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As fontes orais na pesquisa histórica: uma

contribuição ao debate*
Joan dei Alcàzar i Garrido**

Uma pergunta que parece não ter uma resposta unívoca entre os
historiadores europeus e tampouco entre os chilenos — como tive ocasião
de comprovar recentemente — é a seguinte: podemos falar de história oral
ou é mais correto nos referirmos às fontes orais para a pesquisa histórica!
Este artigo pretende ser, na sua primeira parte, uma tomada de posição
sobre o tema; entretanto, nossa intenção é que a reflexão seja mais ampla,
que atenda à complexa problemática da utilização das fontes orais e
incorpore os frutos de um debate desenvolvido em distintos âmbitos
académicos. Devemos dizer, a esse respeito, que tanto a profunda dis-
cussão havida sobre o problema num curso monográfico de doutorado
ministrado no Departamento de História Contemporânea da Univerisdade
de Valência, durante os anos de 1991 e 1992, como os esclarecedores
debates suscitados em conferências proferidas no Chile — no Sur, para
alunos de pós-graduação do Prof. Gabriel Salazar, e em Valparaíso, para
os alunos do Prof. Leopoldo Benavides —, assim como a frutífera dis-
cussão pessoal com o Prof. Gonzalo Cáceres, foram muito enriquecedoras:
A intenção deste artigo obedece, pois, ao desejo de seguir contribuindo
modestamente com a polémica.
O próprio título da versão espanhola do livro do inglês Paul
Thompson, La voz dei pasado. História Oral,1 leva-nos diretamente à
pergunta principal: existe o que poderíamos chamar de História Oral, como
um produto historíográfico diferenciado e alternativo à história realizada
exclusivamente com fontes escritas? Em nossa opinião a resposta é
negativa. Aceitando essa tese, a próxima pergunta pode ser: utilizar fontes
orais nos permite escrever outro tipo de história? Isto é: podemos
construir um discurso de interpretação histórica mais completo, mais rico
e complexo? Nesse caso, nossa resposta é positiva.
Partindo de nossa posição frente à disciplina, entendemos que a
História deve analisar e relacionar todos os fenómenos estruturais e
superestruturais com a vida cotidiana dos protagonistas da história: os
homens e as mulheres. Nessa perspectiva, nossos trabalhos se inscrevem
Universidade de Valência.
Tradução de Alberto Aggio.
1 Valência, Institució Alfons el Magnànim, 1988.
\Rev. Brás, de Hist. [ S. Paulo [v. 13, n° 25/26 [ pp. 33-54 | set. 92/ago. 93 ]

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numa linha historiográfica que denominamos história local <>u de Maculay na Inglaterra. Podemos encontrar, da mesma maneira, uma inte-
microhistória,2 e em sintonia com esse posicionamento nos vimos ressante inter-relação entre teoria e história nos trabalhos de Adam Smith
obrigados a refletir sobre a positividade da utilização das fontes orais no ou de Karl Marx. Serão os estudos iniciados pelos medievalistas sobre
processo de investigação; e nos referimos a fontes orais porque não nos fontes manuscritas latinas os que —junto com a especialização universitária
parece procedente falar em História Oral, mas preferimos insistir na ulci.i ocorrida nos territórios alemães —marcarão uma linha divisória. Para os
de que o importante é utilizar fontes orais para fazer história. Traia se, antropólogos ficará o trabalho de campo, para os sociólogos a entrevista
portanto, de incorporar tais fontes orais como uma fonte documental .1 e para os historiadores os manuscritos. Esse processo culminará com o
mais.3 Essa é a tese que vamos defender nas páginas que seguem.4 advento de uma espécie de lei que, mais ou menos, diria o seguinte: sem
Como nos lembra P. Thompson, as fontes orais estão na basr da documentos (escritos), não há história.
mais antiga e da mais recente forma de fazer história. Os primeiros hisio Depois de 1945 tudo começa a mudar, como resultado dos proces-
dadores profissionais foram os depositários das tradições das socinla.l. sos sociais e intelectuais ligados à II Guerra Mundial, especialmente
iletradas e, mesmo hoje, podemos encontrar na África — e talvez tamlu-m porque, tanto na Europa como na Ásia ou África, grupos nacionais ou
na América — recitadores que podem nos narrar desastres naturais, l ai, a classes sociais sem (ou com escassa) história escrita se estruturaram com
nhãs coletivas ou proezas individuais ocorridas dez gerações aliás Na o poder ou ganharam posições de poder. Os processos de descolonização
Europa, por outro lado, até o século XVIII, os testemunhos orais g o / a i a m de povos que não contavam com uma história escrita, junto com a
de um reconhecido prestígio que desapareceria com o desenvolvimento necessidade de resgatar fenómenos concretos do passado bélico (o
da história académica profissional que se produziu durante o século X I X holocausto judeu, a luta dos maquisards etc.), provocou uma utilização
Até este momento, não existe uma barreira clara entre a História e as ouii.r. massiva das fontes orais. De forma paralela, e como consequência do
ciências sociais, como demonstram os trabalhos de Michelet na Franca mi impulso das organizações operárias, em particular, e das classes populares,
em geral, apareceram trabalhos sobre a história do movimento operário que
2 Permito-me citar alguns títulos interessantes sobre o tema que podem i depois evoluíram até uma certa história social de mais amplo espectro.
ilustrativos: Allen, B. y Montell, L, From Memory to History. Using Oral Sim
in Local History Research, Nashville, Tennessee, 1981; Campbell-Kease. J . A Talvez a mudança mais importante de todas tenha sido o restabelecimento
Companion to Local History Research, Londres, 1989; Chittolini, G.: "A pio| do contato entre a história e as ciências sociais, particularmente com a
di storia locale per 1'età dei Renascimento", in La storia locale. Temi. /min . sociologia e a antropologia. Cursos de caráter interdisciplinar começaram
metodi delia ricerca, Bolonia, 1982, pp 121-134; Fontana, J., "La histon.i l
noves perspectives", in Reflexions metodologiques sobre Ia historia local. < ; » então a proliferar em boa parte das universidades europeias. Os pes-
1985, pp. 5-12; Furió, A. y Garcia-Oliver, F., "La historia local: un n u n i m quisadores dedicados ao campo da história social e seus novos ramos
preliminar", in L'espai Viscut. Col.loqui Internacional d'Historia Local, V;il. (história da família, da comunidade, da mulher etc.) rapidamente captaram
Diputació Provincial de Valência, 1989, pp. 7-24, 1984; Ruíz Tom-, l 1
"Microhistoria i historia local", in L'espai viscut. Col.loqui Internacional ir o potencial que passou a lhes ser oferecido, já que supunha o acesso,
7-94. pela primeira vez, às experiências de grupos que haviam sido condenados
3 Ronald Fraser, um dos melhores especialistas, escreveu que o testcmiiiilm 91 ii
não é uma fonte como outra (...) Com todas as possíveis distorções c m ao silêncio; grupos que — em boa medida — haviam sido ocultados pela
testemunho oral é sempre uma maneira de dar significação ao passado pui l história, ao estarem excluídos da documentação mantida nos arquivos. A
mesmo tempo, dar sentido ao presente ("La historia oral, una nov.i Imu importância, por exemplo, da utilização de fontes orais nos estudos sobre
documental", in L'Avenc, Barcelona, n. 68, 1984, p. 66. Não obstante u . I | . . I I . I H ,
contradição com nossas palavras, entendemos que Fraser se refere à valnln.i história das mulheres foi destacada — entre outros — por Pilar Folguera,
fontes e não ao seu tratamento pelo historiador. que entende que a partir da análise do cotidiano na vida das mulheres,
4 Obviamente, esta não é uma proposição original; outros investigado) <••.
do privado, podemos inferir a influência das grandes mudanças político-
refletido sobre a questão. González Quintana escreveu: "... partindo do faio ih T"
no mundo atual as investigações históricas se baseiam, cada vê/ m.n i» sociais no conjunto da sociedade, dado o papel de transmissora de
qiientemente, no uso de fontes muito diversas, cada uma delas deve ter sou | n < « i • . , . ideologia e de socialização política que a mulher joga na família.5
tratamento crítico e sua valorização particular, a fonte oral, fruto dn i l u . i i i i idi
investigador-testemunho que nos coloca a entrevista, deve ser considci.nl..
uma fonte a mais a ser utilizada pelos historiadores. Parece, pois, mais i . i ( i \\,« 5 Folguera, P., "La história oral como fuente para el estúdio de Ia vida cotidiana
de fontes orais e não de história oral". Gonzáles Quintana, A., "El a i r l n v r i n , i . de Ias mujeres", Actas de Ias H Jornadas de Investigación Interdiciplinar, Madrid,
fuentes orales", Historia y Fuente Oral, n. 5, Barcelona, 1991, p. 157. Ilni./oroi^oH A . . . X
Universidad Autónoma de J- » « - J - = J .-,-,-..
Madrid, pp. 177-211.

