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LADRÕES DE
PLANETAS

Autor
CLARK DARLTON

Tradução
AYRES CARLOS DE SOUZA

Revisão
ARLINDO_SAN
(De acordo, dentro do possível, com o Acordo Ortográfico válido desde 01/01/2009)
Desde o dia em que a catástrofe irrompeu para quase
todos os seres inteligentes da galáxia, passou-se mais de um
ano. Porém ainda não existe uma real previsão de como deter
o misterioso “Enxame”, em seu voo através da galáxia, ou
então de anular a manipulação da constante de quinta
dimensão irradiada por ele, e que provoca o retardamento da
inteligência na maioria dos seres vivos.
Perry Rhodan e seus companheiros, entretanto, não
deixam de tentar qualquer coisa, para conseguir desvendar o
mistério do “Enxame”. Com exceção de algumas excursões,
o Administrador-Geral permanece quase que constantemente
nas proximidades do “Enxame”, com a Good Hope II, para
colher informações e efetuar investigações.
Nesta atividade os terranos já conseguiram alguns
êxitos notáveis. Entretanto o saber a respeito do sentido e do
objetivo do “Enxame” e sobre reais dominadores dessa
micro-galáxia peregrina ainda é bastante cheio de lacunas.
O rato-castor Gucky resolve ampliar os conhecimentos
que se têm sobre o “Enxame”. Apesar dos seus companheiros
o prevenirem, ele se mete num perigoso experimento
parapsíquico e entra em contato com um velho amigo que já é
tido por desaparecido há muito tempo.
E então Gucky sai voando para vencer “Os Ladrões de
Planetas” com sua astúcia...

======= Personagens Principais: = = = = = = =


Perry Rhodan — O Administrador-Geral preocupa-se com
Gucky.
Gucky — O rato-castor ousa um experimento parapsíquico.
Ribald Corello — Ajudante de Gucky.
Ras Tschubai, Toronar Kasom e Alaska Saedelaere —
Companheiros de Gucky.
Harno — Um ser de espaço, tempo e energia.
Caçador e Velho Senhor — Dois habitantes do planeta gelado.
1
Nem tudo que você vê, é realidade. E muito do que
realmente é, você não pode ver...

Os círculos eram coloridos e cintilavam em todas as cores que ele conseguia


imaginar. Eles giravam, uns devagar e pausadamente, outros numa velocidade tremenda,
de modo que ele mal podia seguir o seu giro com os olhos. Eles se entrecruzavam na
periferia, às vezes se confundiam e se fundiam numa unidade abstrata, e formavam
padronagens misteriosas.
Com tudo isso soava uma música estranha — se era música, que ele escutava.
Depois de certo espaço de tempo ele conseguiu até reconhecer uma certa harmonia,
ligada como uma repetição rítmica, que ele tentou identificar como uma melodia.
Cores e sons misturavam-se numa sinfonia esférica, irreal e fantástica, como se ele
se encontrasse numa condição de embriaguez, o que talvez estivesse mais próximo da
verdade. Mas era uma embriaguez pentadimensional, sem estimulação material.
Ele pairava no Nada, e nem sequer no Nada quadridimensional.
Não havia mais ele, porém mesmo assim ele existia.
Ele existia pentadimensionalmente.
E então ele percebeu novamente a voz, que já uma vez lhe falara, sem tonalidade e
sem som, porém mais nitidamente que cada palavra falada, ela conseguia participar-lhe
pensamentos e noções. Pensamentos e noções de um tipo muito real:
— O tempo agora não tem mais valor para você, assim como você agora também
venceu o espaço. Você queria o contato comigo e agora você o tem. Eu também procurei
por você, pois preciso de sua ajuda.
Ele quis responder mas depois lembrou-se que a voz também poderia ouvi-lo se ele
pensasse — pensasse forte e concentradamente. Ele não sabia a que distância estava essa
voz — ou aquilo que fazia parte da voz. Cem anos-luz? Milhares de anos-luz? Ou
simplesmente mil anos?
— Você precisa de minha ajuda? Eu queria a sua!
Cada vez mais veloz ficava o turbilhão dos círculos coloridos. Ele, que pairava fora
do espaço e fora do tempo, em meio à irrealidade caótica, deixou distrair-se por um
instante.
Por um instante? Talvez por décadas ou milênios, ele não o sabia. A música das
esferas tinha ficado mais baixa. Os círculos, ao contrário, giravam cada vez mais rápidos,
fundiram-se num universo de cores de uma policromia ondulante, que começou a formar
as primeiras concentrações.
Esferas, gigantescas esferas coloridas. Não eram mais círculos...
— Eu sou um prisioneiro. Campos energéticos me seguram e não me soltam mais.
Mesmo o tempo está parado para mim, apesar de eu o dominar como antes, e não ele a
mim. Onde é que você está? Q-u-a-n-do você está...?
Ele não pôde responder imediatamente, pois a notícia o tinha chocado. Como é que
ele podia pedir a ajuda de alguém, se este mesmo precisava de ajuda tão urgentemente?
Ele não conseguia tirar os olhos daquelas esferas coloridas pairantes, que pareciam sugar
todas as cores, até que o espaço ficou escuro e negro. A música tinha emudecido
definitivamente.
Novamente ele sofria com a solidão.
— Eu estou a-q-u-i! E a-g-o-r-a!
— Agora — isso é sempre. O nascimento do Universo coincide com o seu fim —
visto temporalmente. Eu posso prová-lo a você, meu pequeno amigo, se você o quiser. Eu
posso fazê-lo até agora, apesar de estar preso e indefeso, pois meus guardiões não têm
poder sobre o tempo. Eles têm de mim apenas o que é matéria. Porém mesmo ela eu não
gostaria de perder para sempre.
Uma das esferas, uma bola azul gigantesca, veio lentamente na sua direção, como se
quisesse tragá-lo. Ele não conseguia fazer nada contra isso, e talvez nem o quisesse. Sua
curiosidade era mais forte que o seu medo. Ele ainda sabia, que agora e aqui ele não
poderia morrer, pois aquilo que era mortal, ele não possuía mais.
Mas ele já começava a esquecê-lo...
O medo ficou novamente mais forte.
— Um sol azul — eu estou caindo dentro dele, amigo! Ajude-me!
A voz estava ali novamente, de imediato, e o acalmou:
— O sol consiste de energia, como você também. Nada lhe acontecerá. Nada pode
acontecer-lhe! Você se tornará uma parte de sol — você será o próprio sol. Você
vivenciou o seu nascimento e você também assistirá à sua morte. Bilhões de anos que lhe
parecerão minutos. E, na sua outra realidade, serão apenas segundos, nos quais o seu
coração talvez só bata uma vez.
O sol azul preenchia o espaço. Seus dedos energéticos eram como línguas, que
lambiam na sua direção e ameaçavam abarcá-lo. Instintivamente ele quis defender-se
delas, mas então a sua resistência esmoreceu. A voz estava ali novamente:
— Calma, muita calma. Nada lhe acontecerá. Você mesmo sabe, que sempre
poderá voltar para — de onde — e de quando — você veio. Mas você não teria ganho
nada, absolutamente nada! Esta busca teria sido inútil, e tudo teria que recomeçar outra
vez. É isso que você quer?
Não, isto ele não queria! Tinha sido bastante difícil criar a passagem — a passagem
da existência material para a energética. A passagem da terceira e quarta dimensões para
a quinta — e ficar dentro da mesma.
Ele caiu dentro do sol azul, mas não sentiu seu calor chame-jante, sua força
chamuscante, que tudo devorava. Somente não devorava a ele, pois ele se tornara uma
parte deste sol.
Ele caiu até o seu centro e então os campos gravitacionais o seguraram suspenso.
— Nós ainda temos contato? — pensou ele.
— Nós nunca o perderemos. — respondeu a voz. — Vivencie!
E ele, que agora era o próprio sol, ele vivia...
***
A força centrífuga, provocada pela rápida rotação, era maior do que as forças
negativas, a gravitação. Cada vez mais nuvens de gás — ou nuvens de energia pura —
eram arremessadas para longe, porém não se distanciavam tanto que não pudessem ser
recapturadas outra vez pelo sol azul gigante.
Elas começaram a circundá-lo em órbitas regulares, esfriando rapidamente. Mas
elas não se condensavam em matéria firme, mas em energia fria.
Elas se transformavam em planetas de energia.
Neste Universo somente havia energia, nenhuma matéria. Era um universo
pentadimensional. Um universo impossível...
Não mais para ele, que frequentemente já estivera dentro deste universo, por frações
de segundos, para deixar para trás distâncias inimagináveis em tempo-zero. Desta vez,
porém, ele conseguira transformar este estado em permanência. Ele continuou energético
no não-existente.
O sol ficou azul-pálido, depois branco e finalmente amarelo.
Bilhões de anos deviam ter se passado.
Os planetas, sete em número, tinham ficado sólidos, energia firme que era mantida
agregada por campos de força. Apenas exteriormente, eles não se diferenciavam em nada
dos mundos materiais, que ele conhecera.
Ele queria vê-los, talvez pôr os pés neles.
Ele chamou a voz:
— Contato?
— Contato feito, pequeno amigo.
— Os planetas do sol... eu os estou vendo. São mundos, como os que eu conheço?
Existe vida neles, ou algum dia haverá?
Em vez de uma resposta, o fantástico campo gravitacional do sol agora amarelo o
soltou. Uma gigantesca protuberância lançou-o para fora, para o espaço, e logo ele entrou
no campo gravitacional do quarto planeta, que o atraiu e o colocou numa órbita.
Sua própria vontade então fez com que ele baixasse para a superfície, onde pousou.
E ali estava ele, de pé, aparentemente corpóreo e real, existente, num deserto vazio
de um mundo morto. Não havia atmosfera, mas ele não precisava de nenhuma. Ele não
respirava, ele apenas existia.
O chão sob os seus pés — ele realmente possuía pés! — era firme e seguro. Ele
podia senti-lo, assim como podia sentir o seu corpo. As forças da gravitação eram
normais. Elas não o soltavam, mas também não o forçavam a ajoelhar-se. Ele estava
parado ali, solitário, realmente sozinho. Por cima dele estava o sol, agora mais branco que
azul, grande e quente. Sua claridade irradiante fizera apagar as estrelas, que deviam estar
no céu. Ela estava dentro de um círculo negro, em cujas bordas, somente pálidas e
tímidas, viam-se estrelas brilhando.

Cautelosamente, como se tivesse medo de afundar no solo, ele deu alguns passos na
direção de umas colinas alongadas, que bloqueavam a visão para o horizonte ocidental.
Parecia-lhe que dali vinha novamente aquela música estranha, que ele ouvira antes da
criação do Universo pentadimensional. Talvez tudo não passasse de imaginação e
somente existia na sua fantasia, também o sol azul e este planeta morto, mas ele via tudo
e sentia tudo.
Ele também viu as modificações na superfície do planeta, enquanto no céu o sol
lentamente começou a empalidecer e tornar-se amarelo, sem entretanto sair do lugar.
Novas montanhas foram criadas, enquanto as existentes ficaram mais baixas e
aparentemente afundavam no solo. Vulcões irromperam e jogaram formidáveis massas
gasosas para o céu, até que finalmente formaram uma atmosfera fina. Ela não fugiu para
o espaço, pois a gravidade do planeta sem nome a segurava.
Nas depressões começaram a formar-se líquidos, que caíam do céu. Chovia. Mares
foram criados — mares primitivos, baixos, enquanto a atmosfera ficara mais espessa e
mais alta.
Ele, para quem os bilhões de anos eram como minutos, tornou-se testemunha da
criação da vida — e não era vida energética, mas sim vida real, material como ele a
conhecia. Diminutos esporos, que tinham estado encapsulados, em rigidez mortal, tinham
deixado para trás milhares de anos-luz, eram capturados pela gravidade do planeta, e
caíam através da atmosfera para a superfície, até mergulharem no mar, amolecendo suas
cascas, fazendo com que eles mesmos novamente acordassem para a vida.
Ele perguntou-se, inutilmente, de onde tinham vindo estes esporos. Certamente de
um outro mundo, já habitado. Mas de onde...? Em algum tempo e em algum lugar deveria
ter havido o primeiro esporo!
Pouco mais tarde — visto do seu ponto temporal — os mares estavam cheios de
vida. Crustáceos, moluscos, peixes, os primeiros proto-anfíbios que tentavam viver em
terra. Depois cada vez mais animais, que conquistavam a terra, até que também ali
começou a luta pela existência, fazendo sobreviver a espécie mais forte.
Entrementes modificou-se a composição da atmosfera, pois extensas planícies agora
estavam cobertas por uma vegetação espessa, tropical. A fotossíntese produzia oxigênio,
pois o portador de energia — clorofila — estava presente. A vida tomava outra forma, e
se adaptava às novas condições. Com isso formavam-se todas as condições prévias para o
desenvolvimento da inteligência...
Ele mesmo ficou intocado por tudo isso. Apesar de achar que existia fisicamente
neste mundo, apesar de sentir calor e frio e também o chão firme sob seus pés, ninguém o
notava. Para esta vida ele era invisível, não existente. O tempo passava correndo
velozmente por ele, em direção ao futuro — carregando-o consigo.
— Amigo! — Ele chamou a voz. — O que você está me mostrando? Por que você
está me mostrando isto? Eu tinha vindo, para implorar a sua ajuda para nós, e então você
mesmo está precisando de ajuda. E agora isto...!
Através de bilhões de anos ele recebeu a resposta.
— Tempo, meu amiguinho, também pode ser uma ilusão, mas nós acreditamos
nela, por isso envelhecemos. Portanto, também o envelhecimento é uma ilusão?
Naturalmente não, pelo menos não para os mortais. Quero dizer com isso: Cada doença
se torna real através de ilusão e sugestão — e a morte também é apenas uma doença,
não mais que isso. Este planeta, como todos os mundos, está doente. Mal nascida, a vida
nele condena a si mesma à morte — é isto que eu quero mostrar a você.
— Mas o perigo, que ameaça a nossa galáxia — o “Enxame” — ele não é uma
ilusão, ele é real! Nós estamos apenas perdendo tempo...
— Nós jamais poderíamos perder o tempo, porque ele, neste sentido, não existe.
Nós podemos alcançá-lo ou correr ao encontro dele — como desejarmos. Nós
embarcamos nele, sempre que queremos. Quando você regressar para seus amigos, nada
terá sido perdido. Nada!
A voz perdeu-se.
Ele estava novamente solitário, no meio da vida em desenvolvimento de um mundo
que já não estava mais vazio nem era mais morto. O sol ficara amarelo. Povoados e
cidades foram construídos, e a inteligência dominadora descobriu a técnica. Logo suas
primeiras espaçonaves subiam para os céus azuis e alcançaram outros planetas do
sistema. E quando eles receberam visitas do Cosmo, ainda não estavam maduros para o
primeiro contato. A guerra os extinguiu.
O mundo estava novamente vazio e morto, e por longo tempo ele não era mais
habitável.
O sol tingiu-se de vermelho, quando o eterno círculo começava novamente. Mas
quando uma nova espécie inteligente povoou o mundo, ele era um mundo moribundo. Os
raios do sol, velho e cansado, não eram mais suficientes para manter a vida. Ainda antes
que a fuga para o espaço fosse feita, o sol quase esfriado transformou-se numa Nova
chamejante que engoliu todos os planetas até o sexto.
E então o sol apagou-se, como se estivesse enfartado.
Ele, entretanto, testemunha do acontecido, estava novamente pairando, incorpóreo,
no espaço entre as outras estrelas, que chamejavam ao encontro de destino semelhante.
***
Uma coisa forçou-se ao seu consciente.
Primeiramente ele quis defender-se instintivamente contra isso, mas depois
imaginou que era novamente a voz, que novamente queria entrar em contato com ele.
Ele desistiu de sua resistência e recebeu os impulsos de pensamentos de boa
vontade.
— Você vivenciou o nascimento, a vida e a morte de uma estrela, meu amigo.
Vivenciou tudo realmente! Este mundo existiu realmente — ainda existe! Ele é cheio de
esperanças e em breve o primeiro foguete subirá aos céus. O que acontecerá então é
inevitável. Já aconteceu — no futuro. Ninguém pode modificá-lo.
— Então o nosso destino é predeterminado? Isso não torna tudo que fazemos e
anelamos sem sentido? Por que eu peço a sua ajuda, se aquilo que eu quero evitar — o
desaparecimento — já aconteceu?
— Isto aconteceu em um dos planos existenciais, meu amigo, mas não em todos os
outros possíveis. Cada intervenção modifica as possibilidades existentes, mesmo quando
já tiveram início. É por isso — e não se esqueça disso jamais! — que cada aspiração tem
sentido!
— Como é que eu posso ajudar você?
— Não através do contato espiritual, que nós felizmente conseguimos estabelecer,
ainda que ele me possibilite esclarecer-lhe um pouco a situação. Somente a ação pode
ajudar — a você e a vocês. Relaxe agora, meu amigo, eu vou mostrar-lhe — ou pelo
menos tentarei fazê-lo — onde estou e o que eu sou. A tentativa pode fracassar e então
você terá que retirar-se imediatamente do meu consciente. Faça isso, antes que seja
tarde, você pode me prometer isto? Fuja, quando eu lhe pedir para fazê-lo, e tente
regressar mais tarde.
Ele prometeu, e sentiu como a voz se retirava dele. Mas o contato, desta vez, não foi
interrompido completamente. Parecia-lhe que alguém o segurava e tentava levá-lo junto,
e de boa vontade ele tentou segui-lo. A sua confiança na voz do amigo era ilimitada, pois
a voz era o amigo.
As estrelas passavam por ele como traços luminosos, quando ele caiu através do
Universo. Galáxias tornavam-se girândolas de fogo turbilhonantes, depois se
transformavam em pontos luminosos que emitiam uma luz tranquila em distâncias
infinitas. Desta vez não era o tempo que estava sendo percorrido, mas apenas o espaço.
Até que uma nova galáxia surgiu à sua frente e se aproximou.
Ele caiu para dentro dela. A nuvem de luz se desfez em bilhões de estrelas, mas não
eram elas que fascinavam o seu olhar, mas sim uma configuração, estranhamente
aglomerada, onde tinha um comprimento de milhares de anos-luz, e que penetrava, em
grande velocidade, na galáxia. Ela consistia de inúmeras bolhas de energia, que
envolviam planetas, sóis e gigantescas formações de naves espaciais, confundindo-se
umas com as outras.
O “Enxame”!
E ele, agora novamente incorpóreo e somente consciência, entrava velozmente para
dentro deste “Enxame”, passou, sem ser detido, pelos primeiros escudos energéticos — e
de repente não viu mais nada.
Em contrapartida ele sentia.
Uma dor imensa perpassou-o, torturou seu consciente e ameaçou estilhaçá-lo em
mil pedaços. Ele não tinha um corpo, mas sentia a dor com uma intensidade que antes
jamais poderia ter imaginado. A dor mental era maior que qualquer dor física. Era pior
que qualquer morte.
— Amigo, por que você não me ajuda? Por favor, ajude-me!...
A voz veio imediatamente, calma e cheia de consolo, confiante.
— Eu não posso ajudá-lo pois você sou eu. Nossas duas identidades fundiram-se
numa só, assim como também o seu consciente e o meu consciente são um só. O que eu
sinto você também sente. Agora você entende por que eu ansiei pela sua vinda?
Dores!
A voz tinha dores e ele também. Ele era a voz e a voz era ele.
Turbilhões energéticos giravam em torno dele. Eram eles que perpassavam no seu
consciente e que causavam as dores. Eles o mantinham (ou a voz) prisioneiro e não o
soltavam mais. Ele estava numa prisão pentadimensional.
— Eu sou você. Como é que eu poderia libertá-lo?
Ele estava falando consigo mesmo? Ele apenas se fazia uma pergunta que nunca
poderia responder? Mas não, mesmo que ele e a voz se tivessem tomado idênticos, eles
ainda tinham dois planos existenciais diferentes.
A voz retrucou:
— Para isso ainda é cedo demais, pois apesar de eu estar dentro de uma prisão
pentadimensional, a liberdade poderá ser alcançada através de meios
quadridimensionais. Vivencie e depois relate.
Os campos energéticos, tomando-se visíveis, formaram-se simbolicamente em
grades, que o seguravam. Ele não podia passar por elas, porque ele mesmo não passava
de energia. Elas o seguravam, e eram elas que ocasionavam aquela dor que se tornara
insuportável.
Uma dor pentadimensional!
As névoas energéticas ficaram mais transparentes. Através do meio
semitransparente o prisioneiro reconheceu uma figura gigantesca que nascia do Nada. Se
houvesse um céu, ela teria crescido até ele, mas na prisão energética não havia nenhum
céu. Só havia dores, e a figura gigantesca, em meio à neblina.
“Como um ídolo!”, pensou ele instintivamente e se assustou.
Um ídolo — ou um deus?
Ele o idolatrava e o odiava, pois o identificava com todas as dores que sentia, sem
diminuição e distintamente. E então voltou-lhe a lembrança.
— Como é que você consegue aguentar isso? Por que não se confunde o seu juízo?
Há quanto tempo eles já mantém você prisioneiro aqui?
— Noções de tempo não têm significação quando dois planos diferentes da
existência se cruzam. Dias, semanas, milênios. Talvez apenas segundos. Vocês têm que
vir até mim, fisicamente, corpóreos, na quarta-dimensão. Somente assim a libertação
será possível, pois então a dimensão pode ser cambiada arbitrariamente e por
necessidade. Mas tenham cuidado! Para demonstrar a você, já agora, a periculosidade do
empreendimento, eu vou mostrar Y’Xanthymr melhor a você...
— O quê?
Ele não recebeu mais nenhuma resposta, mas a névoa energética transparente ficou
mais diáfana, quase clara. Através da cintilação a figura gigantesca ficou mais nítida. Era
como se ela se aproximasse da prisão energética.
E então ela começou a chorar.
Lágrimas vermelhas brotaram dos seus olhos gigantescos...
2

