe o conflito? Cabe à Sabedoria retomar a direção do ritual. A
condessa se senta no trono, o conde ao lado dela. Enquanto ela se
sente feita de gelo, como se temesse a morte e o fracasso das bodas,
os dois casais, Fígaro e Susanna, Bartolo e Marcellina, lhe prestam
uma homenagem.
- Duas jovens trazem a touca virginal de penas brancas, e duas
outras, o véu branco e o buquê de flores. Os casais são trocados e as
futuras esposas recebem a veste ritual. Bartolo conduz Susanna ao
conde, Fígaro leva Marcellina para a condessa. E o coro canta
louvores a um sábio senhor que renuncia a direitos intoleráveis para
poder celebrar as duas bodas.
- Tudo não passa de aparências – observa Thamos –, pois o
plano da Sabedoria progride de maneira inexorável.
- Susanna entrega ao conde o famoso bilhete fechado com um
alfinete, que o convoca para ir ao jardim. Ele espeta o dedo, perde o
alfinete, encontra-o de novo e prende-o na manga. Sentindo-se
novamente um vencedor, o conde convida o súditos para as bodas
magníficas. “Que todos saibam”, anuncia ele, “como eu trato os que
me são caros”. Mas as intenções do Companheiro não correspondem
às esperanças de Fígaro e Susanna. Se conseguir conquista-la, ele
não impedirá a insuportável união?