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Efetivamente, e em sintonia com o que foi dito, pode-sc d i / n <|m temporâneos — voltamos, com frequência, os olhos para qualquer tipo de
durante as últimas décadas potenciou-se o papel de alguns grupos .MH i.u fonte suscetível de ser utilizada para fazer história (da fotografia à
como sujeitos da história. Alguns deles, que anteriormente I I . I M . I I H arqueologia industrial, para dar dois exemplos). Este problema das
merecido mais atenção dos romancistas que dos historiadores, cineipi.ini insuficiências documentais é ainda mais grave quando, como é o nosso
com uma espécie de exigência de que sua história seja reconlu-eid.i l •• .> caso e também o de muitos outros pesquisadores, dedicamos-nos à pes-
é um dos pontos de apoio dos trabalhos de Ronald Fraser, paia t|iicin .1 quisa sobre as classes populares, tanto agrárias como industriais. A partir
utilização de fontes orais permite articular as experiências daqueles que. ,i de uma perspectiva como a valenciana, com suas singularidades (estrutura
partir de uma perspectiva histórica, estão desarticulados.6 Isto c. i|iu- .r, de propriedade, produção dedicada em boa medida à exportação, regime
experiências vividas por pessoas do povo — que foram deixadas de l . n l < > de cultivo, papel das mulheres e dos espaços fabris, existência de
pela historiografia tradicional, entre outras razões, porque não piodu/n.mi autênticos bairros operários etc.), torna-se inelutável utilizar — como uma
uma documentação escrita importante — sejam restituídas a um !N)MI «l.i fonte documental a mais — as fontes orais.
história que eles contribuíram para fazer. Um exemplo magnífico desse |>OM Por isso nos propomos fazer uma reflexão que, com pretensões
cionamento é o conhecido trabalho desse historiador inglês: Recnfitliiln globalizadoras, expõe quatro partes. Na primeira, enfatizaremos tanto os
tu y recuérdalo a Otros. História Oral de Ia Guerra Civil Es/>íinln>lii. ' problemas teóricos e técnicos do trabalho com fontes orais, como as
uma obra na qual se torna evidente o que Paul Thompson dciiuinm.i O discussões que isso acarreta. Na segunda, concentraremos-nos na interdi-
sentido humano das fontes orais, portadoras de dois elementos essen ciplinaridade como questão epistemológica, frente à crescente relação
ciais: (a) a democratização da própria história e (b) a vitalidade de mn.i entre a história e as outras ciências sociais. A terceira parte fará
história que devolve às pessoas seu próprio passado com suas p i o p i u . considerações sobre o necessário diálogo entre fontes orais e história
palavras, reafirmando-lhe um protagonismo que haviam perdido cm l» n. local. E, na quarta, serão abordadas questões relacionadas com os cha-
fício de uns poucos8. mados arquivos da palavra: suas exigências e possibilidades.
Ampliando estas ideias básicas, é importante precisar que o \i-.«
das fontes orais permite não apenas incorporar indivíduos ou c o l e i i v n l . i
dês até agora marginalizados ou pouco representados nos docuim-mn-. PROBLEMAS TEÓRICOS E TÉCNICOS DO TRABALHO COM FONTES
arquivísticos mas também facilita o estudo de atos e situações que .1 iai i<> ORAIS
nalidade de um momento histórico concreto impede que apareçam noi
documentos escritos. Assim, portanto, as fontes orais possibilitam iiuoi A utilização de fontes orais não se limita, obviamente, a uma
porar não apenas indivíduos à construção do discurso do historiado) m.r. simples questão de consciência e vontade. É igualmente necessário
nos permite conhecer e compreender situações insuficientemente esiu implementar, colocar em prática, um método particular que permita obter o
dadas até agora. máximo de informação, o mais confiável possível. Para alcançar esse
Como historiadores caracterizados pelo tipo de investigação de <|iie objetivo, torna-se imprescindível estabelecer as bases que possibilitem aos
até agora falamos, nos vimos obrigados a reconhecer as fontes orais e<>m" pesquisadores fazer um uso correio, e não se limitarem a entrevistar pes-
um indispensável elemento de trabalho. Uma ferramenta que não pod. soas sem um plano prefixado que assegure a coerência. Nessa linha que-
deixada de lado nas pesquisas que realizamos. A adscrição à microhistórll remos levantar, ainda que de forma breve e esquemática, algumas ques-
tropeça, com mais frequência que o desejado, em importantes problem.r. tões, já que o uso sistemático de fontes orais na pesquisa histórica é
de fontes. A documentação escrita nem sempre é a adequada, e isso qii.m relativamente recente, sendo, portanto, seus aspectos técnicos e de ordem
do ela existe, de forma que — pelo menos os que lidam com temas COM metodológica ainda bastante polémicos. Em seguida, faremos referência
aos pontos em torno dos quais se deve articular — em nossa opinião — a
utilização das fontes orais. Comentaremos, de forma rápida, os aspectos
6 Fraser, R., "Reflexiones sobre Ia história oral y su metodologia en relaciún < m i mais controvertidos e avançaremos nosso posicionamento a respeito deles.
Ia guerra civil espanola", in Brué, P., Fraser, R. y Vilar, P., Metodologia hisinni ,i
de Ia guerra y Ia vertebración espanolas.(l980:49). O raciocínio que sustenta essa parte é relativamente simples de ser
7 Barcelona, Grijalbo, 1979. enunciado, mas um pouco mais difícil de ser interiorizado. Trabalhar com
8 Thompson, P., Op. Cit., 1988, p.13 y ss.
Contes orais implica o respeito a uma série de regras metodológicas que