Há mais de cinco semanas a Good Hope II e a Intersolar mantinham-se muito


próximas do “Enxame”, observando-o. Ambas as naves mandavam ininterruptamente
pequenas unidades de patrulha em missões, para observar cada movimento ou
modificação de rota do “Enxame”. Até agora não se tivera muitos resultados com estas
missões.
Com metade da velocidade da luz o “Enxame” penetrava cada vez mais na Via
Láctea.
Perry Rhodan, com Atlan, Fellmer Lloyd, Waringer e a mutante Irmina
Kotchistowa, estava a caminho do mundo dos Cem Sóis, depois de ter feito uma visita a
Quinto Center.
Exatamente no dia l9 de janeiro do ano 3.442 aconteceu a bordo da Good Hope II
uma coisa bastante estranha, para a qual primeiramente não se encontrou qualquer
explicação. Reginald Bell, que durante a ausência de Rhodan e de Atlan assumira o
comando da nave, não recebeu qualquer aviso prévio.
Uma hora antes ainda, ele estivera junto com Gucky, e o rato-castor comportara-se
do modo com o qual todos estavam acostumados. Depois de algumas perguntas sem
importância, entretanto, ele ficara estranhamente curioso, querendo saber tudo que se
tinha conseguido descobrir até agora sobre o “Enxame”, mas Bell sabia que Gucky era
muito curioso. Com boa vontade ele dera as informações, sem levar em conta aliás, que o
rato-castor, de qualquer modo, poderia ter ficado sabendo de qualquer detalhe, através de
suas capacidades telepáticas.
Ao despedir-se, Gucky tinha piscado para ele e dissera a única coisa que poderia
fazer pensar, da conversa:
— Até mais tarde, Bell. Eu não sei quando será isso, mas será melhor que você não
se preocupe demasiadamente. É que eu tenho uma ideia!
Bell ficara parado, involuntariamente.
— Uma ideia? Por todos os bons espíritos! Isso não! Eu conheço bem as suas
ideias!
— Esta não, meu caro! Portanto — não se assuste quando me vir da próxima vez. E
sobretudo... não se preocupe comigo! Entendido?
Bell sacudiu a cabeça.
— Você não poderia expressar-se com um pouco mais de clareza?
— Infelizmente não dá, isso apenas colocaria o meu empreendimento em perigo.
— Empreendimento? Que empreendimento?
— É justamente isso que eu não posso revelar-lhe, meu bom amigo. Eu espero
apenas que tudo tenha terminado, antes que Perry surja por aqui. Aliás, quando é que ele
está sendo esperado de volta?
Bell lastimou.
— Não tenho a menor ideia. Ele pode vir hoje, como também só daqui a quatro
semanas. Provavelmente nem mesmo ele sabe quando. Ele queria levar Waringer para o
mundo dos Cem Sóis que não é influenciado pelo “Enxame”. E isso fica a quase um
quarto de milhão de anos-luz.
Bell esperou mais um momento, mas Gucky já parecia tê-lo esquecido. O rato-
-castor estava acocorado sobre a sua cama, olhando fixamente para o chão. Ele ignorou a
presença do amigo, que finalmente deixou a cabine.
***
O rastreamento fino da Good Hope observou primeiro os impulsos das
interferências energéticas estranhas.
Sem dúvida alguma elas vinham do interior da nave, e podiam ser localizadas
facilmente. Talvez um dos isolamentos estivesse com avaria, o que era bastante
improvável. Ou alguém tinha brincado com a sua arma energética de impulsos, apesar da
proibição. Mas isso também era muito improvável.
Portanto, o que era?
Reginald Bell foi informado e imediatamente ordenou uma investigação. Como
Joak Cascal estava justamente ocupado na central de comando, o chefe da central de
rádio foi incumbido da mesma. Depois de um rápido olhar para o monitor de
rastreamento ele olhou, perplexo, para Alaska Saedelaere.
— Escute aqui, isso é totalmente impossível!
O chefe do rastreamento olhou de volta, também perplexo.
— Impossível? Como assim? A interferência energética foi verificada onde está
assinalado no mapa. Alguma coisa não está em ordem?
— Estas são as cabines! E olhe aqui, Alaska, aqui no mapa de bordo... é a cabine de
Gucky!
— Vai ver que o baixinho andou brincando com uma arma de raios.
— Neste caso, por favor, examine o senhor este caso. E se tiver razão com sua
suposição, pode logo aproveitar a ocasião de repreendê-lo. Onde é que vamos acabar, se
qualquer um a bordo da Good Hope resolve fazer exercícios de tiro particulares?
Cascal não estava convencido de que o rato-castor pudesse ser tão leviano. Em
silêncio ele deixou a central e deixou-se levar por elevadores antigravitacionais para o
andar onde ficavam as cabines dos alojamentos. Ele teria encontrado a cabine de Gucky,
mesmo sem um mapa de bordo, mas por segurança ele certificou-se mais uma vez de que
a anotação da central de rastreamentos estava certa. Só depois apertou a campainha junto
da porta.
Não houve nenhuma reação ao toque.
A cabine continuou fechada.
Por alguns segundos Cascal ficou parado diante da porta sem saber o que fazer.
Depois teve a ideia salvadora. Três portas de cabine mais para baixo no corredor havia
uma placa dizendo “Ras Tschubai”. Se Gucky achava que podia divertir-se às custas dos
terranos ele se enganava tremendamente. Um teleportador também não pararia diante de
uma porta trancada, para pôr os pés na cabine que lhe ficava por trás.
Ras estava deitado na cama e olhou, espantado, para Cascal.
— Ué, a que devo essa honra?
Cascal explicou-lhe tudo, e quando Ras fez cara de dúvida, ele insistiu:
— Pense um pouco, não é tão terrível assim, invadirmos a sua intimidade. Afinal de
contas rastreamos uma perigosa irrupção de energia e Gucky não abre a porta. Nós temos
o dever de nos ocuparmos com o assunto. Talvez realmente aconteceu alguma coisa.
Isso também convenceu Ras Tschubai. Como ele conhecia o local, pôde
concentrar--se exatamente na cabine de Gucky. Ele pegou a mão de Cascal e teleportou.
Quando eles rematerializaram, sem querer seguraram a respiração, pois o que viram
era inacreditável. Era simplesmente impossível!
Gucky estava pairando, cerca de um
metro acima do chão, em pleno ar, como
se estivesse sendo carregado por mãos
invisíveis. Seus braços estavam
firmemente apertados ao corpo, que
parecia rígido e imóvel. As pernas
estavam esticadas, como se estivessem
apoiadas, como o corpo, sobre uma base
absolutamente transparente. Os olhos do
rato-castor estavam muito abertos,
esbugalhados, mas não revelavam
nenhuma vida.
Ras foi o primeiro a recuperar-se
daquela enorme surpresa. Rapidamente ele
deu um passo para frente e tocou Gucky,
com um dedo, no peito.
— Pare com essa bobageira de sua
telecinese! — disse ele, inseguro. — Nós
já sabemos que você é um mestre da
levitação, capaz de pairar em pleno ar. —
Ele estacou. — Você está rígido como
uma tábua! Que história é essa?
Gucky não se mexeu. Sem modificação, ele se manteve na sua posição estranha.
Imóveis, os seus olhos estavam voltados para o teto.
Instintivamente Ras recuou um passo, e chocou-se contra Cascal, que não se mexera
do lugar.
— O que é isso?
— Não tenho a menor ideia, Joak. Normalmente, quando ele executa essas suas
brincadeiras, ele fica sorrindo e se mexe. Mas está rígido e duro. Será que ele está...?
— Morto? — Cascal sacudiu a cabeça. — Por que ele estaria morto e continuaria
dependurado no ar? Isso não é possível. O que é que o está segurando, afinal?
— Eu não creio mais que seja telecinese — disse Ras, cheio de dúvidas. — Se ele
se mantivesse nesta posição, ele estaria muito vivo, mesmo se tivesse que se concentrar
muito. Alguém o está segurando e nós não temos outro telecineta a bordo.
— Mas o que é então?
Ras não deu resposta. Novamente ele deu um passo em frente e tocou o corpo
enrijecido e aparentemente sem vida do rato-castor. Depois encostou-se, com todas as
suas forças, contra o corpo. Não houve qualquer resultado visível. Gucky ficou no
mesmo lugar, como se estivesse pregado ali.
— Campos energéticos! — disse Ras, convencido, desistindo de suas tentativas
inúteis. — Ele é suportado por campos energéticos, e isso também explica as
interferências nos rastreamentos. Mas quem poderia ter tido a ideia maluca de algemar
Gucky desse jeito? E por que ele não dá mais qualquer sinal de vida? — Ras puxou
Cascal para a porta. — Precisamos imediatamente informar Reginald Bell. E a enfermaria
de bordo!
***
O Dr. Fender, médico de plantão da Intersolar e especialista em problemas
cardíacos, colocou seus instrumentos de lado e observou o corpo, pairando livremente no
ar, do rato-castor, com renovado interesse. Era mais do que evidente que em toda a sua
vida, cheia de experiências, ele jamais tivera um caso semelhante. Bell, que estava parado
do seu lado, perguntou, impaciente:
— E então, o que há, doutor? Ele ainda vive?
Sem tirar os olhos de Gucky, o médico retrucou:
— Eu não sei exatamente se podemos designar este estado como “vida”. Ele ainda
respira, mas no máximo uma vez a cada cinco minutos. Sem aparelhos sensíveis, isso não
se pode determinar. As batidas do seu coração estão extraordinariamente retardadas. Uma
vez por minuto, devia ser o máximo. Uma espécie de sono profundo, diria eu, mas sem
poder definir a causa. Mas se o senhor o quiser assim — ele ainda vive! Disto não pode
haver a menor dúvida.
— Seria possível acordá-lo?
— Eu posso tentá-lo e os mutantes poderão tentá-lo. Talvez se trate de alguma
espécie de rigidez parapsíquica, que deve ser desconhecida da medicina normal. Mas eu
não consigo me explicar os campos energéticos. O que é que eles têm a ver com isso?
Bell voltou-se para Alaska Saedelaere, o chefe do rastreamento.
— O senhor rastreou e mediu o campo. Também não seria possível, encontrar o
ponto de partida da radiação concentrada aqui?
— Isso já foi tentado, mas sem sucesso. Os campos energéticos parecem nascer sem
fonte energética aqui neste recinto. Parece até que Gucky os está criando pessoalmente.
— Ele mesmo? — Bell observou o rato-castor pairando no ar. — Eu acho isso
impossível. Como é que ele conseguiria fazer isso?
Para isso naturalmente ninguém sabia uma resposta. O Dr. Fender disse:
— Eu sugiro que primeiramente não façamos nada, para não pormos a vida do
rato--castor em perigo. Talvez se trate mesmo por um estado desejado, que nós não
devemos interromper — quem sabe? Tranque a cabine e ponha um guarda na porta.
Qualquer modificação deverá ser-me comunicada. Eu estou pronto a trabalhar neste caso,
com os meus colegas da Good Hope.
Bell olhou para Ras.
— Seria muito interessante, se o senhor fizesse a gentileza de...
— Naturalmente. Eu fico aqui. Ficamos em contato, através do telecomunicador. —
Ele olhou para a pequena tela de imagem do intercomunicador. — Espero que ele esteja
funcionando.
Cascal olhou-o, numa censura.
— Aqui a bordo tudo está em ordem no que se refere a comunicações — meu caro.
Ras ficou satisfeito.
Cascal, entretanto, mais tarde, teve que aturar algumas observações bastante rudes,
das pessoas que tinham participado da conversa...
***
Bell lembrou-se da última observação que Gucky lhe fizera durante sua conversa.
De acordo com isso, o rato-castor devia ter sabido o que iria acontecer, e com toda
probabilidade este era um estado por ele mesmo desejado, cujo sentido e utilidade
naturalmente por enquanto permaneceriam desconhecidos.
Na central de comando não havia novidades. Kosum estava de serviço. Bell
informou-o do que havia acontecido, depois ligou o intercomunicador e fez uma ligação
para a cabine de Gucky, para mostrar o fenômeno ao emocionauta.
A tela de vídeo ficou escura.
Impaciente, Bell mandou chamar o chefe da central de rádio.
— Escute, Cascal, a instalação do intercomunicador foi examinada?
— Naturalmente, provas feitas ao acaso. Está tudo em ordem.
— E o que é isso? — Bell apontou para a tela de vídeo escura. — Noite em Titã,
não é?
Cascal olhou para a tela e depois verificou que a instalação estava ligada. Ele
sacudiu a cabeça.
— Não entendo isso. Por que justamente a ligação com a cabine de Gucky deveria
estar falhando, e além disso...? — Ele estacou. O seu rosto clareou. — Mas é claro, o
campo de interferências! Nós verificamos que o rato-castor está envolvido por um campo
de energia. Isso deve estar causando as interferências! Estranho, concedo, mas no
momento não se pode modificá-lo.
Perto da tela escura iluminou-se uma outra. Nela apareceu o rosto preocupado de
Ras Tschubai.
— Gucky está se mexendo! Eu quis informá-los, mas o intercomunicador não
funciona. Eu agora estou no corredor sete, junto das cabines...
— Gucky está se mexendo? Ele já está consciente?
Ras sacudiu a cabeça.
— Infelizmente não. O senhor também me entendeu mal. Ele mesmo não se
movimenta, ele continua pairando um metro acima do chão. Mas nesta posição pairante e
rígida ele modifica sua posição. Ele agora já está pela metade no corredor...
— Já estou a caminho! — gritou Bell e levantou-se de um salto. — Cascal, venha
comigo!
O mais depressa que podiam eles correram até onde Ras Tschubai, que já os
esperava ao lado da aparelhagem do intercomunicador. Mudo, ele apontou corredor
abaixo, de onde Gucky lentamente vinha voando na sua direção.
Quando ele ainda estava a cinco metros de distância deles, a tela do
intercomunicador que ainda estava em funcionamento apagou-se automaticamente.
Eles se afastaram para o lado, quando Gucky os alcançou e não tomou qualquer
medida para interromper o seu voo inquietante. Muito ao contrário, ele ignorou-os e
continuou voando na direção do elevador antigravitacional, cuja fonte energética ficava
muito profundamente no interior da nave.
Ele desapareceu no elevador e foi levado para o alto pelos campos.
Bell acordou novamente para a vida.
— Atrás dele! — gritou ele, quando venceu sua surpresa. — Mesmo neste estado
ele pode provocar as maiores barbaridades. Cascal, o senhor agora provavelmente
também já sabe por que o intercomunicador deixou de funcionar. Foi o campo energético
de Gucky que interferiu nele. Eu aposto que a instalação já está novamente trabalhando
sem problemas. Mas se minha teoria está certa, precisamos impedir de todas as maneiras
que Gucky alcance a central de comando.
Eles correram na direção do elevador.
Lá em cima, o rato-castor estava se empurrando exatamente para o corredor que
dava na central de comando. Dez metros antes dela, ele entrou num corredor lateral à
direita e tomou a direção da central de radiocomunicações, que aqui tinha uma segunda
entrada.
Quando ele ainda estava cinco metros afastado da porta, todos os aparelhos de rádio
deixaram de funcionar.
Todo fluxo de energia parou.
Bell, Cascal e Ras alcançaram a central de rádio através do recinto de comando.
Eles quiseram cortar o caminho a Gucky, mas só conseguiram isso em parte. A segunda
entrada trancou-se positronicamente quando Cascal apertou o botão correspondente.
Mas então ele olhou para Bell com os olhos muito abertos.
Antes que ele pudesse dar expressão a sua suposição, a porta abriu-se, apesar da
tranca, e Gucky pairou para dentro da central de rádio, quase majestosamente.
— Não podia mesmo funcionar! — verificou Bell pragmaticamente e observou o
rato-castor com fascinação. Os olhos do mesmo fixavam, mortos e vazios, o teto. — O
diâmetro do campo de interferência é de cerca de dez metros, na minha avaliação. Tudo
que é positrônico ou eletrônico e que entra no seu âmbito deixa de funcionar. Gucky se
encontra numa espécie de bolha de energia e é carregado por campos. Nós temos que dar
um jeito de tirá-lo daqui, caso contrário todas as instalações e aparelhos de comandos
falharão.
— Para onde?
— De volta à sua cabine, ali ele estará seguro. Nós temos que bloquear a porta, mas
por dentro. Ras pode cuidar disso e depois teleportar para fora. Eu não vejo outra
possibilidade, se não quisermos ter ainda outras chateações.
Alguns homens do pessoal de radiocomunicações correram até Gucky, pegaram-no
pelos pés e o empurraram novamente para fora, para o corredor. Na realidade Bell tinha
esperado que a coisa não seria tão fácil, mas viu-se agradavelmente decepcionado. O
rato-castor pairante não se opôs às tentativas de empurrões.
Com a cabeça para a frente, eles o empurraram na direção do elevador
antigravitacional, dando-lhe um último empurrão. Para surpresa de todos não houve
nenhum problema. Gucky pairou obedientemente para baixo, onde já era esperado por
Ras, que correra na frente.
Sem dúvida alguma o teleportador podia designar-se como o melhor amigo de
Gucky, por isso mesmo ele estava sendo muito tocado por esta estranha situação.
Cautelosamente ele recebeu o corpo rígido, deu-lhe nova direção, segurando-o, durante
os empurrões, pelas pernas. A bolha energética dentro da qual o rato-castor se encontrava
não oferecia qualquer obstáculo. Ha era absolutamente permeável, apesar de poder
influenciar comutações energéticas através da matéria.
Ras empurrou Gucky para dentro da cabine e trancou a porta com a fechadura de
emergência. A fechadura positrônica, aliás, agora já não funcionava mais.
Atentamente ele observou o rosto totalmente petrificado do seu pequeno amigo.
Agora, em posição esticada, o rato-castor parecia ter pouco mais de um metro de altura,
mas isso devia ser uma ilusão de ótica. O seu rosto era absolutamente inexpressivo, os
olhos mortos e vazios. Eles não espelhavam absolutamente nada daquilo que talvez
estivesse se passando no seu cérebro — se é que ali estava acontecendo alguma coisa.
Uma variedade de meditação extremamente concentrada?
Talvez. Mas quando, para quê?
Ou era um estado que tinha aparecido de forma surpreendente mesmo para Gucky,
sem o seu saber e sem o seu consentimento? Estranho era apenas que ele pairava
livremente no ar, seguro por campos energéticos e não estava simplesmente deitado no
chão. Neste caso, talvez se pudesse encontrar uma explicação.
Mas deste modo....?
Sem saber o que fazer, Ras finalmente teleportou de volta à central de comando.
— Na primeira oportunidade vou levar o Dr. Fender novamente até ele, para que o
observe. Eu estou muito preocupado.
Bell anuiu, distraidamente.
— O senhor não é o único que está preocupado — concedeu ele.
***
Ribald Corello, o supermutante, estava sentado na sua poltrona especial. Sua cabeça
gigantesca era segura por ganchos de apoio, pois jamais a musculatura do seu pescoço
seria capaz, sozinha, de dar suporte ao peso enorme do crânio.
Também Corello parecia mudado, mas não tanto, que chamasse a atenção
particularmente. Até mesmo Balton Wyt, o telecineta, não tinha notado nada. Ele
naturalmente lembrava-se que Gucky, nos últimos dias, estivera por diversas vezes a
bordo da Intersolar, para conversar com Corello, mas geralmente haviam falado apenas
de coisas sem importância. Pelo menos, durante o tempo em que ele, Balton Wyt,
estivera presente.
O que os dois tinham falado, quando ele não estava junto deles, naturalmente ele
não podia saber.
Esta era a razão por que ele não podia dizer nada a Bell, quando este perguntou.
Mas Bell também perguntou a Ribald Corello.
Primeiro ele não obteve resposta. O supermutante com muitos dons extraordinários
estava sentado na sua poltrona, indiferente e aparentemente sem concentração. A
aparência enganava. Neste momento não havia ninguém a bordo das duas naves que
estivesse mais concentrado que Ribald Corello, mas naturalmente não o demonstrava
para Bell.
Ele parecia, além do mais, cansado e com vontade de dormir, e quando finalmente
reagiu à pergunta de Bell, ele o fez de modo rabugento e indiferente.
— O que é que eu deveria saber? Gucky? Ele agora certamente tem outras
preocupações.
— Eu receio, — disse Bell, — que ele no momento não tem qualquer tipo de
preocupações, e se nós não fizermos nada ele nunca mais terá nenhuma. O senhor precisa
ajudar-nos, Corello.
— Ninguém pode ajudar agora.
— Quer dizer que sabe de alguma coisa?
— Se eu soubesse de alguma coisa com certeza, eu o diria. Eu só posso pedir-lhe
que tenha um pouco mais de paciência e de confiança. Marechal-de-Estado, o senhor tem
que esperar, mais do que isso não posso dizer-lhe.
— Já que o senhor sabe de alguma coisa, pelo menos poderá me tranquilizar, para
que eu não me preocupe sem necessidade.
Corello olhou para Bell, absorto.
— Muito bem — então, por favor, não se preocupe.
Bell estava quase desesperando, mas depois de mais algumas tentativas de
solucionar o enigma, ele desistiu. Num silêncio encarniçado, ele abandonou a cabine na
qual se encontrava Corello. De qualquer modo a conversa dera-lhe a certeza de que
Corello sabia a causa do estado de Gucky, ou pelo menos imaginava o que poderia ser.
Mas por que ele não revelava nada a respeito?
Enquanto Bell voltava para a Good Hope próxima, pelo transmissor, Corello perdeu
uma diminuta fração de sua concentração anterior, que era dirigida única e
exclusivamente para Gucky, e voltou para a realidade dos seus arredores.
Ele refletiu.
Gucky viera até ele, para pedir-lhe ajuda. O rato-castor planejava um experimento
parapsíquico da maior importância, e precisava de sua ajuda para a execução.
Ele e o rato-castor tinham se tomado bons amigos. Corello, portanto, ouviu o plano
de Gucky, refletiu — e depois de alguma hesitação disse que ele era bom. Ele chamou a
atenção do amigo para a periculosidade do empreendimento, mas naturalmente foi em
vão.
— Isso eu mesmo sei — havia dito Gucky, fazendo um gesto defensivo, quase
paternal. — Meditação absoluta — o que há demais nisso? Uma rigidez parecida com a
da morte — e daí? Importante é que o meu espírito fique seguramente escudado contra o
mundo exterior perturbador. Eu preciso poder trabalhar sem ser incomodado. Um campo
energético provavelmente seria o indicado, não um campo energético normal, mas algum
muito especial. Você consegue produzir isso?
— Como e para quê?
— Eu preciso ficar dentro de uma espécie de bolha energética, pairar dentro da
mesma, e não tocar mais em nenhuma matéria. Só desta maneira me será possível separar
o espírito do corpo, e eu preciso fazer isto se quiser executar o que tenho em vista.
Preciso deixar o corpo para trás na Good Hope, pois eu não preciso dele.
— Por que você não informa Bell e os outros sobre isso?
— Bell nunca permitiria o experimento, e aconselharia esperar pelo regresso de
Rhodan. Para isso, entretanto, não há tempo. Além disso, ele não acreditaria em mim, de
que isso pode dar certo.
Corello ficara curioso:
— E o que, afinal, vai dar certo para você? O que é que você pretende alcançar com
a meditação absoluta, com a separação do espírito do corpo? Isso, pelo menos, você têm
que me dizer.
— Não, também a você não vou dizê-lo, Corello. Isso não é nenhuma desconfiança,
mas apenas precaução. Instintivamente, durante o experimento que pode demorar horas
ou mesmo dias, você pensaria nisso e assim perturbaria a minha própria concentração.
Ninguém deve pensar naquilo que estou planejando. Ninguém, Corello! Somente eu!
— Está certo, isso eu entendo. Concentração focalizada, portanto. Eu vou ajudá-lo.
Um campo energético segurará você. Mas espero que você conheça o perigo que vai
enfrentar. Podem ocorrer circunstâncias que impeçam o regresso do seu espírito ao corpo.
Neste caso você morreria — você sabe disso?
— Somente o meu corpo teria que morrer, Corello, minha consciência continuaria
existindo — e também continuaria vivendo eternamente, mesmo sem o ativador celular.
Na realidade eu me tornaria imortal.
— Não diga bobagens, Gucky! — Corello ficara realmente furioso. — Como
espírito você não nos teria mais nenhuma utilidade, além disso ninguém mais poderia
fazer-lhe cafuné — e isso, com certeza, você gostaria que lhe fizessem como espírito,
pelo que conheço de você. Portanto, reflita bem no que vai fazer. Amanhã espero pela sua
decisão definitiva.
— Esta já está tomada. Quando começamos?
Mas Corello permanecera duro.
— Amanhã! — tinha ele assegurado com precisão. — Nunca antes!
E no dia seguinte eles o haviam ousado.
Exatamente no dia lo de janeiro do ano 3.442, tempo padrão terrano.
Apesar dos enormes dons do supermutante não fora fácil erguer o campo de força.
Gucky estivera em contato telepático permanente com Corello, mas apenas quando os
campos tinham começado a carregá-lo, ele pôde concentrar-se no seu projeto próprio.
Corello somente percebeu que a consciência de Gucky de repente se apagou,
quando abandonou o seu corpo. Ele realmente conseguira separar-se inteiramente da
matéria e praticamente transferir-se, como unidade energética, para uma outra dimensão.
Agora somente tocava ainda a ele, Corello, vigiar o corpo do rato-castor.
Ele tinha uma enorme responsabilidade, pois se alguma coisa desse errada, ele seria
responsabilizado por isso.
***
Durante duas semanas inteiras Gucky ficou na sua cabine.
