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Ruptura democrática no e do Mercosul: a

“suspensão” do Paraguai e a “adesão” da


Venezuela

Bruna Machado

Klaus Mutti

Larissa Maria das Dores

Luana Bittencourt

Marcos Camillo

Paloma Godinho

Pedro Gabriel Martins

Vanessa Morais
Objetivos e Metodologia

O texto trata-se do relato objetivo dos acontecimentos após a reunião de cúpula do Mercosul em
Mendoza em junho de 2012.
Foi decidida a “suspensão” do Paraguai, o que não o exclui totalmente, mas o impede de
participar das reuniões do bloco e retira seu direito de voto e veto. Logo em seguida, acontece a
“adesão” da Venezuela.
O autor fala sobre o título do texto, referindo-se sobre a ruptura democrática “no e do”, pois diz
que ao mesmo tempo em que houve uma ruptura no Mercosul, com a suspensão de um membro e
entrada de outro, também diz que a ruptura foi do próprio Mercosul, já que trata o acontecimento
como uma quebra de natureza política, que não respeita suas próprias normas e regras, tornando a
ação ilegítima, da mesma forma que não respeita a decisão do congresso paraguaio sobre a
entrada da Venezuela no bloco, pois o mesmo tinha dúvidas quanto as credenciais democráticas
do país, julgadas por muitos como insuficientes.
O objetivo do texto é tomar como base apenas os atos fundamentais e complementares do
Mercosul, dando menor relevância às declarações políticas, pois segundo o autor as mesmas são
enviesadas a favor de um dos protagonistas.
O autor também chama a atenção para o uso de aspas no título explicando que as duas medidas
(suspensão e adesão) são carentes de legalidade formal, e que a mesma está decaindo.

Antecedentes da crise paraguaia

Se analisarmos a história política do Paraguai poderemos observar que sempre houveram


processos conturbados de sucessões presidenciais, além de diversos levantes de tensões sociais e
tentativas de golpes de Estado. Essas características são comuns em diversos outros países
latino-americanos. Partindo deste saber os membros viram a necessidade do Mercosul em possuir
um instrumento específico para assegurar a manutenção de um regime democrático, desta forma
foi tomada a inciativa de subscrever uma proclamação (Declaração de San Luís – 1996) que abriu
caminho para a conclusão do Protocolo de Ushuaia, que previa isolar e punir qualquer tentativa
de “ruptura democrática”. Porém os mecanismos são considerados pouco exigentes e coniventes
com inciativas autoritárias, já que se limita a modalidade clássica de golpe e nada diz sobre o
conteúdo de processos eleitorais, pluralidade político-partidária e elementos de liberdade
democrática.

Porém independente de suas virtudes, o Protocolo de Ushuaia nunca teve um teste prático, até ser
negociado de forma clara em dezembro de 2011 na capital uruguaia, chamado de Protocolo de
Montevidéu e com total apoio de Fernando Lugo, o atual presidente paraguaio. Esse foi um dos
motivos da crise no governo de Lugo, uma vez que o congresso desse país condenou a assinatura
e o acusou de trair a dignidade e a soberania paraguaia. O fato é que o governo de Lugo já
iniciou-se com crises, com uma frágil aliança entre partidos opositores. A câmara de deputados
optou por processar Lugo por descumprir seus deveres como chefe de Estado e de governo por 76
votos a favor, então já não existia clima para diálogos entre líderes esquerdistas. Isolado do
parlamento e caído em descrédito entre seus seguidores, Lugo enfrentou cinco acusações, muitas
feitas apenas com base não oficiais e não acompanhadas de provas documentadas ou feitas com
investigações policiais ou judiciais.

Em junho de 2012 o presidente Fernando Lugo teve seu impeachment decretado pelo congresso
paraguaio de forma relâmpago, o que levou os membros do Mercosul entenderem que houve
“ferimento” a democracia do Paraguai, já que não houve a possibilidade de defesa consistente do
presidente. Assim, a cúpula de presidentes do Mercosul suspendeu a participação do país no
bloco, sendo permitido a sua volta somente após eleições internas.

