I. Os Pré-Socráticos. Pensados como “precursors”, eles perdem a originalidade. É preciso
colocá-los numa perspectiva histórica. Evitar absorvê-los no futuro que desencadearam. A expressão “pré-socráticos” tornou-se corrente depois que o estudioso alemão Hermann Diels, há cem anos, usou-a para o título de sua grande coleção de depoimentos e citações da filosofia grega antiga: Die Fragmente der Vorsokratiker. Uma designação não apenas cronológica, mas valorativa. a. Os Iniciadores. Conservam o privilégio do frescor originário do começo histórico da livre reflexão. Problema: o sentido dos textos tornou-se enigmático, os textos estão corrompidos ou perdidos; copiados e recopiados e reorganizados em uma coleção por uma tradição mais recente. Apenas a partir do séc XIX, com a historiografia filosófica e a filologia, esses textos receberam o tratamento cuidadoso necessário para restituir o seu sentido original. b. Característica do período. Surgimento de uma livre curiosidade hostil às imagens sagradas do antropomorfismo mítico e desejosa de aliar a solidez das observações à clareza das teorias, embora as velhas tradições e inspirações religiosas e míticas tenham se mantido ou reapareçam, ora mais, ora menos, na forma dessa nova atitude. Esse esforço para refletir sobre todas as coisas apresenta as seguintes características: i. explicativo e sistemático; ii. coerente e argumentativo; iii. transformativo; iv. educacionalmente provocador; v. crítico e não-convencional. c. Fontes. Como as obras originais foram perdidas, o conhecimento delas depende das citações esparsas verbatim ou das referências em autores antigos. Não há uma garantia absoluta em relação a veracidade das fontes. A análise desse processo, como já foi ditto, começou no séc XIX com Diels. Doxógrafo e doxografia são neologismos criados por Diels para expressar talvez o contraste com a biografia, para ele, um gênero não muito confiável. Doxografia diz respeito à doxa, visões e opiniões (dokounta, em grego). A doxografia para Diels começou com um tratado de 16 livros, dos quais apenas alguns fragmentos sobreviveram (composto por um discípulo de Aristóteles: Teofrasto). d. Milesianos. Quase todos os grandes nomes desse período não são da Grécia continental, mas da Jônia (metade sul da costa ocidental da Ásia menor) e na Magna Grécia (sul da península italiana e Sicília). A Jônia já se desprendera do imobilismo e das opressoras tradições que definiam a organização dos modos de vida predominantemente camponesas onde reinava a aristocracia fundiária. Certa civilização urbana já se tinha formado em muitos lugares: artesanato desenvolvido e trocas comerciais a longa distância por via marítima (p. ex. Creta). Mas as condições de um pensamento novo parecem ter sido reunidas, pela primeira vez, mais tarde, na opulência industrial e comercial da Jônia dos séc. VI e VII a.C.; Mileto era a cidade mais florescente de todas da Jônia, a mais variada, na encruzilhada de uma série de influências culturais: velha colônia cretense, fundadora de vários entrepostos comerciais. Pátria dos três primeiros pensadores gregos: Tales, Anaximandro e Anaxímenes. e. A atitude mental dos pensadores milesianos. A atitude comum aos três milesianos revela uma reação francamente desfavorável aos hábitos do pensamento mítico. A unidade primordial de onde provêm os seres da natureza, em sua rica diversidade, estava já presente nas cosmogonias míticas. Ela afirma-se agora em um monismo ao qual deseja oferecer uma base permanente e uma força imanente de geração em vez de um ponto de partida para uma genealogia. As ambiguidades do mito, sempre pronto a duplicar os seres da natureza em imagens antropomórficas, e a narração ritual e anônima, que cantava obscuramente as famílias de deuses e de reis divinos, dá lugar a um tipo de explicação orientada por forças ou propriedades naturais e precisas - purificadas de todo antropomorfismo -, localizáveis, sem mistério, no sensível.