Diariamente o Dr. Fender vinha acompanhado de um grupo médico de especialistas,
para examinar o corpo enrijecido com instrumentos muito sensíveis. Eles não
conseguiram verificar qualquer mudança naquele estado inexplicável. O rato-castor, sob
o ponto de vista clínico, estava praticamente morto, mesmo se respirava a cada cinco
minutos uma vez e o seu coração batia uma vez por minuto.
No dia 15 de janeiro, porém, houve uma modificação, que provocou algumas
preocupações justificadas, especialmente nos técnicos da Good Hope.
Gucky começou mais uma vez com seus passeios.
Primeiramente pensou-se num acaso e especialmente em que Ras Tschubai, o único
que afinal podia entrar na cabine, pois a porta estava trancada por dentro, talvez tivesse
esquecido de recolocar a tranca, depois da visita médica. Mas o teleportador afirmou que
não cometera nenhuma falha de omissão.
De qualquer modo, Gucky estava pairando novamente, primeiramente sem ser
notado, através de diversos corredores e elevadores. Finalmente ele chegou àquela parte
da nave onde ficava toda a instalação reguladora da aparelhagem climatizadora. Um robô
de manutenção, naturalmente guiado positronicamente ficou parado como que pregado
no lugar, quando entrou no âmbito de efeito do campo energético, que o rato-castor
portava.
Segundos mais tarde também as instalações climatizadoras deixaram de funcionar.
Foi na central de controles que a falha das máquinas correspondentes foi notada
primeiramente. Havia muitos instrumentos que oscilavam loucamente ou caíram para
zero. Ninguém pensou em Gucky, que afinal não se mexera de sua cabine, há catorze
dias.
Mesmo sem as instalações climatizadoras, a tripulação relativamente pequena da
Good Hope ainda não estava em perigo. O ar para respirar existente dentro da nave
espacial globular era suficiente por semanas, sem renovação. Mas acoplados com a
instalação de climatização também estavam a calefação e a refrigeração. Apesar do
excelente isolamento do casco externo, portanto logo ficaria frio dentro da nave, pois não
havia nenhum sol aquecedor nas proximidades.
O defeito indubitavelmente estava na central de regulagem. Kosum mandou dois
técnicos, que deviam examinar a avaria e tratar de consertar a falha. Por cautela, ele ligou
o intercomunica-dor para se informar pessoalmente das coisas que aconteciam na central
de regulagem.
A tela permaneceu escura.
Imediatamente Kosum teve uma estranha desconfiança. Ele lembrou-se do ocorrido
há catorze dias atrás, quando o intercomunicador com a cabine de Gucky repentinamente
deixara de funcionar. Ele apertou um outro botão, e imediatamente Bell respondeu.
— Aparelhos de climatização com defeito — relatou ele. — O intercomunicador
com a central de climatização também. Uma tropa de verificação já está a caminho.
Bell entendeu imediatamente.
— Gucky! — disse ele, e desligou.
O rato-castor estava pairando bem no centro do pequeno pavilhão. Aparentemente
sem saber para onde deveria dirigir-se. Seu estado rígido não se modificara.
Bell alcançou a central de regulagem apenas poucos segundos depois dos técnicos.
Ele acenou para os mesmos.
— Não há nenhum perigo! Apenas temos que levá-lo de volta à sua cabine. Eu
apenas me pergunto como é que ele conseguiu sair de lá.
Essa naturalmente era uma pergunta que nenhum deles pôde responder.
Eles agarraram o rato-castor pelas pernas, sem serem impedidos pelo campo de
força, e o puxaram para fora do recinto. Imediatamente o robô paralisado reassumiu suas
atividades, como se entrementes nada tivesse acontecido. E ele também não verificou
mais nenhum defeito, pois as máquinas de climatização funcionavam novamente sem
problemas.
Do lado de fora, no corredor, os dois homens colocaram o rato-castor no meio,
enquanto Bell determinava a direção, segurando-o pelas pernas enrijecidas. Deste modo,
a estranha procissão finalmente alcançou o seu destino, onde Ras Tschubai já esperava
por eles, para trancar a cabine novamente por dentro.
Ele ainda garantia a porta adicionalmente com algumas trancas magnéticas e
prometeu a Bell que, de futuro, somente tele-portaria os médicos para dentro da cabine.
Era preciso ter segurança máxima.
***
Dez dias mais tarde chegou uma mensagem de hiper-rádio de Perry Rhodan.
No momento ele estava em Quinto Center, depois que as condições confusas no
mundo dos Cem Sóis tinham sido esclarecidas. Ele fez um curto relato dos
acontecimentos emocionantes e anunciou seu provável regresso à Good Hope para o dia
28 de janeiro.
Isso seria daqui a três dias.
Bell cuidou da confirmação da notícia, mas evitou qualquer menção sobre o
estranho comportamento de Gucky. Ele não queria alarmar Rhodan, além disso, daqui a
três dias ainda seria bastante cedo para informá-lo sobre o ocorrido. Talvez o telepata
Fellmer Lloyd também pudesse trazer um esclarecimento.
Uma suposição que deveria confirmar-se proximamente.
Os três dias se passaram sem acontecimentos especiais. Somente mais uma vez o
Gucky pairante abandonou sua cabine para fazer confusão na casa de refrigeração, mas
um comando especial pôde recapturá-lo novamente com rapidez. Bell então insistiu numa
guarda diante da porta da cabine, que se mostrou eficiente.
No dia 28 de janeiro abriram-se as portas do hangar, para receber o space-jet de
Rhodan no interior da Good Hope.
***
Poucos minutos mais tarde, Rhodan se encontrava, perplexo, diante do seu pequeno
e fiel amigo Gucky. Apesar do relato de Bell, o haver preparado, ele estava horrorizado
quanto ao estado enigmático do rato-castor, que o deixava profundamente inquieto. Ele
não encontrou nenhuma explicação para o comportamento do mutante, e como Bell ele
também teve a ideia de pedir o apoio de Fellmer Lloyd.
— Afinal ele deve estar transmitindo impulsos telepáticos!
O telepata sacudiu a cabeça, resoluto.
— Mas não está! Nem um único pensamento, nenhum impulso, nem sequer o
menor traço de uma padronagem. É como se Gucky não tivesse mais um cérebro capaz
de funcionar, como se ele estivesse morto.
— Morto? — Rhodan olhou para os olhos vazios de Gucky.
— Ele não pode estar morto — ele não deve! É outra coisa, mas o quê? — Ele
olhou novamente para o telepata. — Fellmer, o senhor precisa concentrar-se e procurar.
Se alguém a bordo da Good Hope ou da Intersolar souber de alguma coisa, então o
senhor precisa encontrar esta pessoa! É impossível que Gucky tenha provocado este
estado sozinho. Alguém o ajudou nisso, ou — o que seria pior — o criou sem que ele o
soubesse. Pense, sobretudo, nos mutantes. — Rhodan olhou firmemente nos olhos de
Fellmer Lloyd. — E em primeira linha pense no nosso amigo Ribald Corello.
Fellmer prometeu iniciar os trabalhos imediatamente.
Rhodan ainda consultou o Dr. Fender e os seus médicos. Ele parecia tranquilizado,
depois de ter falado com eles, e depois foi até a central de comando, para fazer, ele
mesmo, um relatório, sobre o seu empreendimento terminado com êxito. Julian Tifflor, o
comandante da Intersolar, também estava presente.
O “Enxame”, entrementes, continuava voando, com a mesma velocidade de sempre,
na direção antiga.
Em meio a animada conversa, veio um chamado pelo intercomunicador, de Fellmer
Lloyd. O telepata estava na cabine de Gucky, junto com Merkosh, o “Vítreo”, para
observar o rato-castor.
— Eu estou captando impulsos de pensamentos! Eles não se originam
exclusivamente em Gucky, mas são tão fracos que não posso identificá-los. Também os
pensamentos de Gucky são incompreensíveis. De qualquer modo ele pensa novamente,
portanto não está absolutamente morto.
— Fique aí, eu irei imediatamente, depois que estivermos prontos aqui.
Pouco mais tarde Rhodan, na companhia de Bell e Julian Tifflor, entraram na cabine
do rato-castor. Fellmer Lloyd estava sentado na cama, enquanto Merkosh entrementes
abandonara a cabine.
— Que pensamentos são esses? — quis saber Rhodan, preocupado. — Há sinais de
pânico ou de insegurança? Fale de uma vez, Fellmer!
O telepata tinha compreensão pelo nervosismo de Rhodan.
— Está tudo em ordem. Os pensamentos de Gucky, que aliás eu só reconheço
quanto à sua padronagem, não pelo conteúdo, parecem ser absolutamente calmos e
normais, mas eu não consigo captar o seu sentido. Parece que a meio caminho eles são
codificados, ou são tão deformados que ficam irreconhecíveis. Eu não tenho uma
explicação para isso. Nunca ouvi dizer alguma coisa sobre códigos de pensamentos.
— Nem eu — concedeu Rhodan. Depois ele sacudiu a cabeça. — Mas isso é tolice,
Fellmer! Quem é que poderia codificar o pensamento? Isso é tecnicamente impossível.
— Já muitas vezes achamos impossível uma coisa que mais tarde demonstrou ser
facilmente realizável. Não devíamos nos esquecer disso. De qualquer modo, neste caso,
realmente é impossível identificar claramente os impulsos de pensamentos. São dois
fluxos, com os quais temos que nos ocupar. O mais forte provavelmente se origina em
Gucky, se a padronagem estiver certa e não estiver sendo simulada. O segundo vem de
uma distância muito grande e é muito fraco. Qualquer tentativa de identificação é inútil.
— Existem ainda outros impulsos?
Fellmer Lloyd anuiu.
— Sim, muito nítidos, aliás. Eles vêm da Intersolar e se originam em Ribald
Corello. Sem dúvida alguma ele tem a ver com todo esse assunto.
Rhodan olhou para Julian Tifflor, depois acenou para Fellmer Lloyd.
— Bell fica com Gucky. O senhor me acompanhará, junto com Julian, para a
Intersolar. Vamos ouvir o que Ribald tem para nos contar — eu estou muito curioso.
***
O pequeno transmissor de bordo levou-os em fração de segundos de nave para nave.
Apesar de Rhodan agora estar convencido de que o estado estranho do rato-castor tinha
sido produzido de livre e espontânea vontade e conscientemente, apesar de o ter sido para
um fim ainda desconhecido para ele, ele não se sentia tranquilo. No mínimo o que o
afligia era a incerteza.
Somente Ribald Corello poderia esclarecer-lhes alguma coisa agora — se ele
quisesse.
O supermutante recebeu os homens não-anunciados com um jeito de poucos amigos
— de chamar a atenção. Rabugento, ele perguntou pela saúde de Rhodan, e depois não se
incomodou mais com ele, nem com Tifflor ou Fellmer. Ele realmente não notara que o
telepata estava entre os visitantes?
Rhodan passou por cima da inamistosidade de Corello.
— O que se passa com Gucky? — perguntou ele, sem rodeios. — Todas as pistas
energéticas conduzem ao senhor, Corello, o senhor naturalmente devia saber disso. Eu
quero uma informação clara.
Corello perdeu um pouco de sua auto-segurança.
— O que deveria estar acontecendo com Gucky? Ele medita, ao que me parece.
Pelo menos ele me anunciou que pretendia fazer isso, há algum tempo atrás.
— Não me diga, ele medita? E isso dentro de uma bolha energética, cuja origem
deve ser procurada neste recinto. O senhor não acha isso estranho?
Corello respondeu, secamente:
— Sim, isso realmente me parece um pouco estranho.
Fellmer Lloyd sacudiu a cabeça, quase imperceptivelmente, quando Rhodan o olhou
interrogativamente. Parecia que ele não era capaz de captar os impulsos mentais do
supermutante. Um bloqueio mental?
— Caso se trate de um experimento de Gucky, Corello, ele provavelmente
obrigou--o a silenciar sobre o mesmo. Eu posso exonerá-lo dessa obrigação?
— Não, infelizmente o senhor não pode.
Com isto Corello no mínimo confessara que ele tinha a ver com esta coisa
diretamente. Já era alguma coisa!
— Então é um experimento voluntário?
— Sim, é isso mesmo. Mas quanto ao fim, o senhor não conseguirá saber de nada
através de mim, simplesmente porque não o conheço. Esta é a verdade. Fellmer Lloyd
pode verificar isso. Eu vou abrir o meu bloqueio mental por dez segundos. Por favor...
Rhodan esperou. Depois o telepata fez que sim.
— Corello fala a verdade. Ele não conhece os motivos de Gucky. O rato-castor,
queria meditar fortemente e tentar fazer com que a sua consciência abandonasse o seu
corpo. Isso foi há exatamente quatro semanas atrás.
— Quatro semanas! Para uma consciência sem corpo, em certas circunstâncias, é
um longo tempo. Especialmente para o corpo. Faz quatro semanas que Gucky não se
alimenta mais.
Corello disse, calmamente:
— Isso não lhe faz mal, pois o seu corpo consegue passar com as reservas
existentes, e isto, com a sua gordura, não é pouca coisa.
Em outras circunstâncias, Rhodan talvez sorrisse, mas agora continuou sério.
— Espero que tenha razão, Corello. Muito obrigado pela informação. Quando é que
espera o regresso de Gucky? Ele deve ter feito alguma indicação.
— Como é que ele poderia fazer isso, se avança num território que também para ele
é totalmente estranho? Jamais alguém tentou separar o seu espírito do corpo, para
penetrar numa outra dimensão.
— Uma vez alguém já tentou fazer isso e o realizou — disse Rhodan, e pensou no
teletemporário Ernst Ellert. — Mas, mais tarde, nunca mais voltou. O seu corpo ainda jaz
nas profundezas da terra de Terrânia, e espera pelo regresso do seu espírito. Agora já faz
quase mil e quinhentos anos que ele espera — e neste meio tempo não se modificou. Mas
o coração não bate mais. Ele está morto.
— Ele não pode estar morto — retrucou Corello, enérgico. — Caso contrário o seu
corpo não existiria mais. Este Ellert vai voltar exatamente como Gucky vai regressar.
— Espero que isso não demore mil ou dois mil anos — disse Rhodan, amargo.
Eles abandonaram a cabine de Corello e ainda ficaram parados, em grupo, diante do
transmissor.
— Eu devia ter prestado mais atenção em Corello — opinou Julian Tifflor.
— Ninguém tem culpa — acalmou-o Rhodan, antes de entrar no pequeno
transmissor. — Ninguém poderia ter impedido o que Gucky planejava, muito
secretamente. Eu tenho certeza de que ele sabia exatamente o que estava fazendo. Apenas
podemos esperar, para vermos se a sua pretensão realmente obterá êxito.
— Vou mandar observar Corello — prometeu Tifflor.
— Entendido. Venha, Fellmer. Há muito trabalho ainda à nossa espera.
Um segundo mais tarde, eles chegaram à Good Hope.
***
No dia 3 de fevereiro a sua paciente espera foi gratificada.
Ras Tschubai justamente tinha rendido Fellmer Lloyd.
Ele examinou a tranca e a fechadura magnética, com as quais ele fechara
hermeticamente a porta da cabine de Gucky. Não tinha havido mais nenhuma excursão
do rato-castor. Rhodan recebia regularmente os relatórios médicos a respeito das
condições clínicas do seu pequeno amigo.
Ras sentou-se e ficou olhando para Gucky, que parecia sem modificação.
Mas uma coisinha chamou-lhe a atenção. Parecia-lhe que o dedo mindinho da pata
direita estava encurvado. Este anteriormente não tinha sido o caso. Todos os membros
não apenas estavam rígidos como também retos. E agora o dedo mindinho estava
curvado.
Ras não tirou os olhos do dedo torto, e certa vez pareceu-lhe ter visto um diminuto
movimento. Talvez fosse uma ilusão...?
Não, não foi nenhum engano!
Toda a mão direita mexeu-se, quase imperceptivelmente e um pouco
espasmodicamente, como se a volta à vida estivesse causando uma dor insuportável à
mão.
O perigoso regresso de Gucky, do mundo dos espíritos para o mundo real,
começava.
No mesmo instante em que Ras reconheceu os primeiros movimentos do rato-
-castor, também começou a modificar-se o comportamento de Ribald Corello. Na sua tela
de vídeo Julian Tifflor, que justamente o observava, viu que o supermutante caiu numa
rigidez pouco natural e fechou os olhos. Imóvel, a grande cabeça repousava nos seus
suportes. A forte concentração era evidente.
Rhodan estava em ligação direta com Tifflor, depois que Ras o havia informado
sobre o começo do regresso de Gucky. Para isso, porém, era necessário que Fellmer
servisse de estação retransmissora, pois o intercomunicador da cabine do rato-castor
agora mesmo não funcionava absolutamente.
O Dr. Fender e o seu grupo tinham corrido até Ras, para manter o corpo do rato-
-castor sob controle.
As batidas do coração aceleraram quase imperceptivelmente, mas os instrumentos
sensíveis o notaram. Logo eram duas batidas por minuto, depois três. Também a
respiração ficou mais rápida. A vida voltava ao corpo enrijecido, que lentamente
começou a se mexer, apesar do campo energético ainda o manter, fazendo com que
Gucky continuasse pairando.
— Espero que eles o consigam — murmurou Rhodan, quando viu o rosto
preocupado de Tifflor. — Será que ninguém pode ajudá-los?
— Receio que ninguém seja capaz de fazê-lo — respondeu Tifflor, que não podia
imaginar que Corello sugava as reservas mentais energéticas dos outros mutantes,
utilizando-as para fortalecer o campo de regresso. — Nós apenas podemos esperar...
E eles esperaram.
Depois de mais ou menos uma hora, o corpo de Gucky começou a baixar
lentamente. Ras e os médicos imediatamente o seguraram, deitando-o na cama. O campo
energético, que tinha segurado o rato-castor até então, apagou-se. A tela do
intercomunicador, até então ligado inutilmente, funcionou sem problema. A tela de vídeo
acendeu-se. O rosto de Rhodan apareceu na mesma.
Ras agora podia informá-lo diretamente sobre o restante dos acontecimentos.
As pálpebras de Gucky começaram a tremer, depois ele abriu os olhos, que pouco
antes ele fechara repentinamente. Mas desta vez eles não olhavam fixamente e mortos
para o teto, mas pela primeira vez há cinco semanas havia novamente vida neles.
Eles se viraram para Ras.
O teleportador empurrou o rato-castor de volta para a cama, quando este tentou
erguer-se.
— Fique deitado bem quieto, baixinho. Você me entende? Você pode me escutar?
Ras achou que Gucky tivesse anuído. Fellmer Lloyd disse:
— Impulsos mentais normais, existentes! Suas condições melhoram. — Ele olhou
em direção ao intercomunicador. — Talvez seja melhor se o senhor vier para cá.
— Vou levar Atlan comigo — respondeu Rhodan, antes da tela apagar.
Pouco mais tarde Rhodan, Atlan e Bell entraram na cabine. O Dr. Fender ainda
continuava ocupado com seus instrumentos, mas anuiu para os recém-chegados,
tranquilizando-os.
— Tudo em ordem. Ele está voltando a si. Batidas do coração e respiração estão
novamente normais. Não há razão para preocupações.
Rhodan olhou diretamente para o rosto de Gucky. Dali veio-lhe reconhecimento,
um pouco cansado, mas também um pouco triunfante. As bochechas pareciam encovadas.
A falta de qualquer alimentação durante semanas fazia-se notar.
— E então, Gucky, como é que você se sente? — perguntou Rhodan
cautelosamente, curvando-se sobre ele. — Você nos pregou um belo susto!
Os lábios até então apertados fortemente de Gucky se mexeram com muito esforço,
mas a boca ainda não se abriu. Fellmer parecia estar cantando alguns pensamentos, pois o
seu rosto revelava uma tensa concentração, mas também continuou mudo. Aparentemente
ele não queria adiantar-se ao rato-castor.
Os olhos de Gucky fecharam-se novamente. O seu corpo relaxou-se, como se ele
quisesse juntar suas forças. Atlan olhou interrogativamente para Fellmer. O telepata
anuiu, tranquilizando-o.
Rhodan sentou-se numa cadeira, ao lado da cama. Atentamente ele observava
Gucky, que permanecia deitado muito quieto, respirando regularmente. O Dr. Fender e
seu assistente recuaram um pouco.
— Está tudo perfeitamente em ordem — garantiu ele mais uma vez. — Ele apenas
ainda está fraco, e precisa recuperar-se. Deixem-lhe algum tempo para isso.
Rhodan anuiu.
— Está bem, doutor. Se precisarmos do senhor, mandarei chamá-lo.
O médico entendeu. Junto com seu assistente ele deixou a cabine. Bell olhou atrás
dele.
— Agora ele está ofendido — observou ele, secamente.
— Isso agora não importa — acalmou-o Rhodan. — Não sabemos o que Gucky tem
para nos dizer, e ao que parece ele agora está fora de perigo. Olhem — ele está se
mexendo outra vez...
Gucky abrira novamente os olhos. Ele olhou para todos, um depois do outro, e pela
primeira vez viu-se um indício do que parecia ser um sorriso no seu rosto. Depois ele
ficou sério novamente. Os lábios se mexeram. A primeira palavra inteligível:
— Eu... estou... de volta!
Rhodan colocou sua mão levemente no braço dele.
— Sim, você está outra vez de volta, meu baixinho. Fique deitado bem quieto e não
se mexa, não faça qualquer esforço. Espere ainda, até que você se sinta bem. Nós temos
tempo.
O rato-castor mexeu a cabeça. Aquilo devia ser uma negação.
— Não, não temos tempo. Perry, o “Enxame”... — Ele silenciou, exausto.
Rhodan curvou-se para bem perto da boca de Gucky.
— O que há com o “Enxame”, Gucky?
Desta vez, o rato-castor não respondeu imediatamente. Era evidente que ele se
sentia muito fraco e que estava totalmente exausto. Não fazia sentido querer obrigá-lo a
fazer um relato, nestas condições. Rhodan reconheceu isso. Ele perguntou a Fellmer:
— Ele pensa, não é verdade? Isso não daria uma concatenação?
— Ele não pensa mais do que o que fala. Ainda é tudo completamente sem sentido.
Deve haver um perigo, um perigo horrível, mas eu não consigo reconhecer do que se
trata.
Bell e Atlan tinham se sentado. Ras estava de pé ao lado da porta, cuja fechadura
positrônica agora funcionava sem problemas. Fellmer se mantinha aos pés de cama, para
poder observar Gucky constantemente.
Eles esperaram.
Sua paciência foi posta a dura prova, pois somente meia hora mais tarde os olhos de
Gucky se abriram novamente. O seu olhar estava mais claro, e quando falou, desta vez,
ele olhou para Rhodan.
— O Y’Xanthymr...!
Quando ele silenciou, Rhodan não fez qualquer pergunta para não interromper a
evidente concentração do rato-castor. Ele conservou para si mesmo todas as suposições
que lhe vieram neste momento. A palavra estranha não lhe dizia nada, apesar de parecer-
-lhe já ter ouvido a mesma em algum lugar. Mas isso também poderia ser um engano.
— O Y’Xanthymr... ele mata e mata... e enquanto o faz chora lágrimas vermelhas...
— Exausto, Gucky estacou, para se recuperar do terrível esforço que lhe causava a fala.
Mas parecia que ele queria, conscientemente, desistir de transmitir sua mensagem
telepaticamente. Novamente seus lábios se mexeram e desta vez suas palavras vieram
mais nítidas e mais compreensíveis. Elas, inclusive, conseguiram formar uma frase
concatenada. A mesma dizia: — Ele conduz o seu povo para os Sítios Aclar e dali para os
Sítios de Aclar o Jovem...
Gucky, que durante a fala tinha se erguido um pouco, caiu para trás e fechou os
olhos novamente. Sua respiração tornou-se mais rápida, depois uma convulsão sacudiu-o
todo. Segundos mais tarde ele estava outra vez deitado muito quieto, como se tivesse
adormecido.
Rhodan levantou-se.
— Agora precisamos poupá-lo. Eu acho que a mensagem mais importante ele já nos
passou. Talvez mais tarde ficaremos sabendo de outras coisas. — Ele olhou para Atlan.
— Aclar? Isso me parece conhecido.
— A mim também, Perry. Precisamos perguntar aos bancos de dados do
computador positrônico. Existe uma conexão entre Aclar e a Intersolar, disso tenho
absoluta certeza.
Rhodan anuiu para os dois mutantes.
— Vocês ficam com ele, e não afastem seus olhos. Se for necessário chamem o Dr.
Fender. Caso contrário encontrarão Atlan, Bell ou a mim, na central de comando da
Intersolar. — Ele olhou mais uma vez para a figura imóvel do rato-castor. — Ele agora
precisa de descanso, e é isso que vamos dar-lhe.
Eles abandonaram a cabine.
O transmissor, mais tarde, levou-os para a Intersolar.
Eles alimentaram as poucas informações de Gucky ao enorme computador
positrônico da nave, que imediatamente começou a busca. Foram necessários apenas
poucos minutos para que todas as informações tivessem sido trabalhadas e peneiradas. O
que sobrou, foi uma informação curta, mas muito elucidativa, que confirmou todas as
suspeitas de Rhodan e de Atlan.
O texto era o seguinte:
“A central de rádio da Intersolar captou, no dia 6 de agosto de 3.441, uma
advertência, com o seguinte texto (depois da avaliação pela positrônica, devidamente
completada): Cuidado, não penetrem no ‘Enxame’. No seu interior existe o mais horrível
de todos os universos. Os Sítios Aclar logo terão sido alcançados. Deixem-nos examiná-
los em suas realidades...”
Depois veio um adendo:
“A informação provavelmente tem origem em Powee Froud-Crofton, que penetrou
no ‘Enxame’, e nunca mais voltou. Fim.”
Rhodan, Atlan e Bell voltaram em silêncio para a Good Hope. Eles começaram a
imaginar as conexões, mas ainda faltava-lhes a confirmação do próprio Gucky.
Mas não podia haver mais dúvidas de que o rato-castor visitara o “Enxame”, para
descobrir mais sobre o seu caráter.
Ele o fizera sem o seu corpo, apenas com o seu espírito.
E ele tinha voltado!
3

