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Avanço Aliado na Itália

O Grupamento “Cremona” entra em combate

Grupamento Cremona
O Brasil na Guerra
Operações do 5o Exército

No decurso das operações realizadas pelos exércitos aliados na Itália, lutando, lado a lado, com os anglo-
americanos e seus aliados, destacaram-se os efetivos italianos do Grupamento Cremona.

As unidades do Cremona foram denominadas Grupamento de Combate, e não Divisão, porque seus efetivos
não atingiam os de uma divisão normal. Apesar de, no decorrer dos combates, o Cremona ter sido utilizado
como divisão, seus elementos eram reduzidos e, também, segundo o General italiano Giacomo Zonussi, “...
talvez não se tenha falado em divisão também por outro motivo, isto é, para não dar a nós mesmos a ilusão, e
no exterior a sensação, de que o novo exército italiano tinha uma importância que, na realidade, lhe
faltava...”.

O Grupamento de Combate era composto por:


Um Comando (Estado-Maior, QG, etc.)
Dois regimentos de infantaria, cada um composto de:
1 companhia de comando
1 companhia de artilharia antitanque
1 companhia de morteiros pesados
Três batalhões, cada um composto de:
1 companhia de comando
3 companhias de fuzileiros
1 companhia de armas de acompanhamento
Um regimento de artilharia composto de:
1 grupo de comando
6 grupos, dos quais, 4 eram de campanha, 1 antitanque, 1 antiaéreo (cada um com duas baterias e um grupo
de comando)
Um batalhão misto de engenharia
Dois hospitais de sangue
Uma companhia de transportes e abastecimentos
Uma oficina de manutenção
Oficina móvel mecanizada
Duas seções de carabineiros
Posteriormente foram adicionados grupos menores que a experiência revelara como indispensáveis, tais
como um grupo cirúrgico, serviço de padaria, etc., num total aproximado de 400 homens.

É necessário destacar que as unidades de infantaria careciam por completo de metralhadoras, dispondo, em
troco, de grande número de lança-granadas antitanque portáteis (as chamadas Piot) e, em cada batalhão de
infantaria, de uma companhia de armas de acompanhamento, nas quais, junto aos morteiros e canhões
antitanques, se alinhavam pelotões de veículos blindados, com doze fuzis-metralhadoras por companhia.

Nos grupos de artilharia, paralelamente, os canhões de campanha eram escassos, pois estavam reduzidos a
32, em lugar dos 48 disponíveis nas divisões normais.

Os grupos de engenharia contavam com a famosa ponte Bailey (As pontes Bailey, de certa maneira,
revolucionaram as velhas técnicas dos Corpos de Engenharia. Superando as tradicionais construções,
elaboradas pacientemente, peça por peça com a conseqüente perda de tempo e o emprego de grande
quantidade de efetivos, as Bailey eram montadas rapidamente por um pequeno número de homens pois
constituíam-se de diversos setores, pré-fabricados e interligados por peças especiais e de fácil armação) que,
pela sua rapidez de montagem, facilidade de transporte, robustez e adaptabilidade, pode ser definida como a
melhor ponte de guerra. Citamos, a respeito, um correspondente de guerra britânico, que afirmou, com
alguma razão, que “a guerra foi ganha pelo jipe americano e a Bailey inglesa”. Além disso, os ingleses
dispunham de uma grande quantidade de aparelhos de rádio, receptores e transmissores, que lhes permitiam
ótimas transmissões, sob qualquer circunstância.

O Cremona entrou em ação entre os dias 12 e 14 de janeiro de 1945, quando foi designada para substituir as
9a e 11a brigadas do 1o Corpo de Exército Canadense.

Os cinco batalhões do primeiro escalão do Cremona substituíram um número igual de canadenses. No


entanto, na realidade, eram muito diferentes. De fato, os batalhões italianos compreendiam um número muito
inferior de efetivos. Batalhões que, normalmente, deviam ser integrados por 750 homens, reuniam 450. Uma
companhia, com 140 lugares previstos, somente tinha preenchidos 44.

Muitos dos efetivos do Cremona, além disso, haviam sido incorporados ao grupo pouco antes e careciam do
necessário treinamento. E, como se isso não bastasse, ao lado dos muitos precariamente treinados, todos, sem
exceção, enfrentavam o fogo pela primeira vez.

A oficialidade, em sua maioria, era composta por homens muito jovens, recém-saídos das academias
militares e carentes de experiência de combate. Assim como seus soldados, sua primeira operação seria o
batismo de fogo.

No dia 13 de abril, após um período de intensas lutas, o Cremona foi retirado da frente e enviado à
retaguarda, com o fim de dar um descanso aos seus homens. No dia 22, o 21 o de Infantaria, reforçado por
dois grupos de artilharia e destacamentos de engenharia, transladou-se à zona de Portomaggiore e, unindo-se
à 56a Divisão britânica, aos comandos e à brigada guerrilheira Mario Gordini, dirigiu-se para o norte, rumo
ao Pó.

No dia 25 de abril, o grosso do Cremona chegou ao Pó, disposto a cruza-lo. Contudo, o 5 o Corpo não
colocara meios adequados à disposição dos efetivos italianos. Visto estarem as grandes pontes destruídas, a
travessia do Pó constituía uma empresa arriscadíssima. E a operação era enormemente agravada pelo fato de
estar a margem oposta nas mãos de unidades alemãs. Apesar de tudo, na manhã de 26, as tropas do Cremona
atravessam o rio, pondo em fuga os soldados alemães que tentaram impedi-lo.

O Brasil em ação

Simultaneamente com os acontecimentos citados, vividos pelos unidades italianos que combatiam ao lado
das forças aliadas, os efetivos brasileiros achavam-se empenhados em renhidas ações bélicas, também no
território da Itália.

As posições brasileiras eram formadas por uma linha de postos avançados, uma posição de resistência e uma
reserva, escalonadas em profundidade.

A linha avançada consistia numa série de pequenos postos instalados em Malpasso, Lareda di Sopra,
Precaria, Braine, Le Vigne, Rocca Pitigliana, ponto 690, Torretta, ponto 756, Falfare, ponto 791, La Cá, Le
Roncole, km 12 e C. di Corazza.

Imediatamente atrás da linha avançada, encontrava-se a posição de resistência, composta por uma série de
pequenos núcleos organizados e mantidos pelas companhias em zonas ou pontos críticos do terreno.

Em vista dos limitados recursos humanos com que os efetivos brasileiros contavam, foram poucas as
unidades que conseguiram manter alguma força em reserva, nem mesmo em nível de pelotão.