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garantam o ajuste do trabalho realizado às normas básicas <ln ri clareza nas lembranças das fases de juventude da própria vida — como
científico e metodológico. Por conseguinte, partimos da convnean <le 'i'" pode comprovar qualquer um que tenha feito entrevistas com anciãos.
utilizar fontes orais não pode significar a gravação de uma sem .1. Apesar desses argumentos de caráter defensivo, para as pretensões
testemunhos, rapidamente e, depois, usá-los como citações a<l //«• »n científicas do trabalho que incorpora as fontes orais estarem asseguradas
citações recortadas. As ideias básicas, que devem ficar ahsolm.i i- importa que os testemunhos passem por um filtro crítico importante, para
claras para o pesquisador que se proponha trabalhar com fonic . oral se fazer uma seleção dos elementos a serem utilizados. Isso não quer dizer
são principalmente duas: que só se conservará tal ou qual testemunho, mas que o pesquisador
— A relação dialética que se pode estabelecer entre as fonu-s ci.ir. deverá saber distinguir separadamente o fenómeno histórico e a memória
e os documentos, e isso ao ponto de Joutard9 chegar a afirmai i|ne M m que o indivíduo ou o grupo de indivíduos mantêm daquele fenómeno. Um
fontes escritas que permitam estabelecer a distância entre o dito e < > nau dos aspectos mais interessantes do uso das fontes orais é que não apenas
dito, ou o que foi dito de forma diferente, não há verdadeira hisióna "i.il se chega a um conhecimento dos fatos mas também à forma como o grupo
— Não esquecer que aquilo a que chamam de história oral em os vivenciou e percebeu. É de importância capital resgatar a subjetividade,
bora seja nossa preferência falar da utilização de fontes orais p;n.i l.i/n mas é um grave erro passar a confundi-la com fatos objetivos. Esta
história — não é uma soma de entrevistas independentes entre si, mas aproximação crítica ao testemunho oral consegue-se mediante dois
conjunto orgânico e coerente de entrevistas. Uma entrevista concu-i.i n . n > procedimentos de caráter interativo: um, com a documentação escrita
é mais que uma parte do conjunto e somente adquire seu real sipnlu . u l < > existente, e outro, com o resto do corpus de documentos orais. Daí a
no todo que integra a amostra. importância de se estabelecer uma relação dialética entre os diversos tipos
Esse ponto de partida, no entanto, poderia ser q u a l i l u , n l < > « l i de fontes.
simplista. O uso de fontes orais requer, exatamente como qualquer oním Deliberadamente omitimos a utilização da ideia de complementa-
tipo de fonte, uma aproximação crítica. Não há por que entendermos ;u|niln riedade entre fontes orais e fontes escritas, tão cara a muitos dos teóricos
que nos disse uma testemunha ou informante como necessanamenii que trabalharam com as primeiras. Temos que reconhecer que também nós
correspondente àquilo que poderíamos chamar de realidade histórica (se 6 havíamos sustentado essa posição, ainda que atualmente sejamos bastante
que existe uma única realidade histórica). Não porque o indivíduo se refratários em aceitá-la, acriticamente. Devemos dizer que foi a leitura de
proponha a mentir, e sim porque, como sabemos, a memória é esseiu i.M um artigo de Miquel Barceló, referente à arqueologia medieval,11 que nos
mente seletiva e, por isso mesmo, parcial e interessada. A fragilidade . 1 . fez repensar a ideia de validade da complementariedade, porque, efe-
memória humana foi posta sobre a mesa na discussão sobre as d i l i e u l tivamente, o objetivo dos historiadores que utilizam fontes orais é produzir
dades que implica trabalhar com testemunhos orais. Em nossa opinião, nlo informações convenientemente contrastadas sobre a estrutura, funcio-
é suficiente repelir esse ataque acrescentando que esta é uma dúvida i | u < namento e transformações das sociedades humanas. Isto é, um objetivo
podemos generalizar para todas as fontes utilizadas pelos histonad. idêntico à pesquisa histórica que se apoia, exclusivamente, nas fontes es-
Não obstante, como disse P. Thompson, é certo que a dúvida pode critas. Teoricamente, portanto, não há por que existir diferenças quali-
estendida não apenas às fontes escritas, mas também às gráficas ].\n tativas na análise histórica que vêm determinadas pela utilização de um
todas elas podem ter sido manipuladas;10 mas nos paralisarmos IK-M.I ou outro tipo de fonte. Conclusão lógica, por outro lado, já que, se não
dúvida nos levaria tão-somente ao relativismo mais estéril. Tampou. <> fosse assim, teríamos de admitir que só os que pesquisam estritamente o
podemos ficar satisfeitos com os resultados de estudos sobre os pn> contemporâneo poderiam aspirar à máxima qualidade historiográfica.
cessos da memória, que demonstram que a seleção mais drástica se ieah/.i Seguindo Barceló, entendemos que os testemunhos dos informantes
ao organizar e modelar os fatos vividos mais recentemente, ou que, ap< produzem conhecimentos a partir do registro oral, sem que isso deva nos
sar de haver uma evidente perda de memória diretamente relacionada ;m conduzir a prescindir da informação derivada dos textos escritos ou de
aumento da idade biológica, a perda fica compensada por uma renovada qualquer outra fonte suscetível de ser utilizada, que têm limitações as

9 Joutard, Ph., Cês voix que noits viennent du passe. Paris, Hachette, l'»m l l . i
11 Barceló, M., Arqueologia medieval en afueras dei "medievalismo", Barcelona,
uma versão em espanhol pela FCE, México, 1986.
10 Thompson, P., Op. cif., pp. 118-122.
Crítica, 1988.

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quais todos conhecemos. As fontes orais também têm, coimulu, l
com forte consciência, e e) detectaram-se conflitos salariais, num período
tacões. É necessário, pois, trabalhar com os dois registros, sem que
em que se supunha predominar o esforço de colaboração em virtude das
signifique que sejam complementares. Há coisas que nunca podcu-m..
necessidades de guerra. Com esse trabalho, desmistificava-se a autogestão
saber a partir de documentos escritos e, também, há coisas que a pi-M|ins.i
operária, matizava-se o suposto espontaneísmo das coletivizações e esta-
oral não permite sequer que sejam colocadas.
beleciam-se as diferenças internas entre filiados, militantes e dirigentes.
Barceló entende que não há complementariedade. Do nosso ponto
Passando agora às questões de caráter metodológico, diríamos que
de vista, essa afirmação nos parece excessivamente contundente, m.r.
o pesquisador que quer utilizar as fontes orais tem que ter claro, antes de
bastante interessante para recolocarmos em questão sua convcnien. >.i
iniciar o trabalho de campo, toda uma série de elementos: o universo da
substituindo-a pela noção de relação dialética entre os dois ou m.ir.
amostra, a própria amostra, o tipo de entrevista que se deve usar em cada
registros, ou seja, a interação entre as diversas fontes documentais c . > i n
caso, a atitude do entrevistador, o lugar onde eventualmente pode-se fazer
que contamos. Apesar de tudo, estamos absolutamente de acordo i|m
a entrevista e, finalmente, o tratamento — estatístico14 ou de análise de
aquela diferença entre os registros não implica uma diferença de quulitl.nl<
conteúdo — que vai dar à informação obtida. O universo da amostra é o
da informação. O conhecimento de um sistema institucional, seguindo <>
conjunto de indivíduos que, potencialmente, podem atuar como infor-
exemplo empregado pelo mesmo autor, que voluntariamente detém mlm
madores. Esse universo, como é lógico, vem determinado por coordenadas
mação evidentemente positiva sobre ele mesmo, não é de uma eatei-on.i
cronológicas, geográficas, culturais, sociais e, inclusive, sexuais. É de im-
superior à informação que nós podemos recolher com as pesquisas c .r.
portância capital identificar com precisão o universo porque é a partir dele
entrevistas. Os dois registros produzem informações distintas, estando MM
que se define a amostra representativa. Esse é o grupo de pessoas que
relevância na dependência, em última instância, de sua articulação no
se decidiu entrevistar e sua escolha deve ser aleatória, isto é, todos os
interior de uma teoria e do lugar que ocupe nesta. Em boa medida, o leps
integrantes do universo têm as mesmas probabilidades de ser entrevis-
tro oral, de uma forma mais direta do que o escrito — por aquilo que leni
tados. O caráter aleatório da escolha nos preserva, pelo menos em teoria,
de involuntário no sentido de não selecionado para a posteridade —, podi
da parcialidade nas opiniões e da concentração nas respostas. Ainda que
oferecer, eventualmente, estruturas de compreensão alternativas às t l.i
Joutard confesse que é inútil esperar que se constitua uma amostra repre-
boradas a partir do trabalho exclusivo com fontes escritas. O que |>,n< • <
sentativa no sentido sociológico do termo, não deixa de assinalar que os
evidente é que, pelo menos, podemos aceitar que pode e deve havei um
grandes trabalhos com fontes orais, como os de Fraser e Aron e os de
diálogo, uma relação/inteiração dialética entre os dois.
Schnaper e Hanet, contaram com 367 e 500 entrevistas, respectivamente.
Na opinião de Mercê Vilanova, a palavra (a recolhida pelos m
Se essas amostras não são totalmente representativas, pelo menos têm a
formantes) ilumina o escrito, enriquecendo-o e dando a ele um conieMo
pretensão de sê-lo. Daí que, fundamentalmente, teremos que pensar na
humano. E isso porque: a) traz elementos subjetivos e literários, b) u-in
representatividade, embora não devemos nos restringir à representativi-
uma influência desmistificadora, c) rompe o isolamento elitista d... dade sociológico/estatística.
arquivos, e d) faz-se necessária porque uma história social que quer sei
Sobre a constituição da amostra existe uma pequena polémica. Para
majoritária não pode excluir ninguém.12 Foi nesta linha que Anna Ve^a e
alguns vale mais um informante muito bom que dez inconsistentes. É
Carme Monjo13 trabalharam sobre uma coletivização industrial, propiciada
evidente que, se partirmos desse pressuposto, é impossível falar do caráter
pela organização anarcosindicalista CNT, durante a guerra civil espanhola,
aleatório da amostra; isso, pelo menos, se não formos tão atrevidos em
e constataram que: a) as fontes escritas não falavam do clima, do a m
acrescentar aos requisitos — tornando-nos um dos integrantes da amos-
biente; b) nem todos os trabalhadores filiados participavam do desejo de
tra — o da eloquência. A perfeita representatividade de uma amostra é um
melhora e controle da produção; c) os operários filiados, mas não-mih
fator de importância variável. Em alguns casos, torna-se imprescindível que
tantes, falavam de "eles" ao se referirem aos dirigentes ou aos militantes
a representatividade seja matematicamente demonstrável, em outros a