A questão é que o congresso paraguaio tinha e tem tanta legitimidade política quanto o
presidente, então não se pode dizer que houve “ruptura democrática” ou ilegalidade no processo
de destituição de Lugo, mas como o protocolo de Ushuaia é “vago” a respeito de tal
procedimento acaba-se por tornar a decisão do Mercosul injustificada, já que por mais antipática
que possa parecer aos demais membros do bloco, a ação era de direito legítimo do congresso
paraguaio. O que ocorreu então foi apenas a “ruptura” nos procedimentos internos do bloco,
afinal decidiu ingressar a Venezuela logo no mês seguinte sendo esse o único país do continente
que não realizava eleições livres há mais de um século.

Antecedentes do “ingresso” da Venezuela


De acordo com o autor, independente da interpretação que se tenha referente ao “ingresso” da
Venezuela não houve nenhuma legitimação que possa ser aceita e, por isso, deve-se fazer uma
análise dos seus antecedentes.

Primeiramente é necessário que separe os processos – de “adesão” da Venezuela e “suspensão”


do Paraguai – pois, a junção dos dois seria mais uma insistência do Parlamento do Paraguai em
recusar e até mesmo aceitar o “novo sócio”. Daí os patrocinadores aproveitam para forçar a
suspensão do Paraguai e ingressar a Venezuela.

O então presidente da Venezuela, Hugo Chavez, sempre teve um interesse de ingressar seu país
no Mercosul. Acredita-se que sua preferência fosse um misto de respeito pela força econômica
do Brasil, até porque o mesmo saldava o presidente Fernando Henrique Cardoso e o nomeava
“mi maestro” possivelmente em função da equivocada “teoria da dependência”. Essa apreciação
pelo Brasil e pelo Mercosul aumenta quando o coronel enfrenta um golpe da oposição de direita
(em abril de 2002) e recebe o apoio do presidente eleito do Brasil, Lula, no auge de uma séria
crise política e de uma longa greve da PDVSA (Petróleos da Venezuela, Sociedade Anônima).
Nesse momento o país de Chavez fica sem petróleo e recebe ajuda da Petrobrás.

Chavez sempre considerou o Mercosul um bloco capitalista e liberal, e que seria necessário fazer
uma reestruturação num sentido anticapitalista e declará-lo socialista.

Chavez havia “ameaçado” várias vezes retirar a Venezuela da CAN, e em 2005, após Colômbia e
Peru concluirem acordos de livre-comércio com os Estados Unidos, ele declara encerrada a
associação da Venezuela ao bloco econômico e solicita formalmente a adesão do seu país ao
Mercosul.

Em junho de 2011, na reunião de cúpula do Mercosul em Assunção, foi firmada a ata de adesão
da República Bolivariana da Venezuela , e na reunião seguinte em Montevidéu, se concluiu o
acordo marco de adesão do país caribenho ao bloco.

Lula e Nestor Kirchner, da Argentina, imediatamente asseguraram que garantiriam condições


especiais à Venezuela, admitindo-a como “membro pleno em processo de adesão” com um
estatuto totalmente estranho para a formalidade do Mercosul e até mesmo para a diplomacia
mundial. Concederam à Venezuela ampla liberalização de seus próprios mercados e autorização
dos prazos extremamente longos para a liberação do acesso ao mercado venezuelano.

Segundo estudo da CNI, divulgado em 2006, “a entrada da Venezuela no Mercosul em pouco


alterará o perfil econômico do bloco. Haverá um acréscimo de 7,7% do PIB do bloco e um
aumento de 11,6% da população, mas o PIB per capita cairá 3,4%”.

O protocolo oficial de adesão da Venezuela foi assinado em Caracas, em 4 de julho de 2011.


Continha quatro anexos com os requisitos de acesso e abriu-se, portanto, os prazos para que o
país desse início a uma série de compromissos formais de política comercial e de adequação a um
conjunto de normas regulatórias próprias ao ordenamento jurídico comercial do Mercosul.

Numa próxima cúpula, realizada no dia 26 do mesmo mês, Hugo Chavez volta com seu objetivo
de “corrigir” o Mercosul liberal, reafirmando querer transformá-lo em um benefício dos povos e
não dos capitalistas. Enquanto isso, nos próximos quatros anos, os países membros do Mercosul
efetuavam a aprovação e ratificação referente ao Protocolo de Adesão da Venezuela, porém nada
se passou do lado venezuelano.

