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De dentro do carro, Haroldo viu as luzes do hotel na beira da estrada.

Casablanca
Palace Hotel. Mas nunca que um lugar com esse nome vai ser bom! Naquela altura, já se
arrependia de ter dirigido até lá, mas, no momento, não havia muito a ser feito. Passou pelo
portão, já imaginando que as duas estrelas desbotadas na placa de metal seriam um mau
augúrio. Estacionou na garagem apertada, tomando cuidado para não arranhar seu Celta.
Depois do prejuízo que tivera com o incêndio no camelódromo, que lhe custara a perda de
quase todo o estoque da loja, não podia se dar ao luxo de ter mais gastos fora do orçamento.
Dirigiu-se à recepção do hotel, sua má impressão se confirmando a cada passo. Antes
de se dirigir ao rapaz atrás do balcão, não pode deixar de reparar nos olhos vidrados no sofá
coberto por uma capa plástica, que fitavam a televisão como se estivessem num transe
hipnótico. Na tela, um locutor hiperativo narrava, um pouco alto demais, que “Fulano passa
para Ciclano que passa para Beltrano que tropeça e perde a posse de bola”. A mesma ladainha
de sempre. Infelizmente, o futebol só era interessante nos videogames. Suspirou e
encaminhou-se ao balcão da recepção, sem poder evitar por mais tempo a pergunta fatídica.
“Boa noite. Você pode me dar uma informação? Procuro por um Alberto da Costa. Me
disseram que estava hospedado aqui...”
“Boa noite. Vou verificar, senhor”. Voltou os olhos para o enorme livro que repousava
sobre o tampo de madeira, com uma expressão enfastiada.
“Obrigado”.
Enquanto esperava, deu uma boa olhada ao redor. O chão de lajotas, os focos de
infiltração nas paredes e a decoração modesta lhe traziam memórias amargas das pensões
baratas que frequentara na juventude, muito antes de comprar o box da Uruguaiana, muito
antes até de sua esposa falecer. Pousou os olhos sobre a mesa de centro, já com uns
lascadinhos no vidro. Foi despertado desse transe pela voz do recepcionista.
“Senhor, senhor”.
“Pois não”. A voz soou um pouco mais ansiosa do que Haroldo gostaria. Paciência.
“Temos uma reserva no nome do sr. Alberto, sim. Mas liguei lá no 302 e ninguém
atendeu, não. Ele deve ter saído, ele. É parente do senhor?”
“Era o que eu pretendia descobrir vindo até aqui”.
“Poxa, deu azar. Mas, escuta. Por que o senhor não fica aí e espera ele? Pode ser que
não demore. Pode ver TV ali na sala, fica à vontade”.
“Me faz melhor, meu filho. Arruma um quarto para mim. Pode ser?”
Depois de dirigir do Rio até aqui, tudo o que Haroldo mais queria era uma cama
fofinha. Não tardou, porém, a descobrir que aquele desejo não seria realizado. A cama de
casal, forrada com uma colcha vermelha que parecia já ter vivido tempos melhores, era dura e
desconfortável. Não soube precisar o tempo que perdeu remoendo velhas reminiscências. Se
ao menos ele tivesse certeza de que aquela pista o levaria até o irmão...
Tirou o envelope dobrado da carteira e tentou ler a carta amarrotada pela décima
quinta vez, até se dar conta de que, com a iluminação paupérrima do quarto, seria impossível
ler uma linha sequer. Bobagem. Já sabia de cor o que estava escrito ali.
“Alberto, Alberto... queira Deus que não seja mais um alarme falso. Será que vai ser
dessa vez que eu vou te encontrar?”

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