12 Vilanova, M. (Ed.), El poder en Ia sociedade. História y fuente oral, Barcolon.i.


Antoni bosch, 1986. '" Quando nos referimos ao tratamento informativo-estatístico, estamos nos
13 Monjo, C. y Vega, C., Els trebalhadors i Ia guerra civil. Historia d'una ii referindo exclusivamente às pesquisas fechadas com respostas alternativas ou com
catalana collectivizada, Barcelona, Empúries, 1986, pp. 193-201. respostas simples facilmente informatizáveis. Neste artigo, no entanto, nos referimos
— a não ser quando indicado — a entrevistas gravadas.

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formulação de perfis ou tipos ideais a partir de um universo pode M-I televisão; o que Aron-Schnapper e Hanet19 denominaram "o discurso
suficiente. Em todo caso, o pesquisador que utiliza fontes ónus u-m d. sobre si mesmo preparado para o outro".
estar em condições de argumentar, a todo momento, sobre o < . i i . u < i O uso de fontes orais nos permite — como dissemos —, por um
representativo da origem da informação obtida. lado, um aprofundamento na história de grupos sociais que, por razões
Uma vez superadas essas etapas, há que se pensar na c M i . i t c f i . i diversas, estiveram marginalizados ou quase ausentes das fontes docu-
para interrogar os informantes. Nesse ponto, a avaliação do pcsi|in ..I.IMI mentais escritas; de outro lado, nos permite penetrar na percepção do
é o mais importante. Por exemplo, Sheelagh Ellwood, para sua hisioiu .1.1 processo histórico feita por indivíduos ou grupos concretos. Na medida
Falange,15 opta pelo questionário semi-estruturado. Joan Mirallcs 1 " c em que a informação oferecida pelos membros destes grupos nos permita
explicitamente partidário do questionário perfeitamente cslruiui.nl" < conhecer essa história, nos termos em que o grupo a viveu, parece
sobretudo, polivalente. Ronald Fraser17 é, por sua vez, dclcnsoi . 1 , evidente que o mais adequado é que as intervenções do entrevistador
entrevista aberta. Tourtier-Bonazzi18 propõe a preparação de um rolem. .1, sejam mínimas e as mais breves possíveis. Em função disso, o tipo de
perguntas que facilite o trabalho do pesquisador c sustenta i|ui- <•••-.< pergunta deve ser suficientemente genérica, sem que isso implique
roteiro poderá ser dirigido, semidirigido ou aberto, dependendo solm-imlo trivialização, para que o informante se encontre na obrigação e com
capacidade para dar respostas ao que lhe foi colocado.
do caráter do entrevistado e de sua capacidade para adaptar-se à dm.mm ,i
Magnus Berg define a entrevista como uma autorepresentação cria-
da entrevista, embora considere o semidirigido como o mais a p i o p i i . n l > >
da pela fala numa situação extraordinária, interpretada por outra pessoa
sempre que se aplique com flexibilidade. É pouco operativo, p..i
que não é o informante.20 Vejamos porque: a) trata-se de uma auto-repre-
determinar que tipo de entrevista convém realizar para tal ou qual n p» .1.
sentação, na medida em que o entrevistado tem grandes possibilidades de
população. Há grupos que, por razões ideológicas ou c u l t u i a r . i < m
participar na imagem que obterá o entrevistador; b) isto se produz,
diversos inconvenientes para se expressar diante de um estranho mm
obviamente, por se tratar de uma situação diferente daquilo que seria uma
gravador sobre a mesa. Esse tipo de circunstância tem de sei av.ili.nlo
conversa cotidiana, e por isso passa a ser lógico se falar de uma situação
pelo pesquisador antes das entrevistas. Nesse sentido, é c o n v c i m - n n
extraordinária; c) é transmitida pela fala, o que determina que a forma
refletir sobre a atitude a seguir para que a comunicação seja l l n n l . i r condiciona o conteúdo e. vice-versa;21 e d) é interpretada por outra pessoa
portanto, satisfatória. Em primeiro lugar, é necessário se esforçar a l mi > l > - o pesquisador ou entrevistador —, uma vez que este contrói e participa
não cair em nenhum dos abismos que a situação de comunicaçlo < i ' " na representação da situação da entrevista mas sem crer necessariamente
chamamos de entrevista pode provocar. De um lado, a restrição idcol. nela; ou seja, jogando um papel que Berg qualifica de cínico notável, já
que resulta da consideração que o indivíduo tem do próprio discurse que anima o informante ao mesmo tempo em que se ocupa de (1) rela-
é, do seu valor como informante. É bastante comum que, em primeiro In n cionar o que este disse com outras informações, (2) descobrir suas estru-
se produza um processo de auto-subestimação, o que impede a pessoa de turas ocultas, (3) comparar a informação obtida com as hipóteses teóricas
expressar-se livremente, sobretudo se aquilo que fale vá ser p a v . n l . . prévias, e (4) dar nitidez à informação segundo a importância que ele — o
Romper esse bloqueio ideológico é uma tarefa que depende da h a b i l n l . n l . entrevistador — o conceda.
do pesquisador. O outro abismo, igualmente perigoso, é o da pivp.n Assumindo o posicionamento de Berg, o que podemos dizer sobre
artificial da entrevista, como se fosse um discurso diante das câmai.is d. a testemunha ou informante? Dando por assumida a necessidade de elabo-
rar previamente a amostra, a polémica persiste entre os teóricos em torno
do perfil ideal do entrevistado. Podemos aceitar como válida aquela lei não
15 Ellwood, S., Prietas Ias filas. História de Ia Falange Espanola (/</«//
Barcelona, Crítica, 1984.
16 Miralles i Montserat, J., La historia oral. Quetionari i guia didáctica, P.ilinn .1,
Mallorca, Moll, 1985. 19 Aron-Schnapper, D. y Hanet, D.: "D'Herodote au magnetophone, sources orales
17 Além do já citado anteriormente, convém destacar do mesmo autor: KM<»i,/.,/,• et archives orales", Annales, I, Paris, 1980.
El calvário de Manuel Cortês, Valência, Alfons el Magnanim; e Mijas. ;r/>n/'/n .1 :0 Berg, M.: "Algunos aspectos de Ia enrtevista como método de producción de
guerra y franquismo en un pueblo andaluz, Barcelona, A. Bosch. conocimientos", História y Fuente Oral, num. 4, Barcelona, 1990, pp. 5-10.
18 Tourtier-Bonazzi, Ch. de: "Propuestas metodológicas", História y Fuentr <>><il 1 Sobre esta questão ver Willems, D.: "Lenguaje escrito y lenguaje oral", História
num. 6, Barcelona, 1991, pp. 181-189. y Fuente Oral, num. l, Barcelona, 1989, pp. 97-105.

