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ESCOAMENTO SUPERFICIAL

1 Definição e abordagem introdutória

No contexto do ciclo hidrológico, o escoamento superficial é um dos


componentes mais importantes para dimensionamentos hidráulicos e manejo da bacia
hidrográfica. Por isso, é um dos mais estudados e modelados pela ciência hidrológica.
O escoamento superficial pode ser dividido em 2 componentes: o escoamento
superficial direto (“surface runoff”) e o escoamento base ou subterrâneo. O primeiro
componente é gerado pelo excesso de precipitação que escoa sobre a superfície do
solo, provocado pelo umedecimento do perfil do solo, principalmente a sua camada
superior, reduzindo a sua capacidade de infiltração e consequentemente
disponibilizando o excesso para formar o escoamento na superfície ou pela
intensidade elevada da precipitação o qual supera a capacidade de infiltração atual do
solo, provocando o seu escoamento. Esta parcela do escoamento é conhecida como
precipitação efetiva ou deflúvio superficial direto. A sua importância está diretamente
associada a dimensionamentos de obras hidráulicas, como barragens, terraços, bacias
de contenção e outros. Em drenagem, sua relação é especialmente importante para
canais coletores ou drenos de encosta, determinando-se uma vazão de projeto
máxima associada a uma freqüência de ocorrência.
O escoamento de base é aquele produzido pelo fluxo de água do aqüífero livre,
sendo importante do ponto de vista ambiental, uma vez que refletirá a produção de
água na bacia durante as estações secas. É ainda especialmente importante em
regiões que possuem regime pluvial caracterizado por chuvas de baixa intensidade e
longa duração e relevo consideravelmente plano, onde o escoamento pela superfície
dificilmente é significativo.

Os fatores ambientais que interferem no escoamento são:


• Características da precipitação, especialmente sua intensidade. Deve-se
mencionar que uma precipitação de origem convectiva (alta intensidade e curta
duração) é importante para estudos de cheias em pequenas bacias e
precipitações de origem ciclônica são importantes para o manejo de grandes
bacias.
• Atributos do solo: normalmente solos de maior permeabilidade podem
proporcionar hidrógrafas com menores valores máximos, uma vez que haverá
menor escoamento sobre a superfície. De modo oposto, solos pesados, com
baixa permeabilidade, têm tendência a gerar maior escoamento sobre a
superfície, provocando valores mais elevados de vazões máximas.
• Manejo do solo: este aspecto é especialmente importante, uma vez que o
emprego de técnicas de manejo sem preocupação com o destino da água da
chuva pode ser danoso para o ambiente e para a cultura instalada. Deve-se
estudar e aplicar técnicas que visem manter a água no solo, reduzindo o
escoamento superficial direto. Bom exemplo de manejo da superfície do solo é
a manutenção de palhada, provocando redução de impacto de gotas e energia
do deflúvio pelo aumento de rugosidade superficial. Além disto, há manutenção
de umidade no solo, reduzindo o efeito de secas severas sobre as plantas.
C.R.Mello/Marciano

6.2 Análise de Hidrógrafas


Hidrógrafas são representações gráficas dos valores de vazão de um curso
d’água no tempo, sendo possível extrair, de forma aproximada, a parcela do
escoamento superficial direto e do escoamento base. Em bacias compostas apenas
por cursos d’água efêmeros, a hidrógrafa é constituída somente pelo escoamento
superficial direto. A Figura 1 representa os componentes principais de uma hidrógrafa.

D CG = D/2
Q D = duração da precipitação
Tc Tc = tempo de concentração
Tp = tempo de pico
Ta = tempo de ascensão
A e C = inflexões da hidrógrafa
CG = centro de gravidade da
Tp precipitação

Ta

Deflúvio

QC C

QA Escoamento
A
subterrâneo

Ta Tc Tempo

Figura 1 - Representação da hidrógrafa e seus principais componentes.

O deflúvio pode ser separado por quatro procedimentos, sendo o mais usual
aquele que considera uma reta crescente entre as inflexões A e C na hidrógrafa. Ao
determinar o coeficiente angular desta reta [(Ta,QA);(Tc,QC)], calcula-se a parcela do
escoamento base incrementando-se, em cada intervalo de tempo, o valor deste
coeficiente, começando pelo valor de vazão QA até que o valor QC seja atingido.
Assim, dispondo-se do valor total da vazão, previamente medido, subtrai-se o valor do
escoamento base, encontrando-se os valores de vazão do escoamento superficial
direto.
As inflexões A e C podem ser determinadas visualmente com base nos valores
de vazão, (no caso de A), e dividindo-se os últimos valores de vazão, os quais
pertencem apenas ao escoamento base, pelos valores anteriores, obtendo-se um
valor aproximadamente constante. Isto é feito até que se encontre um valor
consideravelmente diferente dos já obtidos, significando que um valor de vazão
consideravelmente mais alto foi atingido. Uma outra forma é plotar num papel
monolog, os valores de vazão; como o escoamento base tem característica
exponencial, este será uma reta quando plotado em papel monolog; assim, fica fácil
verificar, neste gráfico, o ponto de inflexão C. Este procedimento é o mesmo das
constantes, porém de forma gráfica.
Esta análise é possível devido a algumas considerações sobre o
comportamento do escoamento base, uma vez que a partir de C somente este tipo de
escoamento existe. Este escoamento pode ser matematicamente representado por
uma equação diferencial ordinária de primeira ordem:

2
C.R.Mello/Marciano

dQ
= −K × Q (1)
dt
cuja solução é:

Qf dQ tf
∫ = ∫−K×t (2)
Qi dt ti

Qf
Ln = −K × (tf − ti) (3)
Qi
Como Qf é menor Qi (há depleção do escoamento base com o passar do
tempo), o sinal negativo do segundo membro da equação 3 é anulado. A diferença tf –
ti pode ser considerada constante, uma vez que o intervalo de tempo entre as leituras
normalmente é fixo. Chamando tf – ti de ∆t, tem-se:

Qf
= e ( − K × ∆t ) (4)
Qi
O segundo membro da equação 4 é uma constante, uma vez que ‘e’
representa o número de Neper (2,718282), K é conhecido como fator de reação,
dependente das características do meio, sendo uma constante própria das condições
locais de escoamento e ∆t é constante. Desta forma, ao se obter a razão entre vazões
do escoamento base, obter-se-à um valor próximo, praticamente constante,
justificando o emprego desta metodologia para separação dos escoamentos.
Uma outra forma de obtenção da inflexão C é por meio de equações empíricas,
que relacionam o tempo decorrido entre a vazão de pico e a inflexão:
N = a × A BHb (5)

Com a identificação de A e C, pode-se avaliar o tipo de escoamento da


seguinte forma:

- Se QA for maior QC: escoamento tipo I, caracterizando uma não recarga do aqüífero
provocada pela precipitação e a depleção do mesmo continua. (efeito de uma chuva
de elevada intensidade e curta duração no início do período chuvoso).
Q

A
C

tempo

- Se QA = QC: escoamento tipo II, não há recarga, mas a depleção do aqüífero não
continua.

