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OS PROSCRITOS

Autor
WILLIAM VOLTZ

Tradução
AYRES CARLOS DE SOUZA

Revisão
ARLINDO_SAN
(De acordo, dentro do possível, com o Acordo Ortográfico válido desde 01/01/2009)
Setembro do ano 3.441, tempo terrano, aproxima-se do
seu final. Com isso passaram-se cerca de 10 meses, desde 29
de novembro de 3.440, o dia em que a catástrofe atingiu
quase todos os seres inteligentes da galáxia.
Continua reinando a miséria e o caos na maioria dos
planetas e das bases de apoio planetárias, e ainda chegam
pedidos de socorro do Cosmo. As poucas criaturas humanas
não atingidas pelas radiações imbecilizantes, do Império
Solar e de outros povos estelares, continuam realizando
coisas sobre-humanas, para dominar o caos e para prover as
massas de seus concidadãos imbecilizados com o necessário
para que a vida prossiga.
Perry Rhodan, Atlan, Gucky e muitos outros velhos
conhecidos, na verdade se colocaram uma tarefa ainda mais
difícil, praticamente insolúvel. Apoiado pela Intersolar, a
nave capitânia de Reginald Bell, o Administrador-Geral
procura investigar o ““Enxame”” misterioso, que penetra
cada vez mais e inexoravelmente na galáxia, e cujos
misteriosos condutores são responsáveis pela modificação da
constante gravitacional, e com isso, com a onda de
retardamento da inteligência que afeta toda a galáxia.
Depois de uma escala na Terra, onde os “Bandidos de
Terrânia” puderam ser vencidos ou aprisionados, Perry
Rhodan encontra-se novamente nas proximidades do
“Enxame”, com a Good Hope II, um pequeno cruzador
espacial, especialmente equipado.
Parece que os terranos chegaram ainda em tempo —
eles descobrem “Os Proscritos”...

======= Personagens Principais: = = = = = = =


Perry Rhodan — O Administrador-Geral faz um voo de
reconhecimento.
Fellmer Lloyd e Alaska Saedelaere — Prisioneiros no
Labirinto dos Espelhos.
Juniper Whiilcont — Um oportunista.
Quarschotz-o-que-muda-a-voz — O castelão dos Proscritos.
Tarquatza — Mãe do castelão.
1

Alaska Saedelaere estava acostumado a ser olhado fixamente pelas pessoas, e até
mesmo que elas se voltassem para olhá-lo novamente, mas ele simplesmente as ignorava.
Porém neste dia, quando pela quarta vez o moço alto, na cantina da Good Hope, o
observou de maneira a chamar a atenção, ele não se dirigiu ao seu lugar comum, mas foi
diretamente até a mesa do jovem. Nem mesmo agora o rapaz deixou de fixá-lo. Alaska
viu que se tratava de um dos técnicos, que antes da catástrofe não pertencia à Frota Solar.
O rapaz tinha vindo para bordo, numa das últimas escalas que haviam feito na Terra.
Saedelaere parecia lembrar-se de que ele trabalhava como radioperador na Good Hope II.
O lesado por transmissor puxou uma cadeira e sentou-se à mesa do jovem. O rosto
do rapaz ainda jovem, à sua frente, parecia amistoso.
— Eu tinha esperanças de que o senhor prestaria atenção em mim — disse o rapaz
repentinamente, e estendeu a mão. — O meu nome é Whiilcont. Eu estou a bordo faz
apenas alguns dias.
Instintivamente Saedelaere tocou a máscara de plástico, sob a qual ele escondia o
fragmento cappin do seu rosto,
— O que é que o senhor quer? — perguntou ele.
— Eu me interesso pelo seu caso — declarou Whiilcont. Ele continuou
desembaraçado, apesar de notar que todos os olhavam, das outras mesas. — Eu queria
escrever-lhe, mas então me disseram que a Marco Polo estava desaparecida. Quando
depois os senhores voltaram, já tinha acontecido a catástrofe, de modo que não havia
mais oportunidade para uma troca de correspondência. O acaso quis que eu viesse para
bordo desta nave, como mentalmente estabilizado que sou.
Saedelaere avaliou que Whiilcont era solícito, honesto e talvez um pouco
oportunista.
— Está bem — disse ele. — E o que mais?
O dedo de Whiilcont apontou para a máscara facial de Saedelaere.
— Eu quero livrá-lo disso.
— Quem é o senhor? — perguntou Alaska, calmamente. — Ou, melhor ainda, o
que é que o senhor faz?
— Antigamente, de vez em quando trabalhei na CE-Solar. Como cirurgião plástico,
especializado em operações faciais. Eu sou um talento. Eu não quero...
Alaska ergueu um braço.
— O senhor não precisa continuar falando, meu jovem. — Ele levantou-se, um
homem muito alto e magro, cujo uniforme praticamente ficava dependurado no seu
corpo. — Eu não carrego esta máscara de plástico para meu divertimento, mas para
proteção das pessoas, com as quais eu me associo. Quem precisasse olhar diretamente no
meu rosto deformado, perderia a razão, o juízo. Todas as experiências com biomoplástico
e outras máscaras celulares malograram. O fragmento cappin rejeita tudo, a não ser esta
máscara de plástico. E quem poderia querer tratar do meu rosto, sem olhar para ele?
Whiilcont respirou fundo. O seu cabelo comprido estava enrolado em trancinhas
compridas. Saedelaere olhou para as mãos de Whiilcont. Elas lhe pareceram grandes e
desajeitadas. Whiilcont notou o olhar e sorriu.
— Todo mundo acha que eu não consigo manejar nada com elas — disse ele,
calmamente. — Mas eu tenho mãos muito calmas, e eu sou habilidoso. — Quando
Alaska se levantou, Whiilcont também se ergueu curvando-se por cima da mesa. —
Espere! Eu conheço as dificuldades! Mas até agora ninguém tentou efetuar uma operação
com imagem reflexa — com espelhos, para remover o fragmento cappin.
Saedelaere sentou-se novamente.
— O senhor é maluco ou boca grande?
Whiilcont retrucou, tranquilo:
— Pense de mim o que quiser. Só uma coisa peço-lhe que acredite: que eu farei
tudo para libertá-lo desta máscara de plástico. E daquilo que lhe fica por baixo.
Ele começou a explicar detalhadamente a Saedelaere, como ele procederia. O lesado
por transmissor escutou-o, muito curioso.
— Naturalmente que uma operação por imagem reflexa, com espelhos, é difícil —
concedeu Whiilcont. — Mas eu já fiz experiências, e confio que poderei cortar essa coisa
do seu rosto, sem ter que olhar para ela diretamente.
— Eu vou pensar nisso — disse Alaska.
— Eu não poderei fazê-lo aqui a bordo, mas apenas na Terra, na minha clínica. Lá
tudo está preparado.
Saedelaere sacudiu a cabeça, como que atordoado. Tudo isso veio tão
repentinamente. Além do mais, ele estava cético. Inúmeros médicos e cientistas
conhecidos já tinham se ocupado com o seu problema, sem terem encontrado uma
solução. E agora aparecia um homem ainda jovem, que parecia despreocupado, e que
afirmava que podia retirar o fragmento cappin do rosto de Alaska, se lhe dessem
oportunidade para isso.
— Eu tenho fotos de minha clínica e suas instalações em minha cabine. E também
tenho minhas anotações. — Whiilcont se comportava como se a operação já tivesse
começado. — Eu noto que o senhor se interessa por isso. Eu gostaria de mostrar-lhe tudo,
pois então o senhor mesmo verificará que estou falando a verdade.
Quando Alaska quis responder, ele foi interrompido pela instalação de alarme da
Good Hope II.
— Preciso ir à central. Deve ter acontecido alguma coisa.
Whiilcont veio correndo ao seu lado até o corredor.
— Eu poderei falar mais uma vez com o senhor, a esse respeito?
— O senhor é terrivelmente obstinado!
— E decidido! — disse Whiilcont. — Eu corto essa coisa do seu rosto, e então o
senhor não precisará mais andar por aí com essa máscara.
“E logo agora que eu comecei a me acostumar com ela!” — pensou Saedelaere,
sarcástico.
Ele jogou-se dentro de um elevador antigravitacional. Whiilcont ficou parado na
plataforma, olhando atrás dele.
Quando Alaska pôs os pés na central, ele já esquecera novamente aquele jovem.
Na galeria panorâmica de vídeo podia ver-se uma estranha formação. Era um disco
de cerca de vinte quilômetros de diâmetro, por cima do qual, de um dos lados, estendia-se
um escudo energético em formato hemisférico. Na parte “inferior” o disco era liso e
envolto em escuridão. Por baixo do escudo energético, diversos sóis atômicos pareciam
brilhar. Vagamente podia-se reconhecer os contornos de montanhas (ou edifícios).
Saedelaere aproximou-se mais dos
controles. Ele sabia que este complexo
disparara o alarme.
Sem ter falado com alguém, Alaska
pressentia que essa coisa vinha de dentro
do “Enxame”. Com exceção dos Manips,
até agora eles não tinham visto nada ainda
que tivesse saído de dentro do “Enxame”,
por isso esse encontro era tanto mais
excitante.
Alaska avaliou que a Good Hope no
momento estava distante meio ano-luz da
região marginal do “Enxame”. Nas telas
de vídeo o “Enxame” podia ser visto
claramente.
Perry Rhodan estava sentado na
poltrona do piloto, com Icho Tolot parado atrás dele. O halutense usava o colar que o
protegia contra as radiações de imbecilização.
Do outro lado dos controles, estavam sentados Fellmer Lloyd e Merkosh. O Vítreo
tinha sucumbido na sua poltrona e parecia dormir. Saedelaere, entretanto, sabia que esta
posição indicava que ele estava pensando profundamente.
Saedelaere colocou-se atrás da poltrona de Lorde Zwiebus.
— Já descobriram alguma coisa? — murmurou Saedelaere.
Zwiebus passou a mão pelos cabelos escuros.
— Essa coisa vem do “Enxame”.
Saedelaere deu um assobio. Ele já o imaginara!
— Perry Rhodan supõe que eles foram expulsos de lá.
— Por quê?
Lorde Zwiebus resmungou para si mesmo.
— Fale mais claramente — pediu-lhe Alaska.
— Os Manips apareciam em bandos, mas esta coisa veio sozinha. Além disso, todas
as manobras que pudemos observar até agora, parecem mais ou menos desajeitadas, com
o que se pode concluir por um desnorteamento da tripulação.
Saedelaere viu que as imagens, na galeria panorâmica, agora eram transmitidas pelo
telerrastreamento. Portanto o disco ainda estava muito distante da Good Hope II.
— Desta vez tivemos sorte — observou Fellmer Lloyd. — Nós podíamos muito
bem ter estado do outro lado do “Enxame”, e então jamais teríamos descoberto esse
disco.
— Talvez não seja um acaso — retrucou Rhodan.
Os outros o olharam, interrogativamente.
Rhodan sorriu. Apesar de estar usando o seu ativador celular, as estafas das últimas
semanas não tinham passado por ele sem deixar vestígios. Linhas profundas haviam-se
gravado no seu rosto. Os olhos pareciam maiores, e em volta dos lábios haviam-se
formado muitas ruguinhas. Saedelaere perguntou-se o que devia estar acontecendo com
este homem, que agora tinha que olhar, quase que passivamente, como o Império Solar
estava ruindo.
— Talvez — continuou Perry Rhodan, tranquilo — os Senhores do “Enxame”
expulsaram esta coisa premeditadamente aqui e agora.
— Nisso eu não creio — trovejou a voz de Tolot, através da central da Good Hope
II. — Até agora, os estranhos não deram qualquer demonstração de que querem contato
conosco. Por que isso, de repente, deveria ser diferente?
— Qualquer um pode modificar a sua opinião — disse Lloyd. — Também os
desconhecidos.
Na central da Good Hope II fez-se um momento de silêncio.
“Good Hope II!”, pensou Alaska Saedelaere, irônico. Quem a bordo ainda tinha
esperanças de que a situação poderia se modificar? Eles trabalhavam aferradamente e
com decisão, mas o desespero quanto a inutilidade de seus esforços podia ser sentido
nitidamente.
Os últimos dias e semanas tinham sido um turbilhão de acontecimentos, que
dificilmente se podiam ainda coordenar.
Lorde Zwiebus ergueu os olhos para o lesado por transmissor.
— Talvez seja uma armadilha!
— Uma armadilha? — repetiu Saedelaere. — O senhor acredita realmente que
dentro do “Enxame” eles se incomodam com uma nave tão pequena? Certamente não se
dariam a tanto trabalho, se quisessem destruir a Good Hope II.
— Isso é certo! — concedeu Lorde Zwiebus. — Mesmo assim, pode ser uma
armadilha.
— Zwiebus tem razão! — concordou Rhodan. — Portanto vamos ficar longe do
disco com a Good Hope II.
— Mas é uma chance única, para finalmente ficarmos sabendo alguma coisa acerca
do “Enxame” — disse Ras Tschubai, excitado. — Se Gucky e eu...
— Não! — recusou Rhodan. — Eu sei o que quer dizer, Ras.
— Você não nota que não vamos conseguir nada dele, desse jeito? — perguntou
Gucky, que estava sentado no colo de Tschubai. — Ele precisa de nós para tarefas muito
mais importantes. Pelo menos é isso que ele acredita.
— Fique quieto, baixinho! — ordenou Rhodan.
Ninguém a bordo da Good Hope II sabia que perigos existiam nas proximidades do
disco. Por isso seria irresponsável pôr em perigo a vida dos dois teleportadores. Rhodan
somente queria utilizar Gucky e Ras, quando eles conseguissem penetrar no “Enxame”.
Porém nisso, agora, ainda não se podia nem pensar.
— Vamos tentá-lo, com um space-jet — decidiu Rhodan. — O jato pode
aproximar-se cautelosamente do disco. Alaska e Fellmer estarão a bordo. Alaska, o
senhor concorda?
— Naturalmente! — retrucou o homem com a máscara, surpreso. Ele olhou
interrogativamente para Lloyd. Podia imaginar por que Rhodan escolhera o telepata para
seu acompanhante. Com suas capacidades psíquicas, Lloyd podia determinar, com mais
facilidade, se alguém vivia por baixo do escudo energético acima do disco.
— Levem ainda um terceiro homem! — sugeriu Rhodan.
Saedelaere viu que Lloyd queria fazer uma sugestão, e disse, rápido:
— Eu tenho um pedido!
— Fale! — pediu Rhodan.
— Eu gostaria que Whiilcont nos acompanhasse! — disse Saedelaere, com a voz
agitada.
— Whiilcont? — repetiu Rhodan, sem entender.
— O jovem mentalmente estabilizado, que se juntou a nós, durante nossa última
escala na Terra, para reforçar os radioperadores.
— Sim — opinou Rhodan. — Eu agora sei de quem está falando. Mas por que o
senhor quer que justamente um homem totalmente inexperiente os acompanhe?
— São razões particulares — respondeu Saedelaere, esquivando-se.
Rhodan olhou-o seriamente.
— O senhor acha que agora é hora de pensarmos em interesses particulares,
Alaska?
O fragmento cappin sob a máscara de Saedelaere atirava radiações claras das fendas
da boca e dos olhos. Isso demonstrava claramente o quanto Saedelaere estava agitado.
— Parece que é muito importante para o senhor que Whiilcont participe da missão?
— perguntou Rhodan.
— Sim, Sir!
Saedelaere imaginou que Rhodan recusaria. Isso seria lastimável, mas inteiramente
compreensível. Uma missão importante era iminente. Quanto mais experientes fossem os
homens, mais garantido seria o sucesso.
— Chame este jovem aqui para a central! — ordenou Rhodan.
Alguns minutos mais tarde Whiilcont apareceu. Ele sorriu para Saedelaere.
— Alaska Saedelaere demonstra um interesse excepcional no senhor — observou
Rhodan, sem rodeios. — O senhor é jovem e forte; além do mais, mentalmente
estabilizado. E também já trabalhou para a CE-Solar.
— Somente ocasionalmente e apenas no serviço interno, Sir. — Também, agora
Whiilcont dava a impressão de estar inteiramente à vontade. A situação em que se
encontrava toda a Humanidade parecia não pesar sobre ele. Talvez, raciocinou
Saedelaere, Whiilcont apenas pensava na sua clínica, que ele possuía na Terra.
— O senhor é cirurgião-plástico, especializado em operações faciais! — verificou
Rhodan. — O senhor tem experiência de combate?
— Absolutamente não, Sir! — retrucou Whiilcont, despreocupado. — Para ser
honesto, eu não sei sequer manejar uma arma.
— O senhor se acha valente?
Whiilcont fez um bico com os lábios. Ele parecia refletir. Depois ele sorriu, outra
vez.
— Eu não sou especialmente corajoso. Aliás, eu nunca tive oportunidade para
descobri-lo.
Rhodan olhou significativamente para Saedelaere. O lesado por transmissor falou:
— Sinto muito, Sir! Foi somente uma ideia maluca.
Sem se importar com Rhodan, Whiilcont dirigiu-se para Saedelaere:
— Trata-se da operação?
— Tolice! — disse Alaska, cortante. — Para isto agora não temos tempo. Trata-se
do objeto que nós rastreamos e que continuamos observando. Lloyd e eu vamos voar até
lá com um terceiro homem,
Whiilcont olhou em volta, para cada um dos membros da tripulação reunidos na
central.
— E este terceiro homem, de acordo com a ideia de Alaska Saedelaere deveria ser
eu. — Ele baixou a cabeça, e continuou a falar em voz baixa. — Eu também sei por quê.
Mr. Saedelaere queria descobrir que tipo de homem eu sou. Ele queria descobrir se pode
confiar em mim. — Ele jogou a cabeça para trás. — Eu vou livrar Saedelaere dessa coisa
por baixo de sua máscara. Eu posso fazê-lo.
— Não tão impetuoso, meu jovem! — disse Rhodan.
— Como é que quer saber se lá fora eu me comportarei mal, como um experiente
astronauta? — perguntou Whiilcont. — O objeto que nós queremos examinar é
totalmente exótico. Neste contexto não existem valores de experiências.
Rhodan teve que rir.
— Experiência é a capacidade de poder rapidamente se ajustar a novas situações e
perigos. É a capacidade da reação certa no momento certo.
Para Whiilcont, com isso o assunto estava concluído.
— De qualquer maneira eu lhe agradeço muito — disse ele para Saedelaere.
Quando ele tinha abandonado a central, Tschubai disse:
— Esse rapaz me impressionou. Talvez os senhores devessem mesmo levá-lo.
— Sua intercessão foi decisiva — disse Rhodan. — Whiilcont vai acompanhar
Alaska e Fellmer Lloyd.
Saedelaere de há muito já tinha se arrependido de sua precipitação. Entretanto ele se
envergonhava de mudar, em público, a decisão que havia tomado. Com isto ele apenas
revelara Whiilcont. Sem dúvida Whiilcont era um idealista despreocupado. Exatamente o
tipo de homem que tropeçava cegamente para dentro de todos os perigos.
Saedelaere praguejou mudamente. Rhodan, com suas observações, nem estava tão
sem razão. Eles não teriam trabalho apenas com um disco exótico, mas ainda teriam que
tomar cuidado com Whiilcont. Naturalmente também havia a possibilidade de que
Whiilcont aprendesse rapidamente e se ajustasse à realidade dos fatos.
Os pensamentos de Saedelaere foram desviados, quando, do disco ainda muito
distante, novos impulsos de rastreamento foram captados.
— Alguma coisa está acontecendo por lá! — verificou Rhodan. — É pena que não
estejamos mais próximos, então talvez pudéssemos verificar as coisas detalhadamente.
Os técnicos do rastreamento se esforçaram, mas não se conseguia verificar
exatamente o que estava acontecendo nas proximidades do disco. O golpe energético
rastreado, entretanto, parecia indicar que determinadas instalações energéticas do objeto
tinham começado a trabalhar.
Alguma coisa tinha vindo de dentro do “Enxame” — ou, conforme Rhodan
acreditava, tinha sido expulso dele.
Se era correta a teoria de que o “Enxame” vinha de distâncias incalculáveis, talvez
também este disco se originava nesta região. De uma outra galáxia ou talvez até de um
outro Universo.
Novamente Saedelaere tomou consciência da total exoticidade do invasor. Na Terra
havia um grupo de cientistas que discutiam seriamente, se o “Enxame” talvez não seria
um fenômeno da Natureza. Eles apontavam para o fato de que justamente na ocasião do
surgimento do “Enxame”, também o Homo superior aparecera em cena. O Homo
superior, argumentavam os cientistas, era uma medida de proteção da Natureza, que tinha
incluído em seus cálculos o aparecimento do “Enxame”. Isso, entretanto, apenas podia
significar que o “Enxame” ou algo semelhante já tinha passado uma vez por esta galáxia.
Esta teoria parecia a Saedelaere tão certa ou tão errada, como todas as outras, que se
ocupavam com o “Enxame”. Qualquer explicação podia ser a certa. O seu próprio destino
deixava claro a Saedelaere que às vezes aconteciam coisas inimagináveis.
— Venha, Alaska — insistiu a voz de Lloyd, nos seus pensamentos. — Vamos nos
preparar e informar ao nosso bebê.
Saedelaere estremeceu. Ele olhou interrogativamente para Lloyd. O telepata tinha
lido seus pensamentos? O rosto liso de Lloyd não revelava nada. Saedelaere reconheceu
que seria indiferente se Lloyd conhecia seus pensamentos ou não. Há um milênio e meio
Lloyd lia os pensamentos de outras pessoas. Certamente ele já deixara de ver neles algo
de especial. Para ele, pensamentos não eram nada mais que frases pronunciadas.
— O senhor me parece inquieto — disse Lloyd. — Espero que isso nada tenha a ver
com nossa missão iminente.
— Naturalmente que não — garantiu Saedelaere. — Sempre que alguém se
interessa, intensamente demais, pelo meu lindo rosto, eu fico nervoso.
Ambos entraram no elevador antigravitacional e pairaram para o hangar que ficava
mais abaixo.
***
Juniper Whiilcont tinha perdido a sua mulher, durante a catástrofe. Ela estivera a
caminho de casa, num planador, quando a onda de imbecilização a atingiu. Depois de
dias de procura, Juniper Whiilcont tinha encontrado os destroços do planador. Sua
mulher não estivera mais ali, mas Whiilcont não acreditava que ela ainda estivesse com
vida. Talvez tivesse sido removida por um comando robotizado de sepultamento.
Whiilcont tinha se casado com sua mulher somente pelo dinheiro. Com este
dinheiro ele pudera abrir a sua clínica. Logo depois da abertura da clínica, Whiilcont
arranjara uma amante, e praticamente não se incomodou mais com sua mulher. Ela
parecia saber que estava sendo enganada, mas jamais falara sobre o assunto.
Certa vez ela aparecera em sua clínica e se sentara diante do espelho em 3-D.
— Eu gostaria de ter um rosto novo! — Ele parecia ainda ouvir agora as palavras
dela.
— Para que, minha querida? Você já é deslumbrante!
— Um rosto que pudesse agradar a você, Juniper — ela respondera.
Ele ficara um tanto desconcertado. Mais do que esta alusão, ela jamais dera de si.
Muitas vezes ele se perguntara como um ser humano podia ser tão paciente.
Porém tudo isso já fazia muito tempo. Juniper Whiilcont precisava esforçar-se para
conquistar novamente um lugar no mundo em que agora tinha que viver. Um lugar que
lhe permitisse levar a vida que ele amava.
Na verdade, depois da catástrofe, nunca mais seria como antigamente. Whiilcont
estava contente, por ter concordado com a operação que lhe haviam sugerido, há três anos
atrás, na CE-Solar. Os responsáveis pela CE-Solar o haviam mandado operar, para que
ele não pudesse revelar, em eventuais interrogatórios, quais os rostos que ele tinha
modificado. Através desta operação, Whiilcont se transformara num mentalmente
estabilizado. Ele saíra ileso da onda de imbecilização.
Whiilcont estava deitado na cama de sua pequena cabine, com os braços cruzados
atrás da cabeça. Ele sempre tivera sorte. Sabia que na maioria das pessoas ele despertava
simpatia. Seu rosto aberto e o seu sorriso juvenil o tornavam querido. E ele sempre
aprendera a tirar proveito disso. Juniper Whiilcont certamente não se teria designado
como um homem ruim, se lhe tivessem pedido sua opinião a respeito.
Ele se considerava um sujeito de sorte, e não sentia escrúpulos, ao fazer uso dos
sentimentos das outras pessoas.
— Saedelaere! — disse ele, baixinho.
Alaska Saedelaere era a chave para seus novos êxitos. O lesado por transmissor era
um dos mais íntimos colaboradores de Perry Rhodan. Whiilcont esperava conseguir
conquistar a confiança de Saedelaere.
Afinal ele já se encontrava a bordo da Good Hope II, junto com outros cinquenta e
oito membros da tripulação. Whiilcont não estava por acaso a bordo desta nave, mas
tinha procurado conseguir isso sistematicamente. Há alguns dias, ele ainda estivera
trabalhando no “Imperium-Alfa”, da central de Terrânia City. Ele chamara a atenção de
Galbraith Deighton. Conseguira até convencer Deighton, de quanto seria útil um homem
com sua capacidade a bordo da Good Hope II.
Depois disso, tudo fora fácil. Ele olhara Saedelaere fixamente e começara uma
conversa com ele. O interesse de Saedelaere estava, sem dúvida alguma, despertado,
agora era importante aprofundar ainda mais este interesse.
Whiilcont lastimou não poder acompanhar o lesado por transmissor na missão
planejada. Essa oportunidade ele teria aproveitado para conseguir um contato ainda
melhor com o homem da máscara.
Whiilcont só se interessava em segunda linha pelos acontecimentos nas
proximidades do “Enxame”.
Ele continuou deitado na cama, refletindo intensamente.
***
— Posso revelar-lhe uma coisa? — Fellmer Lloyd acabara de fechar o gancho de
seu traje de proteção e olhou para Saedelaere, que estava de pé ao lado do space-jet,
inspecionando os objetos do equipamento que foram reunidos diante da eclusa.
Saedelaere ergueu a cabeça, interrogativamente.
— O bebê não me agrada!
— Whiilcont? — perguntou Saedelaere, admirado. — O senhor encontrou alguma
coisa desvantajosa em seus pensamentos?
— Ele é mentalmente estabilizado! Além do mais eu só faço uso de meus dons
telepáticos quando não é possível evitá-lo.
Saedelaere sentiu que o mutante ficara chateado e desculpou-se.
— Está bem! — disse Lloyd. — Talvez eu esteja enganado, no que concerne ao
bebê.
— Com certeza! — afirmou o lesado por transmissor. Ele pegou o seu capacete e
apontou para o elevador antigravitacional, na outra extremidade do hangar. — Eu agora
vou buscar Whiilcont.
Lloyd apontou para a aparelhagem do intercomunicador na parede.
— Por que não deste modo?
Depois de ligeira hesitação, Saedelaere sacudiu a cabeça.
— Acho melhor eu mesmo falar com ele antes.
Ele deixou Lloyd no hangar e pairou pelo elevador antigravitacional para o convés
dos tripulantes, mais acima. A Good Hope II parecia abandonada. Todos os membros da
tripulação permaneciam nos seus postos ou então estavam em suas cabines.
Saedelaere estava admirado que Atlan não protestara contra a sua missão planejada.
O arcônida, durante uma discussão, algumas horas antes do rastreamento do estranho
disco, tinha dito claramente que queria comandar pessoalmente uma missão que se
tomasse eventualmente necessária.
Saedelaere entretanto aprendera a não tomar sempre ao pé da letra o que Atlan
dizia. Às vezes as observações do arcônida eram lances de um xadrez psicológico, com
os quais ele perseguia determinadas metas. Talvez desta vez Atlan apenas quisera
alcançar que Perry Rhodan não participasse pessoalmente numa missão.
O lesado por transmissor notou como se mexia o fragmento cappin no seu rosto.
Isso não era excepcional. Saedelaere perguntava-se se esta formação teria algum
sentimento. Desde a sua conversa com Whiilcont ele pensava novamente com mais
frequência nesta coisa debaixo de sua máscara.
Talvez o fragmento cappin ansiava por uma separação. Porém então ele teria que
possuir inteligência, ou pelo menos instinto.
Diante da cabine de Whiilcont Saedelaere parou. Whiilcont agora não estava de
serviço; mesmo assim, em vista da situação, teria sido mais compreensível que ele se
encontrasse no seu posto.
Saedelaere bateu na porta.
Poucos instantes depois a mesma foi aberta.
— Alaska Saedelaere! — disse Whiilcont, surpreso. — O senhor veio se despedir?
Como é que Whiilcont podia ter a ideia de que ele queria despedir-se dele?
Saedelaere olhou o jovem atentamente, porém Whiilcont não desviou o olhar.
— Eu vim para buscá-lo! — disse Alaska.
— O quê? — A boca de Whiilcont se abriu.
— O senhor vai participar de nossa missão!
Whiilcont sorriu, deu um passo para trás, para dentro da cabine e abriu o armário
embutido. Ele tirou de lá alguma coisa que Saedelaere não pôde ver, depois saiu para o
corredor.
— Eu lhe agradeço!
Saedelaere ergueu ambos os braços.
— Só me agradeça depois que voltarmos desta missão. Talvez o senhor ainda venha
a lastimar que eu o recomendei.
— Certamente que não! — Os olhos de Whiilcont brilhavam.
O seu entusiasmo teve um efeito quase contagiante em Saedelaere.
— No hangar tudo está pronto para o senhor, Whiilcont.
Whiilcont parou e segurou Saedelaere pelo braço.
— Posso pedir-lhe uma coisa?
— Naturalmente!
— Me chame pelo meu primeiro nome. Eu me chamo Juniper. Os meus amigos
também me chamam de Sommer. Não apenas devido ao meu prenome mas também
porque acham que eu tenho um ânimo ensolarado.
Saedelaere sorriu, irônico.
— Então boa sorte, que tudo dê certo, Sommer!
Eles se deram as mãos. Quando alcançaram o hangar, Fellmer Lloyd já concluíra
todos os preparativos. Ele os esperava na escada do space-jet. Aos seus pés estava o traje
de proteção destinado a Whiilcont.
Saedelaere apontou para Whiilcont.
— Nós podemos chamá-lo de Sommer! (Verão). Ele vai nos dar sorte.
— Hum — fez Lloyd, cético. — Venha para bordo, Sommer.
A formação expulsa de dentro do “Enxame” tinha modificado a sua posição só
muito pouco. Os impulsos de rastreamento continuavam oscilando. Se alguém vivia
dentro ou em cima do disco, não parecia ter muita certeza do que deveria fazer agora.
Esta indecisão naturalmente também podia ser uma ilusão.
Senco Ahrat, Primeiro Emocionauta a bordo da Good Hope II, tirou o capacete-
SERT da cabeça. Ele foi substituído por Mentro Kosum.
Joak Cascal, que observara o processo, disse para Icho Tolot, que estava parado do
seu lado.
— No mínimo o terceiro melhor piloto deveria ter participado desta missão.
— E o senhor acha que é isso aí? — perguntou o halutense, trovejante.
Cascal sorriu, um pouco torto.
— Foi o que me disseram muitas vezes!
— Não gaste o seu talento com Icho Tolot — disse Toronar Kasom. — Ele não
consegue entender o sentido duplo de suas palavras.
— Nesse caso ele perde realmente muita coisa — opinou Cascal.
— Talvez mais tarde o senhor ainda terá oportunidade de colocar à prova sua
capacidade extraordinária — interveio Atlan.
— Se este disco é tão interessante, como parece ser no monitor do rastreamento, a
visita de Saedelaere certamente será apenas a primeira de uma longa fileira.
Cascal curvou-se com um sorriso.
— Eu fico-lhe grato pelas suas palavras cheias de consolo, Lorde-Almirante.
A conversa emudeceu quando no vídeo apareceu o rosto, coberto por uma máscara,
de Saedelaere.
— Nós pedimos permissão para decolar.
Rhodan olhou para Kosum.
— Tudo em ordem! — declarou o piloto.
— Permissão para decolar está sendo dada! — gritou Perry.
A eclusa do hangar abriu-se. Poucos instantes depois o space-jet em forma de disco-
voador apareceu nas telas de vídeo da central.
— Lá vão eles! — disse Senco Ahrat, sobriamente.
O contato por rádio continuou, mas no momento não havia nada para relatar.
Na central da Good Hope II a tensão crescia.
Agora finalmente se realizaria uma tomada de contato com habitantes do
“Enxame”?
2