42 43
escrita que diz que o melhor informante é aquele que tem o máximo de
Uma vez obtidos os depoimentos, passa-se ao trabalho mais longo
informação e o mínimo de opinião; mas este é, sem dúvida, um perfil ideal.
e pesado dentre aqueles que são necessários à utilização das fontes orais:
Portanto, independentemente do tipo de entrevista que pensemos realizar,
a transcrição. Essa importante fase do trabalho é a mais desmotivadora
podemos estabelecer uma classificação de pessoas a serem interrogadas:
para os pesquisadores; lamentavelmente, é insubstituível e imprescindível.
a) pessoas com uma memória especialmente coerente e completa; b)
Muito mais do que a quantificação em horas de trabalho de transcrição
pessoas com experiências vitais excepcionais; e c) pessoas que pelo papel
por hora de gravação (de 6 a 15 horas, segundo os autores), o certo é
relevante desenvolvido no fato histórico estudado, torne de importância
especial o seu testemunho. que é necessário enfatizar que todo o trabalho ao qual estamos nos
referindo tem que ser pensado e realizado em função desta última etapa: a
Ellwood, no seu trabalho já citado, concentra-se em indivíduos que
do tratamento que se vai dar às entrevistas. A informação obtida deve
incluiriamos no terceiro grupo, enquanto Fraser, por sua vez, u i i h / , i
ser suscetível de ser objeto de uma análise de conteúdo (as entrevistas)
preferencialmente informantes pertencentes ao primeiro e segundo grupos
e/ou de um estudo estatístico (as pesquisas). O primeiro trabalho será, em
Isso, está claro, encontra-se condicionado pelo tipo de entrevista, scmi-
relação às primeiras, como já assinalamos, o da transcrição integral das
estruturada no caso de Ellwood e aberta no de Fraser.
gravações, com um objetivo irrenunciável: é indispensável tornar inteligível
Em relação ao desenvolvimento da entrevista, há que se levar cm
a versão escrita, sem que isso implique a perda do tipo de linguagem, das
conta que não existe um modelo fechado e polivalente, além de questões
particularidades dos dialetos ou da terminologia utilizada pelo informante;
que obedecem mais ao senso comum que a uma técnica preestabelecidi
em relação às pesquisas, o objetivo imediato será sua informatização.
documentar-se ao máximo sobre o depoente, levar em conta sua idade p.n.i
O tratamento que pode ser dado à informação proveniente das
não esgotá-lo, dispor de um bom equipamento de gravação -- se loi
fontes orais varia em função da temática tratada, da disponibilidade de
possível com um microfone de lapela e gravador oculto —, sempre ligado
tempo, da capacidade económica do pesquisador ou do grupo de
à rede elétrica e nunca a pilhas etc. A polémica gira em torno de questões
pesquisadores e, sobretudo, da profundidade do trabalho a se realizar com
mais delicadas, como, por exemplo, a adoção de uma atitude de diálogo
elas. Do ponto de vista estatístico, pode-se organizar as caracteríticas do
ou de interrogatório. Em nossa opinião, o entrevistador é um pcsquis.iilni
grupo estudado, estabelecer correlações, sistematizar as opiniões em
e, de forma alguma, um policial ou um juiz; e, portanto, consideram"',
função de matrizes explicativas (grupos por idade, sexo, profissão etc.).
imprescindível a criação de um clima de confiança, que não tem poi i|u.
De qualquer forma, são as caracteríticas da pesquisa que determinarão o
chegar ao clima de camaradagem. Toustier-Bonazzi22 defende uma a i i i m l i
tipo de tratamento. No que diz respeito à análise de conteúdo, é prudente
que nos parece correia: a de manter uma conversa inicial sem gravador n.i
assinalar, a partir de um princípio, que é a parte central da metodologia da
qual o informante pode comprovar o valor que seu testemunho leni p . n . i
história realizada a partir de fontes orais — embora não exclusivamente,
o pesquisador. Isso não o impede de manter por todo momento o um
como já enfatizamos. Os depoimentos gravados não são senão outro tipo
trole tático sobre a entrevista. Essa relação deve manter-se depor. .1.
de fonte, o que quer dizer que o texto transcrito é matéria-prima e não
finalizada a seção, de forma que seja possível confrontar a inleipii-i.i s .i"
informação elaborada. O mais adequado é, em nossa opinião, fragmentar o
do historiador com a testemunha ou informante, oferecendo Ilu- .1
texto tematicamente e criar um conjunto de subtemas. Assim, a unidade
possibilidade de conhecer os resultados e de completar seu testemunho
explicativa não será o testemunho individual exclusivamente, mas o
Basicamente, é a mesma posição que sustenta Fraser23, para (|iirin o
método da entrevista pode se resumir em muito tempo, muita giav.it,.10 < testemunho coletivo organizado pelo historiador.
poucas perguntas; paciência, o entrevistador foi aprender e é um pi m l.
- ele o demonstra de uma maneira inequívoca — ser o recq>t<>i . i «
experiências do entrevistado. AS RELAÇÕES COM OUTRAS CIÊNCIAS SOCIAIS