3
C.R.Mello/Marciano

C
A

tempo
- Se QA é menor QC: escoamento tipo III, havendo recarga do aqüífero.
Q

C
A

tempo

O próximo passo é separar o escoamento superficial direto, do subterrâneo.

Existem 3 formas geométricas e 1 forma baseada em média móvel, pouco utilizada,


desenvolvida pelo Institute of Hydrology, Inglaterra. As formas baseadas em geometria
analítica são mais usadas:
Q
a) Metodologia 1 Q5
Q6
Q4
Q7
Q S5
Q3 Q8
QS6
QS7
Q9
Q2 QS4 QS8
QS3
QS9 QC
Q1 QS2 C
QS1
QA

TA T1 T2 T3 T4 T5 T6 T7 T8 T9 TC
Esta metodologia consiste em considerar o escoamento base com aumento (ou
Tempo
redução) de vazão, por meio de uma reta, com alterações proporcionais à inclinação
da reta AC. O procedimento consiste em, primeiramente, separar o escoamento base
e por subtração do escoamento total, o escoamento superficial direto. A inclinação da
reta AC é dada por:

4
C.R.Mello/Marciano

 QC − QA 
m = tg(α ) =   (6)
 TC − TA 
Deve-se alertar para o fato de que o valor a ser adicionado ou subtraído (no
caso da figura acima, adicionado), deve ser corrigido para o intervalo de tempo da
hidrógrafa (∆t = T1-TA, T2 – T1, T3 – T2, e assim por diante) e não por unidade de
tempo na fórmula acima. Assim, tem-se:
J = m × ∆t (7)

Assim, se os valores de vazão estiverem sendo medidos a cada 2 horas, o


valor de m deve ser multiplicado por 2, para posterior aplicação ao cálculo. As vazões
subterrâneas são dadas por:

QSB1 = QA + J; QSB2 = QSB1 + J; QSB3 = QSB2 + J; etc (8)

Se o cálculo pela equação 8 estiver correto, a soma QSB9 + J será igual a QC.
As vazões do escoamento superficial são dadas pela diferença entre a vazão total e
vazão subterrânea:

QS1 = Q1 – QSB1; QS2 = Q2 – QSB2; QS3 = Q3 – QSB3, etc. Nota-se que


nos pontos A e C, as vazões superficiais são iguais a zero, não havendo presença de
escoamento superficial direto.
O escoamento superficial direto é obtido pelo cálculo da área acima da reta AC,
e para isto, emprega-se o princípio de integração numérica conhecido como regra dos
trapézios. Assim, tem-se:

- entre A e QS1, forma-se um triângulo, assim como entre C e QS9. Nos


pontos intermediários, são formados trapézios aproximados. Com isto, tem-
se:

QS1 × ∆t (QS1 + QS2 ) (QS2 + QS3) × ∆t + (QS3 + QS4 ) × ∆t +


ESD = + × ∆t +
2 2 2 2
(QS4 + QS5 ) × ∆t + (QS5 + QS6) × ∆t + (QS6 + QS7 ) × ∆t + (QS7 + QS8) × ∆t +
2 2 2 2
(QS8 + QS9 ) × ∆t + QS9 × ∆t
2 2
(9)

Colocando-se ∆t/2 em evidência, tem-se:


∆t
ESD = × (2 × QS1 + 2 × QS 2 + ... + 2 × QS 9 )
2
N
(10)
ESD = ∑ (QSi ) × ∆t
i =1
em N é o número de vazões que formam a hidrógrafa. Esta última equação
corresponde a uma integral na forma discreta.

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C.R.Mello/Marciano

b) Metodologia 2
Q

D
C
A

Tempo

Neste caso, faz-se um prolongamento da depleção a partir de C, encontrando-


se a reta vertical que passa pela vazão máxima, determinando-se o ponto D. Ligando-
se D a A, fecha-se a área correspondente ao escoamento superficial direto.

c) Metodologia 3
Q

C
D
A

Tempo

Aqui, prolonga-se a depleção a partir de A até encontrar com a reta vertical que
passa pela vazão de pico. A reta DC é então determinada. Observa-se que a
metodologia 3 superestima o escoamento superficial direto, enquanto a metodologia 2
subestima, em relação à metodologia 1. Portanto, esta última tem produzido melhores
resultados e deve ser privilegiado.

Exemplo 3. Separar o escoamento superficial direto do escoamento de base


(subterrâneo) na hidrógrafa a seguir.

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C.R.Mello/Marciano

Escoamento Escoamento
T (30 min) Q (m3s-1) K Subterrâneo Superficial
(m3s-1) (m3s-1)
1 5 - 5,0 0,0
2 5 - 5,0 0,0
3 4,5 - 4,5 0,0
4 5 (A) - 5,0 0,0
5 10 - 6,25 (=5+1,25) 3,75 (=10-6,25)
6 15 - 7,50 (=6+1,25) 7,50 (=15-7,50)
7 18 - 8,75 9,25
8 25 - 10,0 15,00
9 27 - 11,25 15,75
10 24 - 12,5 11,50
11 20 - 13,75 6,25
12 15 (C) 0,75 15,0 (=13,75+1,25) 0,0
13 13 0,87 13,0 0,0
14 11 0,85 11,0 0,0
15 10 0,91 10,0 0,0
16 9 0,90 9,0 0,0
17 8 0,89 8,0 0,0
18 7 0,88 7,0 0,0
- Cálculo da taxa de variação da vazão (inclinação da reta de escoamento –
vide Figura 4)

∆Q 15 − 5
= = 1,25 m3s-1/30 minutos
∆t 12 − 4
- Cálculo do deflúvio: “Regra do Trapézio” =
∑ Q ⋅ ∆t = 69,00 * 30 * 60 = 124200 m3
- Supondo uma bacia de área 10 km2, o deflúvio, em lâmina será:
124200 m3/10x106m2= 0,01242m x 1000 = 12,42 mm.