— Eu sei que corri um grande risco e que devia ter pedido autorização antes, mas
vocês, Perry e Atlan, não estavam aqui. Bell, sozinho, não poderia tomar a decisão,
portanto preferi confiar o segredo a Ribald Corello, inclusive porque ele era o único que
me podia ajudar com isso. O meu plano consistia em ir procurar Harno.
Rhodan respirou fundo.
— Harno...? Como é que você teve essa ideia? Há muito tempo que não tivemos
mais contato com o ser energético, e para mim é um mistério que...
— A resposta é evidente, Perry. O “Enxame” contém um perigo, do qual nem
mesmo o Imortal de Peregrino não tem certeza, conforme já ficamos sabendo. Por que
então não supor que Harno também tivesse sido atingido por ele? Mas também uma
segunda suposição parece lógica — Se alguém realmente ainda poderia ajudar, esse
alguém seria Harno.
Lentamente Atlan anuiu.
— Harno, o enigmático ser de tempo, espaço e energia! Ele não se encontrava no
lugar que é designado como “Fim do Tempo”? Como é que o “Enxame” poderia exercer
influência ali?
— Eu não sei — disse Gucky, que se recuperara muito bem, estando sentado na
cama, apoiado por alguns travesseiros. Na mesa ao lado havia um grande copo de
concentrado de frutas. — Era tudo apenas suposição, só isso. Aliás, eu nem sabia se iria
consegui-lo, mas lembrei-me de algumas observações de Harno, durante uma conversa
que certa vez tive com ele. Ele sublinhou, naquela ocasião, que o domínio absoluto de
espaço e tempo era um desprendimento da energia da matéria — em outras palavras: O
desprendimento do espírito do corpo. Ellert também era capaz disso, por isso mesmo ele
transformou-se no teletemporário. Eu falei com Corello, ele achou-o possível, apesar de
desaconselhar-me de tentá-lo. Para mim, porém, era bastante a pequena chance de tentá-
-lo. Eu precisava entrar em contato com Harno, se quisesse investigar o “Enxame”!
Rhodan mal ainda podia conter sua agitação.
— E então...? Você teve êxito?
Gucky sorriu e olhou para Fellmer. O telepata passou-lhe o copo com o suco de
frutas.
— É claro que tive êxito, mas deixem-me fazer meu relatório, em sequência correta.
Primeiro, falemos de Harno! Este era meu objetivo principal. A desmaterialização foi
difícil, mas finalmente a consegui com o apoio de Corello. O meu consciente soltou-se do
corpo, que caiu numa rigidez de morte e ficou para trás, dentro de um bolha energética.
Eu sabia que o meu estado provocaria algumas preocupações, mas não acreditava que
levasse tanto tempo. Eu contava apenas com algumas horas.
— Foram quase cinco semanas — lembrou-lhe Bell, numa censura. — Tivemos
muitas chateações com o seu corpo e o campo energético. Mas isso, Ras já deve ter-lhe
contado.
— Contou. Eu realmente sinto muito, mas não podia imaginar que Corello me
deixasse voando por aí. Talvez também ele não tivesse influência sobre isto, e era apenas
uma reação do corpo sobre o vivenciamento de meu consciente. Sempre ainda havia uma
conexão entre isto.
— Claro, deve ter sido isso — disse Rhodan, um pouco impaciente. — E como foi
que você encontrou Harno depois?
— Eu pairei livremente no espaço entre os universos pentadimensionais e como
unidade energética. Eu chamei Harno, mas não recebi resposta, pelo menos não logo.
Somente agora eu sei que distância os meus sinais parapsíquicos tinham que vencer —
distâncias temporais, naturalmente. Mas mesmo o domínio do tempo não pôde ajudar
Harno. Ele se encontra, como prisioneiro, no interior do “Enxame”.
Ele silenciou e olhou para os rostos dos amigos, que revelavam decepção e pavor.
Sem que lhe pedissem, ele continuou o seu relatório.
— Como prisioneiro, mas isso eu somente fiquei sabendo mais tarde. De qualquer
modo, de repente eu consegui contato com Harno. Ele não me revelou onde nem quando
ele estava. Ele mostrou-me o nascimento de um sol, a formação dos seus planetas, seu
desenvolvimento e finalmente seu fim terrível no fogo do sol ardente e moribundo. Eu
vivenciei bilhões de anos em minutos ou horas. Talvez tenham sido dias. E então eu
tornei-me Harno.
— Você se tomou — o quê?
— Harno e eu nos fundimos numa unidade só. Eu mesmo acabei prisioneiro do
“Enxame”, uma grade energética me segurava — a mim, um espírito incorpóreo! Ou a
mim, Harno! Ele comunicou-me que sua prisão durava há apenas algumas horas, mas
isso também poderiam ser anos ou milênios. Ele mesmo não consegue escapar, e eu
somente pude fazê-lo porque não me tornei Harno realmente, mas apenas me fundi
parapsiquicamente com o seu consciente. Ele tentou explicar-me isto, mas, para dizer a
verdade, eu não o entendi muito bem. De qualquer modo, eu vivenciei também aquilo
que Harno vivenciava. Eu vi Y’Xanthymr.
— Ele é o senhor do “Enxame”?
— Isso eu não sei, realmente não. Eu gostaria de designar a gigantesca figura como
um ídolo vivente, ao qual cada criatura que pertence ao “Enxame” tem que prestar
obediência incondicionalmente. E o ídolo decidiu incluir no “Enxame” um mundo rico
em matérias-primas. Junto com o seu sol!
Rhodan perguntou, estupefato:
— O “Enxame” está roubando sistemas solares?
— Exatamente — um sinal seguro de que eles — o que quer que seja “eles” —
necessitam de matérias-primas, para poderem existir. Isso é ruim, ou será um fio de
esperança?
— Ambas as coisas! — Rhodan olhou, tenso, para Gucky. — Continue, o que mais
você conseguiu ficar sabendo?
Gucky aceitou novamente o copo de Fellmer e bebeu o suco.
— A posição do pequeno sistema que deverá ser absorvido. Eu posso dar-lhes a
mesma exatamente. Trata-se de um pequeno sol, vermelho-escuro, com dois planetas. O
segundo desses planetas é um mundo de gelo. Os raios do sol moribundo não conseguem
mais aquecê-lo. A blindagem de gelo tem quilômetros de grossura. O primeiro planeta é
um deserto de pedra, coberto de cascalho. Mas ambos os planetas são ricos em matérias-
-primas. Eles devem ser roubados, junto com o seu sol. Na realidade não é uma grande
perda para nós, pois o sistema é desabitado. Mas será que mundos habitados não
poderiam também algum dia, serem atingidos...?
Rhodan anuiu, ainda um tanto perplexo.
— Sim, isso poderia acontecer. — Ele olhou para Gucky. — Se nós conhecemos a
intenção do “Enxame” e a posição do sistema, uma oportunidade única parece que se nos
oferece...
Gucky interrompeu-o:
— Que bom que temos a mesma ideia, Perry. Eu apenas preciso me recuperar um
pouco mais, e então a coisa começa.
— Que coisa? Suas expressões... Além do mais, você pode tirar isso de sua cabeça,
meu caro. Se dermos início a um empreendimento, esta vez será sem você. Você precisa
de descanso, de mais nada. Você vai me dar os dados do sistema, e então eu farei...
— Perry! — disse Gucky, enérgico. — Você não vai fazer coisa alguma! Você não
vai poder fazer nada porque só eu, sozinho, conheço a posição em questão, e eu só a
tomarei conhecida se o empreendimento for executado como eu o imagino. Isso não é
nenhuma chantagem, mas uma sóbria afirmação. — De sorriu. — Você agora está
zangado, Perry?
Rhodan suspirou, mas não negou.
— Zangado ou não... quais são as suas condições?
***
Alaska Saedelaere, Ras Tschubai e o ertrusiano Coronel Toronar Kasom já haviam
sido informados por Gucky. Com toda a calma ele lhes descrevera a situação e não
escondera absolutamente que se tratava de um empreendimento muito perigoso. Mesmo
assim, nenhum dos três participantes queria desistir do mesmo. Todos eles sabiam o
quanto dependia do êxito de sua missão planejada.
Quando Rhodan ficou sabendo que Gucky já tinha também escolhido e informado
os participantes, ele ficou um pouco fora de si.
— Você não acha que está agindo um tanto precipitadamente? — perguntou ele ao
rato-castor, quando este lhe explicou suas condições. — E por que, justamente esses três?
— Eu acho que eles são adequados — respondeu Gucky, sem maiores explicações.
— Além do mais, então seremos dois teleportadores, de modo que poderemos nos
movimentar sem problemas. Vamos voar para um dos planetas de matérias-primas, com
uma pequena nave, pousamos no mesmo, e ficaremos esperando ali até a chegada do
“Enxame”.
— Você deve estar maluco ou cansado de viver!
— Nenhuma das duas coisas, e este também é o motivo por que eu insisto tanto em
executar o empreendimento. Perry, você não vai conseguir me fazer desistir, e se você
refletir mais uma vez, com toda a calma, vai ver que não existe qualquer outra
possibilidade, se quisermos ficar sabendo de mais coisas. Nunca mais vamos ter uma
chance igual.
— Tudo isso pode estar correto, mas pense no risco! Você simplesmente quer
pousar num planeta que, com certeza, será inserido no “Enxame”. De que maneira vocês
pretendem deixar o “Enxame”? Mesmo Harno não o consegue.
— Não está dito que eles possam nos descobrir. Se tomamos um space-jet e o
escondermos bem, nenhum aparelho de rastreamento nos encontrará. Além do mais, o
planeta inteiro, dizem, é constituído de minerais e matérias-primas. Isso dificulta
qualquer rastreamento. — Gucky sacudiu a cabeça. — Eu, no seu lugar, não me
preocuparia demasiadamente. Nós já passamos por coisas bem piores.
— É justamente isso — opinou Rhodan, seco — que eu duvido.
— O planeta de gelo é mais rico em matérias-primas que o primeiro. Naturalmente
vai ser um pouco inconfortável nele, mas pelo que fiquei sabendo parece que há até zonas
sem gelo no equador, onde alguma coisa deve crescer.
— Talvez ele seja habitado, apesar de tudo — opinou Rhodan.
— Não, eu não acredito nisso, mas devo esclarecer que não recebi informações
definitivas a respeito. De qualquer modo eu registrei o planeta como desabitado. Eu
realmente não posso imaginar que alguém queira morar para sempre dentro de uma
geladeira.
— Aliás, com isso tudo, lembrei-me de Sandal Tolk, nosso famoso arqueiro.
Também ele penetrou no “Enxame”. Nunca mais ouvimos nada a seu respeito.
— Ora, Perry... — a voz de Gucky era uma censura só. — Em primeiro lugar eu
não me chamo Sandal, e em segundo ele partiu na sua missão, sob condições bem
diferentes. Muito bem, e agora mastigamos bem todos os argumentos?
— De minha parte — sim.
— Ótimo. Amanhã é o dia 8 de fevereiro. Amanhã será o dia. A posição, pelo que
acabei de ler nos seus pensamentos, você já mandou programar. A Intersolar vem junto?
— Ambas as naves vão acompanhar vocês e manter contato.
— Excelente! Então eu ainda vou dormir um pouquinho e depois vou fazer andar
meus acompanhantes. Eles já estão doidos de alegria.
— Isso eu posso imaginar — observou Rhodan, pouco convencido.
***
Os dados de posição de Gucky se demonstraram incorretos. No setor do espaço
designado por ele havia treze astros, dos quais muitos possuíam planetas. O
telerrastreamento começou a trabalhar. Na central de comando da Good Hope esperava-
-se tensamente pelo resultado, enquanto Gucky apenas tinha feito um gesto defensivo,
dirigindo-se calmamente para o hangar, onde alguns técnicos preparavam um space-jet
para a missão especial. Ras Tschubai e o piloto Toronar Kasom já estavam com seus
trajes de combate, que devido à sua excelente construção, deviam servir, em primeira
linha, para enfrentar as condições climáticas extremadas do mundo de gelo,
possibilitando sua estada no mesmo. Alaska Saedelaere ainda estava como Rhodan, na
central de comando.
— Um deles provavelmente deve sê-lo — disse ele, enquanto o telerrastreamento
corria. — As características do sistema são inconfundíveis.
A cabeça do “Enxame”, com quase 820 anos-luz de largura, estava bem perto,
diante dos treze sóis, dos quais cada um podia ser captado. Com metade da velocidade da
luz, ele se aproximava, sem mudar de direção.
— Eu ainda mandei algumas naves de reconhecimento — disse Rhodan. — Nós
temos que ter certeza absoluta de que vocês vão pousar no planeta certo. — Ele sacudiu a
cabeça. — Para falar a verdade, eu bem que gostaria de proibir essa missão maluca.
— Não adiantaria! — disse Saedelaere, curto. — Nós estamos firmemente
decididos, e nada poderia fazer-nos mudar de opinião. Nem mesmo sua proibição.
Rhodan suspirou.
— Eu sei, eu sei. O Coronel Kasom já me disse a mesma coisa. Só posso esperar
que vocês voltem sãos e salvos.
Os primeiros resultados foram liberados. Quatro das estrelas não tinham qualquer
planeta, três eram orbitados por apenas um acompanhante. Três sóis possuíam dois
planetas, mas somente um deles correspondia às descrições de Gucky. Um sol vermelho-
-escuro com um planeta desértico e um planeta de gelo.
Não havia dúvida, este devia ser o sistema “Import-I”, conforme entrementes fora
registrado nos mapas estelares.
O segundo planeta recebeu o nome de AE-I.
Abastecedor-do-Enxame I.
Ele ficava a apenas dois dias-luz diante da cabeça do “Enxame”, e relativamente à
velocidade do “Enxame” ele não se movimentava. Mais exatamente, todo o sistema não
se movimentava, quando se tomava a meia-velocidade da luz do “Enxame” como ponto
de referência. Como o “Enxame” pretendia conseguir trazer o sistema roubado para sua
própria velocidade de voo, sem destruí-lo no processo, era um mistério.
Quando Rhodan decidiu mandar sair um space-jet para um reconhecimento mais
exato, Gucky apareceu na central de comando. Ele simplesmente teleportara, quando
captou os pensamentos de Rhodan.
— Não, não foi isso que nós combinamos! — gritou ele. — Se alguém for fazer um
reconhecimento aqui, será a missão de comando.
— Eu queria apenas aliviar vocês — tranquilizou-o Rhodan, um pouco
surpreendido com a iniciativa do rato-castor. — Além do mais, vocês ainda não estão em
condições de...
— Estamos apenas esperando pelo homem mascarado — disse Gucky e apontou
atrevidamente para Saedelaere, que se encontrava ao lado de Rhodan. — O space-jet está
pronto para a partida. De minha parte podemos partir.
Saedelaere começou a ajeitar o seu traje de combate.
— Eu estou pronto, Gucky — garantiu ele. — Estava apenas esperando pela ordem
de partida da missão.
— Que eu lhe estou dando neste momento — disse-lhe Gucky, secamente. — E
então, Perry... nós nos despedimos. Fiquem em ligação conosco, e se a técnica fizer greve
mais uma vez, nós ainda temos Fellmer.
— A telepatia falha, quando o “Enxame” tiver engolido vocês.
Gucky anuiu, calmamente.
— Com isso vocês vão ter que conviver — disse ele, com fingida indiferença. —
Mas você pode ficar tranquilo. Nós estaremos em contato, enquanto for possível — e
quando, depois disso, for possível novamente. Façam figa por nós!
— Todos nós vamos fazer isso — disse Rhodan, foi até Gucky e colocou a mão nos
seus ombros. — Tenham cuidado! Eu já tive muitas preocupações com você. Boa sorte!
— Até logo! — disse Gucky rapidamente, tentando esconder o seu embaraço. —
Vamos dar uma olhada nesse congelador...
Junto com Alaska Saedelaere ele deixou a central de comando.
***
A catapulta jogou o space-jet para o espaço. Ele imediatamente iniciou viagem e
afastou-se rapidamente da Good Hope, que, contra a Intersolar que lhe ficava por trás,
parecia um diminuto anão.
Toronar Kasom levou o disco, numa grande curva, para longe das duas naves, e fez
o primeiro contato pelo rádio. Os últimos dados foram trocados, depois o piloto acelerou
o pequeno veículo espacial, tomando a rota da cabeça do “Enxame”, que se destacava
como uma pequena galáxia contra o fundo das estrelas.
— Nós temos a posição exata? — quis saber Ras.
— Já foi armazenada. Um único salto linear será suficiente, e estaremos em
distância para os sensores de matéria.
— Totalmente desnecessário! — ouviu-se a voz de Gucky, para quem mais uma vez
nada ia suficientemente depressa. — Afinal de contas, eu sei que o planeta consiste quase
que exclusivamente de valiosas matérias-primas.
— Mas nós precisamos de uma comprovação — declarou Kasom, enérgico. — Sem
ela a missão é supérflua.
— As naves-cubo do “Enxame” analisaram o sistema — isso foi-me confirmado
por Harno. Para que querem ainda uma comprovação, que poderá nos colocar em perigo?
Vocês são terrivelmente escrupulosos, difíceis de engolir!
— Foi Rhodan quem ordenou isto — disse Kasom, simplesmente, e se voltou aos
controles. — Dentro de dez minutos, entremos no espaço linear.
Gucky silenciou, chateado. Naturalmente ele era tido como o comandante oficial do
empreendimento, mas sabia muito bem que ele não podia determinar sozinho o que devia
acontecer, e o que não devia.
Quando, depois da manobra linear, eles caíram de volta ao espaço normal, o sol
vermelho encontrava-se logo à sua frente. Ambos os planetas podiam ser vistos a olho
nu. O interior brilhava amarelado, o exterior era tristemente branco.
Os sensores de matéria começaram o seu trabalho e confirmaram os dados de
Gucky cem por cento, o que deu motivo a algumas observações ferinas do rato-castor,
que foram ignoradas por Kasom. Um curto contato pelo rádio confirmou que a Good
Hope e a Intersolar tinham entrado numa posição de espera, a uma distância de cerca de
dez anos-luz diante do “Enxame”.
— Temos três a quatro dias de tempo, depois o “Enxame” estará aqui — disse
Kasom e observou o planeta AE-I na ampliação do vídeo. — Agora realmente parece
muito pouco convidativo.
— Mesmo assim vamos pousar — disse Gucky, com ênfase. Parecia que ele tinha
medo que no último momento pudessem mudar de opinião. — Nós vamos encontrar um
esconderijo. Além do mais, é pouco provável que nos suponham por aqui.
— Eu apenas não estou gostando de todo esse gelo — disse o ertrusiano, rabugento.
Gucky disse alguma coisa incompreensível e depois também dedicou-se à
observação do seu destino de pouso. O telerrastreamento trabalhava sem pausa, e os
quatro participantes da expedição se entreolharam espantados, quando o computador
insistiu na existência de vida inteligente em AE-I.
— Vida? Nessa bola de neve? — Ras não conseguia entender. — Mas isso é
impossível...
— Talvez ursos polares — achou Gucky, sem dar-se conta ainda de quanto ele se
aproximava da verdade. — Os pobres não sabem o que têm pela frente.
— Com você certamente eles não vão poder contar — disse Saedelaere, agressivo.
Gucky olhou-o, mordaz.
— Quando eles virem essa sua máscara de pedotransferidor, eles vão cavar grutas,
para desaparecer dentro delas.
— Silêncio, agora, por favor! — admoestou-os Kasom. — Muito bem, quer dizer
que há vida inteligente. Quanto ao grau de inteligência o computador não diz nada.
Portanto não fiquem tão agitados. Dentro de três ou quatro horas podemos pousar, e isso
deverá ser suficiente para esclarecer a situação.
Quando eles orbitavam o planeta a uma grande distância, receberam uma rápida
mensagem, pelo hiper-rádio, da Good Hope. Rhodan os advertia. Nas proximidades do
sistema encontravam-se três naves-cubo de reconhecimento, do “Enxame”. Sua reação,
até agora, revelava que elas ainda não tinham rastreado o space-jet.
Kasom entendeu imediatamente.
— Temos que pousar o mais rapidamente possível. Uma vez na superfície, diminui
o perigo de sermos rastreados.
— Foi isso que eu já disse umas dez vezes! — afirmou Gucky.
Kasom mais uma vez fez de conta que não ouviu a observação do rato-castor.
— Vamos pegar o equador. Ras, Alaska, cuidem dos dados e do próprio
rastreamento. Eu preciso saber tudo sobre o planeta, antes de termos pousado.
Enquanto ele aumentava a velocidade, deixando-se cair quase na vertical para o
AE--I, os dados restantes entraram.
AE-I tinha um diâmetro de 14.318 quilômetros, sua gravidade era de 1,21 gravos. O
sol, quase apagado, mal ainda transmitia calor. A isso juntava-se a órbita extremamente
elíptica do planeta, que proporcionava verões suportáveis e invernos muito frios. No
verão, as temperaturas médias eram de 18 graus abaixo de zero. No equador elas subiam
até zero grau, de modo que ali era possível o crescimento de plantas e outros tipos de
vida.
No momento o AE-1 afastava-se novamente do seu sol.
O longo inverno tinha início.
— Ali, ao pé da geleira há um terreno livre de gelo! — Kasom apontou para a
frente. — Também há vegetação, e boas oportunidades de esconderijos. Atenção —
vamos pousar!
O space-jet caiu velozmente em direção ao terreno designado.
Ras ainda conseguiu ver um movimento, junto do pequeno mato de arbustos, mas
antes que pudesse dizer alguma coisa a pequena astronave pousou.
A geleira gigante tomava-lhes toda a visão para o norte.
Ao sul ficava o mato, diante dele uma planície pedregosa...
4