As mudanças registradas nos campos científico e tecnológico, que


vão desde o descobrimento do código genético à revolução informática,
22 Op. Cit. permitindo-nos hoje trabalhar com um volume de dados até há pouco
23
Fraser, R., "Reflexiones sobre Ia história oral in Broué, P., Fraser. H \ i i n
Op. Cit., p. 57. impensáveis, geraram uma fratura na ordenação positivista do saber e,
logicamente, das disciplinas científicas. A derrocada dos velhos
44 45
paradigmas,24 o caos como noção genésica, a complexidade como uma com maior ênfase protagonizam essa aproximação cabe citar I. Wallerstein
ideia de choque contra a lógica linear e, finalmente, a aceitação lenta, mas e E. Wolf; enquanto que na margem oposta — a da história — não podemos
progressiva, da unidade do homem e de seus conhecimentos não deixou esquecer E. Lê Roy Ladurie e E. P. Thompson.
indiferentes os historiadores. No entanto, a ideia de que a ciência é una c Evidentemente, a potenciação das ciências humanas tem tido uma
que os materiais mais aparentemente estranhos encontram-se, na realidade, considerável incidência na percepção do objeto e do sujeito da história.
relacionados, ou melhor dizendo, que todos eles fazem parte de um mesmo Nesse mesmo sentido, o desenvolvimento interno da história, enquanto
sistema, permanece até hoje em discussão, sem que se tenha afirmado disciplina científica, tem conseguido ultrapassar os limites metodológicos
completamente a necessidade da interdisciplinariedade. e epistemológicos impostos pela ordenação positivista das ciências. Cada
Durante as duas últimas décadas, se fez um esforço, a partir dos vez mais, as fronteiras clássicas entre as diversas disciplinas são
posicionamentos da teoria sistémica, para tentar articular, mediante uma percebidas com maiores dificuldades quando enfrentamos qualquer
série de ferramentas metodológicas e conceituais, a fusão dos diversos problemática. Por essa razão, o desenvolvimento isolado de uma disciplina
enfoques que, há muito, eram considerados exclusivos de uma ciência cm científica é impensável, por ser improcedente. Parece, portanto, que a
particular. Essa fusão não deve ser concebida como uma globaliliçlo reorganização do saber passa pela potenciação do diálogo, a nível
trivializante, mas como o resultado de um duplo esforço: a particularizaçlo metodológico, das diversas disciplinas. É nesse contexto que a utilização
analítica e a generalização sistemática. Para conseguir frutos desse csfou,». das fontes orais pelos historiadores poderia ser uma das bases que
deve-se aceitar como hipótese de partida que as diferentes disciplinas facilitasse a aproximação interdisciplinar. É sabido que determinadas
científicas não são independentes entre si. Ciências Sociais, como a etnologia, a antropologia ou a sociologia, dentre
Longe de nos deixarmos levar pela fraternidade ingénua, convcm outras, desenvolveram, com êxito maior ou menor, métodos de trabalho
ter presente que, em relação aos historiadores, como escreveu IgnaM que utilizam fontes orais. Praticamente ninguém discute a validade e a
Terradas,25 os antropólogos e os sociólogos cometem com cena h < pertinência desse uso nos campos científicos mencionados anteriormente.
qiiência o exagero inverso, já que utilizam demasiadas técnicas explicativas Não há razão, então, para que a disciplina história não se beneficie dos
(normas sociais, estruturas simbólicas, modelos de comportamcnio) .1» aportes que pode supor o uso das fontes orais. De fato, a maior parte
nível da compreensão e a desfiguram nos níveis que transcendem o espado dos historiadores que'a utilizaram fazem alusão aos trabalhos pioneiros
etnográfico. Os historiadores têm a tendência contrária: utilizar médoio. de folcloristas e etnolingíiistas. Para Paul Thompson,26 a valorização das
de compreensão (sentido dos atos, valor das normas, juízo de possi fontes orais como elemento de investigação histórica se deve a diversos
bilidades) ao nível da explicação (tendência das séries, relações causais. fatores, considerando o mais importante a renovação do contato entre
estruturas sociais). Assim, produzimos o efeito contrário, desfigurando ., história e ciências sociais, e em particular, com a sociologia e a antro-
compreensão no âmbito local e concreto. pologia.
Na opinião de Terradas, a crítica à sociologia e à antropologia i . u l n .1 Dessa forma, a partir das experiências adquiridas em outras
em que apresentam uma vida local normativizada e delimitada, c m \< l disciplinas, a história pode enriquecer seu discurso fazendo uma espécie
supralocal excessivamente simples (características nacionais, p.idi de retificação, ao mesmo tempo em que vai se articulando com outras
culturais, identidades étnicas etc.) e carregado de tópicos ideológicos A ciências, para eliminar a pesada carga de positivismo corporativo. O
crítica aos historiadores viria pela apresentação do âmbito supralocal > desenvolvimento de uma metodologia que estabeleça as bases para se
o mais determinado e estruturado e o local como excepcional ou d i i fazer um uso adequado e proveitoso das fontes orais é um passo
Logicamente, a partir das diversas disciplinas tem-se buscado supci.ii rss.i importante no longo caminho da necessária renovação epistemológica.
disjuntiva mediante o contato mútuo que leva ao conhecimento m i | > Sabemos, entretanto, que o simples fato de se adotar metodologias con-
de métodos, objetos e teorias. Entre os antropólogos e sociólop. .|u< juntamente a outras ciências não se traduzirá automaticamente num
enfoque multidisciplinar. Pensamos, apesar de tudo, que estaremos no
caminho que a médio prazo beneficiará a pesquisa histórica.
24 Como se sabe, faz alguns meses, num congresso de físicos teóricos, c nlc,,
em votação a existência do tempo. Pouco importa qual foi o rcsuliml» i|u< .1.
qualquer maneira, impôs-se por uma pequena margem.
25 Terradas, L: Op. Cif., pp. 9-10. 26 Op. Cif.

47
46
O DIÁLOGO ENTRE AS FONTES ORAIS E A HISTÓRIA LOCAL Tem havido, com frequência, uma forte polémica entre os histo-
riadores de corte mais tradicionalmente académico, sobre a frivolidade de
Já fizemos referência à nossa posição em relação a esse problema. se conceder o status de fonte histórica a um simples mortal, às vezes com
Partimos do princípio de que o historiador com pretensões a um uma formação intelectual mínima para ter consciência da relevância que
cientificismo globalizador não se restringe nunca ao local como marco lhe conferimos ao utilizá-lo como informante. Não cairemos na armadilha
(agora compreendido como conceito geográfico), mas pretende propor de contra-argumentar atacando o documento escrito — a fonte arquivística
interpretações gerais sobre a evolução humana, numa época determinada. ou hemerográfica —, com o que, todos sabemos, podemos causar mais da-
A opção metodológica deve seguir, portanto, uma linha que permita, a no. Ocorre que as fontes orais nos proporcionam materiais que, de forma
partir do estudo local ou micro-histórico, atingir os fenómenos estruturais alguma, podemos obter com os plácidos papéis arquivados. Estas permitem
que têm uma existência mais geral e comum às sociedades singulares, ao pesquisador chegar a uma informação, concreta ou geral, que enriquece
numa fase semelhante da evolução social.27 A história rural, social, o volume de conhecimentos sobre o problema historiográfico e, além disso,
política, económica, das mentalidades etc. são divisões mais ou menos abre possibilidades inesperadas à própria pesquisa, relacionadas ao que
operativas no ato de classificação das pesquisas. Isso, no entanto, não chamaríamos de autopercepção com a qual os contemporâneos viveram o
pode nos fazer esquecer que, como António Gramsci dizia a seu filho
fato histórico; e isso com conotações pessoais e intransferíveis, que dão
Délio, estudamos os homens, todos os homens do mundo, como homens
toda a complexidade humana a um problema que o investigador, com dema-
que vivem numa sociedade, que trabalham e lutam e melhoram-se, todos
siada frequência, analisa com um excessivo paralelismo à dissecação dos
juntos.
que elaboram códigos.
Dizíamos anteriormente que um dos primeiros problemas com que
Embora pareça que tenhamos insistido bastante no benefício
tropeça o pesquisador que quer se dedicar ao que conhecemos como
genérico da utilização das fontes orais como uma ferramenta documental
história oral é, com frequência, o de insuficiências e/ou de inexistência
de fontes arquivísticas. Pois bem, convém deixar claro que as fontes orais a mais, é certo que há algumas temáticas nas quais seu uso se torna
não são o bálsamo que se encontra ao alcance de qualquer historiador imprescindível. Dentro e fora dos limites dos estudos de caráter local, há
com problemas de escassez documental. Digamos de outra maneira: as que se refletir minimamente sobre a dificuldade de se realizar pesquisas
fontes orais não são uma alternativa às fontes escritas; são outro tipo nas quais o sujeito histórico central não haja produzido — como dissemos
de fonte, não apenas necessária, mas imprescindível para se fazer história. páginas atrás -- documentação escrita suficiente. Referimo-nos àquele
É evidente que partimos do axioma de que quanto mais fontes tenhamos sujeito histórico que, seguindo a formulação gramsciana, denominaríamos
ao nosso alcance, com maior conhecimento podemos enfrentar a análise de classes subalternas. Aqueles que sofrem a todo momento a iniciativa
interpretativa inerente à nossa investigação científica, deixando claro, 11:10 das classes dominantes, inclusive quando se revelam e se levantam. Na
obstante, que não esquecemos que a qualidade da pesquisa histórica não realidade, quando parece que obtêm a vitória, as classes subalternas
é diretamente proporcional à quantidade do material documental utilizado. também se encontram numa situação de alerta defensivo. Por isso, adverte
Falemos agora, então, dos documentos orais. o próprio Gramsci, todo indício de iniciativa autónoma dos grupos
Lamentavelmente, os informantes — a base que nos permite obiei subalternos torna-se de um indubitável valor para os historiadores. Dessa
informação oral — resistem mal à passagem do tempo. Sabendo que o realidade se depreende que esse tipo de história não pode ser tratada a
tempo cronológico possível de ser trabalhado com a ajuda desse tipo de não ser monograficamente e, portanto, cada monografia exige um acúmulo
fonte passa sem se deter, o pesquisador se vê obrigado a apressar-sc p.u.i de materiais, com frequência difícil de se encontrar.28 O papel a ser jogado
localizar as testemunhas e conseguir seus depoimentos antes que se|;i pelas fontes orais é, obviamente, fundamental.
demasiado tarde.