Juniper Whiilcont tinha assumido o lugar do radioperador, e por isso podia observar
os seus acompanhantes, sem estar, ele mesmo, sentado dentro do campo visual destes.
Em Saedelaere não havia muito que ver, nenhuma pessoa podia imaginar o que -se
passava sob a máscara.
Mas também a expressão facial de Lloyd era tudo, menos significativa. Whiilcont
tinha a desconfiança de que Lloyd não gostava dele. Porém essa era uma suposição que
até agora não havia sido confirmada por nada. Lloyd era (calculado em anos) um homem
muito velho, que não baixaria a guarda dos seus sentimentos com muita facilidade.
Os cantos da boca de Whiilcont tremeram. Ele estava decidido a fazer uso de todo o
seu charme, para também trazer Lloyd para o seu lado. Lloyd e Saedelaere falariam
acerca dele, e então seria importante que também o mutante tivesse urna boa impressão a
seu respeito.
Whiilcont sabia que por enquanto dificilmente haveria oportunidade de executar-se
a operação prometida em Saedelaere. Provavelmente esta operação era impossível, ou ela
terminaria com a morte do paciente.
Porém isso, para Whiilcont, no momento, era indiferente. Ele agora podia prometer
tudo, para alcançar o seu alvo. Mais tarde, certamente pensaria em alguma coisa, para
poder subtrair-se à responsabilidade.
— Sommer!
Era a voz de Saedelaere.
Whiilcont estremeceu. Somente agora ele notou que o aparelho de rádio zunia. Ele
balbuciou uma desculpa e ligou para a recepção. Na tela de vídeo apareceu o rosto do
Lorde-Almirante Atlan. Os lábios do arcônida estavam repuxados num sorriso
zombeteiro.
— O senhor sempre dorme tão profundamente?
— Desculpe-me, Sir! — disse Whiilcont, abatido. Nestes momentos ele sabia como
mostrar-se muito contrito.
— Está bem! — disse Atlan. — Passe-me Alaska!
Saedelaere atendeu. O arcônida passou-lhe novos resultados de avaliações.
Whiilcont mal escutava, a ele interessava exclusivamente Saedelaere. Mesmo assim
precisava prestar atenção. Se ele continuasse desatento, despertaria a desconfiança dos
seus acompanhantes.
Ele concentrou-se nas ordens que Atlan passava, para terminar. O arcônida
ordenava à tripulação do space-jet a se aproximar do disco com o escudo protetor por
cima, somente com a maior cautela, e, em caso de ataque, eles deviam regressar
imediatamente.
Em seguida a comunicação foi interrompida.
Desta vez Whiilcont não cometeu qualquer erro.
Saedelaere perguntou:
— Alguma coisa não está em ordem, Sommer?
— Desculpe-me! Eu estava refletindo.
— Há alguma coisa que o preocupa?
Whiilcont apontou para o monitor de rastreamento, no qual se mostrava o disco.
— Isso eu consigo entender — disse Saedelaere, no seu modo de falar meio
arrastado. — Mas o senhor não deve esquecer-se da sua tarefa, por causa disso.
Whiilcont olhou para Lloyd, mas o mutante estava curvado por cima dos controles.
Ele parecia não se interessar pela conversa.
Whiilcont respirou fundo.
Ele precisava ter cuidado. Os homens com quem viajava faziam parte dos
responsáveis principais da Frota Solar. Eles já mantinham estes postos, quando ainda
ninguém nem pensava na catástrofe. Isso queria dizer que eles faziam parte dos
astronautas mais capazes e inteligentes. A eles não seria tão fácil enganar, como às
pessoas na Terra.
Whiilcont decidiu que, de agora em diante, somente pensaria na missão. Mais tarde
ele poderia novamente preocupar-se com Alaska Saedelaere.
Ele concentrou seus pensamentos naquela formação estranha, da qual eles estavam
se aproximando.
— Vamos pousar, se houver uma possibilidade para isso? — perguntou Saedelaere.
— Isso depende das circunstâncias — retrucou Lloyd, esquivando-se.
Whiilcont olhou de um para o outro.
Era evidente que Fellmer Lloyd era o dirigente da missão. Ele naturalmente se
mantinha discretamente, mas as decisões finais seriam tomadas por ele. Para Whiilcont
teria sido mais interessante se Saedelaere estivesse no comando.
Quando a metade do caminho havia sido deixada para trás, a Good Hope II chamou
novamente pelo rádio. Desta vez apareceu o rosto de Rhodan na tela de vídeo. Whiilcont
prestara atenção, e imediatamente passou a ligação para o assento do piloto, ocupado por
Saedelaere.
— Já podem reconhecer detalhes? — perguntou Rhodan.
— Não mais que de bordo da Good Hope — respondeu o lesado por transmissor. —
Naturalmente tudo parece maior, mas o escudo energético por cima do disco não permite
uma boa observação. Entretanto parece que sob este escudo existe uma paisagem.
Existem, no mínimo, dois sóis artificiais.
— Sóis artificiais nos permitem concluir que haja uma paisagem — declarou
Rhodan. — No mínimo, deve haver uma região habitável. Em favor disso também fala o
escudo energético, que tudo cobre.
Quando o space-jet ainda estava distante do disco 200 milhões de quilômetros,
aconteceu uma coisa incomum. O escudo energético por cima da metade do disco agora
podia ser visto nitidamente. Deste escudo parecia sair um pequeno objeto voador.
— Ali está saindo alguma coisa! — gritou Lloyd, avisando.
Saedelaere fez o disco deslizar para fora do espaço linear e freou o seu voo.
Os três homens a bordo ficaram observando os aparelhos rastreadores.
Eles viram que uma formação serpentina, de cerca de cinquenta metros de diâmetro,
deslizou de dentro do escudo para o cosmo. O escudo fechou-se atrás dela, como se
jamais tivesse havido uma abertura.
— O senhor pode reconhecer uma ruptura estrutural? — voltou-se Saedelaere para
o telepata.
Lloyd sacudiu a cabeça.
— Foi algo diferente, mas essa coisa saiu lá de dentro sem dificuldades. É um
objeto voador.
— Sommer! Mensagem de rádio para a Good Hope! Informe sobre o que estamos
vendo.
Whiilcont apressou-se em executar a ordem de Saedelaere. De bordo da Good Hope
II também tinham observado o acontecimento, apesar de não poderem fazê-lo com a
nitidez que a tripulação do space-jet obtinha.
Rhodan advertiu Saedelaere:
— Preste atenção para não ser atacado!
Whiilcont observou detalhadamente o objeto voador recém-surgido. Aquela coisa
parecia informe. A curva oca da concha parecia cheia de alguma coisa. O objeto voador
afastava-se lentamente do disco, entretanto não tomou a direção do space-jet.
— Eu não creio que esta manobra tem a ver conosco — declarou Saedelaere,
lentamente. — O que acha disso, Lloyd?
O mutante preferiu silenciar.
Quando o objeto voador em forma de concha tinha se afastado cerca de cinco mil
quilômetros do disco, ele despejou o seu conteúdo no espaço.
— Uma nave-lixeira! — gritou Saedelaere, surpreendido. — Ela transportou lixo da
região por debaixo do escudo energético para o espaço, e ali esvaziou-se. Provavelmente
agora vai voltar.
— O senhor tem razão — concordou Lloyd. — O surgimento dessa coisa, com toda
certeza nada tem que ver conosco.
— Transmita isso, Sommer! — ordenou-lhe Saedelaere.
Whiilcont hesitou.
— Como é que o senhor tem tanta certeza de que se trata de uma nave de lixo?
— Nós não temos certeza — retrucou Saedelaere, calmo. — Mas no momento esta
é a explicação mais lógica.
Whiilcont transmitiu uma mensagem correspondente para a Good Hope II. Para sua
surpresa ninguém fez qualquer pergunta. Rhodan e Atlan pareciam acreditar
incondicionalmente no relatório.
Conforme Saedelaere dissera antes, o objeto voador em formato de concha
regressou para o disco. Pouco à frente do escudo energético ele diminuiu a sua
velocidade de voo ao mínimo.
— Agora prestem muita atenção! — gritou Saedelaere. — Talvez um de nós possa
identificar se existe alguma espécie de eclusa.
Porém eles não conseguiram verificar nem uma eclusa nem algo semelhante.
Também não houve qualquer ruptura de estrutura. O objeto voador estranho desapareceu
através do escudo como através de uma parede de água.
— Curioso — opinou Saedelaere. — Durante a passagem o escudo fechou-se
completamente em torno do objeto voador. Como é que uma coisa dessas é possível?
— Certamente trata-se de uma forma de energia totalmente desconhecida para nós
— supôs Lloyd.
Saedelaere recostou-se na sua poltrona. Ele parecia relaxar. Das fendas de sua
máscara, o fragmento cappin brilhava.
— O senhor acredita que o escudo deixará passar qualquer objeto voador, desse
modo?
— Isso é de difícil resposta — achou o telepata. — Certamente há uma
possibilidade de defender-se contra visitantes não-desejados.
— Vamos examinar as coisas que os estranhos descarregaram no espaço — sugeriu
Saedelaere.
Lloyd concordou. Whiilcont teve que mandar uma mensagem correspondente à
Good Hope II. Ninguém tinha nada a objetar contra os planos da tripulação do space-jet.
Whiilcont espantou-se com a calma com que os seus acompanhantes se
comportavam na aproximação dessa coisa. Afinal de contas eles não estavam voando
para algum ponto qualquer do espaço, mas na direção de um objeto voador totalmente
estranho, que saíra do “Enxame”.
— Observe o disco! — ordenou Saedelaere ao jovem cirurgião-plástico. — Nós
damos meia-volta, logo que alguma coisa se esgueirar para fora do escudo energético.
Em completo silêncio eles se aproximaram do carregamento que a nave em formato
de concha despejara no espaço cósmico. Tratava-se de torrões disformes.
— Sujeira! — verificou Saedelaere, laconicamente. — Como nós imaginávamos.
Nenhum dos objetos pairando no espaço cósmico tinha qualquer coisa de especial.
Um rápido teste determinou que os torrões também não possuíam radiação própria.
— Realmente, não passa de lixo — observou Fellmer Lloyd, no seu modo lacônico.
— Mais um método para livrar-se do seu lixo!
— A produção de lixo é uma característica quase humana — disse Saedelaere,
pensativo.
O mutante fez um gesto defensivo.
— Todas as possíveis espécies de inteligências produzem materiais de sucata e
depois não sabem como se livrarem deles.
Whiilcont prestava muita atenção à conversa. Às vezes ele não conseguia livrar-se
da impressão de que os dois homens, desde que tinham abandonado a Good Hope II,
utilizavam uma linguagem especial, que somente podia ser entendida por iniciados.
Será que eles faziam isso premeditadamente?
De qualquer maneira ele não perderia a calma. Durante a missão ele certamente
ainda teria oportunidade de ganhar definitivamente a confiança de Saedelaere.
O space-jet agora voava pelo meio do monte de lixo à deriva no espaço. Blocos
isolados passavam bem perto da cúpula de plástico blindado. A luz dos holofotes, eles
pareciam porosos e cinzentos.
— Restos de matéria plástica — disse Saedelaere.
— Eu não estou tão certo — respondeu Lloyd.
Whiilcont desejava também poder dizer alguma coisa, mas quanto mais tempo ele
observava o que era visto pairando no espaço, mais certeza tinha de que não se parecia
com absolutamente nada que ele já tivesse visto. Tratava-se de um lixo completamente
exótico, de matérias estranhas, criado num ambiente estranho.
— Está bem, Sommer! — disse Saedelaere, de repente. — Vamos trazer um desses
troços para bordo.
Whiilcont ergueu-se e correu para a eclusa.
— Devagar! — admoestou Saedelaere. — Deixe que Fellmer e eu façamos isso. O
senhor, entrementes, assume o assento do piloto.
Whiilcont sentou-se na poltrona que Saedelaere abandonara. Lançou um olhar para
o enorme número de controles e esperou que não houvesse qualquer incidente, enquanto
os dois outros estavam ocupados com o recolhimento do agregado de lixo. Naturalmente
Whiilcont tinha feito um hipnotreinamento em navegação e como piloto, mas ele
duvidava que, caso necessário, soubesse pilotar o space-jet.
Quando ele olhou por cima do ombro, Lloyd e Alaska estavam manejando algumas
alavancas.
Saedelaere sorriu-lhe.
— Preste atenção no seu lugar, Sommer!
Aquela admoestação, dada num tom quase paternal, começou a deixar Whiilcont
agitado.
Ele repuxou a cara e abafou uma observação.
Os dois homens não desembarcaram, apesar de Whiilcont ter esperado por isso.
Eles utilizaram uma espécie de vara de pescar magnética, para agarrar um dos objetos
que passava à deriva. Em seguida a linha magnética foi puxada para bordo.
— A coisa pode ficar lá fora, até regressarmos — disse Lloyd.
Isso foi tudo. Whiilcont ficou decepcionado. Se tudo aqui no cosmo acontecia tão
sem qualquer dramaticidade, esta não era a vida que ele desejava.
Saedelaere assumiu novamente o assento do piloto, Whiilcont voltou para a
aparelhagem de rádio. Pelo menos aqui ele sabia fazer tudo.
Whiilcont teve que mandar mensagem à Good Hope II, informando sobre o que
ocorrera nos últimos dez minutos. Esta troca de notícias estava dando-lhe nos nervos. O
que se prometiam Lloyd e Saedelaere se, por causa de qualquer ninharia, falavam com os
responsáveis a bordo da nave-mãe?
Whiilcont executava todas as ordens contra sua vontade, mas nunca esquecia de
mostrar uma atitude amistosa e satisfeita. Ele lastimava que Fellmer Lloyd também
estava com eles a bordo. De algum modo, a presença do mutante tinha para ele um efeito
embaraçoso. Ele não conseguia ter um contato certo com Alaska Saedelaere.
— Isso basta! — opinou Alaska, depois que eles tinham voado uma segunda vez
através daquela lixeira cósmica. — Agora vamos nos interessar pelo disco.
Eles deixaram o lixo, à deriva no cosmo, atrás de si. Whiilcont informou à Good
Hope II que o space-jet agora se aproximava do disco. O mentalmente estabilizado olhou
para fora da cúpula transparente. Ele conseguia reconhecer o disco já agora a olho nu. Era
um ponto luminoso que rapidamente ficava maior. Nas telas de vídeo já podiam
reconhecer-se pormenores. Uma das montanhas (ou seria um edifício?) por baixo do
escudo energético alcançava até os sóis artificiais ao alto. Devia ser um maciço
formidável. Whiilcont notou que aquela visão começava a fasciná-lo.
O space-jet interrompeu o seu voo linear e voltou para o espaço comum.
— Agora vamos ter que ser duplamente cautelosos! — disse Saedelaere. — Logo
que alguma coisa sair do disco, nós recuamos imediatamente.
O jato aproximou-se do disco em diagonal, “de cima”. Conforme já tinha sido
comunicado pelo telerrastreamento da Good Hope II, o disco tinha um diâmetro de cerca
de vinte quilômetros. Ele tinha uma grossura de cerca de quatro quilômetros, e mostrava
irregularidades nas bordas. Whiilcont não conseguia reconhecer exatamente como as
elevações isoladas eram formadas, pois estas ficavam, em sua maior parte, na sombra.
Em contrapartida, ele via bem melhor agora o escudo protetor do disco. E viu
pormenores por baixo do escudo.
***
O space-jet havia se aproximado da estranha formação até poucos quilômetros, e
rodeava lentamente o escudo protetor energético. Era uma manobra arriscada que,
entretanto, era executada com o beneplácito de Perry Rhodan. As câmeras do jato
corriam e transmitiam as imagens tomadas, por hiper-rádio, para a Good Hope II, de
modo que a tripulação da nave-mãe podia observar também, sem perda de tempo.
O escudo protetor impedia uma visão sem problemas da região sobre a qual o
space-jet cruzava. Entretanto, o que os três homens avistavam, através da cúpula de
plástico blindado da nave-disco, era suficientemente fantástico.
O centro da “paisagem” por baixo do escudo protetor era formado por uma
edificação parecida com uma fortaleza, que à primeira vista parecia uma gigantesca
montanha. Ela cobria uma superfície de cerca de trinta quilômetros quadrados e estendia-
se em forma de pirâmide até a ponta. Por toda parte se elevavam torres e edifícios de
dentro do maciço. Em toda a volta da fortaleza, cujas pontas mais altas quase tocavam o
escudo protetor, estendiam-se estradas serpenteantes, curiosamente abauladas, todas elas
terminando em buracos redondos, escuros. O complexo parecia consistir de aço amarelo.
O amarelo possuía uma forte força luminosa e refletia a luz dos sóis artificiais. Em volta
das pontas da fortaleza circulavam três gigantescos objetos voadores pretos. Na sua
aparência eles lembravam a Whiilcont de pássaros, mas ele duvidava que por baixo do
escudo energético houvesse animais desse tamanho.
A paisagem em tomo desta edificação consistia de campos ordenados limpamente,
nos quais eram cultivadas plantas parecidas com fetos. Entre os campos isolados
erguiam-se edificações que deviam ser silos. Do outro lado da fortaleza ficava uma
pequena aldeia com diversas casas em formato de cúpula. Estas casas tinham sido
construídas em círculo, em volta de uma grande praça com uma fogueira no centro.
Alaska Saedelaere finalmente quebrou o silêncio.
— O que acham disso?
Apesar da pergunta ter sido dirigida a Lloyd e Whiilcont, somente o mutante
respondeu.
— Eu recebo fracos impulsos de pensamentos, Alaska. Esta terra estranha, portanto,
é povoada.
Mais uma vez Whiilcont sentiu-se excluído. Ele agarrou-se tão fortemente aos
braços de sua poltrona, que os ossinhos de suas mãos sobressaíram, esbranquiçados.
— Eu acredito que estamos vendo diante de nós produtos de duas civilizações —
disse ele, tão calmamente quanto possível. — A fortaleza e as cabanas entre os campos
foram construídas por criaturas diferentes.
— Tudo isso me parece um sistema autárquico — declarou Saedelaere, sem dar
atenção às palavras de Whiilcont. — Eu gostaria de saber por quem foi criado. Pena que
não podemos reconhecer melhor o que se passa lá embaixo.
Whiilcont disse, encarniçado:
— Talvez nas casas menores vivam os escravos dos habitantes da fortaleza.
Lloyd ordenou:
— Quer calar a boca por um instante, Sommer!
Estas palavras foram como uma bofetada no rosto, para o rapaz. Ele abaixou a
cabeça, para que os outros não vissem que ficara vermelho. Mas não lhe davam qualquer
atenção. Eles olhavam através da cúpula e observavam os aparelhos de rastreamento.
Entrementes, conversavam. Whiilcont tremia de raiva.
Somente a muito custo ele se acalmou novamente. Recebeu as palavras de Lloyd
como um ultraje. As vozes dos dois outros pareciam vir de muito longe. Whiilcont
concentrou-se.
— Uma coisa me interessaria — disse Saedelaere, neste momento. — A fortaleza
foi construída em cima do disco, ou o disco construído embaixo da fortaleza.
“Maluco!”, pensou Whiilcont.
Mas Lloyd parecia levar a pergunta realmente a sério, pois refletiu longamente,
antes de responder.
— O complexo é autárquico, mas mesmo assim pode ser parte de uma estrutura
maior.
— A edificação grande consiste de material amarelo, certamente metal. — Ele
sacudiu-se. — Que criatura humana gostaria de morar numa casa amarela?
Tudo isso ele falou no seu modo arrastado de falar, enquanto os seus braços magros
se movimentavam quase suplicantes.
“Ele é tão malditamente mais esperto que eu, que Lloyd só ouve a ele?” — pensou
Whiilcont, chateado.
Tudo que Saedelaere dizia, Whiilcont também poderia ter dito do mesmo modo.
Mas na realidade não importava o que se dizia, mas sim como se dizia aquilo.
Whiilcont pensou, decidido: Eu ainda vou mostrar muita coisa a vocês!
— Sommer! — chamou Alaska, com voz suave. — O aparelho de rádio!
Com uma praga abafada, Whiilcont ligou para recepção. Ele notou que suas mãos
continuavam tremendo.
— O computador positrônico calculou todos os dados — disse Rhodan, sem
rodeios. — Presumivelmente sob o escudo energético haja membros de dois ou mesmo
de três povos.
— Foi o que eu disse! — deixou escapar Whiilcont.
O seu sentimento de triunfo apagou-se rapidamente, quando ele notou os olhares de
Lloyd.
— O possível armamento dos lavradores somente pode ser primitivo — prosseguiu
Rhodan. — Sobre a fortaleza ainda não há nada. Nenhum valor padrão. Também a
conexão entre a fortaleza e as fazendolas ainda não foi esclarecido. — Ele acrescentou
um pouco mais baixo: — No fundo, não há nada que possa ajudar os senhores.
— O escudo protetor — respondeu Alaska, aferrado — impede medições e
observações exatas.
Whiilcont podia ver que Rhodan se virou para o lado. Os lábios do Administrador-
Geral se mexiam, mas Whiilcont não podia ouvir o que Rhodan dizia. Talvez ele
estivesse falando com Atlan.
Quando o som foi novamente ligado, Rhodan perguntou:
— Os senhores acham que podem penetrar no escudo protetor com o space-jet?
— Isso vai depender de uma tentativa — retrucou Lloyd. — Eu não consigo sentir
impulsos inamistosos, apesar de certamente já termos sido rastreados.
— Eu deixo a decisão aos senhores — disse Rhodan. — Podem regressar, e então
primeiramente mandaremos algumas sondas. Mas também podem tentar penetrar no
escudo energético com o space-jet.
— Nós vamos pensar nisso — prometeu Lloyd.
Whiilcont tinha escutado, perplexo.
Ele ficou completamente desconcertado quando Saedelaere se virou para ele e
perguntou:
— O que acha disso?
Whiilcont sorriu, apesar de um sentimento indefinido lhe dizer que um sorriso no
momento estava totalmente fora do lugar. E aquilo era mais para proteger seus
verdadeiros sentimentos.
— O senhor pergunta a mim? — disse ele, espantado.
— O que acha de estranho nisso?
— Bem... — Whiilcont procurou desesperadamente por palavras, depois apontou
para Lloyd. — Ele pediu que eu calasse a boca.
Saedelaere franziu a testa, mas não disse nada. Também Lloyd silenciou. Whiilcont,
que supôs ter cometido grave erro, ficou cada vez mais desconcertado. Como é que ele
não conseguia enfrentar estes dois homens tão desembaraçadamente, como sempre o
fizera com outras pessoas?
Era porque eles voavam a três num space-jet através do espaço cósmico, ou era
devido a proximidade do objeto voador estranho de dentro do “Enxame”?
Alguma coisa, de qualquer modo, estava diferente. — O senhor parece que mal-
entendeu isso completamente — disse Lloyd, e olhou atentamente para Whiilcont. —
Nós não estamos brincando com o senhor. O senhor deverá dar sua opinião, sobre se
devemos ou não penetrar no escudo protetor com o space-jet.
— Isso é decente — Whiilcont tentou colocar uma tonalidade agradecida na sua
voz, mas na realidade ele farejava uma armadilha, para a qual o telepata o estaria
atraindo.
— Ele está um pouco confuso — verificou Saedelaere. — Não é de admirar. Afinal
de contas, esta é a primeira aventura deste tipo para ele. Vamos dar-lhe um pouco de
tempo, para pensar.
— Isso não é necessário! — protestou Whiilcont. Dramaticamente ele acrescentou:
— Eu já tomei minha decisão. Mas faz algum sentido, comunicá-la?
— Agora não faz mais — disse Lloyd, secamente.
Whiilcont imaginou que os dois homens haviam decidido voar através do escudo
protetor. Ele não sabia como eles tinham chegado a esta decisão entre eles, mas ela
certamente existia.
A decisão foi bem-vinda a Whiilcont. Quando eles se encontrassem na região dos
estranhos, ele certamente poderia movimentar-se novamente com mais liberdade, e
comportar-se como tal. O aperto da central do space-jet tinha um efeito deprimente sobre
ele.
— Eu sei que sou um principiante — disse Whiilcont. — Mas eu lhes peço que
sejam um pouco mais pacientes comigo. Eu vou me esforçar.
— Está tudo bem, Sommer! — acalmou-o Saedelaere. Lloyd não disse nada, mas os
cantos de sua boca tremeram. Ele não vai conseguir impedir que eu me torne amigo de
Saedelaere, pensou Whiilcont.
Ele teve que efetuar uma ligação de rádio com a Good Hope II.
Lloyd falou com Perry Rhodan.
— Nós vamos tentá-lo — declarou o mutante, sobriamente.
— Os senhores sabem que precisamos urgentemente de informações a respeito do
“Enxame” — retrucou Rhodan, que evidentemente não esperara por outra decisão. —
Isso não significa que os senhores tenham que incorrer num grande risco.
— Eu avalio que o voo através do escudo protetor é um risco de qualquer modo —
acentuou Lloyd.
— Boa sorte — desejou Rhodan.
Para Whiilcont também esta conversa era um procedimento inacreditável. Perry
Rhodan e estes homens falavam uns com os outros como... Whiilcont não encontrou uma
palavra adequada. Antes de ter vindo para a Good Hope II, ele nunca havia visto Perry
Rhodan pessoalmente. Como para a maioria das pessoas, também para ele Perry Rhodan
era uma espécie de lenda. Mas a maneira como Rhodan e seus colaboradores
conversavam entre si, deixaram aparecer dúvida em Whiilcont, se Rhodan realmente era
aquele homem formidável, como geralmente era apresentado.
Se ele tivesse escutado as mensagens de rádio de olhos fechados e sem
conhecimento da situação, ter-lhe-ia sido difícil dizer quando falava Rhodan e quando um
dos outros dois homens.
Whiilcont ergueu os olhos e esperou até que Saedelaere olhou na sua direção.
— Por que Perry Rhodan não ordena para que nós penetremos no escudo de
proteção? — quis ele saber.
Saedelaere parecia perplexo, pois esperou algum tempo com sua resposta. Mas
também esta foi enigmática.
— Nós nos entendemos também sem ordens!
“Para o diabo com todos vocês!”, pensou Whiilcont. “Eu ainda vou acabar
entendendo o jogo que vocês fazem...”
O space-jet modificou a sua rota. Ele terminou de circular em volta do escudo
protetor e diminuiu sua velocidade. Saedelaere pilotou-o na direção do escudo energético
por cima do grande disco.
— A nave-lixeira penetrou a meia altura — lembrou Lloyd. — Talvez nós também
deveríamos tentá-lo por ali. Mais para cima chegamos muito perto dos sóis atômicos, e
mais para baixo nos encontramos imediatamente no campo visual das criaturas que
provavelmente vivem ali.
Saedelaere anuiu.
Whiilcont notou que o space-jet, agora que estavam longe do escudo protetor só
poucas centenas de metros, quase parara no espaço.
O escudo protetor por cima do disco agora parecia uma parede ardente. A
micronave espacial parecia cair na sua direção. Whiilcont notou a aceleração das batidas
do seu coração. Uma pressão surda apertou-lhe o peito.
“Medo!”, constatou ele.
Timidamente ele olhou para os outros. Não devia revelar os seus sentimentos de
modo algum. Mas talvez Alaska Saedelaere e Fellmer Lloyd também sentissem medo.
Cem metros diante da parede chamejante, o homem da máscara parou a nave-
auxiliar.
— Tudo continua quieto! — disse Lloyd. Sua voz soava abafada.
Apesar de agora estarem bem perto, eles não conseguiam reconhecer nada através
dele. Ele brilhava e ofuscava os três observadores. Somente os contornos da estranha
fortaleza podiam ser vistos.
— Eu sinto impulsos mentais diferenciados — continuou falando Lloyd. — Há
diversos grupos. Eu consigo sentir agitação. Ela nada tem a ver conosco. Algum
acontecimento está ocupando os moradores dentro do escudo protetor. Informações mais
exatas eu não recebo.
— Eu acho que agora podemos arriscá-lo — opinou o lesado por transmissor.
Ele olhou de Lloyd para Whiilcont, não para obter uma confirmação, mas para
sublinhar o significado de sua observação. Suas mãos ossudas estavam firmemente
agarradas ao manche de pilotagem. Os propulsores do space-jet zuniam abafados.
— Sommer, uma última notícia para a Good Hope, dizendo que agora vamos tentar
a penetração! — ordenou Saedelaere. — Se realmente conseguirmos passar, o contato de
rádio deverá ser interrompido.
Da Good Hope II veio apenas uma curta confirmação. A nave-auxiliar retomou o
voo.
Whiilcont olhou através da cúpula.
“Logo vamos bater contra esta parede chamejante de pura energia e
explodiremos!”, pensou ele, alarmado.
Ele notou que mordia fortemente o lábio inferior, mas não ousava erguer-se.
O disco voava tão lentamente, que o movimento, do interior da central, mal era
percebido.
E então a superfície externa tocou o escudo energético. O canto externo da nave
desapareceu. Ele tornou-se invisível para os homens na central. O escudo fechou-se em
torno dele.
— É como se penetrássemos numa nuvem! — disse Saedelaere.
Lentamente toda a nave atravessou o escudo. Não houve nem ruídos adicionais,
nem os aparelhos de rastreamento ligados mostravam alguma reação.
A parede exterior da cúpula tocou o escudo.
Whiilcont fechou os olhos e esperou, retendo a respiração.
Quando ele abriu os olhos novamente, foi ofuscado pela luz clara dos sóis atômicos,
por baixo do escudo energético.
— Chegamos! — disse Saedelaere.
3