— Uma coisa se mexeu ali! — Finalmente Ras conseguiu comunicar aos outros sua
observação. — Só que não vi exatamente o que era.
— Talvez um animal — achou Kasom. — Há plantas, portanto também deve haver
animais. Antes de mais nada, ficamos dentro do space-jet.
Gucky levantou-se, veio até Kasom e fincou as mãos nos quadris.
— Você me permite uma modesta pergunta, Grandão?
Kasom fez que sim.
— Com muito gosto, baixinho — disse ele, pacificamente. Gucky respirou fundo.
— Afinal quem é o chefe desse empreendimento? Você ou eu?
— Você — concedeu Kasom. — Mas eu sou comandante e piloto do space-jet.
Parece que você esqueceu-se disso. E por isso sou eu quem determino quando e se a nave
pode ser abandonada, isso está claro?
Gucky soltou o ar dos seus pulmões.
— Está bem, de minha parte isso está claro. Mas lá fora..., — ele apontou para a
geleira e para a planície pedregosa, — ...lá fora quem determina sou eu! Isso também está
claro?
Ras pegou-o pelo braço.
— Ora, pare com isso, Gucky! Afinal é totalmente indiferente quem dá as ordens
aqui. O principal, afinal de contas, é realizarmos o nosso objetivo, ou seja, entrarmos no
“Enxame”. Kasom tem razão: Não podemos simplesmente abandonar a nave agora, sem
sabermos o que nos espera lá fora. Você não consegue fazer contatos telepáticos?
Gucky deixou que desviassem sua atenção.
— Existem alguns, mas eu não prestei atenção neles.
— Então recupere o tempo perdido! — gritou Kasom. Gucky retirou-se,
resmungando, para um canto da cabine de comando, relativamente ampla.
Saedelaere ocupou-se com o rastreamento próximo. Lá fora era dia. O sol não
fornecia apenas pouco calor, mas também pouca luz. Apesar de dever ser meio-dia,
tempo local, a luz era apenas crepuscular, e apenas o albedo da geleira clareava a
paisagem monótona, na qual o space-jet tinha pousado. Estranhamente o gelo e a neve
terminavam logo nas imediações do platô. Saedelaere desconfiou de uma forte atividade
vulcânica subterrânea, pela qual a superfície pedregosa era aquecida.
— Isso naturalmente facilita o desenvolvimento de vida inteligente — verificou
Ras. — Em grutas rochosas, eventualmente existentes, devem reinar temperaturas
suportáveis.
— Vida inteligente em cavernas? — Gucky bufou, com desprezo. — Vocês têm
ideias curiosas!
— Já recebeu impulsos mentais? — perguntou Saedelaere, de propósito.
Gucky silenciou, furioso.
Kasom observou o mato próximo. Algumas das árvores eram bastante mais altas do
que ele tinha avaliado anteriormente, do ar. Havia algumas cujas copas parecidas com
fetos pairavam quase vinte metros acima do platô, cujos troncos nodosos eram
estranhamente estriados, de modo simétrico, parecendo saca-rolhas. Kasom não podia
imaginar, para que isso poderia ser bom, mas quando observou a árvore mais próxima,
durante algum tempo, logo ficou sabendo por quê.
A árvore se atarraxava muito lentamente chão adentro:
Por um momento Kasom achou que fora vítima de uma ilusão, mas logo teve
certeza do que vira. Seguindo as roscas de suas estrias, a árvore afundou lentamente no
chão. Cada vez mais fundo descia a copa, enquanto os galhos começaram a se fechar
lentamente, como um guarda-chuva.
A árvore procurava proteção no solo quente. Em vez de perder suas folhas no
inverno, elas se recolhiam dentro do solo aquecido.
— Vocês querem ver como uma floresta desaparece? — perguntou Kasom aos
outros e mostrou-lhes a maravilha da natureza. — A vida se adaptou às condições
extremadas, como em toda parte em outros mundos. Elas não poderiam existir na Terra,
estas árvores. Ou elas teriam que se reciclar.
Gucky saiu do seu canto.
— Se as árvores se enfiam na terra antes da chegada do inverno, eu já posso até
imaginar como os vosgos sobrevivem à chegada do frio. Mas, afinal de contas, eles
conhecem o fogo.
Eles o olharam, espantados.
— Quem?
— Os vosgos, meus senhores! Pelo que pude constatar, eles devem ser
contemporâneos muito pouco simpáticos. Seus pensamentos são bastante rudes, e
provavelmente suas maneiras também devem ser assim. Eles devem estar bem por perto,
pois seus impulsos mentais são nítidos e claros. Eles logo nos farão uma visita.
— Você tem um jeito muito especial de nos comunicar uma coisa importante! —
disse Kasom, censurando-o. —Quem são os vosgos, e por que você os chama assim?
— Eles mesmos se chamam assim. Eu posso até dar-lhes uma descrição deles, pois
eles pensam constantemente, em como são bonitos e fortes. São ursos, conforme eu
desconfiava — gigantescos ursos brancos, de até três metros de altura, mas com mãos
capazes de trabalhar, e uma inteligência que funciona muito bem. Quando eles olharem
para você, Toronar, vão tomar você por um primo distante.
— Ursos? — Ras olhou para Gucky, meio de lado. — É uma das suas piadas
costumeiras, não é?
— Não é mesmo, Ras! Eles estão bem por perto, e logo certamente vamos ver o
primeiro deles. O que é que vamos contar-lhes?
— A verdade — sugeriu Saedelaere.
— Nesta, com certeza, eles não vão acreditar muito — temeu Gucky. — Eles já
descobriram as ricas jazidas de matérias-primas do seu mundo, e as exploram, eles
conhecem o aço, petróleo e carvão, mas ainda não tiveram a ideia de construir
espaçonaves.
— É uma sorte! — opinou Saedelaere. — Ursos brancos voadores — era só o que
ainda nos faltava!
Gucky queria justamente dar início a uma resposta irritada, na qual pretendia
ensinar a Saedelaere alguma coisa sobre igualdade de direitos e que “o cosmo pertence a
todos”, mas foi interrompido por Kasom.
— Ali vem alguma coisa! — disse o ertrusiano, calmamente. — Um urso branco!
Eles olharam na direção para a qual Kasom apontava.
A figura gigantesca e totalmente branca destacava-se nitidamente contra o verde da
vegetação. A descrição de Gucky fora acertada. O vosgo realmente se parecia com um
urso branco, mesmo o longo focinho no rosto não-humanóide estava presente. Ele não
usava roupa alguma, mas sim um pelo espesso, branco, que cobria toda nudez. Somente
as mãos pareciam normais, como mãos humanas.
— E então, o que foi que eu falei? — murmurou Gucky. — Ele está refletindo sobre
o que somos e de onde viemos. Ele não tem intenções malévolas, mas está para
arrebentar de curiosidade.
— O que vamos fazer? — perguntou Ras Tschubai.
— Esperar — aconselhou Kasom, não tirando os olhos do vosgo.
Algumas das árvores entrementes já tinham se enrascado tanto para dentro do solo,
que somente as suas copas, fechadas para cima, ainda sobressaíam do chão. O mato alto
se transformara num mato baixo, de arbustos, que não oferecia mais qualquer resistência
a uma gelada tempestade de neve. Com a falta de cobertura, agora mais três vosgos
ficaram visíveis.
— O que é que você acha, Gucky? É perigoso tentar um contato com eles? O que é
que eles pensam? — Kasom olhou para o rato-castor, interrogativamente. — Afinal, não
podemos esperar eternamente.
— Eu vou pegar o tradutor e vou experimentá-lo, Toronar. Eles terão menos receio
de mim que de vocês, uma vez que lhes sou mais parecido que você. Além do mais, sou
menor do que eles.
— Mas tenha cuidado. Eu gostaria de conservar a eclusa fechada, portanto seria
melhor se você teleportasse, mas não diretamente diante dos seus pés. Salte para dentro
do mato de arbustos, e depois aproxime-se deles, vindo do outro lado. Se houver a
ameaça de perigo, volte imediatamente para a nave.
— Eu não tenho a menor vontade de me deixar devorar por eles.
Por cautela, o rato-castor enfiou uma pequena arma de raios energéticos no bolso do
seu traje, e dependurou o aparelho tradutor no pescoço. Com isso seria possível um
entendimento, mesmo sem levar em conta que ele conseguia ler os pensamentos dos
vosgos, de qualquer maneira. Mas eles também o entenderiam. Ele não levou o capacete
de pressão consigo, porque a atmosfera em AE-I era respirável.
Ele anuiu mais uma vez para seus amigos, e leu nos seus pensamentos a firme
decisão de dar uma lição aos vosgos, caso eles se comportassem com maldade. O botão
de disparo do canhão de raios narcóticos do space-jet, estava ao alcance da mão de
Kasom.
Tranquilizado, ele concentrou-se em alguns restos de copas ainda excepcionalmente
altas atrás dos vosgos e teleportou.
***
A vida no mundo de gelo era dura, primitiva e perigosa.
Caçador, assim ele era chamado pelos seus camaradas de raça, não pertencia à
espécie sedentária. A construção de cavernas e a educação das crianças não eram coisas
para ele. Ele preferia ficar lá fora, andando pela floresta dura, caçando os animais que
podiam ser consumidos, que ele trazia para as aldeias da parentela.
Estas aldeias sempre eram construídas onde as geleiras terminavam e onde
começavam as rochas aquecidas. Até mesmo no inverno o chão aqui era livre de gelo e
neve, mesmo que a temperatura do ar caísse bastante. Os vosgos moravam em grutas
naturais ou cavernas construídas por eles mesmos. Geralmente em paredões rochosos,
para que as águas do degelo não as inundasse, mas em algumas regiões já se erguiam as
primeiras casas feitas de pedra e madeira.
Neste outono o Caçador tinha penetrado bem para o norte. Atrás das geleiras eternas
e das montanhas cobertas de gelo ele presumia encontrar terras férteis e aquecidas. Uma
velha lenda falava disto, mas muitos vosgos valentes que tinham penetrado no norte
jamais tinham voltado. Eles ficaram desaparecidos para sempre nas regiões
desconhecidas do norte, e os poucos que tinham conseguido voltar falavam de territórios
imensos cobertos de gelo e neve eternas, onde não crescia absolutamente nada e não vivia
qualquer animal.
O sul, Caçador conhecia bem. Este era o seu território de caça. Frequentemente ele
ficava durante meses a fio nas aquecidas planícies pedregosas, onde havia muitas
depressões, com uma camada de húmus, onde existiam plantas e animais. As águas do
degelo do norte tinham formado rios e até alguns lagos, nos quais havia peixes em
profusão.
Mesmo assim, a curiosidade dominara Caçador, de modo que ele enveredou para o
norte. Ele levou suprimentos suficientes consigo e também uma lata de óleo, para não
morrer de fome nem congelar. A subida tinha sido difícil, mas então finalmente ele estava
de pé, dois meses antes do começo do inverno, no cume gelado da montanha. A vista
para o norte estava livre até o horizonte. Ele viu centenas de cumes cobertos de neve,
outras geleiras, vales enormes — mas nem uma única árvore. Os relatos pareciam estar
certos, mas ele não acreditava muito neles. Nenhuma lenda se criara sem um fundo real, e
se ela falava de uma terra verde no norte, essa terra verde devia existir.
Ele começou a descida e alcançou um vale largo que levava para o norte. A
temperatura ficava em dez abaixo de zero, mas naturalmente os vosgos possuíam outras
unidades de medida. O gelo era duro e firme. Não havia muitas fendas, de modo que
Caçador conseguia prosseguir muito bem. Com a chegada da noite ele deixara quase
vinte quilômetros atrás de si.
Embaixo de um paredão gelado saliente ele fez o seu acampamento para a noite. Ele
conseguiu fazer fogo. O óleo na lata de metal queimava bem e dava calor. A fumaça que
subia, tingia o gelo de cinzento. Caçador comeu um pouco de suas provisões, com as
quais ele tinha que ser parcimonioso. Não parecia que nestes arredores haveria riselnos
ou ferchelnos, cuja carne era bastante saborosa.
Durante a noite ele sentiu frio, mas já na segunda ele se adaptara de tal maneira que
dormiu firme e profundamente. Diante dele havia uma serra de montanhas que ele tinha
que atravessar. Ele queria saber o que havia por trás dela.
Ele precisou de mais dois dias para alcançar o cume, e quando olhou para o norte, o
quadro não se modificara. Ao contrário, parecia-lhe que as montanhas eram mais altas
ainda.
Ele estava de pé no platô, a quase três mil metros por cima dos vales gelados. O céu
era cinzento e carregado. Parecia que logo nevaria novamente. Bastante fundo, ao norte,
havia uma mancha avermelhada — o sol.
Pela primeira vez, Caçador começou a pensar seriamente se valeria a pena continuar
sua marcha. Víveres e óleo ele ainda teria para duas ou três semanas, se fosse
parcimonioso com eles. Portanto ele poderia avançar mais uma semana para o norte,
antes de regressar, sem grandes riscos. Ele seguiria o vale que agora ficava abaixo dele e
levava para o norte. A cerca de dez quilômetros de distância o seu decurso virava
abruptamente para a direita e terminava diante de um paredão de gelo, que tinha uma
queda quase vertical. O que havia por trás do mesmo, Caçador não conseguia ver.
Começou a descida, e quando começou a escurecer, ele se encontrava no vale.
Ele tropeçou por cima do cadáver congelado de um vosgo, que já devia estar caído
aqui há meses ou até mesmo anos. Ele já teria sido sepultado pela neve, se não estivesse
caído, muito bem protegido atrás de uma barreira de rochas. Provavelmente ele tinha
procurado proteção aqui, para depois morrer de fome e congelar.
Caçador resolveu deixar o morto onde estava. Mas revistou seus bolsos, e então
encontrou algo muito estranho.
Torrões de terra!
Uma mancheia de terra estava na bolsa direita, que o vosgo morto trazia num
cinturão no seu corpo. Restos de plantas há muito ressecadas encontravam-se nesta terra.
Isso era tudo. A bolsa esquerda estava vazia.
Caçador refletiu tensamente. Para ele estava claro que o valente e ousado vosgo não
devia ter trazido a terra consigo do sul. Para que, afinal? Para que ele deveria ter levado
terra consigo para o norte? Se ele a encontrou em algum lugar, então certamente fora no
norte. Ele queria trazê-la como prova, assim como as plantas que entrementes tinham
ressecado.
Caçador levantou-se e olhou para o norte. De lá devia ter vindo o morto. De há
muito a neve e o gelo tinham sepultado suas pisadas, mas talvez houvesse outros indícios.
Ele os encontraria.
Ele continuou sua marcha. Ele ainda precisava encontrar um lugar bem abrigado
onde passaria a noite, antes que escurecesse completamente.
Ao meio-dia, dois dias depois, ele estava diante do paredão de gelo vertical e
procurou por uma subida. O vale terminava aqui, e a parede era lisa demais para oferecer
qualquer apoio. À direita e à esquerda, entretanto, o gelo era mais irregular e não tão liso.
Mesmo aqui seria muito difícil subir sem equipamento. Caçador, mesmo assim, tentou-o,
pois ainda lhe restavam algumas horas, antes da chegada da noite.
Ele não o conseguiu totalmente, pois menos de cem metros, pela sua avaliação,
antes de chegar ao cume, ele teve que desistir. Ficara escuro, e ele podia considerar-se
feliz em ter encontrado um lugar seguro para passar a noite. Uma caverna de gelo foi seu
refúgio, e depois de ter aceso um fogo com o óleo, logo se sentiu um pouco mais
confortável. Amanhã ele atingiria o cume e então poderia verificar se suas suspeitas
estavam certas. Caso contrário, amanhã ele iniciaria a marcha de volta.
Nesta noite ele dormiu especialmente bem, apesar de poupar óleo, tendo apagado o
fogo. Mas Caçador estava acostumado a privações e ao frio.
Quando começou a alvorada, ele pôs-se a caminho, mesmo sem desjejum. Apesar
de ainda ter cem metros até o cume da montanha, ele viu a neblina que passava por cima
dele e que devia vir do território que ficava por trás do paredão. Neblina e nuvens sempre
eram um sinal de calor, isso Caçador sabia muito bem. Gelo derretia, formava-se água, e
quando havia calor, a água evaporava — e havia neblina e nuvens.
Finalmente ele atingiu o cume acima do paredão de gelo. Ele era largo e facilmente
praticável. Depois o terreno novamente tinha uma caída. As nuvens brancas estavam
abaixo dele, e só de vez em quando o vento carregava algumas consigo para maiores
alturas, onde elas lentamente seguiam para o sul.
O caminho ficou mais íngreme. O mar de nuvens era limitado e tinha o formato de
um disco redondo, que parecia uma tampa sobre uma panela. A panela, imaginou
Caçador, era o vale. Ele teria que atravessar a camada de nuvens, para chegar até ele, e se
a descida não ficasse mais íngreme, não haveria dificuldades.
Logo ele não conseguia mais ver a três passos diante dele, mas então, de um
momento para o outro, as nuvens estavam acima dele. Como um telhado liso, elas o
separavam do mundo restante.
Caçador ficou parado, totalmente dominado pela vista que tinha à sua frente.
O vale verde — ele o havia encontrado!
Ele estava diante dele, acamado entre paredes rochosas livres de gelo, cujos cumes
se perdiam no manto de nuvens, que envolviam o vale protetoramente. Um pequeno lago,
quase redondo, ficava no centro, envolto por campinas e florestas. Diversos ribeirões
desembocavam nele, mas não havia nenhum sinal de escoamento. A suposição de
Caçador de que este escoamento era subterrâneo e que tinha formado o paredão de gelo,
parecia confirmar-se.
Estava quente, e ele começou a suar.
Mas não era apenas o calor que o fazia transpirar, era também a agitação e o
sentimento de felicidade, que tomou conta dele. Ele encontrara o paraíso em meio ao
desabitado deserto de gelo!
Lentamente ele caminhou adiante. Na parede rochosa do outro lado ele reconheceu
entradas de cavernas, dúzias delas e todas bem juntas umas das outras. Deviam ser
facilmente alcançáveis da sola do vale — ideal para uma aldeia que Caçador pretendia
criar aqui. Aqui estava-se seguro contra os saqueadores vosgos do sul, que eram tidos por
canibais. Eles jamais avançariam até aqui.
Depois de ter caminhado por algum tempo, chamou sua atenção uma coisa na qual
ele, levianamente, não reparara. Talvez ele até o tivesse notado no seu subconsciente,
mas não prestara atenção.
O caminho que ele seguia era pisado, e não fora feito por animais selvagens. Tinha
sido criado por vosgos!
Instintivamente ele parou, e olhou para todos os lados, mais atentamente que até
então. Do lago subia neblina. A água devia ser morna. A neblina tirara sua atenção de
duas outras fontes de névoa, que ele agora identificou como a fumaça de fogueiras de
acampamentos. À sua volta ele viu as figuras de alguns vosgos, cujo pelo era mais escuro
que o seu.
Eles já viviam há tanto tempo aqui que já estavam adaptados ao seu novo meio
ambiente?
Caçador decidiu ter cautela, mas de qualquer maneira queria tomar contato com os
vosgos estranhos. Ele não tinha medo deles, apesar de não estar exatamente muito bem
armado. Uma machadinha, além de arco e flechas, e ainda o bordão pontudo, com o qual
ele sabia acertar um objetivo a cinquenta metros.
Lentamente ele continuou andando, sempre pensando na cobertura, que lhe
ofereciam os arbustos, agora cada vez mais frequentes. Além dos vosgos junto às duas
fogueiras, ele não descobrira mais quaisquer outros. Talvez ainda houvesse alguns dentro
das cavernas ou então estavam caçando nas florestas.
Finalmente ele alcançou a margem do lago. Quando meteu a mão na água, verificou
que não era tão morna quanto ele imaginara. A temperatura devia ser de cerca de vinte
graus.
As fogueiras eram do outro lado do lago. Ele tinha que rodear o lago para chegar até
elas.
Os arbustos o protegiam de uma descoberta prematura. Ele conseguiu chegar até
cinquenta metros da primeira fogueira, e então vinha um descampado gramado. Por um
momento ele refletiu como seria melhor para dar-se a reconhecer, sem assustar os vosgos.
No total eram sete camaradas de aspecto selvagem, que estavam confortavelmente
instalados em volta do fogo. Eles tinham colocado suas armas, descuidadamente, na
grama, pois aqui dificilmente esperavam por uma surpresa. Além disso, as armas
revelaram que tinham sido feitas apenas para a caça e não para um ataque contra outros
vosgos.
Caçador tinha tomado uma decisão.
Com as armas abaixadas, ele saiu de dentro dos arbustos, e se aproximou. Eles o
viram, quando ele ainda estava dez metros distante — e ficaram calmamente sentados.
— Eu os saúdo, amigos. Eu sou Caçador — apresentou-se ele.
Um vosgo mais velho ergueu-se lentamente. Passando pelas armas no chão, ele
caminhou, numa atitude solene, na direção de Caçador. Em sinal de paz ele ergueu ambas
as mãos, antes de dizer:
— Bem-vindo junto à nossa fogueira, Caçador. Então finalmente você encontrou o
nosso vale? Você quer ficar?
A pergunta rápida surpreendeu Caçador. Ele não contara com isso — em vez de
demoradas negociações, logo a pergunta se ele queria ficar.
— Eu ainda não sei. Posso pernoitar com vocês, e talvez descansar alguns dias? Eu
tenho um longo caminho atrás de mim.
— Você é nosso hóspede. Eu sou o Velho, os outros você ainda vai conhecer. Nós
já vivemos muito tempo aqui, e às vezes recebemos visitas do mundo ao sul, mas nada
nos atrai para lá. Aqui podemos viver livres e felizes.
— Eu acho que também poderia ser feliz aqui — concedeu Caçador, e agora
também saudou os outros. Depois sentou-se com eles junto da fogueira. Os vosgos da
fogueira vizinha se aproximaram e o olharam com curiosidade. — Aqui a paz parece
estar em casa, e talvez vocês possam precisar de um caçador habilidoso.
— Nós vivemos no paraíso — disse o Velho simplesmente. — Somente matamos
animais quando precisamos de carne.
Caçador ainda ficou conversando longamente com eles, depois as mulheres saíram
das cavernas. Elas saudaram o hóspede sem espanto, como se diariamente aparecessem
estranhos no vale solitário. De algum lugar vinha o martelar uniforme de um ferreiro.
Lentamente escurecia.
O Velho levantou-se.
— Venha, Caçador, vou mostrar-lhe sua caverna...
***
Gucky rematerializou cerca de dez metros atrás dos vosgos, entre os arbustos. Eles
estavam de costas para ele, observando o space-jet. Ao mesmo tempo, pensavam
intensamente. Eles não tomavam o disco, cujo pouso tinham observado, por uma nave
espacial, mas por uma invenção dos “Sábios das Montanhas”.
E isso não dizia muita coisa a Gucky. Aparentemente também viviam vosgos nas
montanhas geladas, e eles deviam ser tidos como especialmente inteligentes. Mas quem é
que podia viver entre o gelo eterno e ainda por cima construir veículos voadores?
Ele teria que perguntá-lo aos vosgos, se quisesse sabê-lo.
Cautelosamente ele saiu de trás dos arbustos e aproximou-se das criaturas parecidas
com ursos, até que se encontravam bem perto, atrás deles. Ele pigarreou.
— Por favor, não se assustem! Eu venho com boas intenções.
Suas palavras foram traduzidas e reproduzidas em voz alta, pelo aparelho tradutor,
que entrementes já tinha captado e analisado a padronagem dos pensamentos dos vosgos.
Até mesmo Gucky assustou-se com os sons grunhidos aparentemente sem sentido que
saíram do aparelho. Sua clara voz piada, graças à perfeição da técnica, tinha se
transformado fantasticamente — mas os vosgos o compreenderam.
E ele os compreendeu.
— De onde vem você? — perguntou um deles, com um tom perigoso na voz, mas
logo o pequeno tamanho do seu adversário pareceu chamar sua atenção. Junto com os
outros ele se virara e observou Gucky, atentamente. — Como você é pequeno! Você saiu
de dentro do disco, por acaso?
Gucky estava certo que o tradutor apenas vertia o sentido, pois ele não acreditava
que os ursos tivessem um linguajar desses. De qualquer modo ficava claro que eles o
subestimavam e o tomavam por uma espécie de pequeno animal. Talvez isso fosse até
bom. Depois que eles vissem Toronar, certamente pensariam diferente.
— Eu venho do disco, e nós não somos das montanhas. A bordo de nossa nave, com
a qual viemos até vocês das estrelas, não há nenhum vosgo. Nós queremos ajudá-los.
Os três camaradas agora tinham se aproximado para menos de dois metros, depois
ficaram parados. Eles pareciam ter esquecido o space-jet.
— Ajudar? Talvez contra os canibais do sul?
Gucky deu-se conta de que assim não adiantaria continuar.
Os vosgos não tinham a menor ideia do perigo que ameaçava o seu mundo. Eles
pensavam apenas nos vosgos do sul, seus arquiinimigos. Mas eles também pensavam no
inverno que se aproximava, e com ele as preocupações com a alimentação, nos ataques e
nas pilhagens dos seus adversários, no frio.
— Não, não contra os canibais, mas contra um outro perigo. Meus amigos vão
explicar-lhes isso melhor. Onde é que está a sua tribo? Vocês devem dizer-lhe que nós
viemos em paz. Não gostamos de surpresas.
O maior dos vosgos, evidentemente o chefe, rosnou tranquilizadoramente, depois
disse, através do tradutor:
— Vocês são bem-vindos nas cavernas, estranhos das estrelas. Vocês podem
acompanhar-nos. Não é longe.
— Posso antes falar com meus amigos na nave?
— Fale com eles. Nós esperamos lá do outro lado, junto das árvores que se
enterram.
Gucky não leu nenhuma perfídia, nenhuma armadilha, nos seus pensamentos. Eles
eram honestos, apesar de não entenderem quem eram os estranhos.
Ele voltou para trás dos arbustos mais próximos e teleportou de volta ao space-jet.
Rapidamente ele relatou sobre sua conversa com os vosgos e depois sugeriu que Ras
Tschubai ficasse para trás na nave, enquanto ele iria para junto dos ursos com Toronar e
Alaska, para familiarizar-se com eles. Somente se contava com a chegada do “Enxame”
para daqui a quatro ou cinco dias, e certamente era bom ter amigos neste mundo.
Todos concordaram com a sugestão de Gucky.
Naturalmente os quatro camaradas peludos estacaram quando viram a figura larga e
alta do ertrusiano sair da escotilha aberta do space-jet, mas depois eles viram Gucky e se
tranquilizaram novamente. Alaska Saedelaere foi aceito por eles sem qualquer
comentário e depois ignorado. Ele era o único que realmente parecia um homem normal,
e por isso parecia desinteressante para os vosgos.
Pelo rádio, eles estavam em contato permanente com Ras Tschubai, que do space-
jet poderia segui-los a qualquer momento, em caso de emergência. Mas a medida de
precaução demonstrou ser supérflua, como Gucky já havia profetizado.
Os vosgos na realidade eram inofensivos.
A aldeia ficava numa depressão rochosa, em cujos paredões íngremes as muitas
entradas das cavernas pareciam fileiras de janelas. Escadas metálicas, habilidosamente
trabalhadas, e trilhos permitiam o acesso. Alaska verificou, com seu olhar treinado, que
as escadas podiam ser puxadas manualmente para cima, e uma vez que as entradas das
grutas ficavam pelo menos dez metros acima do solo rochoso, e os paredões eram lisos,
os eventuais atacantes dificilmente poderiam alcançá-los sem meios de auxílio.
Em toda a parte, nas cavernas, apareceram vosgos, para admirar os estranhos
visitantes. Não apenas porque os três estranhos tinham um aspecto diferente dos vosgos,
mas eles também se diferenciavam entre eles, de modo muito grande.
O chefe fez um pequeno discurso, no qual apresentou os visitantes como “amigos,
que vêm das estrelas”. Com isso os vosgos demonstravam uma atitude ética para com os
acontecimentos cósmicos, que a Humanidade terrana, em séculos, não havia encontrado.
Mesmo quando o homem, mais ou menos em fins do século vinte, desenvolveu a
astronáutica, pousando na Lua, ele ainda estava convencido de ser a criatura mais
inteligente da Criação, apesar de no fundo sua existência ser devida a um acaso, enquanto
outros povos já conheciam e usavam as viagens cósmicas há milênios.
Os vosgos se aproximaram para cumprimentar os seus hóspedes. Tudo isso
acontecia com uma naturalidade que deixava nossos amigos espantados. Até poucos
minutos atrás ainda não havia nenhum vosgo, que pelo menos imaginara a existência de
outros planetas.
Gucky logo se sentiu no seu elemento, mas também viu-se em apuros.
As mulheres vosgos, três vezes do seu tamanho, se encantaram com ele, e o
tratavam como se trata um ursinho de pelúcia que se dá às crianças para brincar. Com
uma habilidade inacreditável elas desciam pelas escadas, corriam até o espantado rato-
castor, que não lia más intenções nos seus pensamentos, e se atiravam sobre ele,
praticamente sepultando-o debaixo delas. Cada uma delas o queria para si, cada uma
queria acarinhá-lo e fazer-lhe cafuné.
Kasom e Alaska não tomaram nenhuma providência para libertar Gucky, para não
provocar mal-entendidos. O rato-castor certamente saberia defender-se sozinho, caso
estivesse em perigo de ser amassado. Bastaria teleportar para pôr-se em segurança. Mas
Gucky nem pensava nisso.
Ainda que ele ficasse cheio de manchas roxas, ele não queria de modo algum
decepcionar as ursas, com o coração cheio de amor. Alaska parecia não acreditar nos seus
ouvidos, quando depois do arrefecimento do primeiro entusiasmo, ele ouviu um gostoso
ronronar, muito feliz, que indubitavelmente vinha de Gucky. Suas amiguinhas também já
não eram mais tão rudes como antes. Talvez elas tivessem percebido que o pequeno rato-
castor queria carinhos, mas não ossos partidos. Elas entraram em acordo, de modo que
cada uma conseguiu pegar Gucky um pouquinho para fazer-lhe cafuné.
Kasom e Alaska entrementes conversavam com os vosgos. O chefe, chamado
simplesmente de “Velho Senhor”, explicou-lhes tudo que queriam saber. E então os dois
amigos tentaram explicar aos vosgos por que tinham vindo. Mas ainda que os ursos
brancos pudessem ser chamados de inteligentes, o perigo que os ameaçava eles não
compreendiam. Eles não conseguiam imaginá-lo. Para eles, era muito mais próximo o
perigo dos ataques ameaçadores dos vosgos do sul. Nos últimos dias, os primeiros espias
já tinham sido notados nas proximidades. Já haviam colocado armas, que avisariam
imediatamente do surgimento da tropa principal.
Kasom tranquilizou o Velho Senhor.
— Nós vamos ajudá-los e botá-los para correr. Eles não voltarão mais, caso
tentarem atacá-los.
— Eles querem nossas provisões de inverno, porque eles mesmos são preguiçosos
demais para caçar os animais e estocar provisões. Eles querem matar-nos e comer-nos
porque são canibais. São vosgos ruins.
— Nós vamos ajudá-los — prometeu Kasom mais uma vez.
— Vocês devem estar cansados. Eu vou mostrar-lhes suas cavernas.
— Nós preferimos dormir na nave, para, em caso de ataque, podermos ajudá-los
melhor e mais depressa. — Kasom refletiu o que ainda devia perguntar ao vosgo. Depois
lembrou-se. — O que há com os “Sábios das Montanhas”? Quem são eles?
— Nós não os conhecemos, mas sabemos que por entre as montanhas de gelo eterno
deve haver um vale verde. Nele vivem os sábios.
— Como é que vocês sabem que eles são sábios?
— De outro modo eles teriam encontrado o vale, que nós não conhecemos?
Kasom viu que contra essa lógica irrefutável ele não tinha nada para retrucar. Ele
decidiu dar uma olhada no vale lendário, nos próximos dias. Com palavras corteses ele
despediu-se e pediu permissão para poderem voltar para a nave, por hoje. Ele prometeu
que, ao primeiro sinal de perigo, imediatamente apareceria com seus amigos.
Quando quiseram ir, foram detidos por Gucky.
O rato-castor estava deitado na grama, ao comprido, espichando pernas e braços
para longe de si. Cinco ou seis mulheres vosgos ocupavam-se com ele. Uma delas fazia-
lhe cafuné na cabeça, a outra retirara a parte superior do uniforme e acariciava-lhe o pelo
da nuca, enquanto duas se ocupavam dos seus braços. Elas tinham notado rapidamente o
quanto ele gostava disso. Alaska temia que logo Gucky perderia todo o traje, mas isso era
coisa dele.
— Você vem com a gente? Nós vamos dormir na nave.
— Eu vou mais tarde, meus amigos. Eu não posso, afinal, decepcionar essas
ursinhas tão amáveis.
— As “ursinhas” pesam dez vezes o que pesa você — verificou Alaska sorrindo. —
Se Rhodan e Bell ficarem sabendo disso, eles vão ter acessos de riso. Você vai se arriscar
a isso?
— Tanto faz — retrucou Gucky, impertinente. — Eu me sacrifico pelo
entendimento entre os povos e...
— ...e faz isso com muito gosto, e com vantagem para você! — Alaska riu. — Por
nossa parte você pode ficar aqui, mas não deixe de dar um pulinho na nave, logo que
puder. Os vosgos temem um ataque dos canibais. Se eles agarrarem você, vão assá-lo no
espeto.
— Bobagem! — disse Gucky e ligou novamente o tradutor, para que o seu ronronar
fosse vertido corretamente.
Alaska sacudiu a cabeça e seguiu Kasom, que já fora adiante.
Os canibais não atacaram nesta noite, mas também Gucky não voltou para a nave.
Ele dormiu junto dos seus novos amigos, os vosgos.
5