3. Obtenção dos valores de vazão e curva-chave

O monitoramento dos valores de vazão numa bacia hidrográfica deve ser feito
na seção de controle da mesma, uma vez que toda a rede de corpos d’água drenam
para este ponto. Para se conseguir monitorar a vazão, utiliza-se instrumentos de
medição, entre os quais pode-se destacar:
- vertedores
- calhas Parshall ou WSC
- estações fluviométricas (ou linmétricas)
Em todas as situações, deve-se instalar um equipamento conhecido como
linígrafo, o qual monitora os valores de lâmina d’água. Portanto, para os 3 dispositivos
destacados, é necessário que haja uma prévia calibração (ou relação matemática) dos
valores de vazão com a respectiva altura da lâmina d’água que passa pelos
equipamentos. O dimensionamento de vertedores e calhas seguem algumas normas
padronizadas, e maiores informações podem ser encontradas em Azevedo Neto e
Alvarez, (1991).
Uma vez obtida a série de níveis (linigrama), transforma-se esta série em uma
série de vazão através do uso da curva-chae daquela seção. Curva-chave é o termo

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C.R.Mello/Marciano

usado na hidrologia para designar a relação entre a cota (nível d'água) e a vazão que
escoa numa dada seção transversal de um curso d'água. Também conhecida como
curva de calibragem, cota-vazão e cota-descarga a qual permite o cálculo indireto da
vazão na referida seção a partir da leitura da cota num dado momento.
A curva-chave de uma seção pode ser representada de três formas: a forma
gráfica, a equação matemática e a tabela de calibragem.
No primeiro caso da representação gráfica, tem-se os valores de cota (H) no eixo das
e abscissas os valores de vazão (Q) no eixo das ordenadas (Figura 3).

0,5 Q = -1,6555h3 + 3,2234h2 - 1,245h + 0,1541


R2 = 0,9935
0,4
Q (m3/s)

0,3
0,2
0,1
0
0 0,2 0,4 0,6 0,8 1 1,2
h(m)

Figura 3 - Representação gráfica de uma curva chave

A equação matemática utiliza a vazão em função da cota. São duas as formas


de equações mais utilizadas.

A forma de potência:

Q = a (H - Ho)n
onde: a e n - coeficientes de ajuste para cada curva-chave
H - cota referente a uma vazão Q
Ho - cota referente a vazão nula

e a forma polinomial dos tipos quadráticas e cúbicas:

Q = a0 + a1H+a2H2 + . . . + anHn 2.2


onde: a0, a1, a2,an e n - coeficientes de ajuste para cada curva; H - cota referente a
uma vazão Q

É comum ajustar mais de uma equação à curva-chave, por faixas de cota, visto
que raramente uma única equação é capaz de representar a curva-chave em toda sua
extensão.
Outra forma de apresentação é a Tabela de Calibragem, cujos valores são
extraídos do gráfico da curva-chave ou da aplicação direta da(s) equação(ões) aos
valores de cota. Trata-se de uma tabela onde se apresentam duas colunas, uma para
os valores de cota e outra para os valores de vazão, e tantas linhas quanto
necessárias para se obter a aproximação desejada da curva traçada. Os valores
intermediários, em geral, são calculados por interpolação linear (Sefione, 2002).

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C.R.Mello/Marciano

Em geral, chega-se à curva-chave utilizando-se da representação gráfica e


seguindo as
etapas descritas a seguir:
• escolhe-se um local ao longo do curso d'água, através de uma série de critérios
hidráulicos e logísticos, onde se deseja conhecer os valores de vazão. Aí se
instala a estação fluviométrica, composta de réguas linimétricas e/ou linígrafos,
permitindo o registro manual diário ou automático do nível de água no rio ao
longo do tempo, que compõem a série histórica de cotas observadas da
estação;
• periodicamente faz-se medições diretas da vazão junto à estação. Associa-se
a cada medida de vazão a cota referente, obtendo-se um ponto no gráfico
QxH. Procura-se, dentro do possível, determinar esses valores de vazão para
uma faixa de cotas medidas o mais ampla e contínua possível, obtendo-se um
conjunto de pontos;

• traça-se então a curva de maior aderência aos pontos - calibragem da curva -


manualmente, ou utilizando-se de programas ou planilhas computacionais,
geralmente pelo método dos mínimos quadrados.
• por último convertem-se, através da curva-chave (tabela ou equação), os
valores de nível de água para vazões, obtendo-se assim a série histórica de
vazões da estação ou fluviograma, produto final do processo, como mostra a
Figura 4.

É importante ressaltar que geralmente a seção transversal do rio sofre


alterações no seu perfil, devido a erosão, deposição de sedimentos, ação antrópica,
vegetação, etc., o que forçosamente obriga a freqüentes ajustes na curva-chave
apoiados em novas medidas de vazão, que devem ser feitas periodicamente.
A Figura 5 mostra uma instalação fluviométrica na seção de controle de uma
bacia hidrográfica, com um linígrafo automático armazenando informações a cada 15
minutos em um data logger, que é descarregado por meio de computador portátil, em
forma de planilha eletrônica. Observa-se também um processo de medição de vazão
para construção de curva-chave neste mesmo local, com utilização de molinete.

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hidrográfica do Ribeirão Marcela, Nazareno, MG.
Figura 4 - Exemplo da obtenção do fluviograma por meio do linigrama para a bacia
Nível d'água (m)
Q(m 3/s)

0,2
0,4
0,6
0,8
1,2
1,4
1,6
1,8
0

2
0,000
0,200
0,400
0,600
0,800
1,000
1,200
1,400
31/01/04 20:46
31/01/04 20:46 01/02/04 17:31
01/02/04 16:16 02/02/04 09:39
02/02/04 09:36 03/02/04 01:24
02/02/04 21:39 3 03/02/04 22:09
03/02/04 17:09
Q (m /s) 04/02/04 18:54

0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
04/02/04 12:39 05/02/04 15:39

0
05/02/04 08:09 06/02/04 21:54

0
06/02/04 03:39 07/02/04 18:39
07/02/04 08:39 08/02/04 15:24

Q = -1,6555h3 + 3,2234h2 - 1,245h + 0,1541


08/02/04 04:09 09/02/04 12:09

0,2
08/02/04 23:39 10/02/04 08:55
09/02/04 19:10
11/02/04 05:40
10/02/04 14:40
12/02/04 02:25

