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GUIA3

O Nascimento da Filosofia
HFAI/Fernando Muniz
UFF

I. Os Pré-Socráticos. Pensados como “precursors”, eles perdem a originalidade. É preciso


colocá-los numa perspectiva histórica. Evitar absorvê-los no futuro que desencadearam. A
expressão “pré-socráticos” tornou-se corrente depois que o estudioso alemão Hermann Diels, há
cem anos, usou-a para o título de sua grande coleção de depoimentos e citações da filosofia
grega antiga: Die Fragmente der Vorsokratiker. Uma designação não apenas cronológica, mas
valorativa.
a. Os Iniciadores. Conservam o privilégio do frescor originário do começo histórico
da livre reflexão. Problema: o sentido dos textos tornou-se enigmático, os textos
estão corrompidos ou perdidos; copiados e recopiados e reorganizados em uma
coleção por uma tradição mais recente. Apenas a partir do séc XIX, com a
historiografia filosófica e a filologia, esses textos receberam o tratamento cuidadoso
necessário para restituir o seu sentido original.
b. Característica do período. Surgimento de uma livre curiosidade hostil às imagens
sagradas do antropomorfismo mítico e desejosa de aliar a solidez das observações à
clareza das teorias, embora as velhas tradições e inspirações religiosas e míticas
tenham se mantido ou reapareçam, ora mais, ora menos, na forma dessa nova
atitude. Esse esforço para refletir sobre todas as coisas apresenta as seguintes
características: i. explicativo e sistemático; ii. coerente e argumentativo; iii.
transformativo; iv. educacionalmente provocador; v. crítico e não-convencional.
c. Fontes. Como as obras originais foram perdidas, o conhecimento delas depende das
citações esparsas verbatim ou das referências em autores antigos. Não há uma
garantia absoluta em relação a veracidade das fontes. A análise desse processo,
como já foi ditto, começou no séc XIX com Diels. Doxógrafo e doxografia são
neologismos criados por Diels para expressar talvez o contraste com a biografia,
para ele, um gênero não muito confiável. Doxografia diz respeito à doxa, visões e
opiniões (dokounta, em grego). A doxografia para Diels começou com um tratado
de 16 livros, dos quais apenas alguns fragmentos sobreviveram (composto por um
discípulo de Aristóteles: Teofrasto).
d. Milesianos. Quase todos os grandes nomes desse período não são da Grécia
continental, mas da Jônia (metade sul da costa ocidental da Ásia menor) e na Magna
Grécia (sul da península italiana e Sicília). A Jônia já se desprendera do imobilismo
e das opressoras tradições que definiam a organização dos modos de vida
predominantemente camponesas onde reinava a aristocracia fundiária. Certa
civilização urbana já se tinha formado em muitos lugares: artesanato desenvolvido e
trocas comerciais a longa distância por via marítima (p. ex. Creta). Mas as condições
de um pensamento novo parecem ter sido reunidas, pela primeira vez, mais tarde, na
opulência industrial e comercial da Jônia dos séc. VI e VII a.C.; Mileto era a cidade
mais florescente de todas da Jônia, a mais variada, na encruzilhada de uma série de
influências culturais: velha colônia cretense, fundadora de vários entrepostos
comerciais. Pátria dos três primeiros pensadores gregos: Tales, Anaximandro e
Anaxímenes.
e. A atitude mental dos pensadores milesianos. A atitude comum aos três milesianos
revela uma reação francamente desfavorável aos hábitos do pensamento mítico. A
unidade primordial de onde provêm os seres da natureza, em sua rica diversidade,
estava já presente nas cosmogonias míticas. Ela afirma-se agora em um monismo ao
qual deseja oferecer uma base permanente e uma força imanente de geração em vez
de um ponto de partida para uma genealogia. As ambiguidades do mito, sempre
pronto a duplicar os seres da natureza em imagens antropomórficas, e a narração
ritual e anônima, que cantava obscuramente as famílias de deuses e de reis divinos,
dá lugar a um tipo de explicação orientada por forças ou propriedades naturais e
precisas - purificadas de todo antropomorfismo -, localizáveis, sem mistério, no
sensível.

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