A Venezuela tinha obrigações declaradas nesse Protocolo de Adesão, como por exemplo, como
cita no segundo artigo que “o país bolivariano tinha de aderir aos três instrumentos fundacionais
do Mercosul, respectivamente: Tratado de Assunção para a criação de um mercado comum,
Protocolo de Ouro Preto sobre sua estrutura institucional e Protocolo de Olivos sobre solução de
controvérsias (anexos I, II e III).” e no terceiro artigo “estipula-se que a Venezuela adotaria um
acervo normativo – ou seja, todas as regras de política comercial, a começar pela Tarifa Externa
Comum – no mais tardar quatro anos a partir da adoção desse protocolo a ser estabelecido por um
grupo de trabalho previsto no artigo 11”, mas nenhuma dessas obrigações foram cumpridas,
sequer iniciadas, entre 2006 e 2012.

A questão é que, até a cúpula de Mendonza, a Venezuela não tinha ratificado qualquer um dos
atos fundacionais do Mercosul – além do Protocolo de Ushuaia e nem mesmo seu próprio
protocolo de acesso.
O anexo IV do protocolo de adesão trazia listas específicas de produtos paraguaios e uruguaios
para os quais a Venezuela se comprometia a oferecer liberalização e garantir acesso imediato a
seu mercado, mas não há registro que tal compromisso tenha sido cumprido.

Decisões de Mendonça sobre o Paraguai e a Venezuela

Cabe ressaltar que as decisões tomadas na 43ª reunião ordinária do Conselho do Mercado
Comum de Mendonça, Argentina, em Junho de 2012 foram tomadas por três membros do
Mercosul, Argentina, Brasil e Uruguai, e por um quarto Estado em processo de adesão, a
Venezuela. As irregularidades se iniciam com a ausência do Paraguai nos encontros preparatórios
e a posterior recusa de receber os novos representantes deste Estado, o Presidente e Chanceler
empossados. Não existe registro algum de reunião do Mercosul ou documento qualquer quanto à
decisão de suspender os direitos do Paraguai em face ao bloco antes mesmo de consultá-lo e dar à
ele direito de resposta.

Foi emitido um projeto de “comunicado conjunto”, uma “decisão presidencial” sobre a suspensão
do Paraguai e uma declaração dos mesmos presidentes (presidentes do Brasil, Argentina e
Uruguai) quanto à adesão da Venezuela, sendo essas últimas elaboradas posteriormente e mesmo
assim sendo considerados resultados oficiais da reunião, embora nem ao menos estivessem em
pauta.

O comunicado conjunto, emitido em 29 de junho, foi assinado pelos presidentes dos três países
membros citados e do representante da Venezuela que participava do comunicado (embora não
tenha participado das decisões) que suspende o Paraguai dos seus direitos no bloco e admite a
Venezuela. Em termos legais, a Venezuela não teria direito de participar de comunicado algum,
uma vez que, à época, não era membro pleno.

Segue abaixo citação do comunicado conjunto que suspende o Paraguai de seus direitos no
Mercosul:

“Reiteraron su condena a la ruptura del orden democrático producida em la hermana República


del Paraguay, subrayaron que el restabelecimiento de las instituiciones democráticas es condicíon
indispensable para el desarrollo del processo de integracíon y decidieron suspender [...] el
derecho de esse país a participar en el órganos del MERCOSUR.
[...] La suspensión cesará cuando [...] se verifique el pleno restabelecimiento del orden
democrático en la parte afectada.”

Enquanto isso, no mesmo comunicado, segue abaixo citação de parte onde se convoca uma
reunião onde a Venezuela deverá ser admitida como membro do bloco:

“Se congratularon por el ingreso de la República Bolivariana de Venezuela al MERCOSUR,


subrayando que el proceso de integración es um instrumento para promover el desarrollo integral
[...]. Convocaron, para ellos, a uma reunión a los fines de la admisión oficial de Venezuela al
MERCOSUR el 31 de julio de 2012, en la ciudad de Rio de Janeiro.”

Talvez as decisões tomadas nesse evento não estejam claras o suficiente na dissertação acima.
Podemos então elucidá-las nos pontos que se seguem:

1 – Suspende-se a República do Paraguai do direito a participar dos órgãos do Mercosul e


das suas deliberações, usando a premissa do artigo 5 do protocolo de Ushuaia, sobre a
democracia, para embasar essa decisão.

