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Encerrado o relato de suas memórias, Bento Santiago pode até se dar por
satisfeito em ter sua tese comprovada. O leitor atento, porém, pode se permitir
duvidar dele. O comportamento de Capitu no velório de Escobar não é prova
suficiente de adultério. Tampouco a semelhança de Ezequiel, já que esta é
alegada pelo narrador, sem que nenhuma outra personagem se manifeste a
respeito
Cada acusação que pesa sobre Capitu pode ser desmentida por quem se
preste ao papel de advogado de defesa da moça. Mas se alguém, de fato,
resolver cumprir a missão, é bom não esquecer que está duelando com um
advogado bem sucedido. Se o leitor pode duvidar da verdade que Bento lhe
apresenta, não tem muito o que fazer para contestá-la. Se os fatos alegados
por ele podem ser questionados, também podem ser usados para montar uma
história convincente – exatamente a que ele relata.
E enquanto os leitores se envolvem em incansáveis e intermináveis disputas a
respeito da atribuição ou não de culpa a Capitu, muito provavelmente Machado
de Assis se diverte, do espaço de onde poderia escrever, se quisesse, as suas
próprias memórias póstumas. O motivo de seu riso é a própria discussão.
Na verdade, Dom Casmurro é um romance que trata da traição, sem que ela
seja seu tema fundamental. O que se discute é o conceito de verdade, tema
que transcende as traições, atingindo todos os níveis do relacionamento
humano e, mais ainda, a forma como a humanidade constrói seus valores e
sua moral.
Assim, Dom Casmurro toma a traição como ponto de partida para discutir
temas mais amplos e permanentes, o que lhe confere a condição de obra atual.
Ao mesmo tempo, parte dessa discussão ilumina seu próprio tempo, o que lhe
confere uma marca histórica.
PERSONAGENS