As unidades ocupavam extensas frentes, como se vê a continuação:


QW (Setor Oeste), 2 companhias, frente: 1 ,8 km
SSW (Subsetor O), 4 companhias, frente: 4,3 km
SSC (Subsetor C), 6 companhias, frente: 5,3 km
SSN (Subsetor N), 6 companhias, frente: 4,8 km
SSE (Subsetor E), 3 companhias, frente: 3,3 km
Ao todo: 21 companhias, frente: 19,5 km

Cada companhia defendia, em média, uma frente de 0,9 km de extensão. Apoiando essas posições
encontravam-se três Companhias de Obuses de 105 mm e quatro Grupos de Obuses (GO), três de 105 mm e
um de 155 mm, assim distribuídos:
Subsetor N e E: 3° GO
Subsetor G: 2° GO
Subsetor W e setor O: 1o GO e 4° GO

Durante as ações ouvia-se, periodicamente, o ribombar dos canhões que disparavam contra as concentrações
de tropas e posições inimigas. A infantaria, por sua vez, atuava segundo a mesma tática, disparando somente
quando a situação assim o exigia. Diz o Tenente-Coronel Manoel Thomaz Castelo Branco, em seu livro “O
Brasil na II Grande Guerra”: “... (a infantaria)... percebera e comprovara... que o armamento deve ser usado
somente quando, de fato, houver importantes razões para fazê-lo... Disparar por prazer, frenesi ou medo é um
erro imperdoável; por isso, em toda a frente da Divisão reinava um certo silêncio. O inimigo, por sua vez,
mantinha-se também em silêncio, disparando quando era realmente necessário...”.

O emprego de patrulhas

Os inesperados golpes de surpresa dos alemães, levados a cabo contra as linhas brasileiras, fizeram com que
os comandos extremassem as medidas defensivas. Foram intensificadas, ao máximo, as saídas das patrulhas,
que chegaram a operar em plena luz do dia. A ação das patrulhas cumpriam, em primeiro lugar, os seus
objetivos específicos; em segundo lugar, converteram-se em escola prática de combate. Quando, em
fevereiro de 1945, a divisão reiniciou as suas operações, não existia mais o soldado brasileiro dos primeiros
tempos, vacilante e sem experiência; o combatente, agora, era um homem que conhecia suas possibilidades e
confiava em seus recursos. Exemplo típico da ação das patrulhas pode ser dado pela narração do que
aconteceu com a patrulha do Tenente Regueira. Sua missão consistia em estabelecer contato com o inimigo.
O grupo partiria às 19hl0m do dia 3 de janeiro de 1945 e deveria regressar às 2h50m do dia seguinte.

Após uma série de cuidadosos preparativos, o Tenente Regueira partiu com seus homens para a frente. Até
Senneveglio tudo transcorreu em calma, sem se estabelecer contato com o inimigo.

Pouco depois, o Tenente Regueira foi informado, por alguns civis, da presença de um posto inimigo.
Armados com baionetas e granadas de mão, os soldados brasileiros, cautelosamente, se aproximaram do
reduto alemão.

Estavam a pouca distância do posto, quando o Tenente Regueira ordenou a dois soldados que avançassem em
missão de exploração. Ao chegar às vizinhanças do posto, perceberam a presença de uma sentinela alemã.
Um dos soldados, chamado Amorim, saltou sobre ela, sabre na mão, e apunhalou-a, silenciando-a. No
entanto, sua ação foi pressentida pelo resto dos soldados alemães, que se lançaram sobre ele. O sargento que
acompanhava o soldado Amorim acionou, então, sua metralhadora duas vezes consecutivas, mas a arma
falhou em ambas as ocasiões. Os alemães, então, atacaram a patrulha com fogo de metralhadoras e granadas
de mão.

Defendendo-se tenazmente, o Tenente Regueira retrocedeu com seus homens, salvando-os de morte certa.
Episódios como este, repetidos dezenas de vezes, pontilharam as ações da Força Expedicionária Brasileira.

A instrução

Nos primeiros meses de 1945, uma medida ordenada pelos superiores causou espécie entre os combatentes
brasileiros. De fato, tratava-se do reinício da instrução de combate. Os homens se interrogavam sobre as
razões que tornavam necessária uma instrução que, na frente de combate, onde se encontravam, poderia ser
substituído com vantagem pela ação direta contra o inimigo. Contudo, como bem sabia o comando da Força
Expedicionária, as razões existiam. Eram uma conseqüência dos fracassos sofridos frente a Monte Castelo.

As primeiras instruções emanaram do comandante do 4° Corpo de Exército. Suas instruções determinavam a


execução de exercícios relacionados com:
1 ) Patrulhas diurnas
2) Patrulhas noturnas
3) Emprego e tiro de todas as armas de infantaria
4) Condições e desencadeamento de fogo.

Com base nessas instruções, a 12 de janeiro foi expedida uma ordem regulamentando os pormenores da
ação, fixando responsabilidades, nomeando instrutores, recomendando meios e processos de instrução e
tecendo outras considerações gerais.

A instrução deveria começar a 15 de janeiro, com duração de quatro dias de exercícios e posterior discussão
e exame dos resultados obtidos.

Os planos determinavam oito horas diárias de trabalho, sendo duas delas, no mínimo, dedicadas ao
treinamento noturno.

As tarefas de instrução revelaram os principais erros em que haviam incorrido os comandos e os


combatentes, na sua atuação anterior, na frente de combate. Pôde ser comprovado, então, que os efetivos
atuavam em formações numerosas e cerradas, sem tomar precauções especiais na passagem de pontes e
desfiladeiros; além disso, concretizava-se a ocupação de certos zonas, sem levar em conta a situação tática;
evidenciaram-se excessos e deficiências no cumprimento das missões; não se procedera a uma limpeza
minuciosa em cada objetivo conquistado, dando assim, ao inimigo, já batido, a oportunidade de reorganizar
suas linhas; fôra evidente a deficiência da camuflagem das posições; ocorreram “indisciplinas de fogo”,
revelando as próprias posições e impedindo que as patrulhas inimigas se aproximassem até uma distância de
fogo eficaz; tornara-se evidente certa falta de coordenação entre as tropas e seus comandos, etc.

As operações do 5o Exército

A 14 de abril de 1945, o grosso do 5 o Exército interveio na luta. As operações, que estariam a cargo das duas
divisões do 4o Corpo, destacadas no vale do Reno, e da totalidade do 2 o Corpo de Exército, se
desenvolveriam em três fases. A data inicial fôra fixada para o dia 12. O mau tempo dificultou as operações
e, afinal, elas começaram mesmo no dia 14.