CURVA CHAVE
11/02/04 10:10
12/02/04 23:10

0,4
12/02/04 05:40
FLUVIOGRAMA 13/02/04 19:55
13/02/04 01:10

R2 = 0,9935

Data/hora
14/02/04 16:40
13/02/04 20:40

LINIGRAMA
15/02/04 13:25

H (m)
Data/hora

14/02/04 16:10

0,6
16/02/04 10:10
15/02/04 11:40
17/02/04 05:54
16/02/04 07:10
18/02/04 02:39
17/02/04 01:39
18/02/04 23:24

0,8
17/02/04 21:09
19/02/04 20:09
18/02/04 16:39
19/02/04 12:09 20/02/04 16:54

20/02/04 07:39 21/02/04 13:39


1
21/02/04 03:09 22/02/04 10:24

21/02/04 22:39 23/02/04 07:09


22/02/04 18:09 24/02/04 03:54

C.R.Mello/Marciano
25/02/04 00:39
1,2

23/02/04 13:39
24/02/04 09:09 25/02/04 21:24
25/02/04 04:39 26/02/04 18:09
26/02/04 00:09 27/02/04 15:09
26/02/04 19:39 28/02/04 11:54
27/02/04 15:24 29/02/04 08:39
10

28/02/04 10:54
29/02/04 06:24
C.R.Mello/Marciano

Figura 5. Esquema do monitoramento de vazão em uma bacia hidrográfica, mostrando


uma estação fluviométrica com linígrafo e medição de vazão com molinete para
calibração de curva-chave para esta estação.

A medição de vazão consiste em determinar a área da seção de medição e a


velocidade em vários pontos distribuídos em verticais desta mesma seção para
posterior obtenção da velocidade média em cada vertical, este processo é conhecido
como batimetria.
A área da seção é determinada por medição da largura da seção e da
profundidade em vários pontos da mesma, verticais onde são realizadas medições da
velocidade com molinete em um ou mais pontos. O número de verticais é definida em
função da largura da seção e o número de medições da velocidade em função da
profundidade da mesma (Martins & Paiva, 2001). A Tabela 1 mostra as equações para
C B
cálculo da velocidade média em função da profundidade da vertical (número de pontos
de medição) e a Tabela 2 apresenta o espaçamento recomendado entre as verticais
como função da largura do rio.

Tabela 1- Expressões para cálculo da velocidade média em função da profundidade


da vertical de medição.
Posição relativa
Np* Velocidade média h (m)
à profundidade h
1 0,6h V0,6 0,15-0,6
V0,2 + V0,8
2 0,2 e 0,8h 0,6-1,2
2
V0,2 + 2V0,6 + V0,8
3 0,2; 0,6 e 0,8h 1,2-2,0
4
0,2; 0,4; 0,6 e V0,2 + 2V0,4 + 2V0,6 + V0,8
4 2,0-4,0
0,8h 6
10cm da
superfície; 0,2; Vsup + 2(V0,2 + V0,4 + V0,6 + V0,8 ) + Vfundo
6 >4,0
0,4; 0,6 e 0,8h; 15 10
a 25cm do fundo
*Np: número de pontos na vertical Fonte: DNAEE (1977)

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C.R.Mello/Marciano

Tabela 2 – Espaçamento recomendado entre verticais.


Largura da seção do rio (m) Espaçamento entre as verticais (m)
≤3 0,30
3-6 0,50
6-15 1,00
15-50 2,00
50-80 4,00
80-150 6,00
150-250 8,00
≥250 12,00
Fonte: Azevedo Neto (1966) citado por Martins & Paiva (2001).

Com as velocidades médias determinadas para cada vertical, a profundidade


de cada vertical e a distância entre as verticais é possível calcular a vazão da seção.
Assim, tem-se um par de pontos (vazão x altura de água) o qual será usado na
regressão para calibração da curva-chave.

D1 D2 D3 D4 D5 D6 D7 D8 D9 V1

V2

H1 H2 H3 H4 H5 H6 H7 H8 Hn
V3

V4
V5

Figura 6 - Representação da seção de um curso d´água e do perfil da velocidade ao


longo da profundidade.

Exemplo de obtenção da vazão a partir de batimetria realizada com molinete


hidrométrico na seção de controle da bacia hidrográfica do ribeirão Marcela,
Nazareno-MG.
Data: 07/04/2004
Largura da seção: 2,4m
Profundidade da vertical: 0,97m

Vertical DMD* (cm) Prof (cm)


1 40 82
2 80 95
3 120 97
4 160 92
5 200 33

*DMD- distância da margem direita

12
C.R.Mello/Marciano

2 3
Vertical Prof (cm) V(m/s) Vm(m/s) Área(m ) Q(m /s)
20%P 16 0,221
1 60%P 49 0,155 0,1455 0,164 0,0239
80%P 66 0,051
20%P 19 0,355
2 60%P 57 0,501 0,4280 0,354 0,1515
80%P 76 0,355
20%P 19 0,315
3 60%P 58 0,488 0,3980 0,384 0,1528
80%P 77 0,301
20%P 18 0,368
4 60%P 55 0,400 0,3078 0,378 0,1163
80%P 74 0,063
20%P 7 0,076
5 60%P 20 0,081 0,0780 0,316 0,0246
80%P 26 0,073