No outro dia o grupo de caçadores trouxe muita caça consigo. Kasom e Alaska
ficaram olhando interessados, como os animais eram habilmente esquartejados, e depois
depositados na geleira mais próxima. Não era possível imaginar-se um congelador
melhor que este. Velho Senhor explicou:
— Naturalmente também poderíamos caçar durante o inverno, mas temos muito que
fazer para prestar atenção nos ladrões canibais, que então costumam atacar. Por isso
caçamos no verão e lutamos no inverno.
Isso parecia evidente.
Ras Tschubai também tinha abandonado a nave, e fora apresentado aos vosgos. Sua
primeira pergunta era sobre Gucky, que finalmente saiu, pavoneando-se de uma das
cavernas, encaminhando-se para Ras e colocando-lhe seu traje de combate por cima do
braço.
— Não preciso mais dele — pelo menos por enquanto — garantiu ele,
cordialmente. — Eu já me acostumei a essa temperatura.
Ras olhou para o rato-castor, sacudindo a cabeça.
— Eu acho que com o tempo você acaba um vosgo, eles também andam por aí
vestidos apenas com seu pelo. Você se sente bem entre eles, suponho.
— Sinto, meu caro. São camaradas simpáticos, os doces ursinhos.
— Ursinhos! — Ras olhou o traje de combate. — Por que você não o leva
pessoalmente de volta?
— Faça-me este favor, eu tenho um encontro marcado — disse-lhe o rato-castor, e
desapareceu imediatamente na próxima caverna.
Ras fez-lhe o favor.
Mais ou menos ao meio-dia, um dos espias chegou à aldeia de cavernas. Agitado,
ele relatou que uma tropa de vinte vosgos sulinos estaria em marcha para cá.
O Velho ficou calmo. Aos seus hóspedes ele observou:
— Eles nunca atacam de dia. Somente quando o sol está para sair, começa o perigo.
Com vinte desses selvagens, nós não temos nada a temer, uma vez que estamos avisados.
Nossa aldeia já foi atacada por cem deles, e nós conseguimos vencê-los.
Kasom também não se preocupava. Naturalmente agora ele teria que adiar o seu
voo de reconhecimento para o vale verde, mas isso não o incomodava muito. Se alguma
coisa o incomodava, eram as últimas notícias que Ras captara, vindas da Good Hope.
A nave estava diante da cabeça do “Enxame”, e fazia permanentes medições novas
e complementares de rastreamentos. A Intersolar colaborava com os técnicos, com sua
positrônica gigante. O “Enxame” continuava a avançar com metade da velocidade da luz,
aproximando-se ameaçadoramente do sistema Import-I e com ele do planeta gelado AE-I.
Mais dois dias, ainda, no máximo três...
Na opinião de Kasom, o prazo era curto demais, para se prepararem para o
acontecimento, encontrarem um esconderijo adequado, e esclarecerem os nativos, para
que não entrassem em pânico, quando acontecesse.
Ele aproveitou a oportunidade para perguntar ao Velho, quando este mandou ainda
outros espiões, para fazer o reconhecimento dos movimentos do inimigo.
— Por que vocês ainda nunca procuraram o vale verde?
— Muitos de nós já o fizeram, mas somente poucos voltaram. O último vosgo que
partiu daqui, para as geleiras eternas, foi Caçador, um velho amigo e experiente veterano.
Também ele não voltou mais.
— Quanto tempo faz isso?
O Velho tentou explicar-lhe a noção do tempo. Mais ou menos setenta dias,
conseguiu entender Kasom.
— E ele já tinha estado muitas vezes nas geleiras?
— Muitas vezes!
— Então existe a possibilidade de que ele ficou de livre e espontânea vontade —
porque encontrou o vale. — Kasom anuiu para o vosgo. — Nós vamos ficar aqui até que
o ataque esperado tiver passado, depois vamos procurar o vale verde. Nós voamos com a
nave, depois voltamos, para relatar tudo a vocês.
— Vocês querem deixar-nos?
— Vai chegar a hora em que seremos obrigados a fazê-lo — mas por enquanto
ainda estamos aqui.
Ras teleportou na direção sul e se manteve nas informações que obtivera dos
espiões. Ele descobriu a tribo dos vosgos sulinos a uma distância de apenas dez
quilômetros. Os canibais estavam acampados numa depressão chata, coberta de
vegetação, perto das margens de um ribeirão, que seguia para o sul. Eles se
diferenciavam mesmo exteriormente dos vosgos do norte, pela cor do seu pelo. Era mais
escuro e menos espesso. Além disso, parecia malcuidado e cheio de nós. Também suas
maneiras eram mais ásperas e incivilizadas, mas eles portavam armas metálicas e até
alguns escudos.
Ras colocou-se em cobertura atrás de arbustos para observá-los. Se ele teria que
combater alguém, ele queria saber contra quem estava lutando.
Parecia tratar-se apenas de vosgos masculinos, pois Ras não conseguia ver nada de
uma vida familiar. Os guerreiros de um clã em uma expedição de rapina, — talvez era
assim que se poderia designá-los. Eles tinham abatido um animal maior, que assavam por
cima de um fogo sem fumaça. De vez em quando um dos ursos de pelo malcuidado ia até
o churrasco e cortava um pedaço do corpo da presa, para devorá-lo gulosamente.
Em resumo — eles não davam uma impressão muito confiável, mas Ras também
não esperara nada disso, depois das descrições que lhe haviam feito.
Satisfeito ele voltou para a aldeia de cavernas.
***
A noite passou tranquila, e quando começou a amanhecer, os canibais atacaram a
aldeia. Eles entraram numa armadilha muito bem preparada.
Passando pelos espiões bem escondidos, eles chegaram até a borda da depressão
rochosa, onde se reuniram. Eles olharam para baixo, para as entradas das cavernas, que
pareciam vazias. Baixinho, eles confabularam. Eles não tinham um plano determinado,
não sabiam como deviam proceder.
Finalmente eles decidiram penetrar na depressão, pelo lugar menos íngreme. Alguns
troncos de árvore que traziam talvez devessem servir como escadas, pois sabiam por
experiência como os vosgos protegiam suas cavernas contra visitantes não desejados.
Quando já se encontravam em número total dentro da depressão, o Velho deu o
sinal para o contra-ataque.
Kasom, Ras e Gucky se mantinham na sombra de uma caverna vazia, enquanto
Alaska esperava no space-jet pelo seu sinal, caso precisassem de apoio, o que parecia
improvável.
Os ursos brancos caíram em cima dos ursos pardos.
Depois de pouco tempo, Ras Tschubai virou-se, horrorizado.
— Eu não creio que vão precisar de nós. Eles dão conta sozinhos dos canibais. Suas
armas são melhores e eles mesmos são mais hábeis e mais espertos. Ainda vamos
esperar? A visão dessa luta não é nenhum prazer para mim.
— Nem para nós — declarou Gucky, furioso. — Mas não vamos nos intrometer.
Nós teríamos ajudados nossos amigos, somente se fosse necessário...
— E isso não é uma intervenção?
— Isso é uma intervenção positiva! — defendeu-se Gucky. — Afinal é indiferente,
uma vez que não é necessário. Além disso, os ursos pardos estão fugindo e até estão
jogando fora suas armas. Eles tiveram sorte, porque somente dois ou três deles tiveram
que beijar o pó.
Os vosgos brancos perseguiram os adversários que fugiam, só um certo trecho, para
corrê-los do território, depois voltaram para a aldeia. Sem muita festa, eles
desapareceram nas suas cavernas, para dormir.
Eles tinham defendido o seu lar, só isso.
Kasom disse para Ras e para Gucky:
— Eu sugiro também nos deitarmos por algumas horas. Amanhã vamos voar por
cima das geleiras...
Por baixo deles expandia-se a paisagem monótona das geleiras e das montanhas
gigantescas, cintilando, brancas. No meio, ficavam os vales, quase imperceptíveis dos
seus arredores mais elevados.
Alaska Saedelaere acabara de fazer uma ligação por hiper-rádio com a Good Hope.
Sem contato ótico, eles puderam falar com Rhodan, que ouviu um relato dos
acontecimentos até o momento.
— Isso parece mais um passatempo — disse ele, com leve censura, para Gucky,
quando este terminou. — Vocês deviam procurar um bom esconderijo e uma melhor
cobertura. Ninguém sabe o que acontecerá quando o “Enxame” alcançar o sistema para
absorvê-lo. Lembrem-se da diferença da velocidade! Pode acontecer uma catástrofe de
âmbito planetário, todo o sistema pode desmanchar-se. Vocês precisam estar preparados
para isso. E não se esqueçam do principal. Logo que o planeta de vocês se encontrar no
interior do “Enxame”, vocês terão que dar partida! Ajustem-se à velocidade do
“Enxame”!
— Isso é claro! — resmungou Gucky, quase como um vosgo. — Se ficarmos no
planeta, somente depois de vinte mil anos atingiremos a extremidade da cauda do
“Enxame”.
— De conformidade com os métodos adotados por nós, isso demoraria até muito
mais, e tanto tempo nem mesmo os imortais têm. Portanto, descubram como eles o fazem
— e tenham cuidado!
— Nós vamos manter contato de rádio, enquanto for possível.
— Ótimo. Dentro de vinte e quatro horas espero um novo relatório sobre a situação.
Nós vamos ficar a dez anos-luz de distância do “Enxame”. — Depois de curta pausa,
Rhodan concluiu. — Boa sorte! Desligo!
— Desligo! — disse Gucky.
Eles agora voaram diretamente para o norte. A cúpula redonda naturalmente
permitia uma vista geral para todos os lados, mas Kasom achara melhor ligar ainda a tela
de vídeo, adicionalmente. A ampliação trazia bem para perto objetos muito distantes. E
deste modo não era de admirar que Kasom logo descobriu a capa de nuvens, redonda,
mostrando-a ao grupo.
— Estranho! Uma nuvem, quase idealmente redonda, como um círculo — disse
Kasom.
— Distância? — perguntou Ras, que desta vez funcionava como piloto.
— Quinze quilômetros, ao norte.
Ras corrigiu a rota num pouquinho praticamente imensurável, depois todos olharam
para o norte.
A nuvem redonda pairava entre cumes muito altos e mal se modificava. Somente de
vez em quando algumas partes dela acabavam no vento alto que soprava constantemente,
sendo separadas.
— Nuvens significam calor! — disse Alaska significativamente, sem poder
imaginar que Caçador, há dois meses atrás, tivera o mesmo pensamento.— Eu aposto que
por baixo da camada de nuvens fica o vale procurado.
— Ganhou a aposta — disse Kasom que manipulava o rastreador de pouca
distância. — Temperatura acima de vinte graus, umidade relativa do ar, suficiente.
Clorofila existente — e com ela vegetação. Eu estou certo que sob a capa de nuvens não
existe mais neve. Ela isola, apesar de também impedir um pouco a passagem dos raios
solares. Mas a atividade vulcânica sob o solo do vale deve ser suficiente para aquecer a
depressão como uma estufa.
— Vamos pousar? — perguntou Ras.
— Naturalmente — declarou Kasom. — Um esconderijo melhor não poderíamos
desejar para nós.
Ras diminuíra a velocidade, quando eles ainda pairavam bem perto, logo acima da
camada de nuvens. Lentamente o space-jet penetrou na neblina. O chão do vale ficava a
quase mil metros abaixo da nave, a camada de nuvens tinha uma espessura de trezentos
metros.
De repente, via-se claramente. Por baixo deles ficava o vale, no meio o largo.
Diante das entradas das cavernas havia lugar suficiente para o pouso do pequeno space-
-jet.
Alguns vosgos, que estavam no terreno baldio, saíram correndo em pânico,
assustados, quando viram a nave em formato de disco.
— Que belos sábios me saíram eles! — deixou escapar Gucky, que já estabelecera
contato telepático. — Eles acham que nós somos deuses.
— São vosgos como todos os outros — achou Kasom. — Eles descobriram este
vale e se radicaram por aqui. Eles vivem totalmente isolados, e não é de estranhar que
tenham surgido certas lendas. Talvez um ou outro deles tenha regressado novamente para
a civilização, relatando a respeito do vale.
Nenhum vosgo apareceu, quando a nave pousou. Gucky encontrou-se novamente
diante da difícil tarefa de entrar em contato com os ursos, sem provocar um mal-
-entendido. Só que desta vez era mais difícil, porque não se via nenhum vosgo.
— Todos estão metidos nas cavernas — disse ele, decepcionado. — Naturalmente
alguns também estão nas florestas, mas estes talvez nem nos tenham notado. — Ele
hesitou, depois continuou: — Mas ali está alguém voltando do lago... se não me engano,
é o vosgo que o nosso Velho Senhor da aldeia de cavernas chama de Caçador. Sim, é
ele... e ele nos viu pousar. Ele não tem medo. Ele está se aproximando.
Sem esperar por uma resposta, o rato-castor teleportou para fora do space-jet para
entrar em contato com o vosgo. A tomada de contato aconteceu sem incidentes.
***
O último dia antes da chegada do “Enxame” havia chegado.
No vale não se podia observar nem o sol nem as estrelas. Por isso Ras e Gucky
ficaram para trás com os vosgos, entrementes já familiarizados com eles, enquanto
Kasom com Alaska faziam um voo de reconhecimento. Eles pousaram num platô
congelado, bem acima da capa de nuvens.
O céu estava claro.
Milhares de estrelas, parecia, movimentavam-se lentamente e sempre formavam
novas constelações. Lentamente elas ficavam maiores e mais claras. As estrelas
existentes lateralmente no céu caminhavam mais depressa.
O “Enxame” alcançava o sistema.
— O escudo energético geral já não está mais presente — verificou Kasom,
espantado. — O método, com isso, torna-se reconhecível. Eles abrem o escudo na
extremidade da cabeça para que o sistema que deve ser captado possa penetrar sem
complicações. Quando isso acontecer, o escudo se fechará novamente, mas o sistema não
poderá mais escapar. Ele naturalmente é mais lento que o “Enxame”, e ficará para trás,
mas na sua expansão longitudinal de dez mil anos-luz, isso não tem importância.
Era uma visão fantástica, que se lhes oferecia, e talvez a sua beleza astronômica
pudesse fasciná-los, se com elas não viesse embutido um perigo terrível.
Contato com a Good Hope.
Kasom deu seu relatório da situação — talvez o último. Ele comunicou que eles
teriam encontrado um excelente esconderijo, no qual permaneceriam, até que todas as
medições confirmassem que o planeta tinha sido capturado. Só então eles pretendiam dar
partida, tentando permanecer despercebidos.
Rhodan respondeu que a Good Hope iria, em voo linear, até a extremidade da cauda
do “Enxame”, para ali ficar em posição. A Intersolar ficava nas proximidades da cabeça.
Com isso a ligação foi interrompida. Ela deveria se retomada novamente, quando as
primeiras estrelas e naves do “Enxame” passassem.
O space-jet pousou novamente junto das cavernas.
Gucky não deixara passar o tempo sem aproveitá-lo. Verborragicamente ele
descreveu aos atentos ouvintes vosgos suas aventuras na aldeia de cavernas, ao sul das
geleiras. Ele relatou do ataque repelido dos canibais, e também não se esqueceu de
mencionar com que amabilidade havia sido recebido e tratado pelas ursas.
A consequência lógica e de direito, prevista por ele, foi que nesta noite ele não mais
apareceu. Kasom, Ras e Alaska, ao contrário, dormiram como sempre na nave.
A boa amizade entre Gucky e as ursas lentamente acabou se tornando um legítimo
problema.
***
A tomada pelo “Enxame” ocorreu no entardecer do dia seguinte.
Gucky aproveitara o dia. Sozinho ele tinha teleportado de volta para a aldeia de
cavernas ao sul das geleiras, para informar, ao Velho Senhor, do vale e da vida dos
vosgos que viviam ali. Ele levou saudações do Caçador, que mandou avisar que no vale
havia lugar para toda a tribo. Mais tarde, quando “o perigo do céu” tivesse passado, ele
pretendia buscá-los e conduzi-los ao paraíso.
Neste particular, Gucky não tinha tanta confiança, ainda que não pudesse imaginar
quais as consequências que a captura pelo “Enxame”, teria sobre os habitantes de AE-I.
Talvez durante anos eles não notariam nada disso, ou pelo menos não o notariam, antes
que o sistema não alcançasse a velocidade do “Enxame”.
Mais ou menos ao meio-dia ele voltou para o vale.
Tudo continuava o seu curso costumeiro. As ursas saudaram Gucky com um
resmungar de alegria e imediatamente começaram a mimá-lo. Para todas elas o rato-
-castor era algo como um bebê maravilhoso, com o qual era preciso ter indulgência.
Kasom e Alaska novamente voaram para o platô gelado, para fazer as últimas
medições. Apesar de ser dia, eles podiam reconhecer a olho nu as estrelas, bolhas
energéticas e massas de naves aglomeradas. O “Enxame” chegara definitivamente.
Somente agora, à meia-velocidade da luz, tornava-se perceptível também
oticamente. As estrelas que estavam à mesma altura dos observadores transformaram-se
lentamente em traços luminosos, que pareciam passar pelo sistema. Quanto mais
próximas as estrelas estavam, mais compridos ficavam os traços. Eles eram brancos.
Caso se olhasse mais tempo atrás deles, eles lentamente se coloriam de vermelho.
Os aparelhos de medição do space-jet trabalhavam sem pausa e armazenavam os
dados. Mais tarde, seria possível requisitá-los a qualquer momento, e assim se obteria
informações que talvez fossem de importância vital. Campos de força foram descobertos
e sua intensidade determinada. Ainda enquanto Kasom observava os instrumentos,
ficou--lhe claro, como ocorria a captura do sistema pelo “Enxame”.
O gigantesco escudo geral tinha sido aberto na extremidade da cabeça, conforme já
se tinha presumido. O sistema Import-I já pertencia ao “Enxame”, mas a diferença de
velocidade ainda era enorme demais. Novos campos de força se apoderaram do sol
vermelho e dos planetas, e os deslocavam cuidadosamente e com cautela enquanto se
movimentavam. Como, no interior do sistema, as leis gravitacionais existentes não
tinham sido modificadas ou mexidas, não aconteceu mais nada. Pelo menos não no
momento.
Nenhum habitante do planeta AE-I notou a modificação.
A massa maior do “Enxame” comprido passaria em alta velocidade pelo sistema
solar roubado, e somente muito pouco as velocidades diferenciadas se ajustariam uma a
outra. Na metade do “Enxame”, talvez somente no seu final, elas então seriam iguais.
Isso poderia demorar milênios. Somente assim planetas e sóis podiam ser incorporados
ao “Enxame”, sem com isso serem destruídos.
Kasom e Alaska novamente conseguiram contato pelo rádio com Rhodan, mas a
recepção já sofria a interferência dos prolongamentos do escudo energético geral
reduzido. Não demoraria mais muito, — todos os participantes se deram conta disso, — e
eles ficariam totalmente impossibilitados de contato.
Ou seja, no instante em que o rádio novamente fosse ligado.
— É como já ficou combinado — disse Rhodan. — A Good Hope voará para a
extremidade do “Enxame”, a Intersolar fica a dez anos-luz na frente dele. Entrem em
contato em intervalos regulares, nós ficaremos em recepção contínua. Talvez exista uma
possibilidade de contato. E mais uma coisa, coronel. Não corram qualquer risco! A
expedição em si já é risco suficiente. Apenas tentem verificar quem dirige o “Enxame”,
quem é responsável, quem é participante, afinal. Eu não acredito numa tomada de
contato, mas se ela for conseguida, isso seria mais do que eu jamais poderia esperar. E
regressem, logo que se ofereça uma possibilidade.
— Nós entraremos em contato, logo que for possível — prometeu Kasom, mas não
recebeu mais nenhuma resposta.
O “Enxame” fechara novamente o gigantesco escudo protetor.
A comunicação com o exterior fora definitivamente cortada.
***
Era o dia 13 de fevereiro de 3.442, tempo normal terrano.
O “Enxame” capturara o sol vermelho e seus dois planetas e corria sem diminuir
sua alta velocidade, penetrando cada vez mais na Via Láctea.
Era apenas um sistema de muitos.
Uma atividade rotineira, só isso.
A única diferença era que, desta vez, dois terranos, um ertrusiano e o rato-castor
Gucky, também tinham sido aprisionados.
De livre e espontânea vontade!
Era uma diferença enorme, como logo se veria.
Mais ou menos no fim da tarde, mesmo o céu acima do vale, que apenas consistia
da capa de nuvens brancas como leite, começou a ser tomado por um cintilar e chamejar,
de modo que também os descrentes vosgos começaram a acreditar no fim do seu mundo.
As profecias dos estranhos se concretizavam.
Foram as palavras de Gucky que os tranquilizaram. Eles confiavam nele,
especialmente e naturalmente as ursas. Kasom tinha dificuldade de ficar de boca fechada,
ao ver como o rato-castor se comportava com as ursas gigantescas. Ele imaginava assim
um ilusionista itinerante, que tentava fazer crer à sua comunidade alguma coisa que na
realidade não existia.
— Meninas, não se preocupem! — Gucky estava de pé, no meio de uma dúzia de
vosgos. — Tudo não é tão terrível assim. O sol, que aliás vocês nunca conseguiram ver,
começa a peregrinar. Isso seria terrível, se deste modo ele perdesse o mundo de vocês,