O space-jet pairava quatro mil metros acima daquela terra exótica. Logo adiante
deles, a gigantesca fortaleza erguia-se nos ares. Tudo estava banhado pela luz solar muito
clara. Desde o primeiro instante Whiilcont estava certo de que, do lado de fora da nave-
auxiliar, havia uma atmosfera respirável. Uma outra coisa parecia não ser absolutamente
provável.
Os campos, por cima dos quais eles voavam, estavam divididos em quadrados
regulares. Em intervalos de quinze campos, erguiam-se edificações marrom-escuras, de
trinta metros de altura, que certamente serviam como pavilhões de depósitos.
Saedelaere levou o disco na direção da pequena aldeia. Os três homens viram que,
partindo da fortaleza, um largo viaduto elevado levava até as cabanas em forma de
cúpulas. Nas proximidades da aldeia o elevado era bloqueado por nativos. Eram criaturas
atarracadas, com duas pernas e dois braços. Os braços eram exageradamente compridos e
musculosos. A cabeça estava repartida em dois cilindros que divergiam, obliquamente,
em cujas extremidades superiores se encontravam os órgãos dos sentidos. A maior parte
dos nativos estava vestida com saias confeccionadas de folhas secas, os outros estavam
nus. A cor de sua pele era difícil de determinar, ela se alternava num moreno claro para
um verde e azul, em diversas partes do corpo.
A grande fogueira entre as cabanas era vigiada por dois nativos. As edificações
pareciam abandonadas. Todos os nativos haviam se distribuído de ambos os lados da
estrada. Eles pareciam estar esperando por alguma coisa.
— Estranho — disse Saedelaere. — Eles já devem ter nos visto há bastante tempo,
mas não nos dão atenção.
— Eles estão agitados — explicou Lloyd. — Eu só posso compreender os seus
sentimentos, e não os seus pensamentos. Aconteceram diversas coisas imprevistas.
Ele ergueu a cabeça e apontou para os três objetos voadores negros que circulavam
em torno da ponta da fortaleza.
— Essas coisas também vivem. Eu sinto seus impulsos mentais.
Whiilcont olhou, espantado, para o alto da fortaleza. Os três pássaros gigantes
indolentes pareciam nunca mudar a sua rota. Em espaços uniformes eles voavam em
tomo da ponta da fortaleza. O que os mantinha lá em cima? Eles pertenciam a um sistema
de vida determinado, como o dos nativos?
Também Saedelaere observou os três pássaros.
— Eu juraria que se tratava de objetos voadores — confessou ele. — Mas quando
os observamos por mais tempo, reconhecemos que se trata de criaturas vivas.
Whiilcont avaliou que cada pássaro tinha uma envergadura de asas de dez metros.
Por baixo das asas negras, em formato de delta, podia reconhecer-se garras brancas. Não
se podia ver nenhum bico, a cabeça de formato oval era dirigida verticalmente para baixo,
de modo que se podia reconhecer nitidamente um olho parecido com uma lente.
Os três pássaros atraíram definitivamente a atenção de Whiilcont. Era menos por
sua aparência sinistra, e mais por seu comportamento. Como se estivessem atados em
cordéis invisíveis, eles circulavam em torno da torre mais alta da fortaleza.
— Também de dentro da fortaleza vêm impulsos mentais — informou Lloyd. —
Eles se diferenciam daqueles dos nativos e dos pássaros. Eu tenho certeza de que as
criaturas que vivem dentro da fortaleza são mais inteligentes que as duas outras espécies.
Whiilcont olhou para os muros amarelos da fortaleza.
O que se esconderia atrás dele? Histórias de há muito esquecidas, de sua infância,
voltaram à sua memória, velhas sagas, das quais, mais tarde, ele sorrira. Cada uma das
antigas histórias do passado da Humanidade tinha uma ligação determinada com a
realidade.
Mas este disco imenso vinha de uma distância inimaginável. Ele nada devia ter em
comum com a Humanidade.
“Mas ainda assim!”, pensou Whiilcont. — “Cada homem não tinha uma ligação
inescapável com a Criação? Ele não era parte de um Todo maravilhoso, e por isso mesmo
em posição de, pelo menos, imaginar determinadas conexões?”
Instintivamente Whiilcont sacudiu a cabeça. Que ideias eram essas que lhe vinham?
Ele precisava concentrar-se em realidades. Ele estava aqui, com os outros dois, para
descobrir o segredo deste disco imenso. A isso se juntavam seus motivos próprios. Ele
queria ganhar a amizade de um homem tão influente como era Alaska Saedelaere. Então
poderia ter certeza de poder levar unia vida mais ou menos segura, mesmo num meio
ambiente ameaçado por catástrofes.
— Nós continuamos a não receber nenhuma atenção! — verificou Saedelaere. —
Ele virou a cabeça na direção de Whiilcont. — Verifique se conseguimos contato de
rádio com a Good Hope.
Whiilcont tentou-o, porém um rumorejar forte se sobrepunha a todos os ruídos no
receptor. Ele estava convencido de que a bordo da nave-mãe, eles não conseguiriam
receber os seus sinais.
— Está bem! — Saedelaere fez um gesto defensivo. — Não precisamos mais tentá-
lo; enquanto estivermos por baixo do escudo de proteção.
— E agora? — perguntou Lloyd. — Eu não posso ajudar muito, os pensamentos
dos estranhos são difíceis de serem espreitados. Eles possuem instalações defensivas
naturais. E os seus sentimentos são difíceis de entender.
Saedelaere silenciou. Ele levou o space-jet para mais perto da fortaleza. A nave-
auxiliar seguiu as linhas sinuosas de uma estrada. Ela estava abandonada. Agora
Whiilcont verificou que todas as ruas em volta da fortaleza estavam abandonadas. Suas
superfícies brilhavam à luz dos sóis atômicos. Para que serviam, se ninguém as usava
para transportar-se?
O jato desceu algumas centenas de metros. Saedelaere voou bem para perto de uma
das aberturas redondas, na qual desembocava uma rua. Não se podia ver nada, a luz
parecia não poder atravessar a abertura.
Whiilcont não conseguia explicar-se este fenômeno. Os dois outros homens ficaram
em silêncio.
De repente ouviu-se um grito penetrante.
Whiilcont estremeceu e olhou, amedrontado, em volta de si.
Do lado de fora não se podia ver nada de excepcional.
— O que foi isso? — deixou escapar o homem mais jovem.
Saedelaere apontou com o polegar para o alto.
— Um dos três pássaros! Uma potência sonora espantosa!
Whiilcont sentiu um arrepio. O grito quase parecera com o grito de uma criatura
humana nos estertores da morte.
— Os nativos não lhe dão importância — verificou Lloyd. — Parece que eles estão
acostumados a essa espécie de barulho.
Como é que alguém podia acostumar-se a esta espécie de gritos? — perguntou-se
Whiilcont, perturbado.
Saedelaere tirou uma lamina de plástico perfurada da saída do computador de
bordo, e olhou-a rapidamente.
— Avaliação automática! — disse ele. — A atmosfera, por baixo do escudo de
proteção, é respirável. A gravidade consiste de quase um gravo.
O space-jet voou rapidamente para baixo, em diagonal, na direção da aldeia de
nativos. Whiilcont achou que Saedelaere queria chamar a atenção dos nativos para eles,
com essa manobra. Mas não conseguiu nada disso, pois toda a atenção dos nativos estava
dirigida para a rua.
Saedelaere praguejou em voz alta.
— Esses sujeitos são estúpidos?
Lloyd não respondeu. Ele parecia concentrar-se. Saedelaere olhou em redor, depois
voou o space-jet na direção de uma das edificações semelhantes a silos. Ele pousou o
disco em cima do telhado. Depois ergueu um escudo protetor em volta da pequena nave.
Ninguém os atacou. Todas as criaturas que viviam em cima daquele disco gigante,
pareciam ignorar os recém-chegados. Isso era mais perturbador que qualquer ataque.
Alguns minutos mais tarde, Saedelaere abriu a eclusa e desligou o escudo protetor.
De fora entrou ar fresco. Era agradavelmente quente.
— Se o senhor sair, eu gostaria de acompanhá-lo — sugeriu Whiilcont.
— Um de nós tem que ficar para trás — declarou o lesado por transmissor. — O
senhor vigiará a nossa nave, enquanto Fellmer e eu damos uma olhada lá fora.
Para surpresa de Whiilcont, o mutante veio em seu auxílio.
— Podemos sair todos os três, Alaska. — Ele fechou o cinturão do seu traje de
proteção. — Durante nossa ausência colocamos o escudo protetor em volta do jato.
Saedelaere hesitou, mas quando ele notou o olhar brilhante de Whiilcont, finalmente
cedeu.
Eles abandonaram, os três juntos, a pequena nave. Do telhado do silo eles podiam
ver os campos e uma parte da aldeia. Da ponta da fortaleza soprava um vento morno.
Também isso era um dos enigmas dessa terra.
Whiilcont viu que entre os campos isolados havia caminhos estreitos, pelos quais
era possível movimentar máquinas e nativos. Os fetos, que eram plantados por toda parte,
tinham mais ou menos metro e meio de altura. Os caules das plantas eram da grossura de
um polegar e transparentes, como se fossem de vidro. Folhas, que pareciam espinhas de
peixe, sobressaíam dos caules, em três direções diferentes. As folhas ficavam mais largas
e mais longas de baixo para cima. O solo, no qual cresciam as plantas, tinha uma
coloração marron-acinzentada.
Whiilcont não conseguiu descobrir nenhum animal por entre as plantas. Ele dirigiu-
se para a beira do telhado, onde Saedelaere e Lloyd estavam parados, observando a
aldeia. Através de uma abertura por entre as cabanas, Whiilcont pôde ver a grande
fogueira. Os nativos queimavam fardos comprimidos, que estavam amontoados perto da
fogueira. A fumaça erguia-se para o alto, praticamente na vertical.
— Tudo parece tão pacífico — disse Saedelaere.
Instintivamente ele abafara a sua voz.
— Pacífico demais! — observou Lloyd. — Eu sinto uma ameaça. E ela vem de
dentro da fortaleza.
De repente, ele pareceu ter ficado estarrecido. Seus olhos se abriram muito.
— Ainda existe uma terceira espécie! — gritou ele, alarmado. — Uma única
criatura, por isso eu ainda não pudera localizá-la até agora. Ela parece ser culpada pela
agitação dos nativos.
De repente, Whiilcont sentiu o desejo de desaparecer deste ambiente sinistro. A
qualquer momento a calamidade podia desabar sobre eles. O que é que eles sabiam sobre
os acontecimentos neste disco gigante? Nenhum dos perigos, que poderiam existir aqui,
eram conhecidos por eles.
— O que mais pode descobrir ainda? — perguntou Whiilcont, agitado.
Lloyd olhou-o bem de frente, mas não disse nada.
Whiilcont sentiu que o sangue lhe subia à cabeça mas teimosamente manteve firme
o seu olhar. Seu embaraço rapidamente passou novamente para a raiva, mas ele
conseguiu sorrir para o mutante.
— Nós devíamos ir até a aldeia — sugeriu Lloyd, depois de algum tempo. — Eu
tenho a sensação de que ali vai acontecer uma coisa interessante.
O rosto mascarado de Saedelaere voltou-se para Whiilcont.
— O senhor sabe voar?
Whiilcont não compreendeu imediatamente. Quando finalmente deu-se conta de
que Saedelaere estava perguntando se ele estava familiarizado com a aparelhagem de voo
do seu traje de combate, ele apertou os lábios e pegou na alavanca de partida do seu
cinturão.
Ele subiu do telhado e pairou acima dos dois homens. Lloyd olhou para ele, no alto,
muito sério.
— Está bem, Sommer! — disse Saedelaere, satisfeito. — Vamos embora!
Bem no alto, muito acima deles, um dos pássaros gigantes gritou.
4