As Bodas de Fígaro, quarto e último ato

No dia do seu trigésimo aniversário, Wolfgang trabalhou com


Thamos na última parte desta primeira grande ópera ritual, na qual se
entrecruzavam os jogos sutis da Aprendizagem e do Companheirismo.
- Fígaro acredita ter vencido o conde e poder celebrar o se
casamento em total tranquilidade – recorda Thamos. – Mas o poder do
seu adversário permanece intacto. E o Companheiro, ávido de
conquista, tem esperança de incluir o nome de Susanna no seu
quadro de caça. Ele ignora que a Sabedoria, sob a dupla forma da
condessa e de Susanna, põe em prática a sua estratégia.
- Vou começar esse último ato ao anoitecer e com a única ária
de toda a ópera em tom menor – esclarece Wolfgang. – Em alguns
compassos, Barberina, muito aborrecida, nos diz que perdeu o
alfinete que lacrava o bilhete destinado a pegar o Companheiro numa
cilada. Ela revela a Fígaro que deveria entregar o alfinete ao conde,
da parte de Susanna. E esse “lacre de espinhos” significava o
consentimento da jovem ao desejo do senhor!
- Sob esses espinhos – comenta Thamos – está o túmulo da
fidelidade. O alfinete representará, para os adeptos da Arte Real, o
espinho da acácia ligada à palavra perdida.
- Considerando-se traído, Fígaro declara: “Estou morto”, como
se se identificasse com o Mestre Hiram. Marcellina dá um bom
conselho ao Aprendiz, que age de maneira estabanada e quer,
rapidamente, atingir o seu propósito: “Calma, calma e mais calma. O
caso é sério e pede reflexão”.
- Como todo Aprendiz em algum momento do seu percurso –
explica Thamos –, Fígaro não ouve mais. Em vez de se calar e
permanecer vigilante, ele fala e acha eu sabe tudo.
- Ciente de que Susanna é inocente, Marcellina a adverte sobre
o desatino de Fígaro, que tem a intenção de vingar todos os maridos!
A “mãe” do Aprendiz relembra os casamentos felizes realizados pela
natureza, a amizade do bode e da cabra, a paz que reina entre o
carneiro e a ovelha. Mesmo os animais ferozes deixam as suas
companheiras em paz e liberdade. Só os homens tratam as mulheres
com crueldade e perfídia, pois o macho humano é opressor e ingrato.
E eu dou inteiramente razão à Marcellina! Enquanto o nosso mundo
não restaurar a dignidade da mulher, permitindo que ela siga a sua
própria via iniciática, a nossa será incompleta.
- As suas Bodas são a primeira etapa desse longo caminho –
observa Thamos. – E quem será que vai perceber que essa simbologia
campestre provém do Zohar, o livro fundamental da Cabala? Assim,
as cabras são discípulas do Mestre encarregado de lhes inculcar a
Sabedoria.
- Voltamos a encontrar a bela Barberina, agora num frondoso
jardim, onde se erguem dois pavilhões. Ao ouvir alguém se aproximar,
ela murmura: “Estou morta!”, e foge para o pavilhão da esquerda.
Carregando uma lanterna e usando uma capa, Fígaro tenta ver
através das trevas. Ele se depara com o pai, Bartolo, com Basilio e
com um grupo de trabalhadores.
- Bela designação para os Irmãos da Loja!
- O Aprendiz tinha entrevisto Barberina e assume a direção das
operações. Já que tentavam enganá-lo, ele mostraria o seu valor.
Fígaro ordena aos “trabalhadores” que não se afastem e que venham
ajuda-lo quando ele der o sinal. O Mestre, agora, é ele! Sozinhos,
Basilio e Bartolo, Oficiais da Loja, estudam o caso Fígaro, como se
deve fazer por ocasião de uma eventual passagem de grau. A opinião
deles diverge. Segundo Bartolo, ele tem razão em se revoltar.
Segundo Basilio, ele está com o diabo no corpo e deveria aceitar os
seus sofrimentos, tão comuns. Neste mundo, o convívio com os
poderosos não é sempre perigoso? Quando lhes damos 100, eles só
devolvem 90 e saem sempre ganhando!
- Basilio faz uma revelação fundamental sobre a vestimenta
iniciática, que nos permite abandonar as roupas profanas e nos tornar
Irmãos no caminho do conhecimento – prossegue Thamos. – “Na
idade em que a reflexão conta muito pouco”, explica ele, “eu também
tinha esse fogo, eu fui o louco que não sou mais. Porém, com o tempo
e os perigos, a Senhora Paciência chegou; ela eliminou da minha
cabeça os caprichos e a suscetibilidade. Um dia, ela me levou a um
pequeno abrigo e, de uma parede dessa tranquila morada, retirou
uma pele de asno. ‘Pegue, meu querido filho’, desse ela antes de me
deixar e desaparecer. Eu fiquei em silêncio, olhando o presente
recebido. O céu escureceu e o trovão roncou. Mesclada com granizo,
a chuva começou a crepitar. Fiquei muito satisfeito de encontrar uma
proteção, me envolvendo com a pele de asno. Acalmada a
tempestade, nem cheguei a dar dois passos quando uma fera horrível
surgiu à minha frente, tão perto que podia me tocar, a boca aberta...
Não tinha mais nenhuma esperança de me salvar! Porém, o cheiro
repulsivo do manto que eu usava tirou o apetite do animal, que me
desdenhou e voltou para a floresta. Assim, o destino me fez ver que
com uma pele de asno podemos escapar da vergonha, dos perigos,
da desonra e da morte!”
- Existe melhor maneira de lembrar a importância do avental de
iniciado? – pergunta Wolfgang. – Quantos irmãos só veem nele uma
vestimenta antiquada!
- O jardim onde os trabalhos alquímicos prosseguirão até meia-
noite é responsabilidade do Primeiro Vigilante, Antonio. Ele vê tudo e
sabe tudo, porque bebe o orvalho celeste, o próprio segredo do
jardim.
- E eis que o nosso Fígaro se lança num monólogo contra as
mulheres infiéis! “Está tudo pronto, logo chegará a hora”, declara ele.
Na noite escura, Susanna o atormenta. Acreditar nas mulheres, que
loucura! No entanto, elas são deusas e magas, mas também cometas
que brilham para cegar e rosas cheias de espinhos. O coração não é
impiedoso? Fígaro não diz o resto, pois todos já sabem!
- Beaumarchais fazia o seu personagem declamar uma sátira
política. Você mostra o desvario do nosso Aprendiz que se engana de
alvo e, desse modo, corre o risco de jamais celebrar as suas bodas.
- Quando Fígaro se esconde para surpreender Susanna e o
conde, Marcellina conta para a moça que o noivo dela está oculto e,
portanto, pode ouvir, se não ver, devido à escuridão. Em alto e bom
som, a condessa anuncia que vai se retirar, depois de trocar de roupa
com Susanna. Transformada em condessa, Susanna canta um hino ao
amor puro, acima das paixões humanas. A terra, o céu, a noite e o
silêncio são os seus aliados. Ela chama o bem-amado, sem nome,
para coroar a sua fronte de rosas.
- O Aprendiz vive então o segredo do seu grau – afirma Thamos
–, desde que identifique essa Sabedoria, da qual quase se afastou
para sempre. Sem saber se Fígaro dorme ou está acordado,
Cherubino chega e deixa o rapaz abalado, pois diz reconhecer
Susanna, quando na verdade se trata da condessa. Essa irrupção do
desejo ainda não estabelecido pode comprometer tudo e produzir um
caos.
- Qualificado de “caçador de pássaros”, o conde persegue
Susanna. Da Ponte vai se divertir escrevendo cenas rápidas, cheias de
quiproquós. Cherubino quer beijar a condessa que ele pensa ser
Susanna, mas Almaviva se interpõe e recebe o beijo! Pensando bater
em Cherubino, ele golpeia Fígaro. E o conde, pensando cortejar
Susanna, se dirige à esposa.
- De repente – sugere Thamos – a condessa vê o brilho das
tochas. O fogo vai dissipar as trevas. O conde tenta arrastá-la para
um dos pavilhões, e “não é para ler que quero entrar lá”, esclarece
ele.
- A intervenção de Fígaro obriga-o a se afastar. Disfarçada de
Susanna, a condessa entra no pavilhão. “Está tudo tranquilo e
calmo”, avalia o nosso Aprendiz. “A bela Vênus entrou: com o seu belo
Marte, tal como Vulcano, poderei prendê-los na minha rede”. E eis
que ele se vê diante da condessa, cuja voz é de... Susanna! Então ele
finge cortejar Rosina e recebe uma série de tapas deliciosos; a noiva o
condena pela infidelidade. É o verdadeiro despertar do Aprendiz.
Estabelecida a verdade, “Paz, meu doce tesouro, paz, meu terno
amor”, cantam juntos Susanna e Fígaro.
- Lamentando estar desarmado, o conde chama os seus
empregados para que constatem que a condessa o engana com
Fígaro e que merece um castigo exemplar.
- Como o Companheiro ousa projetar a própria traição na
Sabedoria? – questiona Wolfgang.
- Vaidade,

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