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Meu nome é Timei Assurini Sou Awaete, gente de verdade, como nós se auto
denominamos. Nascido e criado em minha aldeia na T.I.Kwatinemo no município de
Altamira, médio Xingu no estado do Pará sou conhecedor e praticante dos saberes
tradicional da minha etnia e cultura. Minha etnia com apenas 40 anos de contato e 250
pessoas vem passando por sérios impactos de projetos do modelo de desenvolvimento
nacional como a rodovia transamazônica, da hidrelétrica de Belo Monte e da mineradora
Belo Sun.
“Direitos Indígenas
nas Pesquisas Acadêmicas e em Empreendimentos (não) Governamentais”
De família tradicional, ao me incomodar com a situação atual de meu povo e minha região,
montei com minha família e minha companheira Carla Romano o coletivo "marytykwawara"
e o projeto "Agenda Awaete - Troca de Saberes Assurini do Xingu/PA” e há 2 anos sai para
"descobrir o Brasil" em busca de saberes para a construção de caminhos e alternativas para
que minha etnia e cultura sobrevivam e transcendam. Buscando assim o fortalecimento da
minha cultura e demais práticas e saberes dos povos da floresta e da terra, sabemos que
não estamos sozinhos no mundo e precisamos destas conexões para vencer.
Estou pedindo a vocês para que percebam a importância do debate que estou trazendo. E
que pelo que vi na minha aldeia e o que tenho visto ouvido e vivido agora que estou aqui
percebo que sempre esteve nos bastidores mas nunca a frente da discussão que fala e
direciona nossa relação de indígenas e pesquisadores acadêmicos. Sempre ouvi de todos
os pesquisadores que passaram pelo meu território muitas promessas de que a pesquisa
deles iria retornar e ajudar meu povo a lidar com a invasão de todos os níveis que sofremos
desde a chegada deles. Mas quando questionava sobre a possibilidade de viajar junto e
participar da construção das pesquisas o que sempre ouvi é que para isso deveria ser
formado no ensino básico e estar no mínimo matriculado na faculdade, caso contrário não
teria possibilidades de conseguir recursos para que meu direito fosse atendido.
Ora como assim? Esses pesquisadores estão em nosso território desde o início do contato
a 40 anos! Como teriam suas pesquisas se não tivéssemos oferecido estrutura em nossa
território para isso? Esse conhecimento que está sendo construído é sobre meu povo minha
cultura quem aqui é o especialista? Temos nossa universidade de saberes que é tão
importante que fazem com que eles desde sempre venham até nós de todos os lugares do
mundo explorar nossos saberes, práticas e recursos! Por que na hora do edital ou seja lá
qual a forma de financiamento disso ser feito não nos reconhece como capazes? Por acaso
fizemos eles se arranharem, pular panela ou passar pelos nossos rituais de
amadurecimento para reconhecê-los? Acho que devíamos!
Agora depois de vencer FUNAI, ONGs, parentes corruptos, pesquisadores que não querem
que a gente saia, entenda e esclareça o que está acontecendo, chegou até aqui e escuto
que toda essa atitude racista e colonizadora está pautada nos editais de pesquisa que dão
argumento a relação mais do que questionada entre pesquisador, informante e objeto de
estudo. Estou aqui no Rio de Janeiro com a missão dada pelo meu avô um dos últimos
pajés vivos e atuantes do meu povo, para conhecer o mundo karai e conhecer o que
pegaram da minha cultura e o que fizeram com ela! Fazer uma pesquisa sobre todas
publicações e acervos que a academia fez sobre meu povo. Repatriar esses
conhecimentos, começando traduzindo em nosso idioma, revisar seu conteúdo e iniciar uma
produção autoral. Até acho legal que isso seja feito em parceria com algum pesquisador
acadêmico sério, pode ser até indígena, mas eu preciso ter um diploma da academia para
ter subsídios e viabilizar essa pesquisa para isso? Eles falam que não é proibido mas pode
um indígena de outra região ficar aqui na cidade e fazer isso sem auxílio financeiro? Até
para xerocar os livros com o nome do meu povo é a maior burocracia! Essa não é uma
outra forma de exclusão? Até por que até onde sei as bolsas são consideradas ferramentas
de inclusão e acesso para garantir direitos de quem chamam de minoria mas pelo que to
vendo são a maioria!
A importância do que está sendo dito aqui vai além de apenas para nós indígenas. Essa
dívida histórica é com toda as sociedades que aceitam o argumento da existência da
academia pela sua importância no papel de suas construções sociais e de todos que
precisam e convivem juntos. Fonte e construção de conhecimento. Não foi por isso que
lutamos tanto para ter o direito ao acesso? Ao vestibular indígena? Mas estão
transformando um direito numa obrigação. Onde fica a importância da
transdisciplinaridade? O respeito ao outro principalmente quando o tema da pesquisa é ele,
deveria ser óbvio já está pautado em constituições de direitos humanos, Oit construída
pelos mesmo pesquisadores que a desrespeitam academicamente. Como vimos no
encontro dos 25 anos do livro "História dos Índios no Brasil" em que junto ao ao levante
indígena da USP fizemos uma Intervenção.