Desde que a ligação por rádio com o space-jet fora interrompida, na central da
Good Hope II reinava uma tensa espera. O disco somente modificara a sua posição muito
pouco. Ele pairava ao longo da borda do “Enxame”. Também o “Enxame” não mostrava
quaisquer reações incomuns. Não haviam surgido outros objetos voadores. Os aparelhos
de rastreamento da Good Hope tateavam pelo Universo. A bordo constantemente se
contava com o surgimento de Manips ou de outros objetos voadores perigosos.
— O senhor acha que aconteceu alguma coisa aos três homens? — perguntou Senco
Ahrat, que depois de uma curta pausa de descanso voltara novamente à central de
comando.
Rhodan sacudiu a cabeça.
— A ligação foi interrompida quando o jato ultrapassou o escudo protetor que fica
por cima do disco gigante. Eu não creio que aconteceu alguma coisa errada.
Gucky, que estava sentado no ombro de Tolot, apontou para a galeria panorâmica
de vídeos.
— Ras e eu poderíamos tentar teleportar para dentro do escudo. — Antes que
Rhodan pudesse dizer que não, ele continuou: — Eu sei que você não vai concordar com
isso, Grande Mestre. Mas, se dentro de algumas horas nós não conseguirmos qualquer
ligação com Alaska, você vai ter que nos mandar até lá.
— Sobre isso ainda podemos falar mais tarde — opinou Perry.
— Também poderíamos mandar um segundo space-jet — sugeriu Cascal. — Ele
poderia rodear o escudo protetor e fazer observações.
— Naturalmente você está pensando em um determinado piloto — adivinhou o
rato-castor, desconfiado.
— No melhor dos três! — disse Cascal, sorrindo.
Gucky saltou, com uma curta teleportação, do ombro de Tolot para o colo de
Rhodan.
— Se você der preferência a esse sujeito cheio de si, eu nunca vou perdoá-lo.
Rhodan sorriu.
— Eu ainda vou pensar nisso.
O radioperador de serviço avisou que todas as tentativas para entrar em contato com
o space-jet lançado, tinham dado em nada. No receptor somente podiam ouvir-se fortes
ruídos de interferências.
— Alaska e Fellmer são dois homens experimentados — disse Atlan. — Não
precisamos nos preocupar por eles. Eles voltarão, logo que as coisas fiquem perigosas.
— Se eles ainda puderem voltar — objetou Merkosh.
Ele fez um enorme esforço para que sua voz não soasse muito estridentemente, pois
cada vez que começava a falar, alguns membros da tripulação tapavam os ouvidos com as
mãos.
— O que quer dizer com isso? — Tolot perguntou ao Vítreo.
A boca em formato de tromba de Merkosh tremia.
— Saindo do espaço, eles conseguiram passar facilmente para dentro do escudo
protetor — declarou ele. — Mas se eles tiverem que fugir, o escudo energético poderá
reagir de modo inteiramente diverso.
Também Rhodan já pensara nessa possibilidade. Ele sabia perfeitamente que não
poderia deixar Saedelaere e os dois outros homens para trás, se depois de algum tempo
eles não voltassem por conta própria.
Ele ainda não tinha nenhum plano definido sobre como deveria agir num caso
desses, mas sobre isso ainda poderia pensar mais tarde.
Rhodan perguntou-se se a expulsão do disco do “Enxame” poderia ser uma tentativa
de contato dos estranhos. Como eles não sabiam nada a respeito da mentalidade dos
habitantes do “Enxame”, eles tinham que contar com todas as possibilidades.
— No que está pensando? — quis saber Atlan.
— No que você acha? — retrucou Rhodan.
O arcônida olhou para as telas de vídeo.
— Todos os nossos problemas têm conexão com o “Enxame” — disse ele. — Se
quisermos eliminar a onda de imbecilização, temos que solucionar o enigma do
“Enxame”.
Rhodan anuiu, aferrado. Os fracassos sofridos até agora não tinham feito esmorecer
sua força de decisão. Junto com seus amigos, ele meditara sobre inúmeras teorias,
mandando avaliá-las. O mais provável era que o “Enxame” atravessaria toda a galáxia e
desapareceria novamente, tão misteriosamente como aparecera. Mas isso poderia durar
séculos. Uma segunda possibilidade era que o “Enxame”, por uma razão qualquer,
estacionaria definitivamente na Via-Láctea. Esse era, visto relativamente, um problema
maior.
Talvez Alaska e Fellmer Lloyd trouxessem as primeiras indicações.
5