Na manhã desse dia, uma intensa preparação de artilharia, e aérea, precedeu as ações. A 10 a Divisão de
Montanha começou o ataque, apoiada por unidades brasileiras que avançavam sobre Montese e pela 1 a
Divisão Blindada que atacava em direção a Vergato.

Os alemães, fortemente agarrados às suas posições, resistiram firmemente, causando grandes baixas aos
atacantes.

Na tarde do dia 15, a aviação aliada, a pedido do comando, efetuou uma violenta incursão sobre as linhas
inimigas. Um total de 760 bombardeiros pesados concentraram sua ação sobre a rede de estradas situada ao
sul de Bolonha. Mais tarde, por volta das 22h30m do mesmo dia, silenciada a barreira de fogo de artilharia,
as divisões do flanco esquerdo do 2 o Corpo de Exército americano (6 a Sul-Africana e 88a de Infantaria
americana) entraram em ação. Ao amanhecer, também atacaram a 91 a e a 34a americanas. A essas forças,
juntou-se, depois, o Grupamento de Combate Italiano Legnano, que atuava como ligação entre o 8 o Exército
britânico e o 2o Corpo de Exército americano. O ataque foi precedido e apoiado por incessantes bombardeios
aéreos. Os alemães se viram impossibilitados de enviar reforços, pelos contínuos bombardeios aéreos
aliados, que interromperam estradas e postos de ligação.

O comando do 14o Exército alemão, com suas reservas já esgotadas, diante da ameaça de um rompimento na
faixa da 94a Divisão de Infantaria, foi obrigado a empregar na batalha as últimas forças disponíveis, que
consistiam em um regimento de infantaria blindada e dois terços da artilharia da 90 a Divisão
Panzergrenadier.

No dia 17 de abril, no setor do ataque do 8 o Exército, os efetivos aliados sobrepujaram Castel San Pietro e
Medicina, enquanto as unidades da ala direita, superado já o baixo Reno, depararam com a resistência que os
alemães ofereceram no reduto de Argenta.

No dia seguinte, 18, toda a frente aliada estava em movimento. A capacidade de resistência dos alemães,
entrementes, declinava rapidamente. Sua situação, aliás, piorava, paulatinamente, à medida que os Aliados
avançavam para Bolonha, uma vez que o vale do Reno, alargando-se progressivamente, apresentava
condições cada vez melhores para o emprego de meios blindados.

Na noite de 19, a 85a Divisão americana, que estava na reserva, chegava a Casalecchio, no Reno. O
rompimento da frente inimiga fôra, pois, conseguido. A esta altura dos acontecimentos, a fase mais difícil da
batalha estava superada. Os Aliados, agora, tinham a possibilidade de utilizar plenamente suas divisões
blindadas e motorizadas.

Os alemães do 14o Exército, também, haviam sido desalojados de suas posições. Suas unidades motorizadas
careciam de combustível. Não contavam, além disso, com uma força aérea capaz de enfrentar a aliada.
Tampouco dispunham de reservas, aptas para serem lançadas à batalha e ganhar tempo. Em resumo, era
impossível aos alemães efetuar uma retirada ordenada.

A 20 de abril, as unidades blindadas da 1a Divisão americana, que haviam alcançado a desembocadura do


vale do Reno, iniciavam o perseguição das colunas alemãs em franca retirada. Nesse mesmo dia, o
Grupamento de Combate italiano Legnano conquistava as posições de Poggio Scanno e de Monte Grodizzo e
avançava sobre Bolonha.

Na manhã do dia 21, unidades americanas, italianas e polonesas, dos exércitos aliados, entravam em
Bolonha. Naquele mesmo dia, as vanguardas do 5 o Exército alcançavam o rio Samoggia e as do 8 o Exército,
Budrio, Portomaggiore e Romanochio. Ficaram, então, separados os 14 o e 51o Corpos de Exército alemães;
parte da 90a Divisão Panzergrenadier foi rechaçada para o noroeste. O 14 o Corpo bateu em retirada para o
Norte e o 51o Corpo tentou, em vão, salvar os divisões de infantaria 232 a, 148a e Itália, que operavam no
centro e na ala oeste do dispositivo, procurando abrir caminho para a planície de Pádua. Contudo, somente
algumas unidades chegaram à margem esquerda do Pó. No dia 24 de abril, enquanto a 34 a Divisão americana
ocupava Reggio Emilia e a 1a Divisão Blindada alcançava Guastalla, tropas da 10 a Divisão de Montanha se
acercavam do Pó.

Nessa altura, a possibilidade que os alemães tinham de organizar a resistência na margem esquerda do Pó, se
tornara irrealizável. Essa margem estava mediocremente defendida por frágeis tropas sem nenhum valor
combativo.

Além disso, grande parte do material pesado teve que ser abandonado, ao se verificar a impossibilidade de
essas peças atravessarem o rio, após a destruição das pontes por parte dos aviões aliados. Apenas algumas
pontes flutuantes foram armadas e garantidas pelos sapadores alemães.

A 305a Divisão apenas conseguiu atravessar o rio por meio de botes de borracha. O 76 o Corpo de Exército
alemão, rechaçado no Pó, com suas divisões em farrapos, teve que render-se aos efetivos aliados, depois de
tentar, infrutiferamente, cruzar o rio.

O grosso das tropas alemãs, que haviam cruzado o Pó sem armas pesadas e com munição escassa, tentou,
inutilmente, bater em retirada, acabando por se entregar aos combatentes aliados. Ao todo, cerca de 160.000
soldados alemães caíram nos mãos do inimigo.

A organização logística

Os planos traçados pelos exércitos aliados, prevendo a sua entrada na planície paduana, foram detalhados e
minuciosos.

Determinou-se, em primeiro lugar, que à medida que os exércitos avançassem, o território libertado iria
ficando sob a responsabilidade do Comando Supremo Aliado do Mediterrâneo. Para tal fim, antes que se
iniciasse o avanço, foram designados “comandos de distrito”.

Essa organização, que ocupava centenas e centenas de pessoas, devia tomar posse do território ocupado,
deslocando-se coordenadamente com o avanço aliado. Tudo se desenvolveu de acordo com os planos
previstos, principalmente pela inestimável colaboração prestada às autoridades aliadas pelos cidadãos
italianos.
Um grave problema, que teve que ser resolvido, foi o do restabelecimento das vias de comunicação
avançadas. Na planície de Pádua todas as pontes de certa importância tiveram que ser consertadas ou
substituídas. Nestes casos, o cuidadoso preparo antecipado dos materiais necessários abreviou enormemente
os prazos concedidos à reconstrução das pontes. Dessa maneira, os efetivos aliados não correriam o risco de,
a qualquer momento, ver tolhido o seu avanço.