Eu não vou sair correndo para tirar um diploma que representa toda essa aculturação para
poder ter um direito garantido. Até porque na hora de “sugar” a própria academia valoriza
muito mais o indígena chamado “puro” com menos interferência possível da “outra
sociedade”. Aliás essa corrida pelo diploma se olharmos mais a fundo financia e justifica a
existência de máfias da educação que nos usam como números e nos manipulam e
estimulam a nossa dependência desse sistema através de bolsa família, cargos de
professor (muitas vezes a única fonte de recurso da comunidade e isso gera divisão e
poder), agentes de educação não indígenas controladores, desvios de recurso da educação
e várias outras formas de se manipular através de algo que na verdade não tem o menor
sentido para nós vide a forma com que é feito. Já que o próprio karai tem questionado e
muito seu sistema de ensino e as suas consequências principalmente para suas famílias e
seus filhos. Afinal esses conhecimentos e a forma com que eles são passados servem para
que(m)? Passar no enem? ser escravo de uma empresa? Por essas e outras questões, no
projeto Agenda Awaete optei por dialogar com diversas formas de conhecimentos
reconhecendo sua importância independente de serem acadêmicos ou não. Quando digo
que vim aqui para estudar as pessoas me perguntam em qual faculdade estou e respondo
que a faculdade do indígena é a vida e que estou estudando culturas e saberes para a
construção de uma sociedade que vive da terra e da floresta e não escravas de senhores
da indústria e da digitalização. E assim tenho aprendido muito no ambiente acadêmico mas
mas muito também nos ambientes de conhecimentos práticos e considerados alternativos
sobre permacultura, design social sustentável, agrofloresta, bioconstrução, saneamento
ecológico e muitos outros conhecimentos significativos e práticos. Vendo inclusive pessoas
desacreditadas no modelos modelo acadêmico e no conhecimento ali constituído.
Pois bem, esse comportamento colonizador de apropriação se reflete não só no
distanciamento das sociedades entre si mas também revela o quanto os materiais
produzidos possuem conteúdos duvidosos pela natureza de sua construção. Afinal, deveria
de ser proibido assinar um trabalho falando de um povo do qual você não pertence, sem ter,
a co autoria e participação ativa da construção deste trabalho de no mínimo um indivíduo da
sociedade em questão, não só pelo povo mas também quem ta lendo. Se o karai quer falar
de nós tem que garantir que nós tenhamos as mesmas condições que ele para acompanhar
as pesquisas para uma construção de conhecimento realmente colaborativa colocando a
gente como co autor e não informante até mesmo para garantir que o conteúdo do que foi
escrito esteja certo. Por que nós somos enganados mas quem lê também é. E talvez por
isso mesmo depois de tantos anos pesquisando a gente com tantos livros publicados essa
sociedade não indígena continue tão ignorante a nosso respeito já que aprenderam com
seus professores a nos ignorar e os poucos que tentam fazer diferentes acabam sendo
abafados pelos mesmos diplomas e hierarquias que nos colonizam.
Todo dia vejo amigos karai estressados entrando em colapso por conta da academia suas
relações e mecanismos de controle e de provas e mesmo assim querem exigir q o indígena
entre nesse quadradado etnocêntrico para ter acesso a recurso para construir uma
pesquisa sobre o próprio povo e cultura! O CNPq, capes e faperj tem q respeitar nossos
direito ao acompanhamento das pesquisas e reconhecer nossa universidade de
conhecimento independente de diploma acadêmico. Entrar na faculdade tem que ser um
direito e não uma obrigação para ter seu conhecimento reconhecidos e seu direitos
garantidos. Tem povo como o meu de pouco contato que nem tem escola direito e vai ter
que fazer faculdade pra ter apoio a uma pesquisa? Tem sentido isso? Eles estão lá desde
antes de sabermos português. Se realmente querem fazer junto não deveriam ter
estimulado uma relação mais igualitária desde o início? Nós sabemos q a academia foi
criada pelo colonizador então ela e sua atuação precisam ser questionadas, refletida e
transformadas constantemente e não pode depender de entrar mais gente pra fazer isso. Já
tem gente suficiente dentro que diz que luta pelos nossos direitos em campo e consegue
apoio em ONG e de governo com esse argumento enquanto dentro da academia nosso
povo e seus direitos não estão sendo respeitados.
Queremos fazer parcerias onde cada conhecimento seja reconhecido e que todos tenham
as mesmas condições nesta construção. Caso contrário devemos reconhecer que a
academia não tem condições de produzir legalmente. O que torna todo seu material ilegal
pois desrespeita não só a OIT 169 como a constituição dos direitos humanos. Estive
conversando com amigos pesquisadores canadenses e de outras academias usadas como
referências e que não praticam esses editais racistas. Por que aqui tem que ser diferente?
Não vamos deixar que continuem nos colonizando. Importante sim ter parente na
universidade e em todas as fontes de conhecimento. Afinal temos processos históricos
diferentes, cultura e territórios diferentes. Mas esse acesso como aluno, tem que ser um
direitos e não um dever para ter seus direitos reconhecidos nas pesquisas. Temos que
refletir em acessos diferenciados sem vestibular, diplomas e qualquer outro mecanismo
etnocêntrico de avaliação para o acesso a formações universitárias e as pesquisas
acadêmicas. Conto com o apoio de vocês para trocarmos saberes sobre esse tema tão
importante e urgente no avanço de nossos direitos. Já temos parentes suficientes dentro da
academia para provocar essa mudança. Vamos nos unir pelos nossos direitos! E continuar
lutando para ampliar as conquistas conseguidas pelo curso intercultural onde muitos
parentes já entregam seus trabalhos em suas línguas. Por uma antropologia e pesquisa
que respeite nossa constituição e que lute para a construção de mecanismo de acesso que
tornem realmente colaborativa essa construção de conhecimento! Já passou da hora da
gente saber quem tá junto com a gente de verdade! Sem medo de perder privilégios! Pela
decolonização e autonomia dos povos indígenas, da floresta e da terra!
Se é a minha cultura é o tema, eu já tenho meu diploma!
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