Os homens, nos quais se concentravam as esperanças de Perry Rhodan, voavam


baixo, por cima dos campos de fetos, na direção da aldeia com suas cabanas em forma de
cúpulas.
Fellmer Lloyd voava na ponta, depois vinham Whiilcont e Alaska.
Whiilcont tinha certeza de que a sua posição não era por acaso, os outros dois
queriam evitar que ele cometesse algum erro.
Whiilcont aceitou-o sem protestos. Ele observou a rua que, da aldeia, seguia para o
alto, onde se encontrava a fortaleza. Na rua, um veículo estranho aproximava-se das
cabanas. Quatro animais, cobertos com lençóis, puxavam um carro semelhante a uma
jaula de metal atrás de si. O veículo ainda estava muito distante, de modo que Whiilcont
ainda não podia determinar outros pormenores.
Fellmer Lloyd, entretanto, viu sua capacidade parapsíquica mais uma vez ser muito
útil.
— Dentro do carro acha-se um prisioneiro! — informou ele. — Ele veio para cá, há
pouco tempo atrás, como missionário, mas a religião que difundia não viu muito amor
correspondido. Por isso, ele foi aprisionado. Ele pensa constantemente no seu deus. Deste
modo, ele pode resistir mais facilmente às dificuldades em que se encontra devido ao seu
cativeiro.
Whiilcont e Alaska reuniram-se com Fellmer Lloyd.
— Que deus é esse?
— Deve tratar-se de algum ídolo — retrucou Lloyd. — As imagens mentais do
estranho infelizmente não são muito nítidas. Ele pensa numa feia figura gigante, que
chora pedras vermelhas e com isso mata.
— Isso soa muito místico! — opinou Saedelaere.
— Sem dúvida! — concordou Lloyd. — Eu posso até dizer o nome do ídolo. O
estranho o chama de Y’Xanthomrier ou coisa parecida. Ele queria difundir a religião
desse deus por aqui.
Eles, entrementes, haviam alcançado a aldeia e pairaram lentamente por cima das
cabanas abandonadas, na direção da fogueira. Os três nativos que estavam de guarda ali,
apenas ergueram os olhos uma vez, e não se incomodaram mais com os três estranhos.
— Eles nos viram — observou Whiilcont, agitado — mas não nos dão importância.
— Isso ainda poderá modificar-se — achou Alaska.
— O missionário estranho chama os nativos, nos seus pensamentos, de silotes. —
Lloyd pairou por cima do fogo. Sua figura estava envolta numa fumaça muito clara. —
Também parece que os habitantes do castelo não dão muita importância a esse
Y’Xanthomrier e sua doutrina. Eles ajudaram a capturar o missionário. Como castigo por
isso, o disco gigante foi expulso do “Enxame”. Portanto é como Perry Rhodan supunha:
dentro do “Enxame” existem inúmeros povos, que não se confrontam necessariamente de
modo amistoso. Com exceção disso, também parece que eles pertencem a diversas
comunidades ideológicas e religiosas.
— Mas esse Y’Xanthomrier parece ser um dos deuses mais poderosos dentro do
“Enxame” — achou Saedelaere. — Caso contrário, ele certamente não seria capaz de
expulsar o disco e seus habitantes de dentro do “Enxame”.
Eles pousaram perto da fogueira. Os dois silotes também agora não lhes deram
importância. Eles olhavam na direção da estrada, como se tivessem esperanças de ver, de
onde se encontravam, alguma coisa dos acontecimentos fora da aldeia.
Saedelaere ligou o tradutor que trazia no cinturão. Ele tinha poucas esperanças de
poder chegar a um entendimento com os nativos, mas pelo menos queria tentar.
Ele aproximou-se de um dos silotes.
À criatura era muito feia. O seu corpo estava recoberto de pústulas gotejantes, que
espalhava um cheiro desagradável. O rosto chato do silote brilhava esverdeado.
Saedelaere mal podia constatar uma diferença entre as duas metades da cabeça. O silote
mantinha uma barra de metal em uma de suas mãos de quatro dedos, com a qual, de vez
em quando, atiçava o fogo, ou puxava um dos fardos prensados para dentro das chamas.
Saedelaere ergueu ambas as mãos e mostrou as palmas vazias.
O silote não lhe deu atenção.
— Nós não pertencemos aos habitantes do “Enxame” — disse Saedelaere.
Naturalmente o aparelho tradutor não podia verter estas palavras ainda, uma vez que
faltavam indícios da língua silote.
Saedelaere entretanto tinha esperanças, que conseguiria tirar os estranhos de sua
reserva.
Entretanto nada aconteceu. Também o segundo silote se manteve inacessível.
Saedelaere parecia não saber o que fazer.
— Parece que vamos ter que provocá-los, para que reajam.
— Eu não aconselharia isso! — avisou Lloyd. — Nós sabemos muito pouco a
respeito deles. Vamos agora nos preocupar com o que está acontecendo na rua.
Eles abandonaram a aldeia, sem mais uma vez fazerem uso das aparelhagens de
voo. Whiilcont teria preferido voar, pois do ar ele podia observar melhor o que estava
acontecendo. Entretanto ele tinha que ajustar-se ao que faziam os seus experimentados
acompanhantes. Também agora ele achou que era supérfluo. Lloyd praticamente não lhe
dava qualquer atenção, e Saedelaere somente falava com ele quando lhe perguntava
alguma coisa.
As cabanas-iglus dos nativos pareciam ser de metal. Whiilcont duvidava que os
próprios silotes tivessem construído suas moradias. Provavelmente as tinham recebido
dos habitantes da fortaleza.
Os nativos seriam os escravos das criaturas que viviam na fortaleza?
Whiilcont achou que a designação “nativos” era errada para os silotes, pois era
impossível que eles tivessem se desenvolvido em cima deste disco gigante. Em algum
tempo eles haviam sido trazidos para cá, de algum outro mundo. Mas por quê? E quem os
havia trazido para cá?
O barulho que os silotes de ambos os lados da rua faziam, desviou a atenção de
Juniper Whiilcont dos seus pensamentos.
Os nativos traziam consigo caules secos das plantas que cresciam nos campos. Eles
batiam estes caules, um contra o outro, e deste modo provocavam ruídos que pareciam de
tambores. Whiilcont avaliou que, de cada lado da rua se haviam reunido mais ou menos
trezentos até quatrocentos silotes. Eles esperavam pelo carro que lentamente vinha
rolando rua abaixo. Dos animais que puxavam o veículo, não se podia ver praticamente
nada. Eles estavam escondidos sob grossos lençóis e cobertores. Talvez até fossem robôs.
Whiilcont levantou a cabeça, mas ainda não podia ver o prisioneiro. Apesar de saber
que, devido ao desconhecimento da situação era absurdo, ele tomou o partido do
missionário, sentimentalmente. A criatura ousara vir para cá sozinha, para representar sua
convicção, e para ganhar adeptos para a sua crença. Talvez os habitantes da fortaleza
tinham visto nele um perigo, e por esta razão o haviam colocado nesse carro-jaula. O que
aconteceria agora com o estranho? Ele certamente seria torturado.
Os silotes, que esperavam pelo carro, também não se importavam com os três
astronautas. Whiilcont ficou tentado a fechar seu capacete. Nas proximidades dos silotes
fedia terrivelmente. Todos eles pareciam sofrer da mesma doença de pele. Talvez ela
também fizesse parte do seu metabolismo.
Os três homens subiram a uma pequena colina, de onde tinham uma vista melhor da
rua.
O barulho dos silotes cresceu muito. Quanto mais o carro se aproximava, mais
maluco era o comportamento dos nativos. Whiilcont viu que eles mantinham, preparadas,
armas de arremesso. Lentamente ele deu-se conta do que esperava pelo missionário, na
aldeia. O estranho seria obrigado a uma corrida num “corredor-polonês”, com lanceiros
de ambos os lados, uma tortura a qual ele dificilmente resistiria.
— Eles vão matá-lo! — profetizou Whiilcont.
Lloyd olhou-o de lado.
— O que esperava o senhor? — perguntou Saedelaere. — Acha, talvez, que
devemos interferir?
— O senhor pretende ficar assistindo, enquanto eles o matam?
— Eu não sabia que o senhor é tão sensível — disse Fellmer Lloyd, zombeteiro.
Whiilcont ficou inseguro.
O telepata tinha alguma ideia por que Whiilcont tentava conseguir um bom contato
com Saedelaere? Ele talvez até o soubesse?
Mas isso era impossível! Whiilcont possuía um cérebro mentalmente estabilizado.
Nenhum mutante podia ler seus pensamentos, se ele não o quisesse.
Da ponta do castelo ecoou o grito estridente de um dos pássaros gigantes.
Por um segundo emudeceu o barulho dos silotes.
Lloyd disse, surpreso:
— Os três pássaros estranhos servem aos nativos como medidores de tempo. Cada
grito determina um certo espaço de tempo.
— Relógios voadores — observou Saedelaere. — Eu me pergunto se os silotes
foram acostumados a essa medição de tempo, ou se já viviam segundo ela, antes.
O carro, com o missionário dentro dele, alcançara os primeiros silotes. Os nativos
começaram a gritar e a jogar objetos de todo tipo sobre o prisioneiro.
Whiilcont agora podia ver a criatura dentro da jaula.
Ela tinha uma altura de cerca de metro e meio. Todo o corpo era recoberto de placas
coriáceas de cor púrpura. No meio destacavam-se partes de pele e de músculos.
Whiilcont pôde ver que o missionário tinha sete dedos em cada mão e sete nos dois pés,
que eram equipados com garras que pareciam perigosas. No crânio quase calvo, crescia
um tufo de cabelos, que terminava em rabo-de-cavalo. O rosto do estranho parecia
petrificado e malévolo. Em vez de sobrancelhas a criatura possuía bordas ósseas por cima
dos olhos.
Whiilcont achou que o missionário, do ponto de vista humano, ainda era mais feio
que os silotes. O rosto, entretanto, na sua calma pétrea, possuía uma certa força de
atração.
O carro agora parou no meio dos silotes, que atacaram o prisioneiro com uma fúria
terrível. O missionário estava acocorado a um canto da jaula e não se mexia. Mesmo
quando os silotes despejaram água sobre ele, não mostrou qualquer reação.
— Interiormente ele não é tão calmo como aparenta ser — observou Fellmer Lloyd.
Os silotes se aproximaram da jaula. Eles emitiam gritos selvagens, estridentes e
inarticulados. Atiravam pedras, frutas podres e caules de plantas, apontados. Os que se
encontravam bem à frente cuspiam nele.
— Eles o responsabilizam pelo fato de terem sido expulsos do “Enxame” —
declarou Fellmer Lloyd. — As conexões, entretanto, não são muito claras. Eu acredito
que os habitantes da fortaleza acusaram o missionário de inimigo, para que os silotes
pudessem dar vazão à sua raiva represada.
Uma pedra acertou o missionário na cabeça, Ele cambaleou e teve que segurar-se,
com ambas as mãos, nas grades.
— Sommer tem razão! — resmungou Saedelaere. — Eles vão matá-lo, se nós não
interferirmos.
Isso era um desafio para Fellmer Lloyd. Whiilcont viu que o mutante hesitava.
— Se nós interferirmos agora, podemos provocar reações imprevisíveis — disse ele.
Whiilcont disse, com aferrada decisão:
— Deixe-me tentar ajudar esse pobre sujeito.
Lloyd riu.
Whiilcont praguejou em voz alta. Desta vez ele não conseguira dominar-se.
— Se o senhor é tão superior e esperto, então faça alguma coisa!
— O senhor é um pouco duro demais com Sommer! — acrescentou Saedelaere.
— Eu não preciso de sua intercessão! — gritou Whiilcont, que sentia o sangue
latejar em suas frontes. — Desde que partimos me fazem sentir como se fosse um
maldito principiante. Talvez tenham razão, mas podem ver que eu me esforço, por isso
acho que finalmente deviam me aceitar.
— Eu não confio no senhor! — verificou Lloyd calmamente.
Saedelaere fez um gesto impaciente com a mão.
— Nós não devemos brigar entre nós agora. Vamos nos preocupar com o
missionário. Talvez, através dele, podemos entrar em contato com os Senhores do
“Enxame”.
Depois dessa ligeira discussão, Whiilcont estava convencido de que Lloyd tinha
penetrado nas suas intenções. A partir de agora ele precisava ser mais cauteloso. De
modo algum o lesado por transmissor devia notar o que ele pretendia fazer.
Os acontecimentos em volta da jaula chegaram ao seu ponto máximo. Alguns
silotes tinham trepado sobre o carro e torturavam o missionário, enfiando caules de
plantas, pontudos, através das grades.
O estranho tinha ruído sobre si mesmo. Ele ainda vivia, mas estava muito
enfraquecido.
Lloyd pegou Saedelaere pelo braço.
— Vamos raciocinar, Alaska, antes de agirmos cegamente. Se cometermos um erro,
podemos botar tudo a perder.
— Existem apenas duas possibilidades — opinou Alaska. — Ou nós interferimos,
ou ficamos olhando, passivamente, enquanto o missionário é assassinado.
Novamente gritou o pássaro gigante!
Os silotes pararam por pouco tempo, depois continuaram a gritar em volta da jaula.
Cada um procurava chegar o mais possível à frente. Os nativos que ficavam parados mais
para trás, tinham que contentar-se com atirar coisas no estranho e insultá-lo. Meia dúzia
de silotes já haviam sido feridos, esgueirando-se, a muito custo, para fora da zona de
perigo.
Whiilcont tinha a impressão de que tudo era observado da fortaleza.
De repente o purpúreo ergueu-se dentro da jaula.
Esta reação foi tão inesperada que os silotes recuaram. Eles ficaram olhando para o
missionário, no alto.
O estranho gritou alguma coisa que parecia ser “Y’Xanthymona!” e depois caiu para
a frente. Ele bateu com o rosto no chão e não se mexeu mais.
— Ele está morto? — perguntou Saedelaere, intrigado.
— Não — disse Lloyd. — Mas ele preparou-se, interiormente, para o seu fim.
— Vamos tirá-lo lá de dentro! — disse Alaska Saedelaere.
***
Juniper Whiilcont deu-se conta, surpreso, de que pela primeira vez em sua vida
queria fazer alguma coisa em benefício de uma outra criatura. Esta criatura nem sequer
era um ser humano, mas apenas uma inteligência estranha, que talvez até tivesse uma
atitude inamistosa para com eles.
Whiilcont achou que isso acontecia devido ao ambiente exótico em que se
encontravam. Ele não acreditava que os seus dois acompanhantes tinham conseguido
influenciá-lo.
Lloyd e Saedelaere puseram-se em movimento. Quando Whiilcont quis puxar a sua
arma, Saedelaere virou-se para ele e levou sua mão novamente para o cinturão.
— O senhor tem olhos atrás? — perguntou Whiilcont, mordaz.
De sob a máscara saiu uma risada oca.
— Deixe essa coisa onde está. Não precisamos dela.
Whiilcont achou que a maneira de proceder dos dois outros era decididamente
leviana, mas tinha que ater-se às determinações dos seus acompanhantes. Ele desejava
jamais ter participado desse empreendimento. Não levando em conta que já não
acreditava mais em alcançar os seus objetivos, ele via sua vida em perigo.
Saedelaere e Fellmer Lloyd abriram passagem por entre a multidão de nativos. Eles
não foram detidos. Whiilcont manteve-se bem perto, logo atrás dos dois outros, pronto
para imediatamente puxar a sua arma. De muito próximo, os silotes tinham uma
aparência muito estranha. Suas cabeças fendidas não tinham nada de humanas. O pior era
o mau cheiro que exalava dessas criaturas.
Whiilcont esforçou-se para ignorar o barulho que os silotes faziam. Ele mantinha
seu olhar dirigido para as costas largas de Fellmer Lloyd, e esperou pelo ataque. Mas
nada aconteceu!
Os três astronautas puderam chegar até junto do carro, sem serem molestados.
Whiilcont viu que os animais de tração se mexiam, impacientes, sob os cobertores. De
vez em quando viam-se alguns pares de pernas disformes. Em outros lugares, os lençóis
se abaixavam para fora. Parecia que dos animais escondidos por baixo, de repente
cresciam pseudomembros. Whiilcont observava estes acontecimentos com um grande
mal-estar. O carro rodava com quatro rodas cilíndricas de planadores. A jaula era uma
construção simples e que parecia forte. Parecia não haver nem uma fechadura nem uma
porta, através da qual se poderia atingir o seu interior.
Os silotes, que se encontravam em volta dos três homens, continuavam batendo no
missionário que se encontrava estendido, inerte, no chão da jaula.
Fellmer Lloyd aproximou-se bem da grade. Para isso teve que puxar dois silotes
para trás. Os mesmos, entretanto, não se defenderam.
Whiilcont olhou por cima do ombro de Lloyd. Saedelaere agora encontrava-se com
as costas contra a jaula, não afastando os olhos dos silotes.
“Com a sua máscara e o fragmento cappin luminoso, de alguma maneira ele se
inseria perfeitamente neste quadro fantástico!” — pensou Whiilcont.
— Estranho! — gritou Fellmer Lloyd por sobre o barulho. — Nós queremos ajudá-
lo, estranho!
Para surpresa de Whiilcont o purpúreo ergueu a cabeça. Este acontecimento foi
acompanhado por uma gritaria raivosa dos silotes postados em volta da jaula. Uma
saraivada de pedras caiu em cima do missionário. Também os três terranos foram
atingidos.
O estranho dentro da jaula olhou para os três homens. Com toda a malvadeza do seu
rosto os seus olhos pareciam tristes e espelhavam solidão.
— No que ele está pensando? — gritou Saedelaere por cima do barulho.
— É difícil definir — retrucou Lloyd. — Ele parece estar totalmente confuso. De
qualquer modo, ele está sendo influenciado por emoções incontroláveis. Uma ideia
sempre recorrente é de esperança de que o seu ídolo o ajudará.
— Vamos tentar, mais uma vez, falar com ele — sugeriu Alaska.
— Nós viemos como amigos! — gritou Lloyd.
Neste momento, mais uma vez, gritou um pássaro gigante. Lloyd aproveitou os
poucos instantes do silêncio sinistro, pata repetir suas palavras.
O missionário, que parecia estar ferido, arrastou-se pelo chão até as grades da jaula.
Ele agarrou-se nas mesmas com ambas as mãos e olhou para fora. O seu rosto parecia
talhado em pedra. Era sinistro ver como as placas escamosas isoladas do seu corpo, a
qualquer movimento seu, se enfiavam entre protuberâncias musculares, ou nos pedaços
de sua pele, que sobressaíam.
Uma fruta madura demais arrebentou na cabeça do prisioneiro. Whiilcont notou que
ele tremia de raiva. A situação não era apenas de perigo de vida para o estranho, mas
também humilhante. O sumo da fruta escorreu pelo rosto do missionário, mas ele não
teve qualquer gesto para limpar-se. Os silotes que estavam parados próximos tentaram
golpeá-lo, apesar dos três homens começarem a escudá-lo com os seus corpos.
— Está vendo uma abertura em algum lugar? — gritou Saedelaere para Whiilcont.
O cirurgião-plástico facial ergueu um braço.
— Talvez no alto, em cima!
Com estas palavras ele agarrou-se às barras da jaula e puxou-se para cima. O
missionário ficou olhando-o. Os silotes repentinamente ficaram mais quietos. O
tamborilar de caules de plantas emudeceu.
Whiilcont teve a sensação de que a atenção de todos os observadores agora se
concentrava nele. Não apenas os seus dois acompanhantes o olhavam, também o
missionário e as criaturas que viviam na fortaleza o acompanhavam com seus olhares.
Este reconhecimento teve um efeito paralisante em Whiilcont. Ele estava dependurado
nas barras da jaula, enquanto suas mãos ficavam moles.
“Vou saltar de volta!”, pensou ele.
Em vez disso ele puxou-se para cima, pelas barras. Não lhe foi difícil alcançar o teto
da jaula. Como ele temera, também aqui não havia uma fechadura visível.
— Nada! — gritou ele para Lloyd e Saedelaere. — Eu precisarei queimar uma
abertura nas grades, se queremos tirá-lo lá de dentro.
Lloyd e Saedelaere olhavam para ele sem saber o que fazer. Também eles, apesar de
sua experiência, não tinham mais conselhos a dar.
Whiilcont puxou a sua arma. Ele não era um atirador treinado, mas confiava poder
cortar algumas barras, sem ferir o prisioneiro no processo.
Agora tudo estava tão quieto, como geralmente apenas depois do grito do grande
pássaro. Whiilcont podia ouvir o rangido das placas coriáceas do missionário. Isso
acontecia cada vez que o estranho expirava.
Whiilcont avaliou que teria que queimar duas barras, se quisesse tirar o prisioneiro
lá de dentro.
— Eu agora vou começar! — gritou.
Ele ajustou a arma para um enfeixamento muito fino e fez a mira. Depois apertou o
disparador. Como mantinha o cano da arma bem próximo da barra, era impossível não
acertar. O metal ficou em brasa, depois pingou para o chão da jaula. Depois de ter
cortado a barra de um lado, Whiilcont arrastou-se para o outro lado da jaula e procedeu
de modo idêntico. Ele segurou a barra, para que esta não pudesse cair ao chão. Depois a
alcançou para Lloyd, que estava embaixo, e este a enfiou no chão mole, junto do carro.
Agora Whiilcont separou a segunda barra. Durante todo o tempo o missionário o
observara. Por nenhum movimento ele dava a conhecer de que sabia o que se passava ali.
— Você pode sair! — disse Whiilcont. — Você está livre.
Ele estava de pernas abertas por cima da abertura, pronto para dar sua mão ao
estranho, para puxá-lo para fora. Os silotes observavam tudo, mudos.
Whiilcont viu que Saedelaere e Fellmer Lloyd tinham puxado suas armas. A tensão
podia ser sentida como algo físico. Ela não partia somente do missionário, mas também
dos silotes. Whiilcont tinha a sensação de que bastaria saltar uma fagulha para provocar
uma explosão. Ele sabia que, apesar da superioridade de suas armas, eles dificilmente
poderiam fazer alguma coisa contra a superioridade numérica dos nativos, se estes
decidissem atacar.
O missionário, entrementes, se virara e olhava para Whiilcont no alto.
— Está tudo em ordem! — A voz de Whiilcont vibrava. — Você está livre!
— Y’Xantymona! — gritou a criatura com voz rangente.
Depois deixou-se cair novamente, de barriga para o chão.
— Maldição! — praguejou Whiilcont. — O que está acontecendo com ele? Saia
daí! Venha para fora, antes de termos dificuldades.
Ele esperou.
O missionário não se mexeu. Pelas fileiras dos silotes passou um murmúrio.
Whiilcont começou a sentir frio, apesar do calor. A tensão tornou-se insuportável. Da
fortaleza, uma sombra parecia cair sobre a terra. Whiilcont ergueu a cabeça rapidamente,
e viu que um sol atômico desaparecera atrás da ponta da fortaleza. Dois dos pássaros
ainda estavam visíveis. Silenciosamente eles voavam em volta da fortaleza, como
gigantescos véus de fazenda negra.
Whiilcont sentiu-se infinitamente longe de Fellmer Lloyd e de Saedelaere.
Ele olhou para eles, como se procurasse ajuda.
— O senhor vai ter que descer para a jaula, se quiser salvar o nosso amigo — achou
Saedelaere.
— Mas... — Whiilcont começou, hesitante.
— Vamos logo, Sommer! — estimulou-o Saedelaere.
Juniper Whiilcont olhou para dentro da jaula, pela abertura criada por ele mesmo no
teto. O chão da jaula estava recoberto de uma substância avermelhada.
Whiilcont sacudiu-se todo. Ele segurou-se num travessão, e deixou-se escorregar
para dentro da jaula. O murmúrio ameaçador dos silotes ganhou corpo. Fellmer Lloyd e o
lesado por transmissor agora se encontravam, os dois, empunhando suas armas junto da
jaula, mantendo os nativos em cheque. Mesmo assim, Whiilcont tinha a suspeita de que
não eram as armas dos seus acompanhantes, que ainda mantinham os nativos para trás.
Talvez faltasse ainda apenas uma ordem decisiva dos invisíveis seres da fortaleza.
O sol atômico reapareceu, detrás da torre do castelo.
“Tudo isto é um sonho terrível!”, pensou Whiilcont, perturbado, quando seus pés
tocaram o chão da jaula.
Mas não era um sonho!
A jaula, com o estranho prisioneiro dentro dela e os silotes reunidos lá fora, eram
tanto realidade quanto os pássaros gigantes, muito altos, sob o escudo energético.
Whiilcont estava de pé, dentro da jaula. Ele era tão alto que sua cabeça ainda
sobressaía do buraco feito por ele mesmo com a arma. Quando ele se abaixou, viu que o
missionário tinha partido uma de suas escamas coriáceas. O ferimento talvez tivesse sido
provocado por alguma pedra atirada de muito próximo. Pena do purpúreo tomou conta de
Whiilcont. Ele tocou-o suavemente.
— Eu vou ajudá-lo a sair, estranho!
Lloyd gritou:
— Tenha cuidado, Sommer!
Whiilcont pegou o braço do missionário.
A criatura, deitada no chão, virou-se bruscamente. Tudo foi tão rápido que
Whiilcont não teve qualquer chance de uma defesa. Antes que ele pudesse reagir, unhas
duras como ferro se enterraram no seu pescoço e o trespassaram.
Horrorizado, Whiilcont viu seu próprio sangue correr por cima das mãos ossudas do
missionário.
— Whiilcont! — gritou Saedelaere, com voz estridente. — Para o lado, para que
possamos atirar!
Whiilcont sentiu-se estranhamente perturbado. Nos seus ouvidos começou um
rumorejar. A criatura agarrou-se firme a ele.
Saedelaere praguejou, em desespero.
Whiilcont ouviu ruídos estranhos, os primeiros compassos de uma música exótica.
Ela vinha de fora da jaula. Imediatamente o missionário largou-o e caiu ao chão.
Whiilcont olhou para ele. O seu olhar ficava cada vez mais embaçado.
— Sommer! — gritou Saedelaere. — Pelo amor de Deus, Sommer!
Whiilcont caiu lentamente de joelhos. Ele sangrava abundantemente. A fraqueza
tomou conta dele, com uma velocidade enorme. As barras da jaula agora lhe pareciam tão
grossas como os braços de um homem. Por entre elas ele via manchas brancas, os rostos
dos silotes.
Whiilcont não tinha mais forças para apoiar-se nos seus braços. Ele caiu para a
frente, de cara no chão.
***
Meia dúzia de silotes tocavam instrumentos parecidos com alaúdes. A música
parecia fúnebre. Mas o missionário purpúreo já havia reagido aos primeiros sons, e tinha
caído ao chão rigidamente.
Saedelaere pulou para cima do carro e segurou-se nas barras da jaula. A sua arma
estava pronta para atirar.
— Sommer! — gritou ele.
— Ele está morto! — disse Fellmer Lloyd, calmo. — Eu não capto mais seus
impulsos mentais.
Saedelaere olhou para o jovem mentalmente estabilizado, que estava caído ao lado
do estranho, no chão.
“Eu fracassei!”, pensou ele. “Isso jamais devia ter acontecido.”
E então ele sentiu-se agarrado por trás, e puxado de cima do carro. Antes que
pudesse atirar, meia dúzia de nativos jogaram-se em cima dele, segurando-o. Eles
arrancaram o cinturão de armas do seu corpo, e tiraram o capacete, junto com a mochila
das costas. Saedelaere lutou aferradamente, mas contra aquela superioridade numérica ele
nada podia fazer. Um par de passos adiante, Lloyd também se encontrava frente a frente
com diversos silotes. O mutante conseguira disparar dois tiros, porém depois os silotes o
haviam dominado.
Saedelaere tentou arrancar a máscara do seu rosto, para afugentar os nativos com o
seu fragmento cappin, mas os seus braços foram segurados firmemente. Dentro de
poucos segundos os seus adversários o haviam atado tão espertamente, que ele não
conseguia mais se mexer.
Sem nada poder fazer, ele tinha que ficar olhando, enquanto Whiilcont era arrastado
para fora da jaula e carregado para o local da fogueira. Também o missionário foi retirado
do carro e levado para a aldeia. Um silote, tocando alaúde, acompanhou os homens. O
missionário parecia completamente rígido.
— Eles o dominaram com essa música! — verificou Fellmer Lloyd. — Já no
primeiro som ele afastou-se de Whiilcont. Essa criatura parece ser muito sensível à
música.
— O que fazemos agora? — perguntou Alaska. — Nós estávamos tão concentrados
em Whiilcont, que os silotes puderam nos tomar de surpresa.
— Eu não creio que os nativos nos matarão. Eles têm outros planos. — Lloyd
gemeu, quando forçou, inutilmente, as suas amarras. — Temos que esperar por nossa
chance.
Saedelaere e Lloyd tiveram que ficar olhando apenas, enquanto todo o seu
equipamento era carregado para a aldeia. No momento, eles eram completamente
impotentes.
O grasnar de um dos pássaros gigantes ecoou sobre a terra. Por segundos os silotes
ficaram parados, para logo depois novamente retomar o seu trabalho. Eles agora não se
importavam com os seus dois prisioneiros, mas começaram com a limpeza da jaula.
Quando ficaram prontos com isto, Lloyd e Saedelaere foram erguidos e carregados até o
carro. Dois silotes estavam agachados em cima da jaula e puxaram os dois terranos para o
alto.
— Eles estão nos colocando na jaula, Fellmer! — gritou Saedelaere.
— Era o que eu temia! — retrucou o telepata.
Eles foram deitados, um ao lado do outro, no chão. Os nativos não usavam de
consideração especial para tratá-los, mas também não eram especialmente brutais.
Saedelaere achou que podia notar uma certa indiferença nos silotes. Talvez agissem a
mando das criaturas que viviam na misteriosa fortaleza.
Dois silotes começaram a fechar, com cordas e caules de plantas, a abertura que
Whiilcont criara no teto da jaula. Esta era uma medida de segurança adicional, pois os
prisioneiros mal podiam mexer-se nas suas amarras.
As quatro criaturas escondidas sob cobertores, que puxavam o carro, mexiam-se,
inquietas. Elas pareciam saber que a viagem logo prosseguiria.
Entrementes todos os silotes tinham voltado da aldeia. Eles rodearam a jaula e
cuspiram nos dois prisioneiros. Pouco depois começaram a tamborilar com os caules de
plantas, e a atirar pedras e frutas podres nos dois homens.
— Parece que assumimos o papel do estranho purpúreo! — disse Lloyd, furioso. —
Nós não devíamos nos ter metido nesse negócio!
Era tarde demais para esse tipo de raciocínio. Saedelaere esperava que eles
pudessem sobreviver àquela tortura de “corredor-polonês”. Mas o que aconteceria
depois? Talvez fossem transportados para o castelo, dentro do carro.
— Alaska! — chamou Lloyd.
— Sim?
— O que há com sua máscara?
— Eu não consigo tocá-la. As amarras ainda estão muito seguras. Eu me separarei
da máscara logo que tiver uma oportunidade para isso. Então terá que tomar cuidado para
não olhar para mim.
Saedelaere foi acertado no pescoço, por uma pedra. A sua impotência era pior que
qualquer outra coisa. Ele pensou no space-jet. Os silotes até tinham lhes tirado seus
aparelhos de comutação de pulso, carregando tudo para a aldeia. Isso queria dizer que os
dois terranos não podiam desligar o escudo protetor colocado em torno do jato, caso
conseguissem fugir até lá.
O carro começou a andar.
Ele rolou silenciosamente pela rua, exatamente para dentro da aldeia dos silotes.
Um dos sóis artificiais desapareceu por trás das pontas da fortaleza. Uma sombra
caiu sobre a terra.
Os animais sob os cobertores emitiam sons estranhos. Parecia o murmurar de muitas
pessoas.
Os silotes corriam ao lado do veículo. O “corredor-polonês” tinha o seu
prosseguimento.
Saedelaere não tinha outra escolha, a não ser aguentar pacientemente todas as dores.
Ele esperava não ser muito ferido. O pior eram os golpes com os duros caules de plantas.
De vez em quando atingia-o uma pancada de água quente.
O carro passou pelas primeiras cabanas. Quanto mais se aproximavam da grande
fogueira no meio da aldeia, mais os nativos se comportavam de forma maluca.
Saedelaere pensou na queima de prisioneiros, como era hábito de nativos de vários
planetas. Esperava que ele e Lloyd pudessem escapar de um destino semelhante. Ele já
conseguia cheirar a fumaça da fogueira.
O carro movimentou-se pela grande praça por entre os iglus. Com isto ele circundou
a fogueira. Os animais (ou robôs), que puxavam o veículo, pareciam saber exatamente o
que tinham para fazer.
Os silotes vociferavam. Pareciam não se importar que se ferissem, na sua ânsia de
se aproximar o mais possível da carroça. Lentamente o veículo rodeara o local da
fogueira. Saedelaere respirou fundo, aliviado.
— Parece que vamos ser levados novamente para fora da aldeia — disse ele.
— Sim, nós voltamos para a rua, de onde viemos.
Mal o carro saíra da aldeia, a agitação dos silotes abrandou. Dentro de poucos
instantes o número daqueles que se mantinham próximos do carro diminuiu para a
metade. Também o resto rapidamente perdeu o interesse pelos prisioneiros. Os nativos
voltaram para a aldeia. O carro rolou lentamente rua acima, na direção da fortaleza.
Havia um silêncio sinistro.
— Escapamos de um perigo — disse Saedelaere — mas eu tenho a nítida sensação
de que transtornos ainda maiores nos esperam.
— Agora seremos levados para a fortaleza — verificou Lloyd.
Saedelaere não pôde reconhecer muita coisa dos arredores, pois estava deitado de
costas, e mal podia mexer a cabeça para o lado. De vez em quando ele via um dos
pássaros gigantes passar pairando por cima dele no alto. O silêncio desses voos era tão
impressionante quanto os gritos que estes animais emitiam em intervalos regulares.
— O que os silotes irão fazer agora? — raciocinou Lloyd, em voz alta. — Eu espero
que nosso equipamento não venha a sofrer danos, pois estou firmemente decidido a fazer
uso dele mais uma vez.
— Antes do incidente, os nativos pareciam totalmente indiferentes — lembrou o
lesado por transmissor. — Se tivermos oportunidade de voltar para a aldeia, eles
provavelmente não se importarão conosco.
Depois disso, os dois homens silenciaram. Cada um deles sabia o quanto era
improvável uma volta. Eles não sabiam o que os esperava no interior da fortaleza.
Um solavanco sacudiu o veículo. Ele agora viajava decididamente mais depressa.
Mesmo assim não fazia o menor ruído. Só de vez em quando Lloyd parecia ouvir aquele
estranho murmúrio.
— Eu sempre volto a pensar em Sommer! — Saedelaere finalmente interrompeu o
silêncio. — Nós não o devíamos ter trazido conosco. Ele simplesmente era inexperiente
demais.
— A sua sorte poderia ter acontecido a cada um de nós. Lloyd tentou desviar a
preocupação do seu amigo. — Além disso, Whiilcont não era um homem honesto. Ele
escondia alguma coisa de nós.
Saedelaere pensou na operação que Whiilcont lhe oferecera e suspirou.
— Ele queria me ajudar. Talvez realmente fosse um mentiroso, mas eu tinha a
impressão que ele queria me ajudar.
— Muitos médicos e cientistas proeminentes já se preocuparam com o seu rosto —
lembrou Fellmer Lloyd. — Por que acha que justamente Juniper Whiilcont poderia ajudá-
lo?
— Eu não sei — retrucou Saedelaere. — Certamente é insensato, mas Whiilcont
sabia ser convincente.
Lloyd não respondeu. Saedelaere sabia que até o regresso à Good Hope II (se é que
realmente haveria um regresso), eles não conversariam mais a respeito de Whiilcont.
— Eu não creio que aqui vamos ficar sabendo muito a respeito dos mistérios do
“Enxame” — disse Lloyd, depois de algum tempo. — Este disco é uma formação
autárquica que, dentro do “Enxame”, tinha uma tarefa insignificante a cumprir.
— Sim, sobretudo a ligação psíquica entre os habitantes do disco e das outras
criaturas vivas dentro do “Enxame”, não parece ter sido significativa. Por que, de outro
modo, teriam mandado um missionário para cá?
— O disco provavelmente foi expulso, porque o purpúreo foi maltratado —
continuou raciocinando Lloyd. — Isso significa que entre o missionário e os soberanos
do “Enxame”, existe uma conexão, ainda que apenas religiosa ou ideológica.
Saedelaere olhou para cima, para o teto da jaula.
— É bem possível que os Senhores do “Enxame”, no seu âmbito de influência
imediata, se mostrem como deuses — continuou Lloyd. — Pense apenas no nome
“Y’Xanthymona”, que o estranho usou por diversas vezes.
— Eu não creio que, por esse caminho, consigamos nos adiantar muito — achou o
homem da máscara. — Isso tudo é místico demais. O que precisamos é de dados claros.
Se conseguirmos alguns aqui, então tivemos muita sorte.
O carro entrementes tinha alcançado os primeiros prolongamentos da fortaleza. De
ambos os lados, pontões protuberantes alcançavam até o solo. Também eles eram de
material amarelo. Algumas protuberâncias denunciavam que os pontões eram ocos. Cada
um deles media cerca de cinquenta metros.
Saedelaere não acreditava que se tratava de ancoragens. Os pontões eram parte de
uma arquitetura estranha. A rua bifurcava-se. Os animais de tração pararam, como se
tivessem que refletir que direção deveriam tomar, inutilmente Alaska procurou virar-se
para o lado, para poder ver a parte fronteira da fortaleza. Quando ele virava a cabeça para
o lado o máximo que lhe era possível, podia ver a ponta do maciço. Ela desaparecia numa
neblina leitosa. Daqui debaixo, o escudo protetor energético parecia feito de neblina que
se misturava. Os sóis atômicos pareciam olhos arregalados de um gigante, dentro da
névoa. Não se podia ver nada do cosmo.
Quanto mais eles se aproximavam da fortaleza, mais fresca a temperatura parecia
ficar. Das aberturas isoladas parecia soprar um vento frio.
Saedelaere obrigou-se a pensar ponderadamente. Ele não devia deixar-se desviar da
realidade, por nada. Para tudo, por mais que parecesse fantástico, havia uma solução. Mas
haveria mesmo uma solução?
Não era possível que o “Enxame” e tudo que ele conduzia consigo, vinha de
distâncias tão imensas, que as leis e a sabedoria dos seres desta galáxia não podiam mais
ser aplicadas a eles? Pensamentos como estes levavam ao infinito! Apesar de Saedelaere
não poder ver muita coisa, ele estava convencido de que o veículo, quando novamente
começou a se movimentar, se aproximava de uma das aberturas do castelo.
E então, subitamente, uma parede exterior da fortaleza erguia-se em diagonal acima
dele. A visão era de cortar a respiração. Era uma parede íngreme, que parecia não ter fim,
com edificações escalonadas estranhas, ruas serpenteantes, e saliências parecidas com
ninhos.
Saedelaere não teve muito tempo para admirar esta visão, pois o carro rolou para
dentro da fortaleza, através de um portal redondo.
Aqui estava frio. Em volta dos dois homens reinava uma semi-escuridão. Das
profundezas da fortaleza ecoavam gritos.
6