O problema dos portos foi solucionado com a determinação das medidas a serem tomados nos portos de
Gênova, Veneza e Trieste. E foi este último que recebeu maior atenção das autoridades aliadas, por ser
considerado o mais protegido e o de maior rendimento para o abastecimento das tropas. O porto de Veneza
ficou limitado ao tráfego civil.

A respeito dos prisioneiros que fossem feitos no decorrer da batalha, o problema foi estudado com especial
cuidado, pais calculava-se, acertadamente, que os alemães não somente seriam derrotados mas que
difìcilmente poderiam retirar-se para além dos Alpes, dado o estado precário de suas vias de comunicação.

Previu-se, em linhas gerais, que deveriam ser aprisionados perto de um milhão de homens e resolveu-se
dividi-los, em partes iguais, entre americanos e ingleses. A rapidez da rendição dos efetivos inimigos, no
entanto, transtornou os planos aliados, que tiveram de improvisar meios adequados para alojar e alimentar os
prisioneiros. Em princípio, os efetivos alemães permaneceram sob o comando dos seus próprios oficiais e
empregaram seus próprios meios de transporte, de saúde e de abastecimentos. Os víveres e vestuário
tomados aos alemães foram destinados ao abastecimento de suas próprias unidades prisioneiras. Os
armamentos, porém, assim como os transportes, criaram aos Aliados algumas dificuldades, pois eram
reclamados pelos italianos, franceses e iugoslavos, que pediam a devolução dos materiais confiscados pelos
alemães em seus respectivos países. Quanto aos alemães, suas dificuldades aumentavam dia a dia. A
esmagadora superioridade aérea aliada permitia esperar o provável interrupção da corrente de abastecimentos
da Alemanha. Além disso, desde que a destruição das pontes sobre o Pó isolara uma ampla região, os
depósitos localizados. ao sul do rio foram escassamente supridos; em troca, foram deixados grandes
depósitos na zona alpina.

Os alemães, com o fim de armazenar combustível e munições, cavaram grandes depósitos na rocha viva, no
norte da Itália. Foram espalhadas outras reservas de elementos bélicos, disfarçadas com tetos, redes de
camuflagem ou aterros. Os abastecimentos de elementos semelhantes eram divididos em pequenos depósitos,
bem dissimulados e separados um do outro. As tarefas de trans porte e suprimento se efetuavam na calada da
noite e sob a mais severa vigilância.

A proteção e a camuflagem dos depósitos foram extremamente eficientes, a tal ponto que a maioria das
perdas foram causadas durante os bombardeios aos transportes ferroviários e marítimos, e não aos depósitos
propriamente ditos.

O trânsito pelas estradas foi regulamentado pelas autoridades alemães, e dividido em transportes táticos e de
abastecimentos concernentes às tropas da frente de combate, e trânsito para as autoridades civis e militares,
em caráter oficial. Para este último tipo de trânsito organizou-se um cuidadoso serviço de controle, dividido
por zona, localidade e cidade, sob a dependência do comandante das tropas de abastecimento da Itália
setentrional. Esse procedimento conduziu a uma melhor utilização dos meios e a uma grande economia de
combustível.

O transporte automotor, em virtude da redução das disponibilidades de combustível, não pôde ser
aproveitado em toda a sua real capacidade. Os postos designados para a descarga de combustível estavam ao
norte do Pó. O combustível era, em seguida, conduzido em caminhões a Ostiglio, de onde, por meio de
oleodutos, chegava ao sul do Pó.

Os ataques aéreos aliados, nesse meio tempo, continuavam implacáveis. Os principais alvos eram o sistema
ferroviário, as pontes sobre o Pó e as estradas secundárias. Os “partizans”, por seu turno, atuavam com
eficiência, destruindo pontes e interrompendo estradas. Imediatamente após as destruições, que inutilizaram
a maioria das pontes sobre o Pó, os alemães se entregaram à tarefa de construir pontes de pontões, ferry-
boats, carrinhos suspensos com cabos de aço, etc., procurando suprir, da melhor maneira possível, a grave
situação criada. Nesse período, a energia demonstrada pelo comando alemão foi extraordinária. Soube
solucionar problemas e providenciar o abastecimento de unidades e o transporte de tropas em condições,
aparentemente, muito difíceis.
Posteriormente à destruição das pontes sobre o Tagliamento e o Piave e à balbúrdia do serviço ferroviário da
região veneziana, sentiu-se claramente a grande vantagem dos transportes marítimos. Em conseqüência,
foram eles intensificados entre Trieste e Veneza e ao longo do baixo Pó, resultando de grande ajuda para o
abastecimento do 10o Exército. Alguns meios de transporte marítimo foram transferidos, por via terrestre, do
Tirreno até ao Adriático, onde prestaram inestimáveis serviços.

Simultaneamente com o tráfego marítimo funcionou a navegação interna.

Resumindo, em fins de 1944 e princípios de 1945, a situação dos alemães tornou-se muito grave. O tráfego
mal dava para satisfazer somente uma porte das exigências normais. Rapidamente, a situação foi piorando
até chegar ao desgaste total. As reservas de munições começaram a escassear e os depósitos a esvaziar-se,
um após outro. Os combustíveis foram pelo mesmo caminho e outro tanto ocorreu com as armas, cujas
perdas não puderam ser, adequadamente, cobertas.

No mês de fevereiro de 1945, o abastecimento de munições foi muito reduzido e as últimas reservas dos
depósitos consumidas. Os projéteis para morteiros de trincheira de 120 mm agora somente podiam ser
empregados nos grandes combates; diariamente, as peças leves podiam disparar 12 tiros; as pesadas, por sua
vez, dispunham de apenas 5 tiros. A 15 de abril, nos depósitos de munições do grupo de exércitos havia-se
esgotado a reserva de balas de metralhadora; dez dias mais tarde terminava a munição para artilharia pesada
de meio e grosso calibre. Nos primeiros dias de abril, o combustível estava, também, praticamente esgotado.
O recolhimento de lenha para os gasogênios encontrava-se, na ocasião, bastante reprimido pela atividade
febril dos partizans. Em meados de abril, os transportes por estrada de ferro, na Itália setentrional, foram
totalmente interrompidos.

A navegação pelos rios, lagos e canais se viu seriamente obstada pela constante intervenção dos caça-
bombardeiros aliados.

Pode-se realmente concluir que a supremacia aérea aliada foi o fator preponderante na derrota das forças
armadas alemães.