2 – A suspensão se encerrará quando a ordem democrática no Paraguai se mostrar


restabelecida. Os Chanceleres do Mercosul, pautados ainda pelo protocolo de Ushuaia, deverão
manter consultas regulares para observarem se assim foi cumprido.

3 – Comunica-se através deste o Parlamento do Mercosul todas as decisões apresentadas


acima.

Incongruências da “decisão” sobre o Paraguai

A “decisão” do Paraguai apresentou problemas institucionais e políticos que levaram a um


processo com incongruência e a uma avaliação contraditória por ser um momento atípico, mas
que trouxe uma nova jurisprudência política no bloco. Os principais problemas na “decisão” :

A quem é delegada a função sobre a “decisão” do Paraguai compete aos Instrumentos


fundamentais do Mercosul; Tratado de Assunção (TA) e ao Protocolo de Ouro Preto (POP), na
qual a estrutura do bloco é constituída, são tomadas pelo Conselho de Mercado Comum,
habilitado a tomadas de decisões; Grupo de Mercado Comum e a Comissão de Mercado Comum.
Apenas esses instrumentos são Órgão decisórios.

Presidentes não tem função para tomadas de decisão, pode-se recomendar quais decisões ou
procedimentos viabilizar para finalizar ou solucionar o problema, não há uma validação para que
Presidentes tenham uma decisão formal, apenas tem acesso a atos declaratórios para o Conselho.
Ao Conselho de Mercado Comum cabe reunir os presidentes dos Estados partes para uma
discussão sobre qualquer tipo de assunto, porém o ato legitimado vem apenas do Conselho a qual
é obrigatório aos Estados parte cumprirem. Este “poder” de decisão vem de ratificações impostas
pelos próprios Estados parte, que cedem como o único habilitado a adotar decisões.

Segundo o protocolo que Ushuaia, “decisões” tomadas por presidentes são uma forma
equivocada, o que não foi seguida nesse caso da “decisão” sobre o Paraguai, o único tramite
observado foram a reunião de chanceler, na qual foi inadequada por não passar por uma
declaração do processo político paraguaio, que trouxe como caráter de crise interna, do que uma
ruptura democrática. O que se entende que as medidas unilaterais não estão fundamentadas
naquele “tratado fundacional”, embora, essa ação não esteja direcionada diretamente ao Paraguai
mas sim a “incorporação” da Venezuela.

O Protocolo de Ushuaia foi formado para responder um desafio momentâneo, a ameaças e a um


real golpe militar no Paraguai, não produzindo um consenso diplomático, houveram outros
tratados para complementar o Protocolo de Ushuaia, como o Protocolo de Montevideu logo
chamado como Protocolo de Ushuaia II.

A delegação parlamentar não cessa de denunciar as ilegalidades no âmbito do Mercosul, por não
adquirirem evidências e documentos formais , e por ser um “decisão” vinda de presidentes que
não tem alçada para delegar “decisões”, na qual o Paraguai tentou argumentar em apelo ao
Tribunal Permanente de Revisão, porém foi inútil.

A “adesão” da Venezuela
A primeira contradição na declaração sobre a incorporação da Venezuela no bloco se encontra no
caput da seção resolutiva, em que diz que os presidentes “decidem”. A contradição se encontra no
fato de que uma declaração não pode decidir matéria de âmbito constitucional. Outra contradição
é que são os presidentes dos Estados membros que fazem essa decisão, mesmo não tendo poder
decisório algum no Mercosul, diferente de seus ministros de relações exteriores e de economia,
que deveriam ter feito tal decisão.
Além disso, se embasaram nos artigos II e III do Protocolo de Ouro Preto (POP), que se referem
às alterações internas necessárias para a adesão do requerente ao bloco, mesmo sabendo que o
protocolo de adesão da Venezuela (2006) não havia sido ratificado pelo estado Andino até dado
momento, muito menos adotado as mudanças solicitadas.
Outra contradição está presente no fato de que, no comunicado, pronunciado antes da devida
adesão, os presidentes se “congratulam” da adesão da Venezuela ao bloco, mesmo não tendo
características de uma decisão constitucional. E, logo em seguida, retiram o poder de sua própria
decisão ao propor convocar uma reunião para tornar a admissão oficial do requerente. Com isso,
já se pode notar tamanha irregularidade neste processo de adesão de um Estado ao Mercosul.
A única e correta forma de ser concretizada a inclusão em pauta seria pela ratificação de todas as
partes (incluindo Venezuela e Paraguai) do protocolo de adesão. Porém, o Paraguai foi impedido
de participar dessa decisão, por vontade unilateral dos outros Estados membros, sem respeitar o
próprio protocolo que os serviu como base para justificar a suspensão dos direitos do estado
Guarani, o protocolo de Ushuaia.