Qt= 0,47 m3/s


Par de pontos (Qxh) para curva chave: 0,47 x 0,97

4. Séries históricas de vazão importantes para estudos hidrológicos

O monitoramento hidrológico é feito de forma contínua ao longo de todo o dia,


quando se dispõe de linígrafo instalado junto à seção de controle. Assim, detecta-se
todo o comportamento das vazões ao longo do tempo, facilitando a identificação de
cheias no período de chuvas e consequentemente de valores máximos ao longo do
ano. Da mesma forma, é possível obter os valores mínimos anuais e os valores
médios diários, mensais e anuais.
Com os valores de vazão monitorados pode-se obter informações
extremamente úteis para diversos estudos hidrológicos a partir da constituição de
séries históricas, de forma semelhante ao aplicado à precipitação. Assim, formam-se
séries históricas de valores máximos, mínimos e médios anuais. A partir da série
histórica de valores mínimos, obtém-se também séries históricas de valores mínimos
associados a intervalos diários, como mínimos de 7 dias, por meio de média móvel.
Todas estas informações podem ser utilizadas em algumas áreas de pesquisa
atuais na hidrologia, especialmente a regionalização hidrológica de bacias
hidrográficas e modelos de simulação hidrológica. Especificamente, trabalha-se com
valores máximos para estimativa de valores extremos associados a uma freqüência de
ocorrência, para posterior aplicação ao dimensionamento de obras hidráulicas. Isto é
possível pela aplicação de um modelo de probabilidades, o que será discutido no
próximo item, ou por meio de modelos de séries temporais.
As vazões mínimas são extremamente importantes para aplicação a projetos
de irrigação e projetos/processos de licenciamento ambienta do uso da água. Da
mesma forma, estima-se valores mínimos associados a um tempo de recorrência para
aplicação a projetos, como o Q7,10, a qual significa vazão mínima de 7dias com tempo
de retorno de 10 anos.
As vazões médias são úteis para determinação do balanço hídrico anual em
bacias hidrográficas, conforme já discutido no capítulo de bacias hidrográficas. No
entanto, são importantes para avaliação qualitativa das condições ambientais da
bacia, uma vez que a produção de água será reflexo do manejo do solo e uso da água
na bacia hidrográfica e a resposta da bacia a esta situação é refletida na relação entre
o deflúvio e a precipitação anual. Isto significa que a aplicação de técnicas

13
C.R.Mello/Marciano

conservacionistas de uso do solo e seus efeitos poderão ser avaliados em longo prazo
com técnicas de determinação do balanço hídrico em bacias hidrográficas.

ESTIMATIVA DA VAZÃO MÁXIMA PARA PROJETOS

1. Introdução

Dados de vazão em bacias hidrográficas são extremamente raros no Brasil,


existindo algumas informações para grandes bacias, normalmente monitoradas por
empresas de energia elétrica ou indústrias de grande porte.
Sendo assim, a disponibilidade de dados de precipitação é muito superior à de
vazão, graças à grande quantidade de postos meteorológicos em funcionamento. Isto
levou a geração de modelos que relacionam a precipitação à possível vazão ou
escoamento superficial direto que esta proporciona. Deve-se ressaltar que grande
parte dos modelos foram desenvolvidos para as condições fisiográficas dos EUA,
havendo carência de informações que possam ser utilizadas para aplicação e ajuste
destes modelos no Brasil.
No entanto, os modelos que serão apresentados neste tópico são os mais
simples e práticos para se estimar o valor de vazão para projetos hidráulicos, do ponto
de vista de pequenas bacias hidrográficas. Logicamente, trata-se de previsão de
valores e o comportamento físico real do escoamento superficial direto não será
exatamente o calculado, haja vista à grande variabilidade espacial dos fatores
ambientais que interferem diretamente no fenômeno, os quais não são abordados
pelos modelos.

2 Método Racional

Este método leva o nome racional pela coerência na análise dimensional das
variáveis, sendo o mais simples e mais usual em pequenas áreas. É um modelo
empírico cujo objetivo é aplicar um redutor na precipitação intensa, significando um
percentual do total precipitado que escoa, superficialmente sendo que este redutor é
influenciado pela cobertura vegetal, classe de solos, declividade e tempo de retorno da
precipitação, existindo tabelas com valores propostos para este fator (Tabela 1). A
forma geral do método é:

Q = C⋅I ⋅A (1)
3 -1 -1
Em que Q é a vazão (L T ), I, a intensidade da precipitação (L T ), A, área da
bacia (L2) e C, o fator de redução (adimensional), conhecido como coeficiente de
escoamento superficial ou de deflúvio. Observe que ao se multiplicar I por A, resulta
na unidade de Q. Para se obter a vazão em m3 s-1, trabalhando-se com a intensidade
de precipitação em mm h-1 e área em ha, a equação 1 fica:

C ⋅I ⋅ A
Q=
360
Observa-se que o método Racional transforma um processo complexo, com
muitas variáveis envolvidas, em algo bastante simples, resumindo toda a
complexidade apenas no fator C. Os principais problemas deste método, quando
aplicado a bacias hidrográficas são:
- não existir nenhuma consideração sobre variabilidade espacial e temporal
da precipitação na bacia, assim como de fatores físicos, em especial

14
C.R.Mello/Marciano

cobertura vegetal, classe de solo e declividade, os quais interferem


decisivamente no processo;
- não considera a forma da bacia, apenas a área total;
- recomendado, com algumas precauções, apenas para bacias menores que
8 km2 (Schwab et al., 1993).

Na Tabela 1 tem-se valores para o coeficiente de escoamento superficial de


acordo com vários tipos de cobertura da superfície, declividade e tempos de retorno.

Tabela 1. Valores de C para várias superfícies, declividade e tempos de retorno.


Tempos de Retorno (anos)
Superfície
2 5 10 25 50 100 500
Asfalto 0,73 0,77 0,81 0,86 0,90 0,95 1,00
Concreto/telhado 0,75 0,80 0,83 0,88 0,92 0,97 1,00
Gramados (Cobrimento de
50% da área)
- Plano (0-2%) 0,32 0,34 0,37 0,40 0,44 0,47 0,58
- Média (2-7%) 0,37 0,40 0,43 0,46 0,49 0,53 0,61
- Inclinado (>7%) 0,40 0,43 0,45 0,49 0,52 0,55 0,62
Gramados (Cobrimento de
50 a 70% da área)
- Plano (0-2%) 0,25 0,28 0,30 0,34 0,37 0,41 0,53
- Média (2-7%) 0,33 0,36 0,38 0,42 0,45 0,49 0,58
- Inclinado (>7%) 0,37 0,40 0,42 0,46 0,49 0,53 0,60
Gramados (Cobrimento
maior que 75% da área)
- Plano (0-2%) 0,21 0,23 0,25 0,29 0,32 0,36 0,49
- Média (2-7%) 0,29 0,32 0,35 0,39 0,42 0,46 0,56
- Inclinado (>7%) 0,34 0,37 0,40 0,44 0,47 0,51 0,58
Campos cultivados
- Plano (0-2%) 0,31 0,34 0,36 0,40 0,43 0,47 0,57
- Médio (2-7%) 0,35 0,38 0,41 0,44 0,48 0,51 0,60
- Inclinado (>7%) 0,39 0,42 0,44 0,48 0,51 0,54 0,61
Pastos
- Plano (0-2%) 0,25 0,28 0,30 0,34 0,37 0,41 0,53
- Médio (2-7%) 0,33 0,36 0,38 0,42 0,45 0,49 0,58
- Inclinado (>7%) 0,37 0,40 0,42 0,46 0,49 0,53 0,60
Florestas/Reflorestamentos
- Plano (0-2%) 0,22 0,25 0,28 0,31 0,35 0,39 0,48
- Médio (2-7%) 0,31 0,34 0,36 0,40 0,43 0,47 0,56
- Inclinado (>7%) 0,35 0,39 0,41 0,45 0,48 0,52 0,58
Fonte: Chow et al. (1988).