Um elemento que contribuiu para a derrota alemã foi o evidente cansaço físico e moral das tropas. Os
homens, diminuídos moralmente pelos reveses sofridos em outras frentes e pelos constantes ataques aéreos
sofridos pela Alemanha, decaíram, rápida e continuamente, de capacidade combativa. Essa decadência
atingiu tons realmente dramáticos quando, mais tarde, a guerra alcançou o território alemão propriamente
dito e os soldados começaram a perder contato com suas famílias. O comando alemão tentou, a princípio,
compensar a deficiência qualitativa e quantitativo das tropas, com uma intensificação na atividade da
artilharia. Contudo, a redução das reservas até seu esgotamento e a evidente diminuição da produção fizeram
com que essa atividade fosse também prejudicada até quase a paralisação total.

A escassez de munição alemã não deve ser interpretada como a evidência de uma superioridade esmagadora,
nesse terreno, por parte dos Aliados. Pelo contrário, também estes sofreram as conseqüências do exaustão
das reservas, até extremos alarmantes.

Declara, a respeito, o General Clark: “Existiam, sim, muitos problemas sérios que nos mantinham
intranqüilos. Na verdade, a escassez de munição de artilharia, que travara nosso avanço para Bolonha,
prolongou-se por vários semanas e exerceu uma influência direta em nossa impossibilidade de reavivar a
ação ofensiva durante o inverno. Em meados de novembro (de 1944) eu fôra obrigado a reduzir a
distribuição de munição destinada ao 5o Exército. Tampouco havia perspectiva de integralizar, a curto prazo,
reservas para operações ofensivas em escala capaz de nos permitir chegar a Bolonha.

“Em visto da informação contida em mensagens do Departomento de Guerra”, escrevi em meu Diário, “a
situação que prevalece nos Estados Unidos, em matéria de munição, é tão crítica que foi necessário recorrer a
um programa de envio de encomendas diários das linhas de produção de armamentos, aos cais. Se nossa
atual proporção de consumo continuar assim, a reserva ficará reduzida a, aproximadamente, 60.000 projéteis
ao longo de quinze dias do ataque programado para dezembro. Quer isto dizer que não teremos munições
paro rechaçar contra-ataques inimigos”.
Múltiplos problemas, referentes ao abastecimento, entorpeceram os movimentos das forças aliadas. Voltemos
a Clark: “Nos fins de novembro, numa viagem de inspeção a um batalhão brasileiro pronto a partir para a
frente de combate, notei que muitos homens levavam roupas demasiadamente leves. Comentei esse fato com
o General Mascarenhas que me explicou que os soldados haviam chegado do Brasil sem roupas apropriadas
para uma campanha invernal na Itália. Isso causou um problema sério que era preciso resolver e permitiu
também descobrir um fato curioso. Os soldados brasileiros tinham pés pequenos em comparação com os
americanos e foi muito difícil conseguir calçados, do tamanho apropriado, em quantidade suficiente. O que
se conseguiu, com certa rapidez, foram blusões de combate e roupa interior de inverno”.

Outra das preocupações de Clark consistiu em evitar que os alemães, como de fato procuraram fazer,
destroçassem as pouco experientes forças brasileiras, o que teria servido de excelente material de propaganda
para acusar os Estados Unidos de utilizar os brasileiros como “bucha de canhão” na frente de combate.
“Determinamos, também, que os homens se revezassem na primeira linha, durante os meses de inverno, o
mais regularmente possível, a fim de que pudessem ir aos diversos centros de distração existentes nas
principais cidades italianas... Antes de partir do meu posto do comando no Passo de Futa para assumir um
novo comando, fui visitado pelo General de Divisão Souslaparov, representante russo no Itália, que me
entregou a Ordem Militar Russa de Suvarov, Primeiro Grau, que Stalin me concedera como prêmio pelo
conquista de Roma. A medalha com que fui condecorado era acompanhado de dois pequenos livros. As
páginas de um dos livretos se abriam como um acordeão: eram um passe vitalício para viajar em todas as
estradas de ferro russas. Ignoro para onde um trem russo me poderia levar hoje em dia (provavelmente uma
viagem de ida para a Sibéria), porém posso garantir que em diversas ocasiões em que, depois da guerra, tive
de argumentar com guardas russos de postos rodoviários austríacos, o livrinho foi extraordinariamente útil.
Quando as sentinelas russas me detinham, coisa que aconteceu várias vezes, era só puxar o passe, agitá-lo no
nariz deles, e passar calmamente...”.

Anexo
“O 15o Grupo de Exércitos era uma Babel”
O 15o Grupo de Exércitos aliado era formado pela fusão de unidades de quase todas as partes do globo. Naturalmente,
este conglomerado de raças e línguas originava problemas, por exemplo, com o abastecimento, com a condução e com a
religião; enfim, eram doze nacionalidades diferentes convivendo e lutando como se fossem uma só equipe. Para se ter
uma idéia mais exata da situação, reproduzimos os comentários que o General Clark, Comandante do Quinto Exército,
teceu, sobre essas unidades, em seu diário de combate:
“- 1a Divisão, Força Expedicionária Brasileira. (Deparamos com uma enorme dificuldade para encontrar intérpretes que
falassem português para os tanquistas que apoiariam as unidades brasileiras em ação).
- 1o de Escoceses de Argyll e Sutherlan. (As vezes, cheguei a acreditar, injustamente, é claro, que os ingleses iam acabar
parando uma batalha no meio, para tomar seu chá das cinco. Porém, em Anzio, quando os abastecimentos eram
desesperadamente escassos, recorremos ao sistema de permuta, comum na guerra, trocando chá americano por café
inglês. Ficamos todos felizes).
- 3o Batalhão do Regimento de Punjab, 19a Brigada de Infantaria, 8a Divisão hindu. (O Oitavo Exército britânico teve
que carregar um rebanho de cabras atrás de si para proporcionar-lhes alimentos. Sua religião não lhes permitia comer
carne de porco).
- 166o Regimento de Campanha da Terra Nova (sem comentários).
- Batalhão de Serviços Especiais, 6a Divisão Blindada Sul-Africana. (Estes eram os Springboks do Marechal-de-Campo
Smuts. Largaram os tanques e combateram a pé.)
- 24a Brigada de Guardas, Guardas reais (sem comentários).
- 2o Batalhão de Dragões de Inniskilling, irlandês. (No dia de São Patrício, antes de uma importante batalha, insistiram
para que um avião especial trouxesse “sharmrocks”[comida tradicional irlandesa] da Irlanda, para cada homem.)
- 1a Brigada Blindada do Corpo Canadense (sem comentários).
- Companhia de Defesa, QG, 2o Corpo Polonês. (A maioria deles tinha parentes nos Estados Unidos).
- 26o Batalhão, 2a Divisão Neozelandesa (sem comentários).
- Italianos - Pelotão de “partizans” e 67o Regimento, Grupo Legnano. (A guerra foi muito confusa para eles).
- Enfermeiras americanas, 56o Hospital de Evacuação. (Houve grande agitação quando os enfermos franco-árabes se
negaram a vestir pijamas, usando as calças como turbantes).
- Corpo Feminino do Exército (sem comentários).
- Pessoal Territorial Auxiliar Feminino, 15o Grupo de Exércitos. (Conhecidas geralmente como AT, estas moças inglesas
trouxeram ao campo de batalha sua tradição heróica de ter operado canhões antiaéreos na grande campanha da
Inglaterra).
- Enfermeiras sul-africanas, britânicas e canadenses do 107 o Hospital-Geral Sul-Africano. (Este hospital recebia feridos
de todas as nacionalidades. A tarefa do pessoal se complicava enormemente pelos variados idiomas que seus pacientes
falavam).”
Nesta enumeração faltam os efetivos franceses que, embora tenham combatido nos primeiros tempos da campanha
italiana, logo após o desembarque na Normandia foram combater em solo pátrio.