mas por sorte este.não é o caso, nós peregrinamos com ele! E afinal de contas tanto faz
em que localização do Universo este sistema fica, pois vocês não o podem ver, de
qualquer maneira. Portanto, por que a preocupação? Devido ao cintilar cósmico no céu?
Meninas, deixem-no cintilar! Isso não lhes faz mal algum! Eu gostaria apenas de dar um
único conselho a vocês, antes de irmos embora, e...
O resmungo de protesto dos ouvintes obrigou-o a calar-se. Kasom, que estava
sentado por perto, num rochedo, estava visivelmente curioso para ver como o rato-castor
se sairia dessa.
— Calma, amigos! Quando falo de deixá-los, isso tem apenas uma significação
simbólica. Vocês sabem certamente que precisamos examinar esse fenômeno natural, foi
por isso que viemos para cá. Não existe nenhum perigo para vocês, e algum dia nós
voltaremos aqui. Olhem para mim, amigos! Vocês podem imaginar que eu, algum dia,
vou poder esquecer tudo de bom que fizeram por mim...?
Eles olharam para ele, e aparentemente acharam que ele não poderia fazer isso. O
som dos resmungos modificou-se. O protesto transformou-se em aprovação. Até mesmo
Kasom registrou a repentina mudança com certo espanto. Gucky na realidade era um
extraordinário diplomata.
Gucky justamente pretendia continuar o seu discurso, quando Ras Tschubai,
contrariando todo o comportamento até agora usado em AE-1, materializou bem perto do
grupo. Ele teleportara.
— Gucky!
Os vosgos tinham recuado, assustados. Do Nada de repente surgira o bípede de pele
escura, como por magia. Isso eles jamais tinham visto. Isso não podia acontecer sem
poderes mágicos.
Gucky imediatamente compreendeu a situação. Com algumas palavras
tranquilizantes, ele garantiu aos vosgos que “o homem negro” tinha alguns dons, que
eram difíceis de ser explicados. Depois voltou-se para Ras:
— Você tem coragem, Ras! Para que isso?
— Falta de tempo! Eu queria apenas despedir-me de nossos amigos ao sul das
geleiras... Imagine você, o que está acontecendo por lá!
— O que está acontecendo? Como é que posso saber disso? Ontem tudo ainda
estava em perfeita ordem.
— Sim, ontem! Ontem também o “Enxame” ainda não havia chegado. Desde ontem
algumas coisas mudaram, e bastante depressa. Ao sul, no território dos canibais,
irromperam vulcões, provavelmente originados pelo “Enxame”. Naturalmente nós
verificamos uma certa estabilidade do campo magnético, mas aparentemente existem
irregularidades mesmo assim, e essas agora se fazem notar.
— Está bem, já devíamos contar com isso. O que mais?
Kasom se aproximara. Ele opinou também:
— Por causa de um par de vulcões, dificilmente alguém ficará agitado.
— Mas ficaram — disse Ras. — Muita gente ficou agitada por causa disso,
especialmente os canibais. Em tempo relâmpago eles avançam para o norte, e esmagam
as povoações dos vosgos inofensivos, que não estavam preparados para uma invasão
dessas. Eu visitei nosso clã na aldeia das cavernas. Os seus espiões informaram sobre
terríveis ataques, que tinham acontecido mais para o sul. Os canibais devem chegar ao
território deles esta tarde. Mas desta vez não são vinte ou cem, mas mil. Contra isso não
há defesa possível. O Velho Senhor pediu-me ajuda.
Kasom olhou para os dois mutantes, sem saber exatamente o que fazer.
— Ajuda? Como é que podemos ajudá-los agora? Nós já não temos preocupações
suficientes, nós mesmos? O “Enxame” chegou! Ele já passou por nós com a sua ponta, o
escudo protetor fechou-se novamente. Nós somos prisioneiros, exatamente como os
vosgos.
— Correto, isso está certo! — Gucky imediatamente tomou o partido de Ras
Tschubai. — Mas a nós, por enquanto, nada vai acontecer. Não nos encontramos em
nenhum perigo iminente. Mas os vosgos sim! Eles são nossos amigos. Nós temos que
ajudá-los!
— De que maneira?
— O space-jet! — Gucky gesticulou com os braços, como se quisesse convencer
uma grande comunidade de que preto não é preto, mas que teria que ser branco, de
qualquer maneira. — Perguntem ao nosso bebê gigante, como poderemos ajudar os
pobres vosgos! Nós vamos voar até lá e acabamos com os canibais!
— Acabamos? — quis saber Kasom, friamente. — Como?
— Eu não tenho nada contra costumes estranhos — declarou Gucky,
tranquilamente, — mas eu sou contra, quando ursos inofensivos e pacíficos são
devorados. Portanto eu vou ajudar o Velho Senhor e ao seu clã, mesmo que você plante
uma bananeira. Eu ainda sou o chefe por aqui!
Kasom compreendeu que assim não alcançaria nada.
— Está bem. Naturalmente não vamos deixar nossos amigos na mão, mas a ação
terá que ser bem planejada.
— Para isso não há tempo — Ras interveio no debate. — Os canibais já estão a uma
distância de apenas dois ou três quilômetros da aldeia de cavernas.
Gucky bateu fortemente com o pé no chão, para dar ênfase às suas palavras.
— O que ainda estamos esperando? Temos que estar de volta ao anoitecer, para que
nossos ursinhos aqui no vale não fiquem com medo, sem mim.
Kasom abafou uma observação irônica. Ele disse:
— Está bem. Eu não tenho nada contra uma missão de socorro. Minha única
condição: o space-jet deverá estar de volta antes do pôr-do-sol!
Ras o olhou, espantando.
— O senhor não vem conosco? Kasom sacudiu a cabeça.
— Não, esse é um assunto de vocês. O senhor é piloto, e Gucky o acompanha. Isso
é tudo. Alaska e eu os esperamos aqui, de volta, no tempo mencionado. Está tudo claro?
Gucky anuiu energicamente.
— É claro que concordamos. Venha, Ras! Quem merece nossa confiança, nós não
vamos decepcionar...
Durante toda a conversação os tradutores tinham ficado ligados, de modo que os
vosgos tinham entendido tudo. Quando Gucky e Ras já estavam saindo, alguém de
repente saiu de dentro ao círculo de ouvintes, correndo atrás deles.
Era Caçador.
Ele pegou Gucky no pelo.
— Levem-me com vocês, por favor! É minha tribo, que vocês querem ajudar.
Este era um argumento contra o qual nem Gucky podia revidar.
— Você não tem medo de nossa panela voadora?
— Ora, vocês ainda estão vivos, não estão...?
Este era o segundo argumento incontestável do vosgo. Dois minutos mais tarde o
space-jet partiu.
***
Os vosgos tinham tomado posição. Mesmo as mulheres da aldeia de cavernas
estavam armadas, firmemente decididas a morrer lutando, em vez de caírem vivas nas
mãos dos canibais.
Todos os espiões já tinham regressado à aldeia.
Todas as tribos dos vosgos sulinos tinham se unido, depois que seu território fora
ameaçado pela erupção de vulcões, tornando-se inabitável logo em seguida. Naturalmente
eles podiam escapar para o oeste ou para o leste, ou até mais para o sul, mas eles
preferiram avançar para o norte, onde presumiam fáceis e ricas presas. Ali havia carne
suficiente para todo o universo — caça e vosgos brancos.
Só essa orientação já os carimbava como conquistadores.
E assassinos!
O Velho Senhor tinha conseguido ir buscar clãs vizinhos para ajudá-lo. O que
normalmente não acontecia, ou seja, uma união organizada, foi criado pela necessidade.
Formou-se um autêntico front de quase quatro quilômetros de comprimento. Foram
abertas trincheiras e arqueiros colocados em intervalos regulares. Em posições avançadas
ficavam emboscados os mais valentes dos clãs reunidos, com machadinhas e lanças de
arremesso. Eles deixariam os canibais passar pelos seus esconderijos bem camuflados,
para mais tarde cair-lhes nas costas.
Mesmo assim praticamente não havia nenhuma perspectiva de vitória. A
superioridade numérica era grande demais. Mil canibais contra pouco menos de cem
vosgos brancos.
Eles esperaram.
O terreno que eles haviam escolhido para a luta inevitável era plano e com uma boa
visibilidade. O adversário não poderia aproximar-se, sem ser visto, de nenhuma maneira.
Se ele quisesse cobertura teria que enveredar por um caminho, que lhe custaria alguns
dias.
Ninguém calculava com isso.
Quando os primeiros canibais foram avistados, a uma distância de três quilômetros,
o Velho Senhor ordenou alerta reforçado. Ele mesmo inspecionou toda a trincheira para
certificar-se da vigilância dos seus guerreiros e guerreiras. Ele encontrou apenas a firme
vontade e decisão de preferir a morte em vez de desistir.
Quando o Velho Senhor regressou ao seu posto, esperava-o uma ursa muito velha,
que ficara para trás na aldeia. Ela parecia nervosa e ao mesmo tempo muito alegre.
— O que é que você está fazendo aqui, coletadora?
— Os estranhos — com a nave — eles voltaram. Eles querem nos ajudar. Estão
esperando por sua resposta.
— Onde?
— Na aldeia, Velho Senhor. O ursinho, você se lembra dele, não quer parecer
importuno. Ele disse que, se precisarem de ajuda, ele deve ser avisado. Ele então logo
estaria onde necessário.
— Então diga-lhe que sua ajuda nos será bem-vinda. Mas apresse-se! Eu agora não
posso abandonar o meu posto. Mostre que você ainda não é uma mulher velha, inútil!
A coletadora saiu bamboleando, para o norte, de volta para a aldeia.
O Velho Senhor agora sabia que a vitória lhe pertencia. A ele e às tribos reunidas
dos vosgos brancos.
***
O space-jet pousou bem no meio da depressão rochosa.
Gucky verificou a situação por alguns minutos, e ficou contente ao encontrar a
velha ursa, que ele mandara ao “front” com sua mensagem. Sem a concordância do
Velho Senhor, ele não queria, de modo algum, intervir nos acontecimentos.
Um olhar para o relógio mostrou a ele e a Ras que eles ainda tinham quatro horas
até o pôr-do-sol.
Nesta noite ainda eles pretendiam abandonar o planeta.
A velha ursa voltara.
— O Velho Senhor manda dizer que a ajuda de vocês é bem-vinda. Os canibais
estão atacando com grande superioridade numérica. — E por iniciativa própria ela
acrescentou: — Se vocês não puderem ajudar, todos nós seremos mortos.
Nos seus pensamentos, Gucky leu a verdade. Com isso, tudo ficava decidido. E o
rato-castor sabia que Ras também partilhava de sua opinião.
A ursa correu de volta para as cavernas, quando o space-jet deu partida, voando em
baixa altura, por cima das árvores quase afundadas, para o sul.
A linha do front podia ser reconhecida, do ar, já a grande distância.
Ras fez o space-jet voar tão perto do solo, que ele não foi notado nem mesmo pelos
vosgos unidos. A pequena nave pousou suavemente cerca de cem metros atrás das
trincheiras, em cima de uma colina achatada, de onde era possível ver claramente os
atacantes. Os vosgos pardos não se davam absolutamente ao trabalho de procurar
cobertura. Muito eretos e altos eles passeavam pela planície sem vegetação, na direção
das posições dos aliados. As armas nas suas mãos mostravam claramente que eles
pretendiam difundir a morte e a destruição naquela terra pacífica.
Caçador não conseguiu mais aguentar.
— Deixem-me sair daqui! Eu preciso me juntar com minha tribo aos meus amigos.
Eu tenho que ajudá-los!
— Calma, calma — admoestou-o Gucky. — Eu vou com você. Ras ficará aqui e vai
nos dar apoio. Você vai ficar admirado, ao ver tudo que ele é capaz de fazer aqui de
bordo, caso nós dois não dermos conta do recado sozinhos.
— Nós dois sozinhos? — Caçador olhou para Gucky, perplexo. — Você quer dizer
que você e eu podemos vencer os canibais, sozinhos?
— É claro que podemos! — Gucky retirara uma arma de raios narcóticos de dentro
do armário de armas, entregando-a ao vosgo. — Isso é muito simples. Você aponta a
boca da arma para o adversário e aperta neste botão aqui. Depois disso, ele vai para o
chão. É simples, assim.
— Só isso? — Quis ter certeza Caçador. — E ele está morto?
— Não, ele apenas fica dormindo por algumas horas, mas isso e o suficiente, acho
eu. Vocês podem tirar-lhes as armas, e depois mandá-los para casa. E digam-lhes que da
próxima vez o efeito da arma será mortal.
Caçador evidentemente estava insatisfeito, que o efeito anunciado para a segunda
vez não ocorresse imediatamente, mas mesmo assim pegou, agradecido, na arma de raios
que lhe era oferecida. Com ajustagem para narcotização, ela funcionaria por muitos anos,
e Gucky não lhe revelou como era manuseada a ajustagem dez vezes mais intensa.
Eles abandonaram a nave. Sem preparar Caçador antes, ele pegou a sua mão e
teleportou o pequeno trecho até a trincheira. Por sorte ninguém viu-os rematerializar, de
modo que não houve perguntas supérfluas. Caçador gostaria de fazer algumas, mas não
teve tempo para isso.
Alguns vosgos vieram de trás da próxima curva da trincheira e o viram junto com
Gucky. Eles reconheceram Caçador, que há muito tempo já estava sendo considerado
desaparecido, e o saudaram alegremente. Também Gucky recebeu as saudações alegres.
Orgulhoso Caçador mostrou-lhes a nova arma, e então não pôde mais ser detido de
experimentá-la imediatamente. Como a distância ainda era grande demais, ele quis
participar de um destacamento avançado, que o Velho Senhor ordenara, para confundir o
inimigo.
Gucky ficou para trás, dentro da trincheira. Caçador teria que dar conta do recado
sozinho.
Eram dez os vosgos que abandonaram, na sua companhia, suas posições, todos eles
armados com arcos e flechas. No cinturão eles carregavam excepcionalmente as
machadinhas, que sabiam atirar habilidosamente. O terreno era de fácil visibilidade e
oferecia pouca cobertura, mas eles se espalharam e avançaram individualmente. Deste
modo, eles sempre encontravam a possibilidade de proteção, numa depressão, numa
pequena elevação ou até mesmo atrás de um arbusto. Desta maneira esperta eles
conseguiram chegar até cem metros de distância dos canibais, que agora ainda estavam a
quilômetro e meio das posições dos aliados, continuando a sua marcha decidida.
Caçador estava deitado num buraco que lhe dava cobertura total. Ele decidiu esperar
pelo inimigo aqui, para dar-lhe uma lição. Os vosgos que tinham vindo com ele tinham
sido informados de sua intenção. Eles não acreditavam muito no suposto efeito da
misteriosa arma, que Caçador recebera do pequeno ser peludo. Eles decidiram manter-se
vigilantes.
Eles também se encontravam em cobertura, esperando.
Caçador deixou que a coluna mais próxima dos canibais em marcha se aproximasse
até cinquenta metros, depois ele empurrou o cano da arma cautelosamente por cima da
borda da cobertura, mirou e apertou o botão indicado por Gucky.
O efeito foi superior a todas as suas expectativas.
Apesar de ter mirado apenas o vosgo sulino dianteiro, logo seis ou sete foram para o
chão, estremeceram um par de vezes e depois ficaram caídos ali, como mortos. Uma vez
que a arma não dava qualquer som de si e o feixe de raios, muito disperso, era fraco
demais para ocasionar alguma cintilação reveladora, os atacados não sabiam o que tinha
acontecido, nem se de onde vinha a “morte silenciosa”.
Sem saberem o que havia acontecido, eles ficaram parados, olhando para seus
companheiros, aparentemente sem vida. E enquanto eles ainda estavam perplexos, logo
mais uma dúzia foi para o chão, não dando mais sinal de vida.
Isso só podia ser bruxaria!
Com rosnados horrorizados, eles se voltaram para a fuga, mas então o Caçador
realmente resolveu dar uma caçada. Ele não tirou o polegar mais do disparador, cobrindo
o front de retaguarda dos adversários em fuga. Como o campo de efeito da arma de raios
era bem maior do que ele supunha, e como os canibais não encontraram uma cobertura de
proteção suficientemente depressa, Caçador conseguiu liquidar mais de duzentos deles.
Depois deixou cair a arma de raios, ele mesmo perplexo com o seu efeito, e feliz ao
mesmo tempo. Deste momento em diante ele era o mais poderoso vosgo de todo o
planeta.
Seus acompanhantes vieram correndo, perplexos e cheios de admiração pelo
Caçador. Ele tinha estado no Vale dos Sábios! Esta era a explicação!
Eles continuaram correndo até os canibais no chão. Caçador conseguiu, a muito
custo, impedir que eles matassem os vosgos inconscientes. Ele afirmou que se fizessem
isto, lhe tirariam novamente a arma milagrosa.
Isso foi o bastante.
Eles recolheram as armas, com suas machadinhas fizeram uma vala onde jogaram
as mesmas. A camada de terra naturalmente era muito fina, mas era o suficiente. Na sua
eventual passagem, os canibais certamente não notariam a pequena elevação do terreno.
Eles então teriam muito o que fazer com seus companheiros adormecidos.
Vindo do Nada, Gucky materializou e deu um tapa no traseiro de Caçador — mais
para cima seus braços não alcançava.
— Muito bem feito, meu caro! Você pôs para dormir um quinto de todo o exército
do adversário. Agora você sabe do que esta arma é capaz. O ataque seguinte vocês podem
aguardar tranquilamente nas trincheiras.
Os vosgos acarinharam Gucky de tal modo que o baixinho chegou a temer por sua
vida. Finalmente quando eles ameaçavam amassá-lo de amor e simpatia, ele teleportou
para fora das mãos deles.
De cinquenta metros, ele gritou para eles:
— Estou aqui, amigos! Venham, tentem me pegar...
Eles tentaram, mas naturalmente não conseguiram. De qualquer modo eles estavam
de volta nas suas posições, antes dos canibais se refazerem do seu susto.
Eles atacaram pouco antes do começo do crepúsculo, maciçamente.
Desta vez, eles prestaram mais atenção na cobertura, de modo que Gucky se viu
forçado de mudar de tática. Ele aconselhou os vosgos que deixassem os atacantes se
aproximarem em até cem metros. Depois foi até onde estava Caçador.
— Dê-me a arma — disse ele. — Não, eu não quero tirá-la de você, apenas quero
reajustá-la. A intensidade será mais forte, e com ela também seu efeito. Mas para que
ninguém possa ser morto eu também reajusto o grau de dispersão. A cem metros de
distância, você consegue abarcar, sem tirar a arma do lugar, um âmbito de cinquenta
metros de largura. Isso significa que pelo menos trinta canibais vão cair, quando você
fizer mira em um só deles.
Quando Caçador recebeu a arma de volta, ele respirou fundo, visivelmente aliviado.
Por tudo neste mundo ele não a entregaria. Ela o tornava o mais poderoso dos vosgos.
O sol já devia ter se posto, mas não escurecia mais — ao contrário ficara mais claro.
As estrelas eram manchas indistintas no céu sem nuvens. Algumas delas transformaram-
-se em traços de luz branca, que passavam rápidos demais. Gucky observou o estranho
espetáculo com alguma fascinação, mas os vosgos mal lhe davam atenção.
No space-jet, Ras conseguia seguir os acontecimentos exatamente, e não via motivo
para interferir com o grande canhão de raios narcóticos. Gucky e Caçador estavam dando
conta do recado sozinhos. E também era melhor assim, porque deste modo aumentava a
autoconsciência dos vosgos brancos. De futuro eles dariam conta de se defenderem
sozinhos, contra os canibais que avançavam para o norte.
O ataque foi rechaçado, e somente poucos canibais escaparam da “morte
silenciosa”. Eles jogaram fora as suas armas e corriam, tão depressa quanto lhe
permitiam suas pernas fortes. Gucky cutucou Caçador.
— Deixe-os fugir, Caçador. Só vai ser bom, se eles relatarem tudo a respeito da
derrota. Isso vai evitar que outros tenham a ideia de atacar vocês mais uma vez. E agora
vão, recolham as armas — e não matem nenhum adversário morto! Eu confio em você, e
depois também lhe vou presentear a arma.
A nova confirmação cuidou para que nenhum dos canibais sofresse alguma coisa.
Todas as armas foram coletadas, levadas para a aldeia de cavernas e depois divididas
entre os clãs participantes da luta. Ainda naquela noite foi celebrada a festa da vitória —
e ainda não escurecia!
Gucky disse para Ras:
— Temos que partir. O prazo terminou. Kasom já deve estar nos esperando
impacientemente.
— Eu tive contato de rádio com ele. No vale está tudo em ordem.
— Pode ser, mesmo assim não vamos deixá-lo esperando. Perry ordenou que
deveríamos deixar o planeta logo que este fosse tragado pelo “Enxame”. Isso já
aconteceu. — Ele olhou para a fogueira crepitante dos vosgos. — Certamente nenhum de
vocês lastima mais que eu ter que deixar os queridos ursos resmungões, mas eu acho que
eles estão em segurança. Pelo menos enquanto o sistema não se tenha ajustado à
velocidade do “Enxame”.
— E os canibais?
— Esses você pode tranquilamente esquecer. Caçador dará conta deles, caso
tiverem a infeliz ideia de tentar mais algum ataque. Eu só espero que ele não descubra o
parafuso de reajustagem. Então acabou-se a simples narcotização.
Eles se despediram dos vosgos, depois o space-jet deu partida e voltou para o vale
verde entre as geleiras eternas.
6