27 Ruíz Torres, P., "L'anàlisi microhistorica i Ia historia com a ciência: Elx dm.mi
Ia crisi de 1'Antic Reggim", La Relia, num. 2, Baix Vinalopó, Hivern, 1984, pp 28Gramsci, A., Quaderni XXIII. II Risorgimento, pp. 191-193, in Sacristán, M.,
15-29. Op. Cf'/., pp. 491-493.

48 49
OS ARQUIVOS DA PALAVRA: SUAS EXIGÊNCIAS E POSSIBll.lDAI >l '. depósito de particulares que desenvolveram um projeto de pesquisa com
fontes orais. Gonzáles Quintana qualifica de "tentativa descabida" esta
A utilização de fontes orais na pesquisa histórica obedece l nu última possibilidade, com o argumento de que buscar coletar testemunhos
damentalmente a decisões pessoais de jovens historiadores imbuídos m.u de interesse de todos os usuários potenciais obrigaria que se entre-
de entusiasmo e voluntarismo do que de uma infra-estrutura técm< .1 > ili vistasse toda a população.30 O raciocínio evidencia-se pouco consistente
recursos económicos necessários. Disto resulta que esse trabalho u u l i já que o arquivo — ou a instituição que patrocinará projetos de coleta de
vidual ou de grupo, que exige um esforço enorme, dificilmente ivpen m. materiais orais — deveria estabelecer programas parciais sobre temas ou
no conjunto dos profissionais ou na sociedade, com exceção dos e l > n . . problemas mais ou menos monográficos, com o que o volume de en-
derivados de uma possível publicação dos resultados da pcsquis.i l >i trevistas virá determinado e seria, logicamente, assumível. Evidentemente,
semos anteriormente que as gravações dos testemunhos dos inibi num. e a despeito disso, é mais factível e simples que, ao menos numa primeira
são matéria-prima e não informação elaborada, mas isso não i m p l n .1 . | < i . etapa, os arquivos da palavra se ocupem de receber, conservar e custodiar
essa matéria-prima só possa ser utilizada por um historiador. Com • as entrevistas realizadas por diversos pesquisadores, de forma que essa
forma de trabalho se subutiliza um material documental recolhido n u l m parte substancial do seu trabalho não se perca irremediavelmente.
dualmente ou em grupo, já que as diversas horas de gravação c > l > n . i . O Instituto Municipal de História de Barcelona é uma entidade que
são empregadas somente na pesquisa que motivou tão árduo csloK,.. l conta com um arquivo com estas características.31 Assim, por ser aquela
lamentável, portanto, que um material que poderia ser utilizado poi m m . . uma experiência pioneira e bem-sucedida, pode nos servir extraor-
historiadores ou por outros cientistas sociais se perca no esquei n L. dinariamente nos primeiros passos para dar vida a este tipo de iniciativas.
A única forma de evitar essa pequena catástrofe -- a penl.i .!• Indubitavelmente, os acervos orais são tão peculiares e, ainda hoje, tão
testemunhos irrepetíveis — é avançar na ideia de criar arquivos du /»i//m rt novos que o tratamento ao qual são submetidos varia sensivelmente
Trata-se de centros de coleta e custódia de informação oral que o h n . l . , segundo diferentes países e arquivos. Isso se colocou claramente no XI
tratada a partir de pressupostos científicos, oferece aos pesquis.ul..i, Congresso Internacional de Arquivos (Paris, 1988), ao constatar que há
novo tipo de fonte suscetível de ser utilizada — como qualquei onn.i l..m. toda uma diversidade de modelos arquivísticos que oscilam entre o
arquivística — nas suas investigações históricas. Nesse tipo de au|m tratamento como uma fonte escrita e a aplicação de normas específicas.
informação obtida mediante a coleta de testemunhos é conscrv.m.i n n m Não obstante, a Federação Internacional de Associações de Bibliotecas
suporte de áudio (indispensável para determinados tipos de e ' , m . l . . i • elaborou, no ano de 1977, algumas normas para a catalogação destes tipos
também, como qualquer outra fonte documental, nos escritos le-.nh mil de materiais documentais (non book materiais), a ISBD (NBN), sem que
da transcrição das gravações. Essa informação — conservada em dol isso tenha, até agora, conseguido a universalização do tratamento. No
suportes distintos - - é catalogada e ordenada seguindo o s < t IMH de Barcelona decidiram tratá-los inicialmente como documentos
arquivísticos gerais e, posteriormente, colocada a serviço dos usn. escritos. Uma vez coletados, são registrados atendendo ao número da fita,
Dizemos usuários e não estritamente pesquisadores porque, como e I.. o tema da entrevista, o nome do informante ou informantes, a data e o
não apenas os pesquisadores podem tirar proveito desse maien.il m.i lugar de gravação. Para sua catalogação posterior, será elaborada uma
também outras pessoas, em especial os professores dos n í v e i . n . . . ficha na qual aparecerão os seguintes dados: a) genéricos: nome da
universitários, que poderão se servir da documentação deposiiad.i testemunha, fita, sigla do testemunho, duração da entrevista, colocação e
Seguindo a argumentação de González Quintana,29 cabe < h l < n n. , u argumentos principais ou identificadores básicos; b) a testemunha: data
entre o que seria um arquivo privado, resultante de uma pcsi|ins.i. < de nascimento, lugar, profissão, autorização, transcrição, registro da fita;
série documental a mais de uma instituição (um arquivo) i|ii<
10 Idem, p. 160.
projetos de coleta de fontes orais. Chega-se, portanto, a um proMem.i i|n<
11 Condomines, M. et ai., "El Archivo de Historia Oral dei Institui Municipal
deve ser esclarecido: se é o próprio arquivo que tem que P.IIMM m.n ,\a de fontes oraisd'Historia
ou, pelodecontrário,
Barcelona", estas têmy de
História vir da
Fuente Oral,<lo.i.,
num, .1 l, Barcelona, 1989, pp.161-
176.
í2Para sua obtenção tem que ser pedida por escrito aos informantes e, em alguns
casos, enviar-lhes cópia das fitas correspondentes. Também pode-se solicitar a
autorização sob a garantia de se manter no anonimato o entrevistado.
29 González Quintana, A., Op. Cit..