Medo
“O medo não é o pior. A gente se livra logo dele, e não deixa marcas. Para os que, como eu, fomos meros espectadores
da guerra, parece que o perigo, quase sempre, não é ruim. Vi soldados que, ao dirigirem-se à frente de combate pela
primeira vez, iam receosos. Não era medo de serem feridos. Temiam o desconhecido, o mistério que a linha de frente
representa. Este temor se espelhava em seus rostos. Era o medo que se sente ao pressentir-se um abismo. e correr o risco
de mergulhar nele. Quando um homem seguia para a frente, pensava: Agora arrisco tudo. Jogo toda a minha vida, tudo
o que espero fazer e tudo o que amo. Arrisco tudo contra a morte.
“Quando aquele mesmo homem voltava da frente, parecia até estar mais alto. Havia enfrentado o desconhecido e
regressava intacto. Sentia-se nadando em ondas de felicidade à medida que voltava à vida e às suas aspirações.
Recuperando o que arriscara, parecia crescer em importância aos seus próprios olhos, como se houvesse ganho algum
lucro com o risco corrido. Possivelmente, os combatentes sentem algo semelhante ao que sentem as mulheres quando
estão a ponto de dar à luz. Uma vez enfrentado o desconhecido, sentem-se imensamente reconfortadas. Quase vale a
pena dizer que, em tempo de paz, raras vezes o homem corre algum perigo; seria conveniente, de vez em quando,
arriscar-se inteiro numa empreitada, purificando suas vidas”.
(Alan Moorehead, correspondente de guerra e escritor britânico, autor de obras como: Galipoli, Eclipse, etc.)

A amarga caminhada para o Natal


O soldado Moose, coitado, não gostava da guerra. Mas será que alguém gostava?... De qualquer forma, quando Henry
Moose rumou para a frente de combate, respirou uma estranha satisfação: “Afinal vou sair desse bairro imundo, com
seus bares nojentos, seus habitantes chatos e suas mulheres vulgares”. Agora estava meio arrependido de ter dito aquilo,
mas era tarde. Além disso, já não havia mais remédio, pois, como costumava dizer: “a guerra não fui eu quem inventei,
vim aqui por patriotismo”.
Ta, ta, ta, ta, ta, ta... ta, ta... Uma metralhadora pipocou em algum lugar. Em poucos segundos, o caminho, há instantes
atrás povoado por uma longa coluna de infantes americanos, voltou a ser o que sempre fôra: uma faixa deserta,
bordejada pelo matagal. Moose nem havia visto o avião, mas logo percebeu sua presença. Encolhido na beira da
estrada, assombrou-se, de repente, ao perceber que não tinha medo. Apenas arquejava um pouco... Com a cara colada no
chão, sentiu o cheiro forte do capim molhado e, então, lembrou os seus passeios pelos campos da sua cidade, quando,
deitado na grama, deixava o pensamento voar e sonhava correr mundo... voltar à cidade coberto de glórias...
O inverno se aproximava e Henry, como muitos outros soldados do exército de Clark, pensava que talvez no Natal
pudesse estar em casa. Porém os alemães se obstinavam em resistir, retardando a conquista da Itália.
A Itália acabara por aborrecer Moose. Mais de uma vez desejou estar combatendo no Pacífico com os marines. Pelo
menos, lá não fazia frio; claro que havia mosquitos e japoneses com seu fanatismo brutal... Bom, talvez o ideal não
fosse também o Pacífico... Melhor seria se fosse designado para alguma base da América Latina... Salinas, no Equador...
Lá, sim, se estava bem... Mas ele era um João-ninguém e para lá só eram mandados os filhos dos banqueiros de
Boston... Pam... pam... pam... Os canhões marcavam em contraponto o vaivém do Messerschmitt. Ta... ta... ta.. ta... Que
concerto! O piano voando pelo ar e o resto da orquestra respondendo da terra!...
Afinal, o caça se afastou, e Henry pôde-se levantar. Era lamentável, de uma certa forma... O perigo passara, mas agora
tinha que continuar marchando e, na verdade, estava muito cansado.
Era uma chatice aquela campanha: continuamente marchas e contramarchas. No chão! Estirado! De pé! Temos que
avançar! Rápido, mais rápido! Uma bateria alemã impede nossa passagem, temos que agüentar, até que a silenciem!
Rápido, mais rápido! Moose, quer que te levem nas costas? De onde você é, Moose?... Na sua cidade nasceram
cansados?...
E sempre assim, dias e dias. Ele era mais um, entre multidões de homens sujos e fatigados que caminhavam dia e noite.
Nada de heroísmos! Marchar, marchar, sempre... É preciso avançar!
- Acho que houve quinze baixas na segunda companhia - disse um soldado.
A Moose não interessavam as baixas nas outras companhias; aprendera a se preocupar, em primeiro lugar, consigo
mesmo, e depois, pelos seus vizinhos de pelotão, porque... que significava para o Alto-Comando quinze infantes a
menos? Nada!... Absolutamente nada! Porém, a amargura maior era pensar que, quando voltasse à sua cidade o que
poderia contar que eles já não soubessem? E o que é que ele mesmo relembraria, dali a alguns anos? Havia uns "caras"
que, realmente, faziam coisas, os "rangers", por exemplo, ou alguns outros grupos, individualistas e perigosos, que
estavam sempre onde havia algo importante. Porque, afinal, morrer, morria-se do mesmo jeito, tanto faz ser volteador,
como herói... Lembrava-se do caso de Billy Karmann. Henry gostava de bater papo com ele, era um rapaz inteligente.
Billy lhe perguntara, mais de uma vez, quando haviam chegado à Itália, quanto tempo ainda duraria aquela guerra. Billy
tinha pressa de voltar para casa, era casado e mal começara a estudar medicina... Mas para quê? Um avião inglês que
voltava à base passou rasante sobre o grupo, confundindo-os com alemães... e Billy morreu. A Henry estas coisas
apavoravam, pareciam tremendamente injustas. Moose não deixara ninguém importante quando partiu, salvo uma tia
velha e um cachorrinho, que talvez já tivesse morrido, porque era velho também. No entanto, cada dia que passava,
mais aumentava sua ânsia de voltar.
Pensava agora que, embora não tivesse grande coisa para contar, nem muito para recordar, ansiava por voltar, de
qualquer maneira, para tomar um gole de cerveja nos bares sórdidos do seu bairro, andar pelas ruas de mão no bolso...
mesmo que seus moradores fossem chatos e as mulheres vulgares. E o soldado Henry Moose, que não havia inventado a
guerra, de repente se pôs a chorar...