O Protocolo de Olivos e o Tribunal Permanente de Revisão

A decisão de Mendoza com relação a suspensão do Paraguai do Mercosul foi comunicada ao


governo paraguaio em nota diplomática do governo brasileiro, mas não informou quanto à
“adesão” da Venezuela, o que pode abrir dúvidas quanto à legitimidade do ato. Logo depois
(mesmo com o tratamento que vinha sendo-lhe concedido pelos outros membros do Mercosul), o
governo do Paraguai resolveu invocar o sistema de solução de controvérsias do bloco, para
resguardar seus direitos e obter o reconhecimento da ilegalidade e da ilegitimidade das medidas
adotadas naquela cúpula, sem a sua presença.
A demanda paraguaia reiterativa em seus termos essencialmente políticos, e para se defender
invocou como base os artigos 24º, 1º e 23º do Protocolo de Olivos. O artigo 24º estabelece
procedimentos para atender casos excepcionais de urgência. O 1º trata da competência geral do
Tribunal Permanente de Revisão, e o 23º indica que as partes em uma controvérsia podem decidir
atuar diretamente ao Tribunal Permanente de Revisão.

O próprio Paraguai, contudo, reconhecia que os procedimentos de consultas entre as partes eram
impossíveis por conta da unilateralidade das decisões tomadas antes de e em Mendoza. Portanto,
estava fechada a via para qualquer outro procedimento pelo país agravado.

A demanda se estende sobre as circunstâncias políticas que presidiram a seu afastamento do


Mercosul, sem que o novo governo tivesse sido sequer consultado a respeito, e retorna cada um
dos artigos dos tratados para demonstrar como os três países violaram os seus termos. A demanda
paraguaia cobre ainda outros temas, como o do não respeito ao princípio da igualdade soberana
dos Estados, na Unasul e Mercosul.

Resumindo, o Paraguai declara que os atos praticados não possuem validade jurídica por violar
normas e princípios básicos do Direito Internacional, o que causa um prejuízo ao Paraguai, que
deixou de maneira arbitrária impedido de exercer seus direitos soberanos como Estado fundador
do Mercosul.

O tribunal considerou a demanda do Paraguai e emitiu um laudo que, resumidamente, diz que é
inadmissível o que ocorreu uma vez que não estavam presentes, sem consentimento expresso dos
demais Estados partes. Mesmo que o Paraguai tivesse passado notas diplomáticas solicitando
consultas aos demais Estados partes, não respondendo estes à demanda do país, este
permaneceria no esquecimento de qualquer solução. É importante lembrar que os três países
autores da “suspensão” pretendiam retirar o Protocolo de Ushuaia do âmbito de competência do
Protocolo de Olivos, o que não foi admitido pelo tribunal.

Pouco tempo depois do laudo decepcionante, vozes se elevaram no Paraguai no sentido de se


recorrer a outras instâncias, tendo o presidente do grupo parlamentar paraguaio no Parlamento do
Mercosul, Alfonso Gonzáles, sugerido que o país levasse o assunto à Corte da Haia. Consciente
de que nem o Brasil e nem a Argentina reconhecem a jurisdição daquela corte, mas sim o
Uruguai, o parlamentar aventou a hipótese de que se demandasse o outro sócio menor na CIJ,
inclusive porque o próprio presidente uruguaio havia reconhecido que a decisão de Mendoza
tinha sido mais política do que jurídica. Embora alguns dirigentes paraguaios tenham mencionado
essa possibilidade, não se detectaram sinais de que essa via seria explorada.

