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ilrdïreÕmrJÇem

"Um terrorista para um homem é um combatente da liberdade para outro


homem,"
Anônimo

"0 nacionalismo, aquela canção magnífica que faz as pessoas se levantarem


contra seu opressor, para de chofre, vacila e morre no dia em que a independên-
cia é proclamada."
FnRnrz Fnruoru, filosófo

O nacionalismo produziu pelo menos uma força revolucionária tão grande quanto
qualquer movimento baseado em descontentamento social ou econômico. Claro que
quando o descontentamento acerca da supressão da identidade nacional é combinado
com revés socioeconômico, então forças emotivas peculiarmente poderosas podem mui-
to bem ser liberadas. A luta por independência nacional, quer aliada ou não a clamores
por justiça social, impõe desafios ideológicos aos rebeldes que os conduzem ao caminho
para declarar e justificar seu clamor por emancipação ou independência.

ÍlS PRIMEIRÍlS REBELI!ES

Os primeiros combatentes pelos direitos nacionais, como os rebeldes holandeses do


final do século XVI ou os revolucionários norte-americanos na década de 1770, com
frequência se viam como essencialmente conservadores. Eles acreditavam que novos
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governantes estrangeiros haviam imposto estranhas taxações injustificadas e outras for-


mas de opressão ausentes no passado. Boa parte de sua existência começava como
um chamado de volta a algum passado melhor, mas a lógica da resistência os impeliu
a justificar sua causa. Frequentemente a natureza da luta forçava os rebeldes a adotar
conclusões revolucionárias, tais como declarar uma república independente no caso dos
holandeses no século XVI ou doq americanos em I776. Acompanhando tais'declarações
de independência havia declarações teóricas do direito à revolução, que representava
um grande papel naquelas revoluções e fornecia um arsenal de ideias e justificativas
para lutas posteriores frequentemente imprevistas.
Embora as opiniões variassem no tópico, na década de 1960 muitos americanos
ficaram consternados porque os vietnamitas haviam plagiado a Declaração de lndepen-
dência, lançando-a de volta na cara deles.

tUÏAS FREOUEÌ{TEMEI{TE VI OTENTAS

Como o nacionalismo é quase invariavelmente a ideologia que engloba uma luta


para controlar um território, bem como libertar um povo, uma revolução de libertação
nacional geralmente envolve violência. Afinal, a potência colonial ou o grupo minoritário
governando o estado com frequência conquistaram seu poder pela força e precisam
mantê-lo pela onipresente ameaça da força. A espiral de violência testemunhada em
lugares tão diferentes como Argélia, Angola ou América ajuda a criar identidade e soli-
dariedade nacionais.

RESISTÊÌ{CIA Ì{ÃÍl U(tTENTA

Às vezes os nacionalismos conquistaram suas metas por meios pacíficos. O "Movi-


mento Deixem a índia" de Mahatma Gandhi desenvolveu um esquema de meios sem
precedentes de resistência passiva para solapar o governo imperial inglês sobre a Índia
em 1947. Contudo, como Gandhi foi o primeiro a admitir, a não violência só funcionou
contra certos adversários. O Raibritànico fazia-se passar por uma força civilizadora que
traziaa regra da lei e respeito pelos direitos individuais para a índia. Embora porvezes
os britânicos empregassem a força bruta para reprimir multidões em protesto (como no
massacre em Amritsar em 1919), sua própria ideologia de império tornava inconcebível
para eles o uso do tipo de brutalidade sistemática necessária para quebrar o moral e a
coesão de um movimento como o de Gandhi.
186 | MARK ALMoND

Um mural de Willie Bester


presta homenagem a

Steve Biko, o ativista


político e mártir
antiapartheid que
deÍendia a emancipação
compleÌa para os
sul-africanos negros.

Os números também contavam, claro. Controlar a vasta população da Índia estava


além dos recursos britânicos, certamente depois do esforço da Segunda Guerra Mundial,
durante a qual o apelo do império tinha azedado para aqueles que haviam elegido um
novo governo trabalhista na véspera da vitória sobre o Japã0.
A luta amplamente não violenta contra o apartheid na Africa do Sul antes de 1994
baseava-se no reconhecimento de que à maioria negra faltavam as armas para forçar a
minoria branca a conceder-lhe o direito de voto. Embora alguma atividade guerrilheira
ocorresse nos últimos trinta anos de apartheid, a maior pressão sobre o regime veio do
protesto desarmado (no qual se enfrentava a violência das autoridades brancas) e do
clamor internacional por mudança através de sanções e boicotes em países que a África
do Sul achava que fossem amigos.