Para se determinar a chuva de projeto, utiliza-se a equação de chuvas


intensas, já mencionada anteriormente. Nesta equação, o tempo de duração da
precipitação para bacias hidrográficas deve ser considerado como sendo igual ao
tempo de concentração da bacia. Tempo de concentração é o tempo necessário para
que toda a bacia participe do escoamento na seção de controle, ou seja, refere-se ao
tempo necessário para que uma gota da chuva que atinja o ponto mais distante da
seção de controle, passe por ela. Assim, garante-se a participação de toda a bacia e
tem-se a situação de vazão máxima de pico.
O cálculo do tempo de concentração pode ser feito por meio de várias
fórmulas. A seguir apresentam-se algumas delas:

15
C.R.Mello/Marciano

- Equação de Kirpich

tc = 57 ⋅ L0, 77 ⋅ S −0,385
(2)
Em que tc é o tempo de concentração (minutos), L é o comprimento do
talvegue principal (aproximadamente igual ao comprimento do curso d’água principal)
(km) e S a declividade de L (m/km).

- Equação de Ven Te Chow


0,64
 L 
tc = 52,64 
 S0 
(3)
Em que
tc = tempo de concentração (minutos),
L =comprimento do talvegue principal (km),
S0 =declividade média do talvegue, (m km-1)

- Equação de Picking
1
 L2  3
tc = 51,79 
 (4)
 S0 
Em que
tc = tempo de concentração (minutos),
L =comprimento do talvegue principal (km),
S0 =declividade média do talvegue, m km-1.

- Equação de Giandotti

4 A + 1,5L
tc = (5)
0,8 H

Em que
tc = tempo de concentração (h),
A = área da bacia, km2
L =comprimento do talvegue principal (km),
H =diferença de nível entre a nascente e a foz (m).

- Equação SCS Lag

0,7
0,8  1000
 − 0,5
tc = 3,42L  − 9 So (6)
 CN 
em que;
tc = tempo de concentração (h),
L =comprimento do talvegue principal (km),
S0 =declividade média do talvegue, m km-1.
CN = número da curva

16
C.R.Mello/Marciano

- Equação SCS –método cinemático


 Lt 
tc = 16,67 ⋅ ∑   (7)
 Vt 
Em que
Lt =comprimento de cada trecho constituído por uma cobertura vegetal distinta (km)
Vt = velocidade da água em cada trecho (m s-1).
Na Tabela 2 tem-se valores de Vt associados às características de cada trecho
e declividade.

Tabela 2 –Velocidades médias de escoamento superficial (m s-1) para cálculo de tc


Declividade (%)
Escoamento Cobertura
0 -3 4 -7 8 -11 >12
Florestas 0 –0,5 0,5 –0,8 0,8 –1,0 >1,0
Sobre a
Pastos 0 –0,8 0,8 –1,1 1,1 –1,3 >1,3
superfície do
Áreas cultivadas 0 –0,9 0,9 –1,4 1,4 –1,7 >1,7
terreno
Pavimentos 0 –2,6 2,6 –4,0 4,0 –5,2 >5,2
Mal definidos 0 –0,6 0,6 –1,2 1,2 –2,1 >2 ,1
Em canais
Bem definidos Equação de Manning
Fonte: Chow et al. (1988).

Equação de Manning:
1 23
V= ⋅ Rh ⋅ I 1 2
n
(8)
Em que n é o coeficiente de rugosidade de Manning, Rh é o raio hidráulico e I é
a declividade do canal ou trecho (m/m). Rh deve ser obtido dividindo-se a área
molhada pelo perímetro molhado do canal.

- Equação de Dodge

−0,17
tc = 21,88 A0,41So
(9)

Em que
tc = tempo de concentração (minutos),
A = área da bacia, km2
S0 =declividade média do talvegue, m m-1.
Quanto às equações de determinação do tempo de concentração, faz-se
necessárias algumas observações a respeito das áreas de drenagem das bacias para
as quais as mesmas foram geradas:
• Kirpich, embora largamente utilizada, foi desenvolvida para bacias de até
0,5km2.
• Ven Te Chow foi obtida para bacias de até 24,28 km2
• SCS –Lag bacias rurais com áreas de drenagem até 8Km2. A equação
apresenta resultados compatíveis com as demais para valores de CN próximos
a 100 e para valores de comprimento do talvegue inferiores a 10 km. Como o tc
é muito dependente do CN a equação aplica-se a situações em que o
escoamento sobre a superfície do terreno é predominante.
• Dodge foi determinada para bacias rurais com áreas variando de 140 a 930
km2. Como estas bacias têm grande porte, supõe-se que seus parâmetros
reflitam melhor as condições de escoamento em canais.

17
C.R.Mello/Marciano

De acordo com as equações apresentadas anteriormente, o comprimento e a


declividade do curso d´água principal da bacia são as características mais
freqüentemente utilizadas para o cálculo do tempo de concentração. É difícil dizer qual
método é mais preciso em determinada bacia, pois todas foram obtidas para
condições particulares. Dentre estas, entretanto, a de uso mais freqüente é a proposta
por Kirpich, apesar da mesma ser conservadora e ter tendência a subestimar o valor
de tc e por conseqüência, superestimar a intensidade de precipitação e a vazão.
Deve-se ressaltar que as características fisiográficas da bacia devem ser
previamente estudadas e determinadas, com auxílio de fotografia aérea, cartas
topográficas ou Sistema de Informações Geográficas e visitas à área do projeto, com o
objetivo de se conhecer a ocupação atual da bacia, as classes de solo predominantes
e características gerais da cobertura vegetal. Tudo isto é de suma importância para
uma boa escolha de coeficientes do escoamento superficial e cálculos adequados
para o tempo de concentração.