Depois da tragédia, a farsa: a reunião de Brasília de “adesão” da Venezuela

Entre a demanda paraguaia apresentada e o laudo do Tribunal, o governo de Hugo Chávez


finalmente decidiu cumprir um dos requisitos formais dos quais seu país se tinha eximido nos
quase seis anos anteriores: depositar o instrumento de ratificação do seu próprio Protocolo de
Adesão. Tal depósito ocorreu e muitos (a começar pelos países sancionadores) interpretaram que
este depósito tomaria efeito um mês depois, o qual representou mais um equívoco, já que as
disposições de comunicação de entrada em vigor passam por outro tipo de ritual: 30 dias depois
do último instrumento de ratificação, no mesmo dia. Contudo, o Conselho do Mercosul decidiu
emitir uma decisão atribuindo provisoriamente à Secretaria Administrativa do Mercosul a função
de depositário dos atos do bloco, “enquanto durar a suspensão do Paraguai”.

A reunião prometida no comunicado de Mendoza para o Rio de Janeito, no dia 31 de julho, para
“oficializar” o ingresso da Venezuela foi, na verdade, realizada em Brasília no dia 30 de julho.
Desta vez os presidentes se pouparam de emitir qualquer outra decisão ou declaração em violação
das normas do Mercosul.

Reunido o Conselho do Mercosul, foi emitida nova decisão, na qual, depois de “considerar” que a
Venezuela depositou seu instrumento de ratificação ao Protocolo de Adesão ao Mercosul em
2012, decidia que a partir de agosto do mesmo ano a Venezuela adquiriria a condição de Estado
parte e participaria com todos os direitos e obrigações do Mercosul. Nada se disse das demais
obrigações contraídas pela Venezuela sob o protocolo de 2006, nomeadamente a incorporação das
normas e a liberalização comercial recíproca fixada originalmente para ser realizada de forma
completa até janeiro de 2012. Em lugar disso, se decidiu estabelecer novo grupo de trabalho e
conceder 4 anos adicionais para que a Venezuela pudesse cumprir o que o país não conseguiu
cumprir nos seis anos anteriores.
O espetáculo do descumprimento

Não existe somente esse caso “duvidoso” de descumprimento dos próprios princípios básicos do
Mercosul e sua pretensão de se tornar uma verdadeira união aduaneira tomando medidas
nacionalistas. Até mesmo o Paraguai, que neste caso poderíamos considerar como “vítima”,
possui casos de inconsistências com a ideia de Mercosul.
O Paraguai vem postergando a eliminação de sua dupla cobrança da Tarifa Externa Comum, com
afirmações de que não poderia dispensar a receita do fluxo aduaneiro. Porém, não podemos
deixar de considerar que um grande mercado que o Paraguai poderia conquistar fica no outro lado
dos rios da bacia do Prata.
Medidas contra o livre-comércio e a união aduaneira também são feitas pela Argentina, como a
tentativa de legalizar um regime de salvaguardas que, segundo o Tratado de Assunção, não
poderia subsistir. Essa tentativa foi feita após a entrada em vigor do Protocolo de Ouro Preto,
uma fase importante do Mercosul na preparação para a criação de um mercado comum. Esse
regime foi contestado pelo Brasil, mas o governo Lula foi leniente com a Argentina e assim
houve a criação do Mecanismo de Ajuste Competitivo, para tentar manter a balança comercial
equilibrada. O MAC não está sendo acionado mas o fato de existir pode ser considerado uma
violação das normas de uma união aduaneira. A Argentina, ao longo dos anos, praticou várias
medidas de defesa comercial, como anti-dumping e salvaguardas, e apesar de ser legal, contradiz
o espírito das negociações multilaterais.
E não só no quesito econômico e comercial que o Mercosul pode estar se rebaixando em seus
padrões. No quesito democracia, a adesão da Venezuela pode corroer a imagem do Mercosul. A
Venezuela está colocando em prática um plano autoritário pelo seu presidente e até entidades
como a Human Rights Watch vem sendo hostilizadas.
Todos esses pontos levantaram preocupações daqueles que acompanham o Mercosul desde o seu
nascimento, e é esperado que o Paraguai continue lutando pelos seus direitos, porém, mesmo
após os trâmites jurídicos, a entrada da Venezuela é inadmissível pois nenhum requisito formal do
Mercosul foi atendido pela Venezuela, como a ratificação do Tratado de Assunção, POP e PO,
além de questões políticas e democráticas.
Todos esses pontos levantados demonstram que o Mercosul está numa trajetória que desrespeita
seus princípios de livre-comércio e união aduaneira que pode manchar a imagem do Mercosul.

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