Íl PAPEL DA OPINIÃÍ} PÚBLICA

O papel da simpatia internacional no sucesso de movimentos nacionais de liberta-


ção é um fator facilmente esquecido. Às vezes grandes potências rivais do governante
colonial demovem os rebeldes de planos maquiavélicos de vantagem estratégica, tal
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como quando a França ajudou os americanos contra a lnglaterra após !777, mas com
Írequência a opinião pública é um ator independente, mesmo quando incitando ação
governamental. Por exemplo, a luta pela independência grega na década de 1820 teria
sido ainda mais difícil se a lembrança da Grécia clássica não fosse tão forte entre as eli-
tes cultas da Europa 0cidental, que identificavam os gregos modernos que combatiam
os turcos com os antigos gregos em guerra com Xerxes, o déspota da Pérsia. (Claro que
críticos dos preconceitos "orientalistas" do Ocidente não poderiam ajudar assinalando
que alguns combatentes da liberdade, como os gregos, eram vistos com mais simpatia
por causa do seu cristianismo e cultura antiga do que povos mais estranhos que care-
ciam de etiqueta de identificação fácil para plateias ocidentais.)
Até mesmo o Exército francês descobriu que novas tecnologias da mídia, como rá-
dio transistor e relatos tnstantâneos de atrocidades solapavam o apoio doméstico à sua
guerra para manter a Argélia sob domínio francês (1954-1962). O papel da mídia em
fornecer notícias e relatos vividos e imagens angustiantes da guerra do Vietnã nos anos
1960 e 1970 é muito debatido, mas pouca dúvida existe de que o movimento antibé-
lico nos campiuniversitários e em muitas partes dos Estados Unidos nunca teriam se
tornado tão eloquentes e intensos se não tivessem existido as imagens do que estava
acontecendo no Sudeste asiático após 1965 e do papel militar dos Estados Unidos.

A tóGrcA DA REvÍlLuçÃÍl

Movimentos de libertação nacional demonstraram repetidamente a falibilidade das


noções convencionais de equilíbrio de poder e da irresistibilidade da força evidente-
mente esmagadora. O escritor radicalTariq Ali assim observou a respeito do Vietnã após
o colapso do regime sul-vietnamita patrocinado pelos Estados Unidos, em 1975: "A
lógica da guerra ditava que os Estados Unidos venceriam, mas esta lógica tinha sido su-
plantada por algo superior e infinitamente mais poderoso: a lógica da revolução." Se isto
era um compromisso ideológico irredutível por parte dos combatentes vietnamitas an-
tiamericanos, ou o que alguns comentaristas chamaram de um "imperativo territorial",
que os lazia lutar com muito mais tenacidade por seu próprio solo do que os soldados
americanos vindos do outro lado do Pacífico, o que se tornou claro foi que até mesmo
o poder de fogo destrutivo que superava as cargas de bombas despejadas durante toda
a Segunda Guerra Mundial não bastava para derrotar um inimigo determinado ao sacri-
fício extremo.
Foi relatado à época que, embora os líderes norte-vietnamitas Ho Chi Minh e o gene-
ral Giap tivessem ficado aterrorizados em 1967 pelo vasto poder destrutivo do Pentágo-
188 I MARKALTvoND

no, eles deram um suspiro de alívio quando ouviram o secretário de Defesa dos Estados
Unidos dizer que seu objetivo era infligir um nível "inaceitável" de baixas sobre eles.
Deram-se conta de que os americanos tinham um limite de quantos soldados mais iriam
sacrificar, e Ho Chi Minh e Giap apostaram que era um limite mais baixo do que o deles.

IEALDAI)E TRIBAT

Nem toda luta de libertação nacional é apoiada pela população. Em algumas socie-
dades, um grupo religioso étnico pode não gostar de seus governantes ou da maioria
Iocal, mas pode ser ambivalente acerca da violência como um meio de libertação, Tanto
no território basco quanto na lrlanda do Norte, na Espanha e na Grã-Bretanha contem-
porâneos, muitos querem autogoverno ou independência e estão desconfiados do que
consideram como um governo central colonial ou estrangeiro. Todavia, o número dos que
apoiam grupos terroristas como o ETA basco ou as diversas facções do IRA na lrlanda é
muito menor do que o elemento nacionalista da população em geral. O problema para
até mesmo países democráticos como Espanha ou Grã-Bretanha é que, embora mui-
tos cidadãos comuns não participassem da "luta de libertação" ou do terrorismo, eles
também não denunciavam aqueles que o faziam. Esta má vontade em colaborar com a
polícia não se baseia somente no temor de represálias, mas sim no resíduo poderoso de
identidade partilhada com os grupos clandestinos adversários do estado.
Quer descartada como "tribalismo", quer louvada como "patriotismo", a força das
identidades grupais é um dos fatores cruciais subjacentes no ressurgimento dos movi-
mentos de libertação nacional. Aqueles que descartam tais identidades estão alienados
de sua própria lealdade tribal, que parece inquestionavelmente normal.

O DESAPARECIMEÌ{TÍ) l)O GÍ}VERNÍI CÍ)Tí)NIAT

Embora o governo colonial tenha desaparecido amplamente através do mundo e a


ONU estivesse concluindo o seu comitê anticolonialista, ainda havia muitas minorias
que se ressentiam de sua situação no próprio país. Ao mesmo tempo, a força da glo-
balização econômica e tecnológica está criando novos ser-ou-não-ser, que poderiam
facilmente gerar futuros movimentos de libertação com um nacionalismo acentuado e
pred isposição anticapital ista.

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