2. Determinação da chuva de projeto

2.1 Determinação do tempo de retorno


A chuva crítica para projeto de obras hidráulicas é escolhida com base em
critérios econômicos, sendo o período de retorno de 5 a 10 anos normalmente
utilizado no caso de projeto de sistemas de drenagem agrícola (Pruski, et al., 2003).
Quando se conhece a vida útil da obra a ser projetada e o risco máximo
permissível o tempo de retorno pode ser assim calculado:
Considerando P a probabilidade de ocorrência em qualquer dos anos, J a
probabilidade de não ocorrência em qualquer dos anos:
J = 1 –P (10)
Sendo W a probabilidade de não ocorrência em um ano específico e p a
probabilidade de ocorrência em um ano específico:
W =Jn, sendo n o período em anos (11)
p = 1 –W (12)
substituindo (6) e (5) em (7), tem-se:

1
p = 1 − (1 − P) n sendo P = (13)
TR

1 n
p = 1 − (1 − ) (14)
TR
1
TR = 1
(15)
n
1 − (1 − P)

Em termos práticos, esta equação pode ser aplicada da seguinte forma:

1
TR = 1
(16)
n
1 − (1 − k )
onde k é o risco assumido para a obra a ser projetada e n a vida útil da obra (anos)

2.2 Fixação do tempo de duração da chuva intensa

Quando se considera o tempo de duração da chuva menor que o tempo de


concentração da bacia, ocorrerá uma vazão de pico menor que a máxima porque não
haverá participação de toda bacia hidrográfica no escoamento, propiciando uma vazão

18
C.R.Mello/Marciano

de pico menor. Se for adotado o tempo de duração maior que o tempo de


concentração da bacia, também não se obterá vazão de pico máxima, uma vez que a
duração da chuva será consideravelmente alta, reduzindo sua intensidade máxima.
Neste caso, haverá formação de um patamar de vazão máxima, conhecido como
curva S. Graficamente tem-se:

td = tc
td < tc
td > tc

tempo
Figura1 – Comportamento da hidrógrafa de acordo com a duração da precipitação
considerada

Exemplo 1. Seja uma bacia hidrográfica de área igual a 50 ha, que apresenta
comprimento do talvegue principal igual a 5 km e declividade entre a extremidade do
curso d’água e a seção de controle igual a 8%, com a seguinte distribuição das
características de superfície: 10 ha, ocupando 1 km de comprimento, coberto por
floresta, com declividade de 10%; 20 ha, ocupando 2 km de comprimento, coberto por
milho, com declividade de 4% e 20 ha, ocupando 2 km de comprimento, coberto com
pasto e declividade de 20%. Determinar a vazão de projeto para uma barragem a ser
construída na seção de controle da mesma, utilizando a fórmula de Kirpich e o método
da velocidade média para o tempo de concentração. Considere uma vida útil de 30
anos e um risco de 80% para o projeto e a seguinte equação de chuvas intensas:

842,702 ⋅ TR0,179
I= , em que I é expresso em mm/h, TR, em anos e td, em minutos.
(10,39 + td)0,736
a) Determinação do coeficiente de escoamento superficial
Neste caso, deve-se calcular o fator C, com base numa média ponderada pela
área. Assim, aplicando-se a Tabela 4, tem-se:

Área 1 (Floresta): C = 0,45

Área 2 (Milho): C = 0,44

Área 3 (Pastagem): C = 0,46

− 10 ⋅ 0,45 + 20 ⋅ 0,44 + 20 ⋅ 0,46


C= = 0,45
50

b) Determinação da precipitação intensa

- Cálculo de tc por Kirpich

L = 5 km .: Para declividade de 8%, S será igual a 400 m em 5 km (ou 8m em


cada 100 m) = 80 m/km.

19
C.R.Mello/Marciano

tc = 57 ⋅ 50,77 ⋅ 80 −0,385 = 36,4 minutos

- Cálculo da precipitação intensa determinando-se o TR pela equação 11

1 1
TR = 1
= 1
= 19,14anos
30
1 − (1 − k ) n 1 − (1 − 0,8)

842,702 ⋅ 19,14 0,179


I= = 84,32 mm/h
(10,39 + 36,4)0,736
- Cálculo de tc pela velocidade média (Tabela 2, considerando valores
médios)

Trecho 1: Lt = 1 km e Vt = 0,9 m/s .: 1,11 km/m s-1

Trecho 2: Lt = 2 km e Vt = 0,9 m/s .: 2,22 km/m s-1

Trecho 3: Lt = 2 km e Vt = 1,6 m/s .: 1,25 km/ m s-1

tc = 16,67 ⋅ (1,11 + 2,22 + 1,25) = 76,35 minutos

- Cálculo da precipitação intensa por esta metodologia

842,702 ⋅ 19,14 0,179


I= = 53,53 mm/h
(10,39 + 76,35)0,736
c) Cálculo da vazão
- Por Kirpich
0,45 ⋅ 84,32 ⋅ 50
Q= = 5,27 m3 s-1
360
- Pelo método da velocidade
0,45 ⋅ 53,53 ⋅ 50
Q= = 3,35 m3 s-1
360
Obs.: Comparando-se as metodologias, observa-se a situação comentada
anteriormente, onde o valor da vazão de projeto calculado com base no tempo de
concentração pela metodologia de Kirpich é superior ao da outra metodologia, gerando
um valor 57% superior.

3 Hidrógrafa Unitário Triangular (HUT)

3.1 Abordagem introdutória


A fim de reduzir as dificuldades na elaboração da hidrógrafa unitária de uma
bacia hidrográfica, tais como a existência de monitoramento de vazões (valores de Q),
a dificuldade de extrapolação do HU de uma bacia para outra e à maior complexidade
matemática, foi desenvolvido um modelo de HU que simplifica o processo de
estimativa de vazões e tempo de pico para uma hidrógrafa produzida por uma dada
precipitação efetiva.

20
C.R.Mello/Marciano

A idéia central é ajustar a hidrógrafa a uma forma triangular (aproximando as


curvas de ascensão e recesso a uma reta), o que facilita o entendimento e o cálculo
da vazão de pico. O SCS-USDA propôs um modelo de HU com esta aproximação, que
ficou conhecido pela sigla HUT, associando os parâmetros da hidrógrafa (vazão de
pico e tempo de pico) às características físicas da bacia.
Ao se calcular a área deste triângulo, automaticamente se determina o volume
de deflúvio. Uma vez considerado unitário, esta área será igual à de uma precipitação
unitária, que para este modelo é de 1 cm. A Figura 3 ilustra uma hidrógrafa triangular e
a seguir as idéias básicas desenvolvidas por esta metodologia.