Aonde é que vai, "Sfollati" ?


“Ordem do Comando Alemão - Dia 23 de março de 1945 - Os territórios... (nome das áreas) devem ser imediatamente
evacuados pela população civil italiana. Qualquer pessoa que for encontrada na referida zona depois das 6 da manhã do
dia 26 de março será fuzilada. Como nova residência foi destinado o território... A mudança deve ser efetuada somente
durante a noite”.
Aos camponeses do Norte só havia duas possibilidades: ou ocupar as novas áreas designadas, ou fugir rumo ao Sul,
atravessando as zonas de combate. Mas nem sequer fugir era fácil; em geral, deviam pagar aos "guias" somas que
variavam entre 1.200 liras para os desconhecidos e 500 para os amigos. Em muitos casos, os "guias" exerciam seus
serviços clandestinos em combinação com alguns elementos do exército alemão ou italiano. E assim, à medida que o
Quinto Exército avançava, uma interminável legião de "sfollati" (refugiados) buscava segurança nas zonas conquistadas
pelos americanos. Mulheres magérrimas guiando carros de bois, animais de carga, crianças, pequenos bandos de
carneiros, velhos, uma ou outra vaca, eram parte deste interminável cortejo.
Os soldados não gostavam muito dos refugiados. Causavam um pouco de pena, mas, ao mesmo tempo, talvez
escondessem entre eles espiões e sabotadores disfarçados. Cada "sfollati" trazia consigo vários problemas. Os soldados
tinham que registrá-los, interroga-los, alimentá-los e, depois, envia-los à retaguarda, onde seriam novamente
interrogados para, então, serem encaminhados a algum setor.
Os refugiados contavam muitas coisas: que suas terras haviam sido arrasadas, seus animais confiscados pelo exército,
os jovens enviados a trabalhar na Alemanha; e, embora tudo fosse verdade, a narrativa dos "sfollati" era sempre trágica
e expressiva, como se temessem que todo o seu imenso drama não fosse bastante para conseguir a confiança dos
vencedores...

Como passar o último inverno


“O tempo foi piorando gradativamente. As tropas que se encontravam nas montanhas tiveram que se agüentar passando
penúrias incríveis. De repente, encontrei-me diante da conclusão mais aterradora da guerra: não poderíamos irromper no
vale do Pó antes do inverno. Essa perspectiva me encheu de amargura e decepção. Havíamos fracassado e, logicamente,
o fracasso é um cálice de fel para um comandante, quaisquer que fossem as circunstâncias que tornaram inevitável esse
fracasso. Essa consideração, porém, naquele momento era secundária. Estávamos atolados nos altos Apeninos e
tínhamos que passar ali o inverno. Examinando os arredores, de um posto de observação próximo ao desfiladeiro de
Futa, entrevi a neve que coroava o cimo escuro do Monte Grande; compreendi, então, que aquele seria um inverno
duríssimo para os homens do Quinto Exército, mesmo que não se efetuasse um só disparo. Seriam os alemães a passar
os meses seguintes amparados pelo vale do Pó. Quando regressei ao meu QG, em Florença, demos a conhecer a decisão
que as tropas deviam-se entrincheirar. Não havia outra alternativa, porém, quando alguém - nem sequer me lembro
quem foi - sugeriu que pelo menos nós, do QG, poderíamos permanecer em Florença durante o inverno. Creio que
compreendi, pela primeira vez, a verdadeira razão da minha amarga reação diante do fracasso.
- Os homens dessas divisões vão passar o inverno nas montanhas respondi. - Meu QG também.
No dia seguinte mandei que transportassem meu reboque para Traversa, próximo ao desfiladeiro de Futa e um dos
pontos mais altos dos Apeninos, para passar o inverno”.
(“Memórias do General Mark W. Clark”)

Dias de chuva e sangue


As estradas estavam intransitáveis, porém os Aliados continuavam a acumular veículos. Uma massa de transportes
obstruía as passagens dia e noite, e cada vez o tempo se tornava mais frio e as montanhas mais brancas, recobertas por
uma espessa camada de neve, enquanto nos vales aumentava o barro viscoso que perseguia todos os exércitos na
Europa. Cada batalha parecia criar novos obstáculos.
Houve um encarniçado combate perto do rio e nos canais circunvizinhos. Em determinado momento, ambos os lados
atacavam simultaneamente nas duas margens. Botes e balsas lutavam na água, sob chuva torrencial. Os alemães
saltaram numa margem e os Aliados desembarcaram na outra. Reinava grande confusão; as técnicas de combate
chegavam às raias da extravagância: em certo momento, por exemplo, os botes estavam tão próximos uns dos outros,
que um soldado alemão começou a desferir golpes com o remo. Na desembocadura do rio um grupo de botes alemães
foi rechaçado com muitas baixas. Nos canaviais, o tiroteio era intenso e as balas estraçalhavam as canas. Cadáveres e
feridos eram arrastados pela correnteza até ao mar. Um grupo de carros anfíbios britânicos encalhou num banco de
areia.
Os soldados lançavam-se à água, valendo-se de qualquer objeto como salva-vidas, inclusive tábuas e barris de petróleo.
Os tanques, calafetados contra a água, mergulhavam na correnteza,ficando apenas com a torreta de fora. Logo o rio
começou a transbordar e enquanto a infantaria aliada chapinhava no barro, os alemães a varriam com morteiros. Cada
vale era um baluarte e era necessário atacá-lo com artilharia e blindados. E os Aliados continuavam a amontoar tanques
que, à medida que o tempo piorava, se tornavam mais inúteis...
A Itália é um país inadequado para as unidades blindadas e excelente para ocultar peças antitanques.
A bravura não bastava para ganhar combates; e toda a região se transformara num curioso lodaçal multicor. Os
observadores aliados, postados nas elevações, podiam distinguir: o mar acinzentado à esquerda, as trincheiras alemães,
além do rio, em um tom levemente mais escuro, o rio amarelo, a terra pardacenta e, ao fundo, o telão fabuloso dos
Apeninos, com seus tons escalonados, até chegar a um plano onde o acinzentado já não existia e a neve assumia um tom
nacarado. Entrementes, no vale, a luta prosseguia, sob uma terrível chuva, completando aquele pesadelo infindável.