O veículo entrou mais profundamente na fortaleza, aos solavancos, por cima de um


chão cheio de altos e baixos. De vez em quando Saedelaere acreditava ver algumas
figuras sombrias, mas isso bem podia ser uma ilusão. Nas paredes viam-se, dependurados
em intervalos regulares, fracos corpos luminosos, que mal conseguiam iluminar a
escuridão. Não se podia ver o teto do corredor. O lado da galeria que Saedelaere podia
ver oferecia poucos pontos de referência. Havia diversas cavidades e também bifurcações
laterais, porém o carro passava com tanta velocidade que o lesado por transmissor não
podia reconhecer pormenores.
— Alaska! — Fellmer Lloyd abafara a voz, porém o homem da máscara achou que
ela era demasiadamente alta.
Antes que Saedelaere pudesse responder, de algum lugar veio um grito
fantasmagórico.
— Está ouvindo isso? — perguntou Lloyd.
— Naturalmente! — retrucou Alaska. — Talvez, além de nós, ainda existam outros
prisioneiros. Talvez sejam eles que gritam por socorro.
— Ou são os habitantes da fortaleza — respondeu Lloyd. — O que para nós é um
grito feio, para eles pode ser um meio de comunicação. Lembre-se apenas dos pássaros,
que com o seu grasnar anunciam a passagem do tempo.
— Eu estava justamente começando a esquecê-los — retrucou Alaska, sarcástico.
Os quatro animais de tração, cobertos com cobertores, pararam. Na medida em que
Saedelaere podia reconhecer, eles ainda se encontravam no interior de um corredor, que
aparentemente atravessava a fortaleza, em diagonal.
Levou alguns minutos, depois o carro rolou adiante novamente.
Dentro da fortaleza havia um cheiro adocicado. Um cheiro desagradável, o qual,
disso Alaska tinha certeza, vinha de matérias orgânicas. O ar aqui dentro não parecia ser
apenas frio, mas rarefeito, pois o homem da máscara tinha dificuldade em respirar.
Também a respiração de Lloyd parecia ser feita com esforço.
— Se pelo menos eu pudesse verificar o quanto nós já penetramos na fortaleza —
disse Alaska.
— Eu estive contando — retrucou Lloyd lentamente. — Até aqui cheguei aos três
mil e quinhentos. Calculemos para cada número um metro. Naturalmente não sabemos se
o carro penetra na fortaleza por um caminho reto.
Diante deles clareou.
Eles entraram num grande salão. Naquela luz incerta Saedelaere viu, para seu
espanto, que paredes e tetos estavam cobertos de grandes espelhos. Também havia por
toda parte colunas espelhadas e paredes de separação feitas de espelhos. Esta curiosa
montagem evitou que Saedelaere tivesse certeza sobre o tamanho do recinto. Os espelhos
eram capazes de provocar ilusões de ótica.
Em muitos espelhos Alaska pôde ver o veículo. Ele parecia curiosamente
deformado, como se fosse comprimido e puxado no seu comprimento.
Lloyd emitiu um assobio baixinho.
— Eu estou curioso em saber o que isso significa — disse ele. — Eu gostaria de
saber quem se compraz com este recinto espelhado.
— Talvez esta montagem tenha uma razão qualquer — achou Alaska Saedelaere,
sombrio. — De qualquer modo, aqui não espero nada de bom.
Lloyd disse tranquilo:
— Tudo é apenas estranho e não malévolo.
Saedelaere apenas suspirou. Ele esperava que Fellmer Lloyd estivesse com a razão.
A luz no interior do recinto ganhou em luminosidade. Com os olhos esbugalhados,
os dois homens observaram que o carro, no qual tinham vindo até aqui, parecia dissolver-
se. Os misteriosos animais de tração sumiram, a jaula se dissolveu. Os caules de plantas
que os silotes tinham embutido na jaula caíram do alto, sobre os dois homens. Eles não se
dissolveram.
Saedelaere apertou os dentes. Ele não podia deixar-se confundir por truques como
esses.
Mas seria mesmo um truque?
Ele estava deitado, ao lado de Lloyd, no chão do pavilhão de espelhos. Em cima
deles havia cordas e caules de plantas. Do carro e dos animais não se via mais nada.
— Como é que o senhor explica isso? — perguntou Lloyd.
A sua voz tremia ligeiramente.
— Eu gostaria de ter uma explicação, pelo menos quase sensata, para isso —
retrucou Saedelaere. — Eu confesso que, muito raramente em minha vida, senti tanto
medo.
— Eu sinto os impulsos dos habitantes da fortaleza — disse Fellmer Lloyd. — Eles
estão bem próximos. Eles nos observam com curiosidade.
O conhecimento de que em alguma parte entre os espelhos havia seres estranhos
espreitando, era tudo, menos agradável. Saedelaere gostaria de não estar amarrado.
Uma coisa, que parecia uma criatura humana envolta em grossas faixas, de repente
saiu, bamboleando, de entre os espelhos. Também poderia ser uma boa dúzia delas, pois
era impossível para Saedelaere determinar o que era o original e o que era a imagem
espelhada.
Quando a coisa chegou mais perto, mais parecia uma múmia. Saedelaere já vira
múmias nos museus da Terra. A semelhança, pelo menos exterior, era espantosa.
Entretanto, debaixo das faixas (ou seria da pele?) não havia uma criatura humana, mas
um ser de formas estranhas. A múmia aproximou-se lentamente.
O que Saedelaere primeiramente pensara serem faixas de pano, demonstrou ser pele
cinza-clara, cheia de pregas. A cabeça da criatura, que se erguia quase pontuda, era
dominada por dois grandes olhos facetados. Protuberâncias, semelhantes a sensores,
saíam do crânio acima dos olhos.
“Um descendente de insetos!”, pensou Saedelaere, com um arrepio.
Sempre que ele encontrara descendentes de insetos, sentira esses arrepios, pois estas
criaturas geralmente eram sem sentimentos e desumanas.
O estranho se mantinha sobre duas pernas, das quais cada uma consistia de três
partes de comprimentos diferentes. As pernas, na sua parte interna, possuíam rodas
dentadas. Não se podia ver muito bem os pés, mas eles arranhavam o chão, como se
tivessem garras.
Os braços da criatura se assemelhavam às pernas, mas eram mais curtos e fendidos
no meio. Mãos, no verdadeiro sentido, a criatura não possuía, porém todo um feixe de
finos pegadores, que eles podiam estender e retrair.
À meia altura atrás do habitante da fortaleza, pairava uma formação globular, da
qual sobressaíam inúmeras antenas e sensores. Parecia ser meio orgânica, meio biológica.
E se mantinha bem perto, atrás do estranho.
Saedelaere agora tinha certeza de que somente um habitante da fortaleza se
encontrava à frente deles; todos os outros eram apenas imagens refletidas.
O estranho caminhou, inseguro, em volta dos dois homens amarrados. Saedelaere
não conseguia livrar-se da suspeita de que a criatura era cega, pois de vez em quando
emitia gritos que mal se ouviam. Talvez ela se orientasse, ao modo dos morcegos
terranos.
“Esta fortaleza é uma cripta gigantesca!” — pensou Saedelaere cheio de horror,
procurando desesperadamente afrouxar as amarras.
Depois que o habitante da fortaleza os rodeara um par de vezes ele ficou parado na
altura de suas cabeças, olhando para eles
fixamente com seus olhos facetados.
“Para que ele tinha estes olhos, se era
cego?” — perguntou-se Saedelaere.
— Poupe suas forças, Alaska! — gritou-
lhe Fellmer Lloyd, que ouvia os esforços de
Saedelaere. — Esperemos para ver o que esta
coisa quer de nós.
— Ele é um descendente de insetos —
gemeu o lesado por transmissor.
— Seus impulsos não são
necessariamente malévolos. Ele está confuso e
curioso.
— Ele? — ecoou Saedelaere.
— Ele pensa de si como senhor desta
fortaleza — declarou Lloyd. — Infelizmente
somente algumas passagens isoladas do seu
pensamento são compreensíveis, a maioria de
suas reflexões são tão exóticas que eu não
consigo entendê-las.
A criatura parecia estar escutando
atentamente. Depois de algum tempo ela abriu
bem os braços. Entre as axilas e o corpo,
Saedelaere viu grandes peças de pele
dependuradas.
A esfera que pairava silenciosamente
meio metro atrás do descendente de insetos veio para a frente, e estendeu antenas e
sensores na direção dos dois homens amarrados.
— E agora, o que significa isso? — perguntou Saedelaere.
— Que estranho robô voador é esse?
— Robô não é a expressão correta — retrucou o mutante.
— A esfera irradia impulsos mentais. As emoções e os pensamentos, entretanto, são
muito fracos.
Nos fundos do recinto agora apareceram outros habitantes da fortaleza. Eles
pareciam ser muito tímidos, pois apenas espreitavam por detrás das paredes espelhadas e
colunas. Além disso, eles pareceram a Saedelaere serem menores e mais finos que o
senhor da fortaleza.
De repente, a esfera com as antenas começou a rebrilhar.
Uma voz rangente disse:
— Eu sou Quarschotz-o-que-muda-a-voz.
Saedelaere olhou, estupefato, na direção da esfera. A voz saíra de alguma
membrana. Uma voz que falava intercosmo.
— Permaneça quieto, Alaska! — gritou Fellmer. — Esta coisa esférica é uma
espécie de tradutor. Entre ele e o Senhor da fortaleza existe uma ligação semitelepática.
— Eu sou Quartschotz-o-que-muda-a-voz — repetiu a esfera.
— Este nome tem relação com o descendente de insetos — explicou Lloyd.
— Isso é correto — retrucou a esfera. — Eu sou Quargie.
— Realmente trata-se de uma espécie de tradutor — disse Fellmer Lloyd. — A
coisa rapidamente avaliou nosso idioma, e agora o utiliza. Ao mesmo tempo, permanece
em ligação com o seu senhor.
Quarschotz-o-que-muda-a-voz acocorou-se e tocou as amarras dos homens com
suas finas agarradeiras. O toque provocou uma sensação desagradável em Alaska.
Entretanto ele não tinha como se defender. As mãos estranhamente formadas do
descendente de insetos tatearam por cima das amarras.
— Ele vai desamarrá-los — anunciou Quargie.
Saedelaere aceitou este anúncio com ceticismo. Mas ele não foi iludido. Quarschotz
manipulou os nós das cordas e abriu-os habilmente. Poucos minutos mais tarde,
Saedelaere e Lloyd podiam mexer-se livremente. Saedelaere flexionou lentamente as
pernas, para que o sangue circulasse outra vez corretamente. Depois mexeu os braços.
Quando finalmente se ergueu, ficou de pé, um pouco bamboleante ainda.
— Por que ele nos libertou? — perguntou Saedelaere à esfera.
— Ele quer falar com vocês!
O Senhor da fortaleza emitiu um grito estridente, mal ainda audível aos ouvidos
humanos. Entrementes os outros habitantes do castelo haviam se aproximado mais,
entretanto ainda se mantinham atrás das paredes e colunas espelhadas.
— Ele gostaria de saber de onde vêm vocês — disse Quarschotz.
Saedelaere olhou, interrogativamente, para Fellmer. O que eles deveriam
responder? Eles poderiam revelar tudo, sem colocar a Good Hope II, ou mesmo a
Humanidade, em perigo?
— Nós também temos perguntas — respondeu Lloyd, esquivando-se — pois nosso
acompanhante já perdeu sua vida. Gostaríamos de saber o que acontece aqui, e se nos
deixarão livres novamente. Nas proximidades da aldeia dos silotes encontra-se nossa
pequena nave espacial, e para ali nós gostaríamos de poder voltar.
Quarschotz tinha escutado paciente e atentamente, mas agora parecia estar muito
agitado.
Quargie desceu até quase o chão.
— O destino de vocês é indiferente ao senhor da fortaleza. Vocês não podem mais
voltar, pois Quarschotz-o-que-muda-a-voz logo utilizará o Movimento Absoluto, para
regressar às Cavernas Negras da Névoa Sonora.
Os pensamentos de Saedelaere eram um turbilhão.
“Movimento Absoluto?”, perguntou-se ele.
O que significava isso? E as Cavernas Negras das Névoas Sonoras? Com muita
fantasia podia imaginar-se que isso seria um determinado setor do espaço, no qual
aconteciam efeitos físicos extraordinários. Porém isso era apenas uma suposição.
— Eu acho que desse jeito não vamos adiante — disse Lloyd para Saedelaere. —
Por isso precisamos tentar, antes de mais nada, clarear algumas perguntas básicas.
Ele virou-se para Quargie.
— Nós somos astronautas de um mundo desta galáxia — explicou ele. — Nossa
existência está sendo ameaçada pelo “Enxame”. Por isso, nós o observamos. Quando
vimos que este disco saía de dentro do “Enxame”, nós viemos voando, para ver quem
vivia aqui. Nós somos mensageiros pacíficos da Humanidade.
Saedelaere deixou Lloyd conduzir esta conversa, pois o mutante podia espreitar as
emoções e os pensamentos dos estranhos durante a conversa e reagir
correspondentemente. Nisso Lloyd tinha grande experiência.
Quarschotz estendeu os braços.
— Esta história soa sensata — disse Quargie. — Por isso eu vou relatar a vocês o
destino que nos surpreendeu.
Quargie começou a falar.
***
Até onde os silotes e os habitantes da fortaleza podiam se lembrar, eles tinham
viajado com o “Enxame” através dos imensos espaços do cosmo. A lenda dizia que eles
vinham das Cavernas Negras das Névoas Sonoras. Para regressar para lá, um dos
senhores da fortaleza teria que utilizar a comutação do Movimento Absoluto. Até agora
todos os Senhores da fortaleza tinham evitado fazê-lo, pois a lenda predizia uma
catástrofe, se a comutação fosse efetuada sem um motivo especial.
Os habitantes da fortaleza e os silotes viviam juntos pacificamente. Os silotes
plantavam uma determinada erva, de cujo extrato os habitantes da fortaleza fabricavam
um elixir muito saboroso. Este elixir era armazenado em grandes recipientes, que
regularmente eram buscados por naves espaciais robotizadas.
Jamais os habitantes do disco ficaram sabendo para quem eles produziam este elixir.
Eles se conformavam com a sua tarefa determinada dentro de um “Enxame”, onde cada
unidade tinha que executar um outro trabalho.
Há não muito tempo, o missionário purpúreo havia pousado na superfície. A nave
que o trouxera tinha regressado imediatamente.
Quargie descreveu a nave apenas superficialmente, mas evidentemente ela possuíra
a forma de um dado.
O purpurino tentou ganhar silotes e habitantes da fortaleza para a sua religião.
Agora que o “Enxame” se aproximava dos Sítios Aclars, todos os seus habitantes deviam
adorar o grande ídolo amarelo. O YL'Xanthinor (sem dúvida tratava-se de um erro de
tradução de Quargie, pois o purpurino tinha chamado por “Y’Xanthymona”) era senhor de
todas as criaturas vivas dentro do “Enxame”. Pelo que afirmava o purpúreo YLXanthinor
podia rir, chorar, suar e matar ao mesmo tempo.
Os silotes e os habitantes da fortaleza não queriam se deixar converter. Eles
descobriram que o missionário estranho era alérgico a qualquer tipo de música.
Quando os silotes tocaram seus alaúdes, o purpurino estarreceu, e pôde facilmente
ser dominado. Os habitantes da fortaleza levaram-no para o burgo, onde tentaram
inutilmente extrair pormenores dele.
Esta ação desencadeou uma reação imprevista da distante central do “Enxame”.
Mais uma vez apareceram as naves robotizadas e transportaram dali todos os recipientes
existentes. Depois o disco foi expulso do “Enxame”.
O Senhor da fortaleza não acreditava que o seu povo e os silotes teriam mais uma
chance de voltarem ao “Enxame”.
Os habitantes da fortaleza tinham trancado o missionário numa jaula, entregando-o
aos silotes.
***
— Mais do que isso eu não posso dizer-lhes — declarou Quargie, finalizando. —
Mas agora vocês certamente compreenderão por que Quarschotz-o-que-muda-a-voz quer
regressar para as Cavernas Negras das névoas Sonoras.
— Nós não compreendemos nada — confessou Fellmer Lloyd. — Mas certamente
o senhor tem suas razões para o seu modo de agir. Mesmo assim, pedimos a ele por uma
possibilidade de podermos abandonar o disco, para podermos voar de volta para a nossa
nave.
Entre Quargie e o senhor da fortaleza parecia estar acontecendo uma conversa
silenciosa.
Saedelaere parecia entender que Quarschotz estava indeciso.
Antes da conversa poder ter prosseguimento, um segundo habitante da fortaleza
surgiu, bem próximo dos dois terranos. Esta criatura era decisivamente menor e mais
gorda que Quarschotz. E se movimentava como um bailarino. Seus grandes olhos
facetados fixavam o vazio. De vez em quando emitia um grito, para se orientar.
— A mãe do meu senhor acha vocês encantadores — declarou Quargie
pacientemente.
— Entendeu, Alaska? — perguntou Fellmer.
Saedelaere perguntou-se se fazia algum sentido, agora, tirar a máscara. Os
habitantes do burgo eram indubitavelmente cegos e não podiam ver o fragmento cappin.
Por isso, o rosto de Alaska não podia ser usado como arma.
— Ela gostaria de ficar com vocês — prosseguiu Quargie. — Ela aprecia um belo
brinquedo.
— O quê? — gritou Lloyd, inteiramente fora de si.
Saedelaere observou a mãe do Senhor do castelo, que agora estava parada ao lado
do seu filho, tentando convencê-lo, silenciosamente. Os seus gestos eram de difícil
compreensão, mas ela evidentemente tentava convencê-lo de sua opinião.
— Nós não temos interesse em servirmos como brinquedos — declarou Saedelaere,
rapidamente. — Talvez você possa comunicar isso à velha senhora, Quargie.
A criatura esférica deu de si um ruído, que mais parecia um suspiro.
— Ninguém gosta de ser um brinquedo de Tarquatza — disse ele.
Tarquatza agora abraçava o seu filho com ambos os braços, puxando-o para si.
— Essa velha é perigosa! — murmurou Fellmer Lloyd. — Os seus pensamentos são
confusos e malévolos. Eu acho que ela é maluca.
Tarquatza emitiu gritos estridentes. E afastou-se do seu filho.
— Quarschotz-o-que-muda-a-voz acedeu aos desejos de sua mãe — disse Quargie,
lastimando. — Ele deixa vocês com Tarquatza. Para que ela possa entender-se com
vocês, eu ficarei nas proximidades.
Tarquatza fez alguns movimentos com os braços.
— Nós devemos segui-la — traduziu Quargie aquela ordem muda.
Saedelaere hesitou. Sua imaginação lhe dizia que eles iriam ter dificuldades com a
mãe do senhor da fortaleza. Além disso, ele não tinha a menor vontade de servir de
brinquedo para essa criatura estranha — seja de que tipo fosse.
Das profundidades da fortaleza veio um grito sinistro, que encontrou eco nos
inúmeros corredores e pavilhões. Tarquatza riu, estridentemente, um riso irônico.
— Isso — explicou Quargie lacônico — foi um prisioneiro de Tarquatza.
— Ela realmente é maluca — disse Alaska para o mutante.
— E o seu belo filho parece ter medo dela. Já que não estamos mais amarrados,
acho que devíamos pensar melhor, antes de atendermos às ordens dessa velha senhora.
Lloyd olhou em volta. Ele refletia.
— Eu não creio que Quarschotz nos libertou das amarras, sem que tivesse certeza
do que estava fazendo. Provavelmente ele não terá nenhuma dificuldade em nos amarrar
novamente.
Saedelaere disse:
— Eu não posso ver nada que se possa comparar com armas.
— Correto — concedeu Lloyd. — Mas os sentimentos dos habitantes da fortaleza
demonstram, claramente, que eles não nos temem. Esta falta de temor deve repousar no
poder.
— E o que sugere? — perguntou Saedelaere.
Lloyd coçou o queixo.
— Por enquanto deveríamos fazer tudo que a velha pede de nós. Talvez ainda
possamos descobrir pormenores interessantes, através de Quargie. Logo que ficar
perigoso para nós, temos que tentar fugir.
— O senhor esquece a comutação do Movimento Absoluto, que nosso amigo inseto
deseja manipular!
— Eu vou sentir quando essa hora chegar — afirmou o telepata.
Tarquatza estava ficando impaciente. Ela acenava com os seus braços secos.
— Eu agora iria com ela — disse Quargie, enfático.
Os habitantes da fortaleza, que até então tinham ficado por ali olhando, pareciam ter
sido tragados pelo chão. Somente Quarschotz e sua mãe ainda se encontravam no
pavilhão dos espelhos. Quargie pairava acima da cabeça de Tarquatza.
Lloyd pegou Saedelaere pelo braço e o puxou consigo. Silenciosamente a mãe do
senhor da fortaleza deslizou pelo chão, adiante deles. Devido aos inúmeros espelhos, era
difícil segui-la.
Saedelaere tinha a impressão de que os espelhos estavam ficando cada vez mais
numerosos. Lloyd e ele andavam com os braços esticados, para não baterem contra nada.
Sem a ajuda de Quargie, eles não teriam sido capazes de seguir a estranha.
Saedelaere teve a impressão de que eles se aproximavam do centro do pavilhão. Até
mesmo acima deles agora havia espelhos, colocados em diversas alturas. O chão era liso,
mas parecia irregular.
— Um labirinto de espelhos! — verificou Lloyd. — Eu quase tenho a impressão de
que Tarquatza mandou construí-lo só para o seu divertimento.
De repente Tarquatza e Quargie desapareceram diante dos olhos dos dois terranos.
Tudo foi tão rápido, que Lloyd e Saedelaere pararam estupefatos.
— Onde estão eles? — perguntou Saedelaere, perplexo.
Lloyd deixou escapar uma praga. Ele estava parado, de pernas muito abertas e com
as mãos fechadas em punhos.
— Desapareceram atrás de um espelho qualquer — disse ele. — Eu praticamente já
esperava por isso. A velha está nos observando. Certamente ela se diverte em ver-nos
errando através deste labirinto, não conseguindo sair dele.
— Mas isso é um truque barato, com o qual ela não conseguirá nos ameaçar —
disse Saedelaere. — Em caso de necessidade, nós arrebentamos alguns espelhos, e deste
modo acabamos com a alegria dela neste joguinho.
Lloyd não estava convencido de que escapar deste labirinto seria tão fácil, mas não
disse nada.
— Precisamos refletir como poderemos marcar melhor o caminho que deixamos
para trás, para não ficarmos andando em círculos.
— O senhor tem alguma ideia?
— Não, ainda não!
— Por que não ficamos simplesmente sentados aqui? — perguntou o lesado por
transmissor. — Mais cedo ou mais tarde Tarquatza vai se cansar e nos tirará daqui.
O mutante não acreditava num desenvolvimento desses. A mãe do senhor da
fortaleza os deixaria morrer de fome aqui dentro, disso ele tinha certeza. Cheio de horror,
ele pensou nos gritos que tinham ouvido. Certamente Quargie não mentira, quando
afirmara que eram emitidos por prisioneiros de Tarquatza.
Fellmer Lloyd tirou sua jaqueta e começou a rasgar a camisa.
— O que está fazendo? — perguntou Alaska.
— Vamos marcar, com pedaços de fazenda, o nosso caminho, Alaska.
— E se nossas marcações forem retiradas outra vez? — perguntou Saedelaere,
cético.
— Isso naturalmente é possível, mas nós temos que experimentá-lo.
Eles foram adiante. Lloyd assumiu a ponta. Saedelaere ficou logo atrás dele, pois
dentro do labirinto eles poderiam facilmente perder-se.
Saedelaere viu sua imagem às vezes multiplicada mil vezes pelos espelhos.
Lloyd bateu repetidas vezes contra uma parede espelhada. Em cada curva e em cada
passagem eles colocavam uma tira de pano. Saedelaere logo desistiu de contar os
segundos.
Passou-se hora após hora, sem que eles encontrassem a saída. Os dois homens
silenciaram, pois sabiam que estavam metidos numa armadilha mortal. De vez em
quando parecia-lhes ouvir uma gargalhada estridente, mas isso também podia ser uma
ilusão.
A procura pela saída cansou-os. Lloyd, que trazia um ativador celular no peito,
tinha mais facilidade de aguentar as canseiras do que Alaska.
Saedelaere avaliou que tinham passado pelo menos cinco horas, quando Lloyd
virou-se para ele. Entrementes eles também tinham rasgado a camisa de Saedelaere,
distribuindo os pedaços. No momento chegara a vez da roupa de baixo de Lloyd.
— Nós podemos fazer uma pausa — sugeriu Lloyd.
— Eu não estou cansado — declarou Saedelaere, apesar do seu crânio trovejar.
A constante observação, muito tensa, causava dor de cabeça.
— Eu posso ir adiante sozinho, por algum tempo — disse Lloyd.
— Nós não nos reencontraríamos jamais — disse Saedelaere, nervoso.
O mutante anuiu. Ele sabia que Alaska tinha razão.
— O labirinto não pode ser tão grande assim — refletiu Saedelaere. — E por
enquanto nós não usamos o mesmo caminho nem uma só vez.
— Isso não sabemos com exatidão — retrucou o telepata. — É possível que
Tarquatza tenha mandado retirar todos os pedaços de pano que colocamos pelo caminho.
Saedelaere aproximou-se de uma parede espelhada e deu-lhe violento pontapé.
— Metal polido! — reconheceu ele, decepcionado.
Lloyd disse, chateado:
— Eu já imaginava. À força nós não sairemos daqui.
Eles continuaram andando. Saedelaere sentiu que sua concentração diminuía cada
vez mais.
De repente, bem diante deles, Tarquatza apareceu.
Saedelaere deu um grito e atirou-se para a frente. Mas ele não conseguiu agarrar o
grande inseto que parecia uma múmia, pois bateu contra um espelho.
Tarquatza riu tão estridentemente, que os seus ouvidos doeram.
De algum lugar veio a voz de Quargie:
— Tarquatza tem muita alegria, observando vocês.
— Você pode informar a ela que eu vou esquecer a sua idade e o seu sexo, logo que
a possa ver — resmungou Saedelaere. — Ela que termine de nos torturar ainda mais.
Bem próximo deles passou uma sombra pela superfície de um espelho, porém
quando Lloyd deu alguns passos rápidos na sua direção, os seus braços estendidos
tocaram o nada.
Saedelaere mexeu-se, e alguns milhares de imagens espelhadas se mexeram com
ele. Por um momento ele fechou os olhos e respirou fundo. Isso era insuportável, por
muito tempo.
— Não devemos desistir, Alaska — disse Lloyd, penetrante.
Saedelaere olhou para Lloyd, até notar que o que estava vendo era a imagem
espelhada do mutante. Somente quando Lloyd o pegou pelo braço, ele soube onde o
telepata se encontrava.
Alaska deu uma risada ensandecida.
— Eu estou começando a trocá-lo com sua imagem refletida, Fellmer.
— Isso é devido ao seu cansaço. Não deve deixar impressionar-se por isso.
Saedelaere sacudiu a cabeça, em desespero.
— O que podemos fazer?
— Continuar procurando! — declarou Lloyd, categórico.
O homem magro abaixou a cabeça.
— Vá adiante, Fellmer. Eu vou me segurar no seu cinturão, para não nos
perdermos.
***
A crise veio mais depressa do que Fellmer Lloyd temera. Alaska soltou o cinturão e
bateu com ambos os punhos fechados contra um espelho. Ele começou a gritar.
Lloyd virou-se rapidamente e agarrou o lesado por transmissor pelos ombros.
— Pare com isso, Alaska!
Saedelaere levou ambas as mãos para a sua máscara.
Ainda exatamente no momento certo Lloyd ergueu os braços e escondeu o seu rosto
com os mesmos. Mesmo assim ele pensou ter visto o fragmento cappin brilhar.
— Alaska! — gritou ele. A sua voz soava oca. — Coloque a máscara! Quer que eu
fique louco?
Saedelaere gemeu. Lloyd ouviu como ele bateu contra o espelho e se afastava
lentamente. O mutante ousou olhar para o chão. O reflexo do fragmento cappin ainda
podia ser visto.
— Alaska!
De repente tudo ficou quieto.
— Já passou — disse Saedelaere, baixinho. — Eu a coloquei novamente.
Fellmer Lloyd respirou fundo, aliviado. Cuidadosamente ele ergueu a cabeça.
Alaska usava novamente sua máscara.
— Eu não sei o que me deu — desculpou-se Alaska.
— Está tudo bem! — Lloyd fez um gesto defensivo. — Sem o meu ativador celular
de há muito eu já teria me estatelado no chão.
Saedelaere olhou em volta.
— Nós não vamos conseguir sair daqui! Tarquatza quer nos ver morrer dentro deste
labirinto.
Lloyd ergueu a cabeça, como se conseguisse ouvir vozes distantes. Saedelaere
conhecia a atitude. O mutante fazia uso de seus dons parapsíquicos. Depois de alguns
minutos, o corpo de Lloyd distendeu-se. Saedelaere esperou, confiante.
— Más notícias, Alaska!
— O que aconteceu? — perguntou Alaska, nervoso.
— Quarschotz se prepara para ativar, agora, a comutação do Movimento Absoluto.
Isso poderá significar que nós vamos ser sequestrados, junto com o disco gigante, para
regiões desconhecidas do Universo.
Esta notícia causou um choque em Alaska. Totalmente fora de si ele olhou para
cima, para o teto espelhado. O Senhor da fortaleza manipulava os propulsores da
fortaleza, e eles ainda continuavam prisioneiros da pérfida Tarquatza.
— Como é que vamos sair daqui? — gritou Saedelaere, desesperado.
Numa visão sombria, ele via o senhor da fortaleza, parado diante de um monstruoso
quadro de comutações, ativando uma alavanca.
— Somente podemos ter esperanças de alcançar a saída ainda em tempo — disse
Lloyd.
Ele continuou andando. De todos os lados agora vinham os gritos dos habitantes da
fortaleza aos ouvidos dos dois homens. As criaturas, semelhantes a múmias, pareciam
estar muito agitadas.
Entretanto os dois terranos não conseguiam ver ninguém.
Lloyd errava através dos corredores. Ele agora movimentava-se tão depressa que
Saedelaere tinha dificuldade de manter o passo com ele. Os espelhos brilhavam como
grandes lagos à luz do sol. Saedelaere via tudo em tamanho natural, mas dividido e
desfigurado; tudo à sua volta parecia estar em movimento.
— Tarquatza! — chamou Fellmer Lloyd. — Você precisa nos libertar, antes que o
disco parta para a sua pátria.
— A velha está bem próxima daqui! — acrescentou Alaska, rapidamente.
Das profundezas da fortaleza um rumorejar sinistro chegava-lhes aos ouvidos.
Parecia uma enorme cascata. Os espelhos começaram a tremer. Saedelaere viu a si
mesmo como milhares de caricaturas, como fantasmas, cujas formas exteriores mudavam
constantemente.
A fortaleza inteira parecia retumbar. Vibrações percorriam o chão espelhado.
— Isso parece ser os propulsores do disco! — verificou Lloyd. — Eu acho que não
vamos mais conseguir sair daqui antes.
Diante dele, uma parede espelhada soltou-se de sua ancoragem na parede e caiu ao
chão reunindo. Por trás encontravam-se outros espelhos. O barulho estava ficando
insuportável. O chão parecia oscilar.
— O que significa isso? — tossiu Saedelaere.
— De todas as partes eu capto impulsos de medo — respondeu Lloyd. — Para os
habitantes da fortaleza, este acontecimento veio tão inesperadamente quanto para nós.
— Será que alguma coisa não deu certo?
Lloyd sacudiu a cabeça.
Do teto soltou-se um espelho, e baixou um pouco. Ele teria caído em cima dos dois
homens, se não tivesse ficado entalado. Bem nas suas proximidades, paredes espelhadas
tiniam e ruíam sobre si mesmas.
— As vibrações estão causando o desabamento do labirinto! — gritou Lloyd.
Saedelaere olhou em tomo. Inúmeros reflexos espelhados impediam que ele
conseguisse ter um quadro exato de seus arredores. Uma coisa, entretanto, era certa: o
desabamento do labirinto colocava a vida dos dois homens em perigo.
Lloyd tropeçou num espelho caído ao chão, diagonalmente levantado um pouco, e
escorregou pela superfície externa para dentro de um outro corredor. Saedelaere somente
conseguia ver ainda os pés do seu acompanhante. Uma parede espelhada caindo atingiu-o
no ombro e jogou-o ao chão. Ele girou sobre si mesmo, rapidamente. Quando esgueirou-
se para fora, de sob o espelho, viu, logo adiante de si, a imagem reflexa desfigurada de
Fellmer Lloyd.
— Fellmer! — gritou ele.
— Eu estou aqui! — A voz do mutante veio do outro lado e quase foi sepultada pelo
tilintar das paredes que ruíam.
Saedelaere ergueu-se. Um espelho menor passou raspando no seu rosto e quase lhe
arrancou a máscara. O lesado por transmissor ergueu os braços, protetoramente, acima da
cabeça.