D
Q

tp

Qp

tempo
ta te

Figura 3. Representação de uma hidrógrafa triangular.

Por esta Figura, pode-se desenvolver o seguinte raciocínio, a partir do cálculo


da área da hidrógrafa:

Qp × ta Qp × te
+ =Q (24)
2 2
Em que, Q é a quantidade de deflúvio, Qp a vazão de pico da hidrógrafa, ta o
tempo de ascensão da hidrógrafa, te, o tempo de recesso. Ainda na Figura 3, D
representa o tempo de duração da precipitação unitária, normalmente igual ao tempo
de monitoramento da precipitação para apenas 1 evento efetivo; tp representa o tempo
de pico da hidrógrafa.
O valor de te é ajustado ao valor de ta como sendo:

te = H × ta (25)
A partir de avaliação de várias bacias norte-americanas, concluíram que H é
igual 1,67. Para uma precipitação efetiva unitária qualquer Pu (0,1 mm; 1,0 mm; 10,0
mm), tem-se valor de Q na equação 24. O desenvolvimento da equação para o cálculo
da vazão de pico para a hidrógrafa unitária fica:
Da equação 24, tem-se, multiplicando cruzado:

qp ⋅ (ta + te ) = 2 ⋅ Pu (26)
E isolando-se qp:
2 ⋅ Pu
qp = (27)
ta + te
Substituindo a equação 25 na 27, considerando H = 1,67, obtém-se:

21
C.R.Mello/Marciano

2 ⋅ Pu
qp = (28)
2,67 ⋅ ta
Ao se analisar as unidades da equação 28, observa-se que para Pu em mm e
ta, em horas, a vazão de pico (qp) será obtida em mm h-1 ou, em termos de análise
dimensional, LT-1. Para obter a vazão em unidades L3T-1, é necessário multiplicar a
equação 28 pela área da bacia, que possui unidade em L2:

2 Pu
qp = ⋅ ⋅A (29)
2,67 ta
Para obter a vazão de pico (qp) em m3 s-1, a partir da equação 29, trabalhando-
se com Pu em mm, A em km2 e ta em horas, é necessário multiplicar esta equação por
uma constante de transformação de unidades da seguinte forma:
- km2 para m2 = multiplica-se por 106 (no numerador da equação da 29);
- mm para m = dividi-se por 103 (no numerador da equação da 29);
- hora para segundo = multiplica-se por 3600 (no denominador da equação
29);
Assim, a constante será:

10 6 1
⋅ = 0,278
3 3600
10
Multiplicando-se a equação 19 por 0,278, obtém-se:

0,208 ⋅ Pu ⋅ A
qp = (30)
ta
Em que, qp é a vazão de pico do HUT, em m3 s-1, Pu, a precipitação unitária,
em mm, A representa a área da bacia, em km2 e ta tempo de ascensão, em horas.
Esta equação é válida para bacias menores que 8 km2 (800 ha).
A determinação do tempo de pico (tp) do HUT é feita com base no tempo de
concentração da bacia. O SCS-USDA produz a seguinte equação empírica para este
cálculo, considerando as características fisiográficas da bacia, e o fato, observado em
várias bacias, de que, em média, tp = 0,60 x tc:
0 , 70
 S 
2,6 ⋅ L ⋅  0 ,80
+ 1
tp =  25,4  (31)
1900 ⋅ X 0,50
Em que, tp é obtido em horas, L é o comprimento hidráulico ou comprimento do
curso d’água principal (m), S, capacidade máxima de absorção de água da bacia (vide
método CN) e X, a declividade do curso d’água, em percentagem.
Observa-se pela Figura 3 que:

D
ta = tp + (32)
2

Exemplo 4. A partir da bacia hidrográfica do exemplo 4, calcular a vazão de pico do


hidrograma, considerando a umidade antecedente da situação 3*. O comprimento
hidráulico é de 120 m e a declividade, igual a 12,5% e precipitação unitária de 10 mm.
Do exemplo anterior, a lâmina infiltrada é de 31,2 mm (letra e) e o deflúvio
(precipitação efetiva) de 13,8 mm (letra d). O valor de S é de 52 mm (letra c). A
precipitação está sendo monitorada a cada 10 minutos e há apenas um evento efetivo.

*
Ocorreram precipitações nos últimos 5 dias, com o solo saturado, considerando o total precipitado maior
que 53 mm, para a época de crescimento, e maior que 28 mm em outro período.

22
C.R.Mello/Marciano

- Cálculo de tp e ta
0 , 70
 52
0 ,80 
2,6 ⋅ (120) ⋅  + 1
 25,4 
tp = 0,5
= 0,039 horas = 2,33 minutos
1900 ⋅ (12,5)
Como D é igual a 10 minutos, ta será igual a:
ta = 10/2 + 2,33 = 7,33 minutos = 0,122 horas.
O valor da vazão de pico unitária será (área = 1,5 ha ou 0,015 km2):

0,208 ⋅ 10 ⋅ 0,015 3 -1
qp = = 0,256 m s
0,122
Observe que este valor diz respeito à vazão de pico unitária, ou seja, para um
evento de 10 mm em 10 minutos. Recordando, do tópico anterior, que Q = P x q, tem-
se que:
P = 13,8/10 = 1,38
Assim, a vazão de pico para este evento será:

Q = 1,38 x 0,256 = 0,350 m3 s-1

Note que, para obtenção da vazão de pico final, que é o objetivo do exercício,
não faz diferença o valor de Pu adotado. Assim, por exemplo, se Pu for igual 1, a
vazão de pico unitária seria 0,0256 m3 s-1. Porém, a relação entre a precipitação
efetiva e Pu seria de 13,8 e vazão final não mudaria.
Obs.: Com o deflúvio, calculado pelo método do número da curva (CN) e a vazão de
pico, calculada por esta metodologia, ficam definidas as condições necessárias para o
desenvolvimento de projetos hidráulicos, como terraços, bacias de contenção,
barragens e aplicação de modelos para estimativa da perda de solo em bacias, a ser
apresentado no próximo tópico.

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