Correspondentes
“Um grupo de carros blindados alemães apareceu na estrada. Os correspondentes dobraram por um caminho lateral e, a
um certo número de milhas, pararam para trocar impressões. Enquanto discutiam, ecoou pelas quebradas o ruído
distante de um motor. Os camponeses também escutaram com ansiedade, pensando que os alemães estavam voltando. O
ruído soava às suas costas; não tinham outra saída senão a estrada principal, patrulhada pelos alemães.
Nossos camaradas levavam duas metralhadoras. Postaram-nas, com dois homens, a uns trinta e poucos metros de
distância, no caminho, dominando uma curva. Os homens, estendidos no solo, tinham ordem de disparar assim que os
alemães aparecessem.
Os demais, repartindo entre si três ou quatro revólveres que levavam, se distribuíram pelas valetas, perto dos homens
das metralhadoras. Os que não possuíam armas, ocultaram-se entre as árvores. A espera lhes pareceu interminável,
porque o veículo que se acercava subia muito lentamente o caminho montanhoso, e o matagal espesso impedia que se
vislumbrasse o carro até que dobrasse a curva.
A tensão porém cedeu logo. Os dois homens da frente viram afinal o veículo e estavam já com o dedo no gatilho,
quando perceberam que estavam apontando para um caminhão inglês, no qual viajávamos eu e um companheiro. De
nossa parte, assustamo-nos, vendo sair das valetas e das árvores homens armados. Por um instante acreditei numa
emboscada alemã e freei bruscamente o caminhão. Nossos amigos se adiantaram sorrindo e compreendemos o que
ocorrera. “Vocês estavam tão bem enquadrados”, disseram, não sem um certo desaponto”.
(“Diário da campanha da Itália”: Alan Moorehead)

“De volta ao Paleolítico”


Alguém contou ao médico Murray que não muito longe dali existiam várias famílias da região vivendo em cavernas.
Murray vira muitas coisas desde que a guerra começara, mas encontrar em pleno século XX grupos humanos vivendo
na idade da pedra, era uma novidade. Em companhia de outro médico e um sargento, foram até às cavernas.
Na penumbra, entreviram vultos que se movimentavam numa atmosfera rarefeita. Os vultos faziam comentários em
italiano e, à medida que os americanos se aproximavam, demonstravam grande agitação. Muitas famílias viviam ali,
envoltas em capotes alemães abandonados.
Uma delas, composta do velho, uma filha, o genro e uma neta, dormiam no leito seco de um lago de pedra, a oito
metros de profundidade, sobre um único colchão. Para chegar a esse exótico domicílio, desciam por uma corda. O velho
era engenheiro civil e tinha nas mãos uma ferida de muito mau aspecto; a neta, Gabriella, apresentava na testa um corte
com os bordos inchados e infeccionados. As famílias alegavam que viviam ali, em parte para abrigar-se dos
bombardeios e, em parte, porque os alemães haviam ocupado suas casas para postos de observação. Murray lhes disse
que podiam sair, pois os americanos haviam feito os alemães recuar para o Norte... Os italianos, a princípio, deram
mostras de grande alegria, porém, enquanto Murray esteve na região, não saíram das cavernas. Apenas Gabriella e o
avô, que o médico havia tratado, abandonaram seus refúgios pré-históricos.
- Essa gente - disse Murray ao seu assistente - mais que fome e medo da morte, sofre de desconfiança. Veja, Mason:
dissemos a todos que podiam voltar para suas casas, que nós estávamos aqui, e que os alemães haviam ido embora;
porém, salvo Gabriella e o avô que foram medicados, todos os outros ficaram onde estavam. Acho que nós vamos ter
muito trabalho no após-guerra...

Todos os soldados estavam de branco


Ao entardecer, uma patrulha saiu com dois sargentos, nove soldados e um "partizan". A certa altura, se dividiu em dois
grupos. O sargento Murphy, que comandava um deles, divisou uma casa, onde suspeitava que estavam alguns alemães.
Deixou três homens atentos em um barranco próximo, e avançou cautelosamente com o soldado Kennedy. Os dois
homens andavam a certa distância um do outro. Ambos trajavam capote branco e capucho também branco. O sargento
caminhava cautelosamente, quando viu um soldado também caminhando silenciosamente, a alguns metros de distância.
Teve a impressão que o soldado ia dizer-lhe algo, porém ele o calou, levando um dedo à boca, em sinal de silêncio.
Murphy não queria, de modo algum, que os alemães percebessem que estavam sendo cercados. O soldado compreendeu
o gesto, pois assentiu com a cabeça, e murmurou baixinho: “ya, ya...”
Nesse mesmo instante, viu Kennedy avançando à sua esquerda... Murphy pestanejou apenas um décimo de segundo: se
Kennedy estava à sua esquerda, quem era o soldado da direita? Antes de pensar duas vezes disparou sua metralhadora
sobre o capote branco desconhecido... O morto era um soldado alemão que, provavelmente, morreu sem compreender
nada do que estava ocorrendo. Mais tarde, Murphy tratou de explicar, mas não era fácil. Na verdade, os alemães
também usavam capotes brancos com capucho para lutar na neve, e o engano foi total. Assim como o sargento pensou
que o soldado era Kennedy, o alemão pensou que Murphy fosse um companheiro. Quando Murphy ouviu que lhe
respondiam: “ya, ya” em vez de “yes, yes” e viu Kennedy andando do outro lado, compreendeu e atirou.
Nas linhas aliadas, Murphy foi, por algum tempo, objeto de brincadeiras, porém ninguém tinha muita vontade de sair
em patrulha com ele. Podia ser que o sargento, impressionado com o fato, disparasse sobre o primeiro capote branco
que surgisse ao seu lado.

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