Ele cambaleou para a frente, bateu contra obstáculos e repetidas vezes foi jogado ao
chão.
De repente Tarquatza estava de pé, diante dele. Primeiramente ele pensou que se
tratava de sua imagem refletida, porém então a mãe do Senhor do burgo ergueu um braço
e emitiu um grito de medo.
O olhar de Saedelaere se alongou mais para a frente. Alguns metros perto da mulher
inseto Quargie estava caído ao chão. Um espelho pesado arrebentara o corpo redondo do
tradutor. Um líquido prateado escorria do ferimento. Fios brilhando metalicamente saíam
trêmulos de dentro do corpo arrebentado e se colavam nas superfícies espelhadas.
Quargie gemia baixinho. Ele parecia ainda estar vivo.
— Agora você está presa no seu próprio labirinto! — gritou Saedelaere.
Tarquatza bufou. Ela abriu os braços e quis atirar-se em cima de Saedelaere. Nisto
ela escorregou no chão liso e caiu para a frente. Os seus gritos aumentaram o seu pânico.
Saedelaere passou por cima dela. Por cima do barulho geral, parecia-lhe ouvir um
fantástico berreiro, que vinha das profundezas da fortaleza.
— Alaska!
Era Lloyd. Bem próximo!
Saedelaere olhou rapidamente em volta. O fragmento cappin sob sua máscara
irradiava raios brilhantes por entre as fendas da boca e dos olhos.
— Eu estou aqui! — gritou Saedelaere.
Diante dele, sobre uma parede espelhada caída, apareceu uma parte do corpo de
Lloyd, estranhamente repuxado na largura. Saedelaere olhou para cima e acreditou ver
Lloyd de pé, abaixo dele. Mas tudo eram apenas imagens reflexas.
Alguém pegou-lhe a perna. Ele virou-se rapidamente. Tarquatza vinha rastejando
pelo chão liso e queria fazer Saedelaere cair. Instintivamente o homem da máscara
recuou. Ele chocou-se com as costas num obstáculo. Com um estampido parecendo uma
explosão, um teto espelhado arrebentou acima dele. Um grande pedaço dos destroços
caiu para o chão, perto de Saedelaere, sepultando Tarquatza.
Saedelaere colocou as palmas das mãos contra a parede, e lentamente empurrou-a
para o lado. Um formidável tremor percorreu a fortaleza, fazendo com que as paredes
ainda intactas balançassem.
— Fellmer! — chamou Saedelaere.
— Aqui! — respondeu uma voz, quase inaudível.
Com olhos esbugalhados, Saedelaere viu as imagens refletidas de habitantes da
fortaleza em fuga. Era uma imagem fantasmagórica. Os corpos desfigurados até o
irreconhecível, pelos espelhos, pareciam tufos de neblina num turbilhão.
Saedelaere caiu dentro de uma abertura no chão, que ele não vira antes. Suas mãos
agarraram o vazio. Alguns metros abaixo ele bateu no chão. Instintivamente rolou sobre
si mesmo. Aqui estava quase escuro, de modo que os espelhos pareciam os portais de
grandes salões misteriosos.
Alguma coisa úmida, fria, tocou a nuca de Saedelaere. Ele passou a mão sobre a
pele. Ao olhar seus dedos, viu que as pontas estavam cobertas com uma coloração
prateada. O sangue de Quargie...
Ele pingava para baixo, de algum lugar no alto. Saedelaere controlou-se e continuou
andando. Aqui, num andar mais fundo do labirinto, as destruições não eram tão grandes
como no que ficava acima.
Saedelaere alcançou um lugar onde a maioria das paredes espelhadas estavam
arrebentadas. Através de uma abertura denteada, o terrano pôde olhar para um salão,
semi-escuro, sem espelhos. Ele correu na direção da abertura. Esgueirou-se por ela e
entrou no recinto anexo. Bem nas suas proximidades alguns habitantes da fortaleza
passaram correndo. Eles carregavam o corpo estraçalhado de Tarquatza.
— Fellmer! — gritou Saedelaere. — Eu estou do lado de fora! Venha para cá! O
senhor tem que descer para um andar abaixo do seu.
Tudo permaneceu em silêncio.
“Ele não está me ouvindo!”, pensou Alaska, decepcionado.
Ele chegou perto da abertura, através da qual saíra de dentro do labirinto e gritou
mais alto. O berreiro que vinha das profundezas da fortaleza ainda não diminuíra em
intensidade. Saedelaere perguntou-se se aquilo vinha de uma criatura vivente.
Ele ficou parado, indeciso. Sem Lloyd ele estava perdido. Encontrara uma saída do
labirinto, porém como conseguiria sair de dentro da fortaleza? Somente Lloyd, com o seu
faro parapsíquico, poderia encontrar o caminho certo.
Mas Lloyd ainda se encontrava dentro do labirinto, do qual Saedelaere escapara
apenas por acaso.
O lesado por transmissor sabia que não tinha outra escolha a não ser voltar para o
caos dos espelhos, para procurar por Lloyd.
Quando se propôs a tornar realidade o seu intento, Fellmer Lloyd surgiu do outro
lado do salão, e acenou-lhe. Os habitantes da fortaleza entrementes tinham desaparecido.
— Fellmer! — gritou Alaska, aliviado. — Como conseguiu achar a saída?
— Eu segui os habitantes da fortaleza, que tiraram o corpo de Tarquatza de dentro
do labirinto.
— Ela está morta — declarou Saedelaere.
O mutante sacudiu a cabeça.
— Apenas ferida! Essas criaturas parecem ter uma vida muito persistente. Eu ainda
consigo captar os impulsos dos pensamentos da velha. — Preocupado, ele olhou o seu
companheiro. — Como está?
— Eu estou contente por termos saído de dentro do labirinto — esquivou-se Alaska.
— Agora precisamos tentar abandonar a fortaleza, antes que ela seja definitivamente
destruída.
— Está ouvindo o berreiro?
Alaska fez que sim.
— É o Senhor da fortaleza! — informou Lloyd. — Eu capto os seus impulsos. Ou
ele ficou louco ou então esse berreiro faz parte do ritual da partida.
Ele pegou Saedelaere pelo braço e puxou-o consigo na direção da abertura pela qual
também os habitantes tinham desaparecido, levando Tarquatza. Eles chegaram a um
corredor sombrio. O teto era baixo e coberto de plantas parecidas com musgos. Neste
tapete de plantas, pequenos animais com pernas brilhantes estavam agarrados. Eles
estavam dependurados às centenas de milhares no musgo, e zumbiam. Nas paredes havia
janelas alongadas, através das quais podia olhar-se para os recintos anexos. Porém os dois
homens não tinham tempo para ocupar-se com os arredores. Eles correram corredor
abaixo, até toparem com uma grade que brilhava foscamente, e em cujas pontas metálicas
estavam enfiados novelos pulsantes de uma substância marmórea. Os animaizinhos por
baixo do teto zuniam ao ritmo das pulsações. A grade estava dependurada em dois apoios
e pôde ser aberta. Fellmer, que agarrou as barras, gritou, quando suas mãos ficaram
coladas às mesmas. Entretanto, logo conseguiu se libertar. As palmas de suas mãos
estavam queimadas. Saedelaere esgueirou-se por baixo da grade. O corredor alargou-se.
Junto das paredes estavam acocoradas dúzias de criaturas parecidas com múmias,
fazendo música com instrumentos semelhantes a flautas. Os sons que eles produziam
ficavam além dos limites de audição, pois Lloyd e Saedelaere nada podiam ouvir.
O sentido daquele concerto fantasmagórico não podia ser reconhecido, mas
certamente fazia parte do ritual da partida.
Mudamente Lloyd apontou para uma fenda de um metro, que atravessava
diagonalmente o teto e evidentemente tinha sido causada pelos tremores. Da abertura
escorria uma poeira vermelha, iluminando-se ao tocar o chão embaixo, de modo que
parecia que os dois astronautas estavam correndo por cima de um tapete de cristais
brilhantes. Na extremidade do corredor apareceu uma bolha cintilante, que parecia uma
gota de água supradimensional. Levada por forças desconhecidas, ela pairou ao longo do
corredor, sempre tocando o teto no alto, e deformando-se. Alternadamente ela tomava a
forma de uma esfera e de um cilindro. Quando atingiu a abertura no teto, entrou em
contato com a poeira vermelha e arrebentou. Alguma coisa microscópica, agitada, caiu
para fora, afundando, gritando, na poeira vermelha.
Saedelaere apertou os lábios e continuou correndo adiante. Ele não sabia se tudo o
que viam era realidade. De qualquer maneira, as coisas que se encontravam dentro da
fortaleza eram totalmente incompreensíveis para uma criatura humana.
O lesado por transmissor perguntava-se, cheio de mal-estar, que terríveis surpresas
o “Enxame” ainda mantinha prontas para eles, quando este disco, que dentro da formação
total apenas tivera uma tarefa sem importância, já era tão exótico.
Nestas circunstâncias, haveria mesmo esperanças de se entrar em contato com os
estranhos?
Lloyd ficou parado junto de dois estreitos corredores laterais.
Ele apontou para um corredor, que estava totalmente às escuras.
— Temos que ir nessa direção!
— Por que está tão seguro? — quis saber o homem da máscara.
Lloyd sorriu, disfarçadamente.
— Os impulsos de consciência dos silotes. Eu posso senti-los fracamente, e me
oriento por eles.
Saedelaere seguiu o mutante para dentro do corredor escuro. Instantaneamente o ar
em sua volta ficou gelado. Apesar de Saedelaere não poder ver as paredes e o teto, ele
acreditava que eles estavam tão próximos que ameaçavam sufocá-lo. Isso certamente não
era nenhuma ilusão. O ar dentro deste corredor era rarefeito e frio.
O berreiro do senhor da fortaleza ressoava até aqui. O chão tremia. Saedelaere
segurou-se com uma de suas mãos em Lloyd, para que não se perdessem um do outro.
Ele escutou as mãos de Lloyd tateando a parede.
De repente o telepata parou, abruptamente.
— Há alguém aqui! — disse ele, ofegante.
Saedelaere ouviu um arquejar ofegante, como se alguma coisa estivesse se
arrastando pelo corredor, com enorme esforço. Depois ouviram-se ruídos arranhados,
seguidos de batidas fracas.
Saedelaere tocou, instintivamente, sua máscara.
— Deixe disso! — gritou Lloyd, a quem evidentemente nada escapava. — É um
estranho, um prisioneiro de Tarquatza. Ele já está aqui há tanto tempo, que não consegue
mais lembrar-se como chegou aqui. Sua vida foi prolongada artificialmente. Ele pensa, de
si, em noções bastante abstratas.
Saedelaere foi empurrado contra a parede por Lloyd, e ficou colado estreitamente a
ela.
— Silêncio agora! — ordenou o mutante.
Alguma coisa passou rolando por eles, uma criatura aparentemente comprida e
pesada, que parecia estar meio louca de dores.
— O estranho fugiu, mas ele não sabe para onde se dirigir — explicou Lloyd. — É
melhor que o deixemos sem causar-lhe dano. Nunca se sabe como uma criatura
desesperada desta maneira poderá reagir.
Saedelaere invejou Lloyd por essa atitude. Enquanto ele tremia de agitação, o
mutante ficava totalmente calmo. Mas Lloyd tinha a vantagem de poder orientar-se, pelo
menos parapsiquicamente, nos seus arredores, enquanto Saedelaere tinha apenas os seus
sentidos humanos, dos quais ele nem sequer sabia, se o informavam corretamente ou se o
iludiam.
Quando ficou mais quieto, os dois homens prosseguiram em sua fuga. Diante deles
chamejou uma luz e apagou-se novamente. Saedelaere sabia que eles nunca ficariam
sabendo o que ela significava.
A voz do Senhor da fortaleza parecia ficar ainda mais alta. Para Saedelaere era
incompreensível como uma criatura podia provocar ruídos semelhantes. Os intervalos em
que vibrações percorriam a formidável edificação, agora ficaram mais curtos.
Saedelaere imaginava que a partida da fortaleza não se faria esperar por mais muito
tempo.
Mas como a partida do disco gigante se processaria? O lesado por transmissor
imaginou que a partida da gigantesca formação, para um destino inimaginavelmente
distante, não ficaria sem consequências para o continuum espaço-tempo. Ele esperava
que a tripulação da Good Hope II não seria surpreendida. Não se podia excluir uma
catástrofe.
“Nós temos que sair daqui!”, pensou Saedelaere, encarniçado.
Sobretudo, eles teriam que conseguir enviar um relatório para a tripulação da Good
Hope II.
Saedelaere tinha que concentrar-se novamente nos acontecimentos de seus arredores
imediatos. Eles tinham saído do corredor estreito para dentro de um pavilhão, que era
iluminado por alguns objetos luminosos muito fracos. De fendas e buracos no solo,
erguiam-se colunas de vapor. Alguns habitantes da fortaleza estavam deitados no chão,
de barriga para baixo, com todos os seus membros muito esticados. Eles pareciam
rígidos.
— Seus impulsos vitais estão fortemente diminuídos — explicou Lloyd. — Nesta
posição, eles estão esperando pelo início do Movimento Absoluto.
— Quer dizer que está quase na hora?
Lloyd anuiu, hesitante.
— Não faz sentido se nos iludimos com alguma coisa. Os preparativos logo estarão
concluídos. O Senhor da fortaleza já está começando a se concentrar na partida.
— Será... será, que nós ainda conseguiremos nos safar?
Lloyd correu em diagonal através do pavilhão. Ele agora corria numa velocidade tão
grande que o exausto Saedelaere mal o conseguia seguir. Porém Alaska não protestou.
Ele se ofereceria a ficar para trás, se o regresso de Lloyd à Good Hope II pudesse ficar
garantido por isso.
No fim do pavilhão o mutante parou. O vapor quente provocara sua transpiração. O
seu rosto brilhava. Saedelaere olhou-o, interrogativamente.
Lloyd parecia ter perdido o contato com os silotes. Ele gritou uma maldição e
sacudiu a cabeça.
— Os impulsos de alguns habitantes da fortaleza agora estão tão fortes que se
sobrepõem às correntes de consciência dos silotes.
Hesitante, ele se movimentou na direção de uma saída, que levava a um outro
grande salão. Ali se encontravam alguns animais cobertos com panos e cobertores.
Saedelaere contou um total de sete. Ele não sabia se entre eles estavam aqueles que
haviam puxado o carro com a jaula.
Lloyd ficou parado.
— Esta é a nossa chance!
Saedelaere olhou-o, surpreso.
— O que pretende fazer?
— Não temos mais nada a perder, Alaska — retrucou o telepata e correu na direção
dos sete misteriosos animais. — Estas criaturas se movimentam mais depressa do que
nós. Talvez eles possam nos levar para fora daqui.
Saedelaere conhecia Lloyd o suficiente para saber que o mutante estava falando
sério.
Lloyd tinha alcançado uma das criaturas e tentou, com ambas as mãos, puxar-lhe os
cobertores para baixo. Não conseguiu. A estranha criatura mexeu-se sob a sua fantasia.
Com isso, mostraram-se diversas protuberâncias.
— Eu creio que poderei guiá-lo telepaticamente — disse Lloyd, otimista.
Ele puxou-se, pelos cobertores, para as costas da criatura e estendeu ambas as mãos
para Saedelaere, para ajudá-lo. O lesado por transmissor recuou instintivamente, diante
do fedor que os animais emanavam.
Ele dominou-se e subiu para a garupa de Lloyd.
— O que é que pode reconhecer? — Saedelaere murmurou, instintivamente. — Que
impressão tem dessas criaturas?
— Os seus impulsos são fracos — respondeu Lloyd. — São robôs semi-orgânicos
ou biocriações.
Saedelaere achou essa explicação deficiente. Por que os habitantes da fortaleza
escondiam estes animais sob cobertores, que não se deixavam retirar?
O lesado por transmissor sentiu que Lloyd se concentrava na criatura. Ele dava-lhe
ordens telepáticas.
Depois de algum tempo a criatura se mexeu. Saedelaere instintivamente reteve a
respiração. Ele esperava que alguma coisa sinistra poderia acontecer. No mínimo, ele
contava em ser derrubado ao chão, por essa coisa monstruosa. Porém o animal sob os
cobertores movimentou-se em diagonal através do pavilhão e depois aumentou sua
velocidade.
— Espero que possa deixar-lhe claro onde está nosso destino! — gritou Saedelaere
por cima do berreiro do Senhor da fortaleza.
— Segure-se! — advertiu-o Lloyd.
O dono da máscara sentiu um solavanco do animal, depois o mesmo saiu em
disparada. Saedelaere deixou-se cair para a frente, e segurou-se firmemente no cobertor.
Ele perguntou-se de que modo a sua montaria se orientava. Ele usava os olhos de
Lloyd telepaticamente, ou tinha outras possibilidades?
Eles atravessaram salões semi-escuros, nos quais se mexiam atabalhoadamente
criaturas informes, que pareciam procurar pelas saídas. Depois o semi-animal rolou (esta
era a melhor designação para o movimento, na opinião de Saedelaere) por cima de
habitantes da fortaleza, enrijecidos, no chão, sem mesmo feri-los. Em seguida vieram
corredores escuros. A criatura nunca diminuía sua velocidade. Parecia saber exatamente o
que os seus novos donos queriam dela.
Pouco depois clareou à sua frente. O semi-animal saiu correndo para fora, para uma
das ruas serpenteantes que rodeavam a fortaleza. A claridade dos sóis atômicos ofuscou
Saedelaere. Antes que ele pudesse acostumar-se à luz muito clara, a montaria
desapareceu novamente por uma outra entrada, para o interior da fortaleza. Pareceu a
Alaska ter visto que eles se encontravam na terça parte inferior da possante edificação.
— Nós estamos no caminho certo! — gritou Lloyd, por cima da barulheira geral.
Saedelaere não duvidou da correção dessa afirmação. Agora entretanto era
importante que eles chegassem o mais depressa possível ao space-jet.
A monstruosa criatura sobre a qual estavam cavalgando de repente diminuiu sua
velocidade.
Saedelaere viu que o chão à sua frente se fendera. Uma brecha de um metro de
largura se formara ali. A semibesta corria de um lado para o outro, na borda da fenda,
muito nervosa.
— Era só o que ainda nos faltava! — gritou Lloyd, desesperado.
— Por que não fazemos o animal saltar? — perguntou Alaska.
— Eu já lhe dei essa ordem telepaticamente — retrucou Lloyd. — Mas ele não ousa
dar esse salto.
Saedelaere deixou-se escorregar para o chão, de cima do animal, e chegou perto da
borda da fenda. A cerca de trinta metros abaixo, ficava o chão do andar seguinte. Uma
queda nessa profundidade significaria a morte. A fenda estendia-se de uma parede a
outra, e em toda a sua extensão tinha praticamente a mesma largura.
— Temos que procurar um outro caminho — verificou Alaska. — Aqui não
conseguiremos ir adiante.
— Parece que não há um outro caminho — retrucou Lloyd. — De qualquer modo,
nossa montaria não reagiu, quando lhe dei essa ordem telepaticamente.
Quando ele regressava para a montaria, pôde observar como, por baixo dos
cobertores, se formava um outro pseudo-membro. A formação tinha meio metro de
grossura e rapidamente saiu debaixo dos cobertores. Fascinado, Saedelaere viu que o
animal erguia, de modo misterioso, uma ponte por cima da fenda no chão.
— Vamos conseguir passar! — gritou Lloyd. — Mas o que vai acontecer com o
nosso amigo, que até agora nos carregou até aqui?
— Agora não podemos nos preocupar com isso. — Saedelaere começou a balançar-
se por cima da estreita pinguela e logo em seguida alcançara o outro lado. Lloyd o seguiu.
A criatura, que os ajudara, recolheu o seu pseudomembro e de repente pulou dentro da
fenda. Os dois homens ouviram o ruído da queda lá embaixo, e se colocaram, espantados,
junto da borda da abertura no chão. Eles puderam ver como a criatura se levantava
novamente, para sair rolando.
— Tudo em ordem! — disse Lloyd, sacudindo a cabeça. Eles continuaram
correndo. Apesar de ainda se encontrarem dentro da fortaleza, a rua agora descia muito
acentuadamente. Isso deu esperanças a Saedelaere de que logo eles encontrariam a rua
que levava até a aldeia dos silotes. O lesado por transmissor achou que o berreiro do
Senhor da fortaleza tinha ficado mais baixo. As vibrações agora não paravam mais,
entretanto mostravam diferenças em intensidade. Às vezes ficavam tão fortes que o chão
diante dos homens parecia saltar para cima e para baixo. Então um prosseguimento era
quase impossível. Saedelaere, que se recuperara um pouco, quando montara o semi-
animal, teve que lutar novamente contra sua exaustão.
Finalmente dores pontudas nos pulmões o forçaram a parar.
Lloyd parou também, imediatamente.
Alaska tinha dificuldade de respirar.
— Continue sozinho a fuga!
— Nós prosseguiremos mais devagar! — decidiu o mutante. — O senhor ainda terá
que aguentar até chegarmos à rua, do lado de fora, então poderá esperar ali, até que eu
venha buscá-lo com o space-jet.
O plano do telepata deu novas forças a Saedelaere. Ele continuou correndo, apesar
de cada passo lhe proporcionar dores cruciantes. Também o fragmento cappin parecia
sentir o que estava acontecendo com o seu portador, pois começou a tremer
violentamente, e brilhou com intensidade reforçada pelas fendas da máscara.
Os dois homens toparam com um velho habitante da fortaleza, que aparentemente
errava sem rumo pelo corredor, e de vez em quando se deitava no chão, mas
evidentemente já não tinha mais suficiente controle do seu corpo para alcançar a rigidez
necessária para a partida.
A criatura estendeu ambos os braços, implorando para os dois homens, começando
a lamentar-se em sons estridentes.
Saedelaere perguntava-se que destinos agora deveriam se desenvolver no interior da
fortaleza. Também para os habitantes da fortaleza a partida para regiões distantes
desconhecidas era um acontecimento incisivo, com o qual talvez ninguém jamais contara.
Muitos deles provavelmente haviam desaprendido como deveriam se comportar num
caso desses.
O velho habitante da fortaleza ficou para trás deles. Saedelaere nunca esqueceria
como a criatura, em cego desespero, tinha caído de joelhos, deitando-se no chão, para
encontrar a tranquilidade necessária para a partida.
Em diagonal, diante dos dois homens, ocorreu uma rachadura na parede, através da
qual penetrou a luz solar. Isso mostrou a Saedelaere que eles estavam separados da rua do
anel externo apenas por uma parede.
A luz dos sóis atômicos pareceu, ao portador da máscara, mais pálida que antes.
Quando chegaram à altura do lugar danificado, Alaska pôde olhar para fora, obtendo uma
visão da terra que ficava abaixo da fortaleza. Os campos plantados pareciam cinzentos, o
escudo que no horizonte tocava a borda do disco parecia chamejar.
Finalmente surgiu diante deles a abertura que levava a uma rua do lado de fora da
fortaleza. Saedelaere cambaleou para o ar livre. Pouco depois do portal de saída, ele caiu
ao chão.
Lloyd curvou-se sobre ele, apertando-lhe o ativador celular contra o peito. Ondas
mornas percorreram o corpo de Saedelaere.
— Isso deve bastar! — gritou Lloyd e continuou correndo.
Saedelaere ficou olhando atrás dele.
Ele duvidava que ainda veria o mutante outra vez.
***
A gritaria do Senhor da fortaleza também podia ser ouvida do lado de fora da
mesma. A rua, que descia para a aldeia dos silotes, também tinha sido abalada pelos
tremores, como toda a edificação. Lloyd, que corria por ela abaixo, achou que todo o
disco gigante era sacudido pelas vibrações.
O mutante sentiu os impulsos mentais confusos dos silotes. Os nativos tinham se
recolhido nas suas cabanas-iglus. Eles evidentemente não sabiam o que estava por vir.
Isso somente podia significar que eles não conheciam as conexões. Talvez tivessem sido
trazidos mais tarde, como colonos, para este disco, depois dos habitantes da fortaleza.
Lloyd ouviu os gritos roucos dos pássaros, olhou para a ponta da fortaleza e
assustou-se. Entre nuvens amarelas pairavam indolentemente os três grandes pássaros
negros. Eles tinham abandonado a sua formação original e agora voavam em alturas
diferentes, com o que mergulhavam repetidamente nas nuvens. Às vezes se aproximavam
tanto da fortaleza que havia o perigo de uma colisão.
Lloyd desviou o olhar. Seus pés tamborilavam o ritmo dos seus passos na dura capa
da rua íngreme. Na confusão das correntes de consciência ele achou que também podia
reconhecer movimentos emocionais do missionário purpurino.
Como é que esta criatura exótica sobreviveria à partida?
Uma sombra desceu sobre Fellmer Lloyd.
Ele olhou para trás e viu um dos grandes pássaros vir para baixo, em voo picado. O
monstro emitia gritos sem parar. Suas asas se mexiam sem poder frear a queda. Lloyd
parou. Ele reteve a respiração, ao ver que o semi-animal se precipitaria sobre a rua.
O mutante jogou-se no chão. Ouviu um rumorejar quando as asas possantes tocaram
o solo. Mais uma vez aquela criatura conseguiu alçar-se alguns metros no ar, depois bateu
violentamente, com todo o seu peso, em cima da rua.
Lloyd ergueu a cabeça. A cerca de cem metros adiante dele, o pássaro tinha fendido
a rua, levando consigo, para as profundezas, uma parte da capa dura da rua. Suas garras
tinham se metido entre os suportes do elevado. Uma das grandes asas delta bateu sobre a
parte ainda intacta da rua, que agora balançou violentamente, ameaçando virar a qualquer
momento.
A criatura emitiu um grito lamentoso.
Lloyd levantou-se de um salto.
Enquanto ainda se encontrava na rua, estava grandemente em perigo. Ele esperava
que Alaska fosse esperto o suficiente para agora recuar para dentro da fortaleza.
Lloyd chegou ao local da queda. A rua tinha sido destruída num comprimento de
duzentos metros. O pássaro estava dependurado junto com os destroços, metade nos
suportes e metade no solo. Ele ainda tremia. Cada movimento do seu corpo enorme
provocava novas oscilações na rua elevada.
O terrano não acreditava que a criatura tivera intenção de atacá-lo. Provavelmente
fora por acaso que ela caíra aqui.
Lloyd não teve outra alternativa que não a de trepar por cima dos suportes, mais
para a frente. Ele ainda se encontrava uns duzentos ou trezentos metros acima do solo
propriamente dito do disco.
Ele segurou-se numa balaustrada torcida, enquanto seus pés tateavam por cima de
uma peça de metal curvado. As oscilações ficaram cada vez mais fortes. O pássaro
moribundo ainda mexeu uma asa uma vez, arrancando mais um pedaço da rua elevada
para baixo. Lloyd segurou-se bem e esperou até que os tremores tivessem diminuído o
suficiente para que ele pudesse trepar adiante.
Ele olhou para as profundezas. O corpo do semi-animal tinha arrebentado. Um
líquido prateado escorreu por suas penas negras.
Ele concentrou seus sentidos parapsíquicos na criatura, mas não conseguiu mais
captar quaisquer impulsos mentais.
A criatura estava morta.
Lloyd venceu o precipício. Ele alcançou a última parte da rua. Também ela estava
danificada, mas de qualquer modo ele podia correr por ela, sem perigo.
Em diagonal, abaixo dele, encontravam-se as cabanas dos silotes. Ele esperava
encontrar ali o seu equipamento e o de Alaska. Os nativos certamente estavam
demasiadamente intimidados, para empreender qualquer coisa contra ele.
Lloyd viu que alguns silotes estavam na grande praça que ficava entre os iglus. A
grande fogueira no meio da praça tinha sido apagada.
Certamente os nativos avaliavam isso como de mau agouro. Lloyd lembrou-se
como ele e Alaska tinham subido rua acima dentro do carro-jaula.
Quanto tempo fazia isso — horas ou dias? Ele notou que perdera todo o sentido de
tempo. O escudo protetor por cima do disco agora chamejava mais ainda. Ele parecia
reagir ao berreiro do Senhor da fortaleza. Lloyd reconheceu uma conexão entre esse
berreiro e o nome do descendente de insetos, semelhante a uma múmia. Quarschotz-o-
que-muda-a-voz!
Lloyd alcançou o fim da rua. Os últimos metros ele pulou do elevado para o chão.
Aterrissou suavemente entre as plantas parecidas com samambaias. Elas agora brilhavam
cinzentas, como se a circulação do seu desenvolvimento tivesse sido modificada de
algum modo.
Lloyd ergueu-se e continuou correndo. Poucos instantes depois ele tinha alcançado
as primeiras cabanas em cúpula. No seu interior amontoavam-se os silotes. Somente seis
nativos se mantinham do lado de fora, na praça. Eles se comportavam de modo muito
estranho.
Lloyd viu que eles dançavam em volta do missionário purpúreo, ao mesmo tempo
em que tocavam seus instrumentos semelhantes a alaúdes. O purpurino estava deitado,
muito rígido, no chão. Os seus pensamentos imploravam. Alguma coisa ameaçava
acontecer com ele.
Espantado, Lloyd aproximou-se mais. Agora, apesar do berreiro da fortaleza, ele
podia escutar o tocar lamentoso dos instrumentos. Eram sons que provocavam melancolia
em Lloyd, e ameaçavam torná-lo indolente.
Mesmo assim ele continuou caminhando. De sob pálpebras semicerradas ele
observou o cenário fantástico. Os silotes que tocavam os seus alaúdes, ao contrário dos
nativos dentro das cabanas, não pareciam sentir medo. Sua música parecia torná-los
valentes.
O mutante registrou a sinistra tensão emocional do missionário, estendido, rígido,
no chão. Os pensamentos daquela criatura pequena agora quase faziam mal a Lloyd.
Ele olhou para o prisioneiro dos silotes no chão. Ele imaginava o que agora iria
ocorrer, mas não mexeu sua mão para interferir de qualquer modo. No momento ele
estava como que paralisado. Até mesmo os perigos que ameaçavam a ele e a Alaska
passavam para trás.
E então o purpurino começou a se desintegrar. Jamais Fellmer havia vivenciado
como uma criatura dessa espécie se dissolvia.
O missionário desmanchou-se em partezinhas cristalinas, que se distribuíram pelo
chão. Era sinistro ver como os destroços isolados do corpo tentavam arrastar-se para
longe dali.
Os pensamentos do missionário se desfizeram numa sensação de terrível solidão.
Lloyd conseguiu libertar-se da visão dos silotes tocando alaúde e dos destroços
cristalinos no chão, e correu, atravessando a praça. Os seus pensamentos eram um
turbilhão.
Debaixo desse escudo protetor chamejante parecia haver uma única realidade — o
space-jet.
O telepata olhou em volta. Os seus sentidos parapsíquicos concentraram-se nos
pensamentos dos silotes. Ele procurava por indícios de onde poderia encontrar os
equipamentos. Ele precisava desse equipamento, pois somente com um dos aparelhos de
comutação de pulso ele poderia desligar o escudo protetor armado em volta da nave-
disco. Provavelmente ele também precisaria de uma das aparelhagens de voo para subir
ao telhado do silo, sobre o qual estava pousado o jato.
Desta vez foram seus olhos que o ajudaram. Do outro lado da fogueira apagada ele
viu uma pilha de objetos diversos que os nativos haviam reunido ali. Ali também se
encontravam os objetos do equipamento dos terranos.
Lloyd olhou em volta, procurando, porém ninguém veio ao seu encontro, nem
tentou atacá-lo por trás. Os seis silotes continuavam tocando os seus instrumentos
primitivos. Dos despojos do missionário não se via mais nada. Eles evidentemente
haviam se dissolvido.
O astronauta alcançou o lugar onde estava o equipamento. Ele remexeu por entre os
objetos e puxou para fora uma aparelhagem de voo. Ele parecia não ter sofrido danos.
Também encontrou um aparelho de pulso. Não era o seu próprio, porém isso agora não
era importante.
O terrano colocou a aparelhagem por cima dos ombros, amarrando-a precariamente.
Pegou o aparelho de pulso e saiu voando.
A voz do Senhor da fortaleza passou para um trovejar. Por baixo do escudo protetor
por cima do grande disco formaram-se manchas escuras.
Lloyd deu-se conta de que a partida era iminente.
Agora era uma questão de segundos.
7