O Cosmo pegara fogo.


De outra maneira não se podia descrever a visão que os quatro ocupantes do space-
jet tiveram um pouco mais tarde. Os traços berrantemente brancos e claros das estrelas
que passavam à meia-velocidade da luz, dominavam sobre os sóis capturados e deixados
para trás, aos quais também pertencia o sistema Import-I.
Como entretanto a massa da direção do “Enxame” tinha influência sobre o novo
sistema capturado, suas estrelas e aglomerados de espaçonaves pareciam luzes brancas
berrantes, que somente ficavam lentamente maiores e mais claras.
Em AE-I a noite ficara mais clara que o dia. Mesmo a camada branca de nuvens não
pudera deter a repentina penetração da luz. Quando, porém, o space-jet atravessou a
camada de nuvens protetoras, os filtros tinham se fechado automaticamente em volta da
cúpula de comando transparente. Parecia que milhares de sóis estivessem acesos,
procurando transformar o cosmo em cinzas.
A direção do “Enxame” era evidente. O rastreamento que se ligou automaticamente
imediatamente avisou que havia não apenas as estrelas e seus acompanhantes, mas
também massas metálicas em grandes quantidades.
Naves espaciais, envoltas de escudos energéticos!
O space-jet, devido ao perigo de poder ser rastreado, ainda não se afastara muito do
planeta gelado, mas o orbitava a curta distância. Qualquer rastreamento, caso os
registrasse, os mostraria como diminuto meteorito gelado.
A superfície de AE-I começou a se modificar.
Apesar da cautelosa aceleração, que campos de força especiais davam ao sistema
solar capturado, certas interferências dos campos gravitacionais aparentemente não
podiam ser evitadas. Os vulcões ativos ao sul do equador irromperam e catapultavam lava
incandescente para muito alto, até próximo dos limites da atmosfera. Bem ao norte,
podiam ser observadas gigantescas massas de gelo, que subiam para o espaço cósmico,
tão violentas eram as energias liberadas dos vulcões, até estão sufocados.
— Espero que o vale verde fique poupado — disse Gucky, preocupado. — Afinal
de contas, sua criação se deve também ao calor subterrâneo. A crosta ali deve ser
especialmente fina — fina como uma casca de ovo.
— Nós não poderíamos evitar a catástrofe — disse Kasom, pragmático. — Mas eu
não creio que você precise preocupar-se. Eu fiz medições. A crosta do planeta não é tão
fina assim por ali. O calor subia através de diminutos canais, acamados entre o granito,
até a superfície. O vale permanecerá.
— E a aldeia de cavernas?
Kasom desconversou.
— Como posso saber disso? Somente podemos esperar que o Velho e seus aliados
tenham sorte.
E então a atenção deles foi desviada para outros assuntos.
O “Enxame” tinha capturado não apenas o planeta gelado, mas também eles eram
seus prisioneiros. Automaticamente eles caíam, por isso, sob leis das quais não possuíam
qualquer conhecimento.
Alaska Saedelaere ocupou-se com os telerrastreadores e com os aparelhos de
análises. Especialmente os indicadores de energia revelavam uma atividade que chamava
a atenção.
Alaska tentou resumir e englobar todos os resultados de medições em dados
compreensíveis, para explicar os acontecimentos para si mesmo e para os outros.
Ele resumiu:
— Tudo está sendo armazenado automaticamente, mas quem sabe se jamais vamos
poder abandonar o “Enxame” com o space-jet. Por isso acho melhor que nós saibamos de
tudo. Nossas primeiras suposições se confirmaram. São campos energéticos de um tipo
especial, que agarram todos os sistemas solares capturados, dando-lhes cautelosamente
uma maior velocidade. Por isso pode demorar anos até que eles atinjam a meia-
-velocidade da luz — e por esse tempo, suponho, os vosgos nada sofrerão. A pilhagem
dos planetas roubados ocorre talvez somente depois de décadas ou mesmo milênios. Eles
parecem ser mais uma espécie de reserva, para o tempo em que o “Enxame” terá que
vencer as distâncias incomensuráveis entre as galáxias.
— Isso é apenas a sua teoria! — disse Gucky.
— É uma teoria! — contestou Alaska, secamente.
— De qualquer modo, — achou Kasom, tranquilamente, — com isso existe a
possibilidade de que não seremos descobertos muito depressa. Eu acho que nós podemos
nos separar despreocupadamente do AE-I, e avançar para o espaço.
— Eu ainda esperaria com isso — disse Ras Tschubai. — Alaska deverá
primeiramente terminar todas as suas medições. Mais tarde talvez não nos restará mais
tempo para isso.
Gucky anuiu.
— Ras tem razão. Aqui, por enquanto, nada poderá nos acontecer. Nós temos
oportunidade de efetuar todas as medições necessárias. Quando deixarmos AE-I, só
teremos mais uma única preocupação: Sairmos de dentro do “Enxame”!
Kasom precisou de apenas poucos segundos, para decidir-se.
— Concordo.
Gucky olhou-o repreensivamente.
— Eu, — disse ele, decisivo, — sou o chefe desse empreendimento!
Kasom curvou-se, em fingida subserviência.
— Isso eu quase tinha esquecido — reconheceu ele arrependido.
Gucky levantou-se.
— Portanto vamos ficar em órbita — e isso tem ainda uma outra razão. Eu gostaria
de tentar entrar em contato com Harno. Para isso eu preciso de calma, para poder me
concentrar. Talvez eu o consiga. Harno poderá nos ajudar, apesar dele mesmo ser um
prisioneiro.
— Para onde você vai?
— Para a cabine. Aqui eu apenas seria distraído por vocês. Pouco depois ele estava
deitado, espichado na cama, os olhos fechados, e totalmente relaxado. Seu consciente
concentrou-se nas padronagens mentais do ser energético, conhecidas por ele, mas desta
vez ele não conseguiu separar-se do corpo. Somente agora Gucky teve consciência dos
impulsos mentais que vinham em tamanha quantidade, fluindo para ele, que não mais
conseguia separá-los. Eram padronagens absolutamente desconhecidas, estranhas e
sinistras. Elas deviam vir das naves, que na realidade formavam o “Enxame”.
Como é que, neste caso, ele conseguiria encontrar os impulsos mentais de Harno?
Ele precisava tentá-lo. Caso Harno o capturasse e respondesse concentradamente,
seus impulsos deveriam ser mais fortes que os dos estranhos.
Era um esforço quase inconcebível, e logo o rato-castor sentiu a exaustão que se
aproximava. Mas ele ainda não desistiu.
Não eram apenas os impulsos mentais estranhos, que o incomodavam, também
eram os muitos campos energéticos, que se sobrepunham às suas chamadas telepáticas e
talvez até as engoliam. Ele nem tinha tanta certeza de que Harno realmente o estava
captando.
Quando sua concentração diminuiu, ele quase perdeu a consciência. Ele ficou
deitado bem quieto na cama, profundamente decepcionado e totalmente exausto. Sua
respiração era baixa mas regular. Não demorou muito e ele adormecera de cansaço.
***
Na central de comando da Good Hope, que continuava, com a Intersolar, a dez
anos-luz de distância do “Enxame”. Rhodan disse, preocupado, para Bell:
— A ligação por rádio foi definitivamente cortada.
— Com isso nós já contávamos, Perry. Eles agora dependem exclusivamente de si
mesmos.
Rhodan sacudiu a cabeça.
— Eu não devia ter cedido! Se eles não regressarem, será exclusivamente culpa
minha.
— Bobagem, Perry! Você acha mesmo que poderia deter Gucky e os outros, quando
se lhes oferecia uma chance dessas? Além do mais, de nossa parte, alguma coisa
precisava ser empreendida. Não vamos avançar nada, se ficarmos apenas olhando,
inativos.
Vencendo dez anos-luz, os telerrastreadores registravam cada modificação
energética do “Enxame”. O que Alaska já verificara no space-jet os sofisticados
instrumentos da Good Hope puderam confirmar. Uma espécie de escudo ajustável tinha
sido aberto, como a gigantesca bocarra de uma baleia, para capturar o sistema solar que
devia ser roubado. Mais tarde, o escudo se fechara novamente — e isso acontecera no
instante em que o contato pelo rádio ficou interrompido.
Atlan, que estivera na Intersolar, regressou pelo transmissor. O seu rosto não
expressava exatamente muita alegria.
— Agora eles estão dentro do “Enxame” — disse ele, apesar dos outros também já
saberem disso. — O que mais nós ainda podemos fazer agora?
— Nada, Atlan. Nada, além de esperar... — Rhodan olhou-o, interrogativamente. —
Você falou com Corello? Ele não tem nenhum indício? Poderia ser possível que...
— Ele perdeu todo contato com o rato-castor, na medida em que se possa chamar
suas tentativas de contato de ligações telepáticas. Eu acho que ele já está arrependido de
ter ajudado Gucky.
— Se ele não o tivesse ajudado, agora nada seria diverso. De uma maneira ou de
outra, Gucky teria conseguido encontrar Harno. Portanto Corello não deve censurar-se.
Ele não tem culpa. Ninguém tem culpa.
Bell quebrou seu silêncio.
— Por que falar em culpa, meus amigos? Afinal, está claro que teríamos que
empreender alguma coisa. Nós deveríamos ficar aqui, vendo inativos, como o “Enxame”
penetra cada vez mais na Via Láctea, como nossas civilizações estão ruindo, como um
sistema solar depois do outro é caçado e capturado? Já que não conseguimos alcançar
nada com meios militares, somos obrigados a tentá-lo no plano parapsíquico. E
exatamente isso foi o que Gucky fez.
— Só no começo — lembrou-lhe Atlan, sério. — Agora Gucky, Kasom, Ras e
Alaska se encontram numa situação que pode provocar medidas militares de parte do seu
adversário. Um space-jet com armamento médio, em meio a talvez milhares de
espaçonaves, que o perseguirão tão logo seja rastreado. E então nem mesmo os dons de
Gucky e de Tschubai serão de grande ajuda. Eles naturalmente têm uma certa chance de
voar para um mundo capturado e se esconder no mesmo. Eles não ganham nada com isso,
correto, mas conseguem escapar dos seus perseguidores.
— De que servem todas as nossas suposições, quando falta a certeza? — Rhodan
anuiu para Atlan. — Você vai ficar com Tifflor? Mantenham a Intersolar sempre dez
anos-luz adiante da cabeça do “Enxame”, com a velocidade ajustada. Bell e eu vamos nos
grudar na traseira do “Enxame”, pois ninguém será capaz de dizer em que lugar o space-
-jet ressurgirá novamente. Precisamos ficar em recepção constante de rádio para que não
deixemos escapar nem o menor impulso de rádio. Dentro de uma hora vamos nos separar.
— Ficamos em contato?
— O menos possível, para diminuir o perigo de rastreamento, mas é claro que
vamos manter uma ligação.
Eles ainda discutiram detalhes técnicos, depois Atlan voltou para bordo da
Intersolar, pelo transmissor. Rhodan anuiu para Mentro Kosum.
— Eu acho que devemos programar duas etapas lineares. Passando bem perto do
“Enxame”, com apenas curta pausa, curta o suficiente para não sermos rastreados, e
suficientemente longa, para podermos captar eventuais sinais de rádio do space-jet.
O emocionauta pôs-se ao trabalho.
Uma hora mais tarde a Good Hope modificou a rota que mantivera até então e voou
ao encontro do “Enxame”, fazendo uma longa curvatura.
Depois ela desapareceu no espaço linear.
Para trás ficou apenas a Intersolar.
Com metade da velocidade da luz ela voava adiante do “Enxame”.
Somente podia ser ainda uma questão de tempo, até que a astronave globular de
dois e meio quilômetros de diâmetro chamasse atenção, e se tomassem providências para
examinar aquela composição artificial mais de perto.
***
Ras entrou na cabine e viu Gucky deitado na cama. Preocupado ele aproximou-se
mais, mas para sua tranquilidade o rato-castor imediatamente abriu os olhos.
— Não, eu não estou morto, apenas estava dormindo. Infelizmente não consegui
contato com Harno. Na realidade isso deveria ser possível, pois entre ele e eu agora não
existe mais nenhum escudo energético isolante. De qualquer modo, o esforço me cansou
um bocado. O que há de novo?
— Nada de importante. Até agora ninguém se preocupou conosco. Entretanto Ras
conseguiu rastrear uma espaçonave estranha, que penetrou no sistema. Parece tratar-se de
uma espécie de explorador. Talvez o sistema seja medido.
— Não me diga! Os sujeitos querem saber o que roubaram! — Gucky ergueu-se.
Ele já parecia bem repousado novamente. — E se eles nos descobrem?
— Então tivemos azar.
Gucky escorregou de cima da cama e olhou para Ras, chateado.
— Provavelmente você jamais vai se livrar de suas inclinações fatalistas, vai?
Tivemos azar! — Ele respirou fundo. — Nós não podemos ter azar! Venha, vamos para a
central!
Kasom já tinha a nave estranha no monitor de vídeo, pois a olho nu ela ainda não
podia ser avistada. Quando viu Gucky, ele pareceu visivelmente aliviado.
— E então? Teve êxito?
— Se você está falando de Harno — infelizmente não. Mas isso tem tempo até mais
tarde. Que nave é essa aí?
— Não é grande, é de reconhecimento, suponho. Provavelmente tem a incumbência
de medir o sistema. A nave orbitou o primeiro planeta três vezes e está a caminho para
cá. Com isso verificará que o segundo planeta é habitado.
Gucky sentou-se.
— O “Enxame” é grande, até mesmo muito grande. Eu não consigo imaginar, que
em dezenas de milhares de anos-luz exista um controle sem lacunas. Em outras palavras
— eu sou de opinião que não notarão muito rapidamente a perda da nave de
reconhecimento...
Kasom olhou a tela de vídeo. A nave estranha tinha o formato de um grosseiro
torpedo. Ela lembrava mesmo um pouco as naves ovais dos takerers.
— Você acha que nós devíamos simplesmente destruí-la?
— Não simplesmente — respondeu Gucky, com um gesto defensivo da mão. —
Mas de modo que pareça uma falha dos propulsores.
— Mesmo se conseguirmos isto, eles mandarão uma segunda nave.
— E nós ganhamos tempo, é isso que importa, afinal. Eu não consigo captar
nenhum impulso mental, pelo menos não daquela nave. Eu aposto que não é tripulada. —
Ele refletiu por um instante, antes de mencionar o seu plano. — Eu vou teleportar para
bordo, e ali fazer algumas coisinhas. Uma bomba chamaria muita atenção, portanto vou
ter que fazê-lo de maneira diferente. Ras, você quer vir comigo?
Era desnecessário perguntar isto para Ras. O teleportador já estava fechando o seu
traje de combate. Ele examinou a arma de raios.
— Isso você pode deixar aqui — garantiu-lhe o rato-castor. — Não há ninguém a
bordo do explorador.
Kasom disse:
— Sejam cautelosos e não fiquem fora muito tempo, não sabemos com que rapidez
o adversário reage. É bem possível que haja um contato entre o explorador e uma central
de comando.
— Certamente os dados são armazenados, mas não é certo que eles logo sejam
retransmitidos para uma central de comando. Portanto pode levar horas ou dias até que
notem a perda. Talvez o explorador tenha a tarefa de examinar todos os sistemas
capturados, então demorará mais ainda. Como quer que seja, Toronar, nós vamos liquidá-
lo. Pronto, Ras?
Os dois teleportadores tinham fechado os capacetes, pois não era sua intenção saltar
imediatamente para dentro da nave estranha. Eles decidiram rematerializar no casco
externo.
A distância era de menos de cinquenta milhões de quilômetros.
***
A nave tinha cerca de trinta metros de comprimento. A propulsão normal a
acelerava apenas medianamente, de modo que ainda levaria algumas horas até que
atingisse o AE-I.
Ras e Gucky estavam de pé, sobre o casco exterior. Em volta deles havia a
cintilação e o chamejamento do “Enxame”. Por questão de cautela, eles tinham abaixado
a força de transmissão dos seus aparelhos de rádio, tanto que um entendimento acústico
somente era possível a poucos metros de distância, de modo que os impulsos de rádio
seriam absorvidos pelos campos energéticos.
— Não tem ninguém nesse caixote? — quis saber Ras, mais uma vez.
— Garantidamente não! Nós podemos teleportar lá para dentro sem qualquer risco.
— Ali há uma escotilha. Você consegue abri-la?
Não era nenhum problema para o rato-castor abrir a fechadura telecineticamente.
Na pequena nave não havia atmosfera. Somente isso já bastou para Ras ficar convencido
de que as informações de Gucky estavam corretas.
À direita e à esquerda do único corredor, que levava à proa e à central de comando,
havia aparelhos automáticos de medição e computadores. Todas as instalações eram
automáticas, disso não podia haver mais a menor dúvida. A questão era apenas uma: A
nave estava sendo teleguiada e, com isto, estava em constante contato com uma central,
ou trabalhava totalmente autônoma e somente mais.tarde levava as informações
armazenadas de volta para a central?
O recinto de comando também era apertado. Não havia assentos nem outros indícios
de que qualquer ser vivente alguma vez tivesse ficado por mais tempo a bordo do
explorador. Ele tinha sido construído unicamente para serviço automático.
— Neste caso somente se poderá fazer alguma coisa telecineticamente — verificou
Ras. — Nenhuma alavanca, nenhuma manopla, nada.
— Eu já estou tateando as coisas — disse Gucky, olhando as paredes de controle,
lisas, por baixo das quais estavam instalados os instrumentos e aparelhos vitais. — É
simples interromper o contato, mas antes eu gostaria de modificar a direção do voo. Tem
pouco sentido fazê-la cair sobre o planeta gelado, porque isso estaria ligado com
investigações que poderiam ser desagradáveis para os vosgos. Se for preciso, o
explorador cairá no sol vermelho.
Ras silenciou, quando viu que Gucky se concentrava para tatear os controles de voo
telecineticamente. Deste modo, era-lhe possível interromper ligações ou efetuar ligações,
sem ter que tocar qualquer coisa com as mãos.
De repente Ras viu que o sol vermelho, que ficara atrás do explorador, começara a
caminhar. As duas escotilhas laterais aos consoles de controle, naturalmente só permitiam
uma visão limitada para fora, para o espaço, mas isso era suficiente.
Finalmente a proa do explorador apontava para o sol vermelho. Gucky mais uma
vez interferiu telecineticamente. Alguma coisa por baixo do revestimento metálico deu
um clique muito alto. Depois houve uma pequena explosão, e Ras teve que se abaixar
para não ser atingido por alguns estilhaços de metal.
— O que foi isso?
— Deste modo também é possível desligar uma propulsão — explicou Gucky,
sorrindo. — O próprio impulso é suficiente para fazer com que a nave continue voando
velozmente adiante. O sol vai atraí-la e acelerá-la. Mas pode levar dias até que acabe se
queimando na atmosfera solar.
— Uma telecorreção é impossível?
— De que maneira, Ras? Todas as ligações agora estão interrompidas. O foguetório
de ainda há pouco foi um curto-circuito bem ordinário, que certamente será registrado
numa central de vigilância eventualmente existente. E daí? Até que eles consigam saber
da verdade, o explorador já foi consumido há muito tempo pelo sol vermelho. — Ele
olhou em volta, como procurando alguma coisa. — Pena, não vejo nada aqui que
pudéssemos levar conosco.
— Eu acho que o melhor que temos que fazer é sumirmos daqui — sugeriu Ras.
Gucky fez um gesto de desprezo.
— Ainda não há nenhum perigo, meu caro. Mas você tem razão. Que mais vamos
fazer aqui? Muito bem, vamos voltar para nossos queridos amigos...
A modificação da rota do explorador fora notada por Kasom. O computador revelou
que a queda do explorador no sol levaria exatamente trinta e sete horas.
— Deste modo, temos um adiantamento que devemos aproveitar — disse Kasom,
depois que Gucky e Ras haviam feito seus relatos. — Nós agora vamos abandonar o
sistema, e procurar alcançar a meia-velocidade da luz, sem darmos na vista. Se
conseguirmos isso, simplesmente estaremos voando junto com eles, e é possível que não
sejamos rastreados. Vão nos tomar por uma parte do “Enxame”.
— Nós somos uma parte do “Enxame”! — Gucky disse isso com tanta certeza,
como se não pudesse haver a menor dúvida neste fato. — Além disso, as estrelas-traços
lentamente começam a me agitar. É terrível ver constantemente passar por nós sóis com
meia-velocidade da luz.
Alaska ergueu os olhos dos seus monitores de rastreamento.
— O sistema é vazio, não há nenhum corpo estranho presente. Exceto nós e o
explorador que se precipita no sol. Por mim nós podemos...
Kasom olhou para Gucky desafiadoramente, e o rato-castor, que leu seus
pensamentos, sorriu, lisonjeado.
— Ó... é isso mesmo! Eu quase estava esquecendo quem é o chefe aqui. Você quer
minha aprovação, Kasom? Eu dou-lhe a mesma. Portanto, partida dentro de dez minutos!
Nós abandonamos o sistema e...
— Está bem, você não precisa repetir tudo que já foi discutido — interrompeu-o
Kasom, tranquilamente. — Você agora deu-nos sua concordância oficialmente, portanto
podemos dar partida. A rota já está sendo calculada, e se tudo der certo, em poucas horas
teremos atingido a velocidade do “Enxame”.
Gucky olhou saudosamente para o planeta branco.
— Para mim é difícil deixar os vosgos na mão. Eu espero que nada aconteça a eles.
— Eles continuarão vivendo como antes e nem sequer notarão que o cosmo se
modificou para eles. — Ras seguiu o olhar de Gucky. — Talvez mais tarde nós tenhamos
mais uma oportunidade de visitá-los.
Kasom deu início à programação do voo. Lentamente o space-jet saiu da órbita e
acelerou com valores tão baixos, que só ocorreu uma radiação energética mínima. Ela
mal podia ser medida.
AE-I, o mundo dos ursos vosgos, ficou para trás.
A cabeça do “Enxame” já tinha uma considerável dianteira. Mas Kasom não tinha
intenção de alcançá-la. Ele não poderia ser mais rápido do que o próprio “Enxame”.
Gucky observou durante meia hora, com interesse descrente, o estranho espetáculo
das estrelas que passavam, das quais algumas estavam distantes apenas meses-luz,
enquanto outras estavam a muitos anos-luz. Somente as mais próximas formavam pontos
luminosos, nas demais a relativa diferença de velocidade era pequena demais. Sua
movimentação entretanto podia ser observada a olho nu.
— Quando tivermos atingido metade da velocidade da luz, — disse Kasom, — o
Universo, para nós, estará parado, pois praticamente nos encontramos dentro de um
microcosmo, no qual a meia-velocidade da luz é a menor de todas as velocidades. O que
é mais lento, não faz parte do mesmo, e chama atenção.
Gucky suspirou e levantou-se.
— Espero que ninguém tenha nada contra, se o comandante de vocês se recolhe por
um instantinho à sua cabine. Eu preciso do descanso para mais tarde poder tomar novas
decisões.
— Ele saiu bamboleando até a porta da pequena central de comando, e ali parou
mais uma vez. — Além disso, estou querendo entrar em contato com Harno. Eu creio que
ele ainda vá representar um papel muito importante.
— Além de você, certamente o mais importante — disse Alaska Saedelaere.
Gucky não se dignou olhá-lo e desapareceu no corredor. Kasom recostou-se na
poltrona.
— Eu acho que também preciso de um pouco de sono. Mas eu fico aqui. Portanto
por favor calem a boca, e não me acordem constantemente com conversas supérfluas.
Alaska, um deveria ficar acordado, e...
Logo depois de Gucky, Ras também desaparecera. Kasom notou-o e silenciou.
Alaska disse, quase murmurando:
— Durma bem, Kasom. Eu somente o acordarei se for importante. Numa
circunferência de dois anos-luz, além de dois sóis e alguns planetas, não existe mais
qualquer objeto de nota. Eu acho que por enquanto teremos sossego.
Ele não obteve mais uma resposta.
O ertrusiano já tinha adormecido.
Controlado pelo automático, o space-jet continuou voando na direção da força de
tração do “Enxame”, ele mesmo uma parte diminuta da microgaláxia que penetrara numa
maior, para interferir no equilíbrio da Natureza e da Técnica.
“Somos como um bacilo” — pensou Alaska, gozando do absoluto silêncio. “Como
um bacilo que entrou, sem ser notado, no corpo de um ser vivente grande e agora
começa a confundir o metabolismo do mesmo...”

***
**
*

Gucky conseguiu, de princípio, o que queria! Junto


com Ras Tschubai, Toronar Kasom e Alaska Saedelaere
ele deixou-se incluir no “Enxame”.
Mas agora vem a parte incomparavelmente mais
difícil de sua missão auto-escolhida — a libertação de
Harno!
Leia tudo sobre essa libertação no próximo
número da série, cujo título é Os Conquistadores
Amarelos.
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www.perry-rhodan.com.br

O Projeto Tradução Perry Rhodan está aberto a novos colaboradores.


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