50 51
c) o testemunho: data da entrevista, lugar, língua utili/.uda. hpo < l < fizesse de dentro (o mais próximo) para fora (o mais distante e, portanto,
entrevista, pessoas presentes na entrevista,33 registro do texto c nome do mais abstraio). Além do mais, este tipo de trabalho com fontes orais
entrevistador.34 desenvolve as relações interpessoais e toda uma série de habilidades
instrumentais derivadas do trabalho de planejar entrevistas, elaborar
Sobre a conservação do material de áudio, as fitas grav.ul.i, i. m
dossiês, realizar transcrições, propor planos de trabalho, relacionar-se -
que ser mantidas a uma temperatura de 18 graus centígrados e a um nu l i . •
inclusive — com pessoas desconhecidas, falar em público etc. Isto é, toda
de umidade de 45%, que são as recomendadas para a melhor eonseiv
uma série de atividades de profundo valor pedagógico e formativo para
destas fontes. Deve-se duplicar todas as gravações mediante uma > un
os jovens estudantes.35
interna e direta de dois gravadores, separando-se e conservando
Talvez um exemplo concreto torne mais explícita nossa posição.
original. Em Barcelona, a primeira cópia é utilizada como cópia de releic n. 1.1
Imaginemos que o professor — em qualquer das etapas educativas — tenha
para o uso do pessoal do arquivo nos seus trabalhos de transem,,u> \ i .
que explicar as diferenças entre a sociedade agrária e a sociedade
o momento, as gravações não estão à disposição dos usuários c, 1.10 lopi
industrial; pois bem, isso, que exige uma boa dose de teoria — variável,
seja possível, utilizarão a segunda cópia, já que estes terão que iiah.ilh.u
evidentemente, segundo a etapa curricular dos alunos —, se tornará mais
sempre em cima das transcrições.
acessível para os estudantes se, paralelamente ou a posteriori à explicação
Talvez nesta parte seja conveniente voltar a insistir que M.I»
do professor, os alunos estruturassem, sob a orientação deste, um modelo
somente os historiadores podem se beneficiar da existência deslc iipo .1.
de entrevista, seguindo a tipologia das existentes no arquivo da palavra.
arquivos, mas que outros pesquisadores, como os filólogos ( M H i » l m
Posteriormente, fariam entrevistas com familiares" e pessoas conhecidas
giiistas, dialetólogos etc.), os antropólogos, os sociólogos e os cinolop.-.
que possam dar alguma informação sobre o assunto, e assim poderão
encontrarão um material documental suscetível de ser trabalhado
obter respostas às grandes perguntas sobre como era a sua cidade ou a
Para finalizar esta rápida revisão, queremos insistir na impoii.mi.
sua região há algumas décadas (quando a atividade económica da região
ajuda didática e docente que os professores dos níveis p i m i . u i » .
era fundamentalmente agrícola), ou como começou a modificar-se com o
secundário podem encontrar no arquivo. Em primeira instam M. < ••><•.
início do processo de industrialização; como era a própria família, a
educadores terão à sua disposição uma documentação útil como apoio
atividade dos avós, o funcionamento da economia doméstica, a origem das
didático de suas explicações em classe. Como segunda possibilnl.nli
mercadorias básicas consumidas, a evolução da propriedade da terra, a
contarão com informação sobre a metodologia a ser adotada poi «U
incorporação das crianças às tarefas produtivas ou, também, como a família
alunos na coleta de informação oral, atividade que o professor piopm.i
viveu processos ou momentos históricos concretos. Trata-se de uma
aos estudantes como complementar às suas explicações. Isso perimiu.i . p i ,
exemplificação vinculada à realidade histórica de quem assina estas
se coloque em contato a aprendizagem dos conteúdos b á s u o . ,1 i
páginas, mas entendemos não ser tão difícil adaptar tal proposta a outra
disciplina e a realidade que está mais próxima do estudante. De l.M"
realidade.
ensinar história partindo das macrovisões é ensiná-la ao inverso, de Im.i
A partir de uma ótica norte-americana, torna-se interessante o
para dentro, tornando o aprendizado do aluno mais difícil do que ,r .,
método de Edwards D. Ives.36 Começa do que denomina uma regra de
ouro: não há que criar no estudante a ideia de que a entrevista é uma
! N o AIM d e Barcelona considerou-se a s seguintes variáveis: u ) l > i i l < > i < >
informativo, que pode ser diálogo livre sem questionário, diálogo com qncsii..n.m» coisa muito difícil e não há que dar a ele um excessivo número de regras,
rígido, diálogo com questionário semi-livre, diálogo de apoio a outras forni.r. i pelo menos no início. A partir daí propõe os três grandes momentos em
questionários, genealogias, etc.); b) Depoimento ou biografia, que pode sei > mn mi que se pode dividir a atividade:
sem diálogo e c) Material oral formalizado, que pode ser também com ou •.< m
diálogo. 1) A investigação prévia: consiste na análise e estudo da informação
34 Sobre arquivos da palavra é conveniente consultar: Alberch i Fugiin.r. i existente em fontes escritas ou orais, depois da qual seria feito um
"Arxius, documents sonors i historia oral", História y Fuente Oral, mini i mapeamento de temas — não um questionário literal, para não tirar a
Barcelona, 1990, pp. 151-156; Caries, J. L. y Lopes Barrio, I.: "Aspectos ir. •
relacionados con los archivos sonoros", História y Fuente Oral, num. 3, ll.u. i l , , n .
1990, pp. 151-164; Condomines, M. et ai., Op. Cif.; Filipelli, R., "Oi.il In 36 Ver Sitton, T, Mehaffy, G.L. y Davis, O. L.: História oral. Una guia para
and the arcgives", The American Archivist, num. 39 (4), 1976; Gon/.álcs Omiii.m.i inn/fsores (y otras personas), México, FCE, 1989.
A., Op.Cit.; Kamgobe, M.: "La história oral y los archivos", IX dm, '* Citado por Sitton, T. et ai. Op. Cit..
Internacional de Archivos, Londres, 1980.

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52
espontaneidade —, seriam localizados os informantes e, depois de colocá-
los em contato com o projeto, se realizariam as entrevistas.
2) A primeira entrevista: depois de um breve diálogo inicial, a primeira
pergunta se concentra num tema bastante conhecido do informante. O
entrevistador inferirá de sua resposta os campos de interesses de seu
interlocutor, sobre os quais dispõe de informação. A relação entre ambos
tem que ser de cooperação e nunca de confrontação; as perguntas têm
que parecer improvisadas e o informante, fale o que falar, tem que
encontrar no entrevistador uma pessoa cortês e amável — nunca crítica —
e interessadíssima no que está ouvindo.
3) Análise da gravação e nova entrevista: analisam-se os defeitos, vazios
cronológicos, perguntas mal-feitas ou insuficientemente respondidas, e se
elabora um novo roteiro para uma segunda entrevista, na qual poderão
ser atenuadas estas deficiências.
Uma proposta interessante, portanto, na medida em que permite ao
professor se aprofundar no ensino da história, ao mesmo tempo em que
desenvolve habilidades nos alunos, melhorando assim não apenas seu
rendimento curricular como também sua formação e educação integral.
Finalizamos com isso o círculo iniciado algumas páginas atrás, concluindo
que tudo parece indicar que, com a incorporação das fontes orais como
uma fonte documental a mais, melhoraremos nossa posição frente ao
objetivo de desenvolver de nossas atividades — de pesquisa e docência
—, inerentes ao nosso ofício de historiadores.

RESUMO ABSTRACT
O artigo, a partir da discussão The article emphasiz.es the
da história oral ou fontes orais para importance of oral sources in contem-
a pesquisa histórica, mostra a cone- porary historiography, point at theorical
xão entre a valorização dessa base and metodological problems in their
documental, a incorporação, no dis- utilizations. Theauthor aqlso discasses the
curso histórico, de indivíduos e cole- inderdisciplinary characteristics of these
tividades marginalizadas, bem como sources as an epistemological question
de uma nova dimensão dada pelos and indicates the requirements and Joan
protagonistas. Salientando a impor- dei Alcàiar i Garrido.
tância das fontes orais na historio-
grafia comtemporânea, aponta os pro-
blemas teóricos e técnicos de sua deti-
liiação; discute suas características
interdisciplinares como questão episle-
mológica; estabelece elementos para o
diálogo indispensável entre os depoi-
mentos orais e a história local, abor-
dando, finalmente, as exigências dos
chamados arquivo da palavra.

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