Na central da Good Hope II a modificação do escudo protetor por cima do disco


também foi registrada. O que primeiramente parecia apenas um inchaço rápido,
transformou-se rapidamente numa pulsação regular. Os membros da tripulação
observaram o fenômeno com preocupação, especialmente porque do disco agora partiam
fortes descargas energéticas.
— Por lá começaram a funcionar estações que até agora estavam paradas —
verificou Atlan, que nestas situações sempre tinha uma rápida explicação pronta para dar.
— Isso pode significar que a formação está prestes a sair voando.
Rhodan reagiu com a calma que lhe era peculiar.
— Ligar escudos protetores! — ordenou ele. — Não devemos correr nenhum risco
inútil.
— O que vai acontecer com Lloyd e os outros dois homens? — perguntou
Tschubai.
Rhodan podia entender que o teleportador se preocupava especialmente com o seu
velho amigo. Desde a Crise da Segunda Geração, que tinha liquidado com quase todos os
mutantes, os sobreviventes se mantinham especialmente unidos.
Provavelmente Lloyd esperava que Rhodan agora reunisse um segundo comando de
ação, para lançá-lo ao espaço sideral.
Rhodan entretanto sabia que o risco para isso era grande demais.
— Precisamos esperar — disse ele, esquivando-se.
Eles observaram o grande disco. As emissões de energia continuaram constantes.
Também o pulsar do escudo protetor continuou regular. O que se passava por baixo desse
escudo, agora não se podia mais observar nem nos seus contornos. A força luminosa da
proteção energética agora se sobrepunha a todo o resto. Da central de rastreamento ainda
registraram fortes vibrações, que faziam concluir pelo início de funcionamento de
poderosos propulsores.
Esta verificação tornou as palavras de Atlan ainda mais duras.
A aparelhagem de hipercomunicação da Good Hope II agora funcionava
ininterruptamente. Entretanto os astronautas não receberam nenhuma resposta.
8

Fellmer Lloyd pousou no telhado do silo e ativou o aparelho comutador de bolso. O


escudo protetor em volta do space-jet apagou-se. O edifício, sobre o qual estava pousada
a nave-disco, também era tomado pelas constantes vibrações.
A voz do Senhor da fortaleza soava, aqui embaixo, como o ribombar de uma
distante trovoada. Lloyd saltou para dentro da eclusa e subiu para a central. Tudo estava
como eles haviam deixado. Ele respirou fundo, aliviado. Talvez ainda tivesse uma
chance.
Ele jogou-se no assento do piloto e deu partida no jato. Ele pairou para o alto,
deixando o telhado do silo. Em diagonal sobre a fortaleza Fellmer viu vir abaixo o
segundo pássaro. Caiu como uma grande pedra, bateu numa saliência da fortaleza e
escorregou pelo declive íngreme, até finalmente ficar dependurado em cima de uma torre
lateral.
O jato subiu para o “céu” coberto com nuvens amareladas, e aproximou-se do final
da rua, pela qual Lloyd tinha fugido. Dentro de poucos segundos o jato pairava por cima
do local onde Lloyd e Alaska tinham saído de dentro da fortaleza.
Lloyd deixou escapar uma maldição, quando não conseguiu ver Saedelaere.
Rapidamente ele ligou os alto-falantes externos do jato.
— Alaska! — gritou ele, ao microfone.
Nada! Saedelaere continuava desaparecido.
Lloyd ligou o propulsor antigravitacional e o piloto automático, e deixou o space-
jet pairar por cima do local. Depois abriu a eclusa e ligou seu aparelho voador. Enquanto
pairava para baixo, o seu olhar perscrutava as redondezas. Não se via nada de Saedelaere.
Ou ele tinha caído do alto do elevado, e estava lá embaixo, arrebentado por entre as
plantas, ou por alguma razão qualquer recuara novamente para o interior da fortaleza.
Uma terceira possibilidade era de que tinham raptado o lesado por transmissor.
Porém nisso Lloyd não queria pensar. Novamente ele verificou que não se podia ver
através das aberturas, porque aparentemente nenhuma luz caía para dentro da fortaleza.
O mutante aterrissou na rua balouçante e correu os poucos metros rua acima até a
entrada da fortaleza.
Ele descobriu Saedelaere logo depois do portal redondo. O homem com a máscara
estava caído ao chão, inconsciente. Lloyd segurou-o por baixo dos braços e saiu voando
com ele. O aparelho carregou os dois até o space-jet, no alto. O berreiro do Senhor da
fortaleza mais uma vez ganhou intensidade.
O escudo protetor agora chamejava tão fortemente que a luz dos sóis atômicos
empalidecia junto dele. A terra, abaixo da nave-auxiliar, parecia curiosamente
desfigurada.
“Tudo irreal!”, pensou Lloyd.
Ele deitou Saedelaere no chão da nave-disco, perto da eclusa, e voltou para a
central.
O pequeno disco voou para o alto, até a metade do escudo de proteção.
Lloyd perguntou-se, cheio de temor, se o escudo, no seu estado atual, deixaria
passar a nave.
Ele não teve alternativa que a de fazer uma tentativa.
***
O jato movimentou-se lateralmente — na direção do escudo.
— Lá estão eles! — a voz de Gucky era esganiçada.
Junto do grande disco aparecera um ponto de rastreamento — o space-jet.
Imediatamente restabeleceu-se a ligação por rádio. Fellmer Lloyd chamou. A sua
voz era sobreposta por energias estranhas, mas apesar do sibilar e rugir da interferência,
podia ser entendida nitidamente.
— Ligar o escudo de proteção! — gritou o mutante. — O grande disco deve partir a
qualquer momento.
— Já vimos! — respondeu Rhodan. — Tudo em ordem?
— Nós perdemos Whiilcont! — informou Lloyd à tripulação da Good Hope II. —
Alaska está ferido. O jato está em perfeitas condições de funcionamento. Nós agora
vamos entrar no espaço linear.
O mutante deu início a essa manobra, nem um segundo cedo demais, pois no
mesmo instante em que o space-jet desapareceu no espaço linear, foi criado no
continuum espaço-tempo, por cima do disco gigante, uma chamejante ruptura estrutural.
Com uma formidável potência energética o disco gigante saiu do Universo Einsteiniano,
desaparecendo no hiperespaço.
Ondas de choque correram rapidamente pelo setor do espaço, no qual ocorreu o
acontecimento. A Good Hope II, apesar de ter o seu escudo energético ligado, foi
atingida por elas. A nave começou a vibrar. Alguns instrumentos para medição energética
se romperam, outras instalações do rastreamento mostraram valores extremos.
A ruptura estrutural fechou-se atrás do disco desaparecido. Lentamente acalmou-se
o Universo abalado.
— Felizmente não há sistemas planetários nas proximidades — disse Rhodan. —
Eles não teriam resistido aos golpes gravitacionais.
Ele observou o “Enxame”, que entretanto não parecia ter sido influenciado de forma
alguma por este acontecimento.
Pouco tempo depois, o space-jet apareceu nas proximidades da Good Hope II e foi
recebido a bordo.
***
Enquanto Alaska Saedelaere estava sendo examinado por um médico, Fellmer
Lloyd fez um relato abrangente na central do cruzador.
Conforme ele já esperava, acabou topando com perplexidade e até com
incredulidade. Entretanto não se deixou irritar por isso, e continuou seu relatório.
Conforme correspondia à sua mentalidade, ele desistiu totalmente de tomadas de posição
ou teorias.
— O único indício que possuímos é o bloco de lixo, que se encontra a bordo do
space-jet — o mutante concluiu o seu relatório. — Ele certamente não poderá dizer muita
coisa aos cientistas, pois trata-se claramente de um produto de sucata.
— O senhor acredita que de suas experiências poderemos tirar algumas conclusões
a respeito do “Enxame”? — quis saber Rhodan.
Lloyd permitiu-se bastante tempo até dar uma resposta.
— Os habitantes da fortaleza e os silotes dificilmente têm alguma coisa a ver com
os Senhores do “Enxame”. Com o missionário purpurino, as coisas são diferentes. O seu
povo parece ter um papel significativo dentro do “Enxame”. De significação também
parece ser esse ídolo estranho, que tinha um papel importante nos atos e pensamentos do
missionário.
“Eu acho que este ídolo é o símbolo de um poder dentro do “Enxame”. Talvez a
análise avaliará um quadro melhor dos acontecimentos.
“De qualquer modo — acrescentou ele, para terminar — a fortaleza desapareceu de
nossa área de influência. Nós nunca mais a veremos, e os seus mistérios permanecerão,
em grande parte, sem solução.”
Rhodan anuiu.
— Entretanto, poderíamos acreditar que, dentro do “Enxame”, inúmeros povos
trabalham para uma meta comum. Um dos seus deuses é Y’Xanthymona, que
evidentemente possui diversos nomes.
Antes que eles pudessem analisar mais o problema, os aparelhos de rastreamento da
Good Hope II deram sinal novamente.
Nas telas de imagem apareceu uma nave espacial em forma de cubo, que
evidentemente saíra de dentro do “Enxame”. Ela começou imediatamente a acelerar, e
voou rapidamente ao longo do “Enxame”.
Perry Rhodan tomou uma resolução rápida.
— Vamos seguir essa coisa! — gritou ele. — É nossa segunda chance.
Senco Ahrat, que estava sentado na poltrona do piloto, fez a Good Hope II voar
rapidamente atrás da nave-cubo.
— Será que existe uma conexão entre o desaparecimento do grande disco e o
surgimento desta nave-cubo? — perguntou Ras Tschubai.
Para isso ninguém tinha uma resposta. Os primeiros contatos com os habitantes do
“Enxame” tinham aumentado o problema, tomando-o ainda mais enigmático.
— Eu acho — disse Perry Rhodan — que cada vez mais teremos perguntas
colocadas, antes de podermos ter algumas respostas válidas. Mas, no interesse da
Humanidade imbecilizada, nós não devemos desistir.
Suas palavras soavam como uma conjuração. A Good Hope II continuou voando
velozmente ao longo do “Enxame”, no rasto de uma potência estranha.
Mais uma vez puderam ser recolhidas algumas novas informações sobre o
misterioso “Enxame” e seus habitantes mais misteriosos ainda. Porém estas informações
até agora são apenas diminutas pedrinhas num mosaico, cujos contornos ainda não se
podem reconhecer.

***
**
*

A caça por informações continua. A Good Hope II


persegue um novo objeto voador que saiu de dentro do
“Enxame” — e Perry Rhodan e seus acompanhantes
intervém, quando o Povo de Escravos ataca um
mundo...
“O Povo de Escravos” — é o título do próximo
número da série Perry Rhodan.
Visite o Site Oficial Perry Rhodan:
www.perry-rhodan.com.br

O Projeto Tradução Perry Rhodan está aberto a novos colaboradores.


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