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AULA
Introdução à avaliação
para recuperação
Meta da aula
Discutir a avaliação denominada “avaliação para
a recuperação” que se apresenta alinhada a
outras tendências igualmente situadas no âmbito
do paradigma objetivista.
objetivos

O final da leitura dessa aula, esperamos que


você possa:
• Dominar a noção de avaliação para
a recuperação.
• Evidenciar as críticas que são feitas a ela.

Pré-requisito
Para melhor compreensão deste texto, é
importante que você releia a Aula 2:
O paradigma objetivista.
Métodos e Técnicas de Avaliação | Introdução à avaliação para recuperação

INTRODUÇÃO

No campo da avaliação, a utilização da cibernética tem sido recorrente e vem


conquistando considerável espaço, aliás, muito impregnado de influências
provenientes da engenharia e da economia. A palavra cibernética ou
kybernetike, em sua antiga tradução do grego quer dizer “a arte de governar
os homens”. Para Abbagnano (1970), nessa antiga tradução, “a palavra
significa propriamente a arte do piloto”. Em nossos dias, porém, adquire outras
significações. Segundo o mesmo autor, em uma primeira versão, o termo tem
sido utilizado para designar particularmente o estudo das mensagens que
efetivamente se prestam à construção das máquinas calculadoras e, noutra
versão, bastante mais ampliada, serve para indicar “o estudo de todas as
máquinas possíveis”, sejam elas humanas ou naturais.
O resultado do uso da cibernética na avaliação, como nos ensinam os autores
Boniol & Vial (2001, p. 218), é a constituição de uma tendência avaliativa que
tem sido caracterizada pela “supervalorização da techné para guiar, gerir e
dominar a situação de avaliação e, portanto, do Outro”. O professor, da mesma
forma que os responsáveis pelo lançamento de um míssil de longa distância,
também se encarrega de corrigir os desvios de rota porventura existentes para
que o objetivo seja atingido com sucesso. Nos termos que estamos tratando,
esta tendência configura uma avaliação compatível com a “pedagogia do
sucesso”, a qual, por conseguinte, acaba servindo às pessoas mais apressadas
em atingir determinadas posições sociais.
No presente texto, tomaremos essa avaliação como nosso objeto de análise. Ela
será examinada a fim de darmos visibilidade aos seus elementos constitutivos,
ao seu uso escolar e às críticas que pode admitir.

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A AVALIAÇÃO PARA A RECUPERAÇÃO

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AULA
Como você já deve ter deduzido, a avaliação para a recuperação
é aquela tendência que, com recursos técnicos apurados, procura expor
os erros ou os desvios de aprendizagem dos estudantes para que sejam
corrigidos, em qualquer momento em que eles se manifestarem. Em
seus fundamentos teóricos e filosóficos encontra-se a “reabilitação do
erro como fonte de aprendizagem”. Isto quer dizer que se antes, na
perspectiva das avaliações classificatórias, os erros indicavam o não
saber, a impossibilidade, a incapacidade, a falta etc, na perspectiva
desta tendência de avaliação os mesmos erros passam tão somente a
indicar o movimento que vem sendo realizado pelo sujeito em processo
de aprendizagem. Sampaio & Esteban (2004) e Luckesi (1998), por
exemplo, mesmo que não se situam no âmbito das avaliações cibernéticas
como esta, são autores brasileiros que tendem a reabilitar o erro como
fonte de aprendizagem.
Sampaio & Esteban (2004), graças a suas influências vygotskyanas,
inclinam-se a reconhecer os erros como indicativos de aprendizagens em
elaboração, isto é, como “espaços potenciais de novas aprendizagens”.
Esteban (2001, p. 140), em particular, argumenta que “a concepção
hegemônica que dá ao erro um valor negativo é um obstáculo para que
os/as professores/as possam incorporar, no processo de avaliação, a
compreensão dos/as alunos/as”.
Luckesi (1998, p. 56), por seu turno, também empresta novo signi-
ficado ao erro. Em tese defende que “tanto o sucesso/insucesso como o acerto/
erro podem ser utilizados como fonte de virtude em geral e como fonte de
virtude na aprendizagem escolar”. Os erros de aprendizagem, em seu ponto
de vista, em vez de serem merecedores de castigos como antigamente, são
pontos de partida e avanço desde que sejam identificados e compreendidos.
Nesse sentido, há que se observar o erro “como manifestação de uma conduta
não aprendida” com o objetivo primordial de saber como se constitui e como
aparece. É, diz ainda, reconhecendo sua conformação e seu aparecimento,
que se torna possível superá-lo. A respeito do erro como fonte de virtude,
Luckesi afirma o seguinte:

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Quando atribuímos uma atividade a um aluno e observamos que


este não conseguiu chegar ao resultado esperado, conversamos
com ele, verificamos o erro e como ele o cometeu, reorientamos
seu entendimento e sua prática. E, então, muitas vezes ouvimos o
aluno dizer: “Pôxa, só agora compreendi o que era para fazer”.
Ou seja, foi o erro, conscientemente elaborado, que possibilitou a
oportunidade de revisão e avanço (1995, p. 57).

Nós, evidentemente, também concordamos ser indispensável


desprezar o erro como fonte de castigo, de não saber etc. Vejamos um
exemplo bem simples, de uma criança aprendendo a armar uma conta de
somar. É comum que ela saiba identificar a continha de somar, domine as
propriedades da adição etc., mas que comece a organizá-la com as parcelas
começando da direita para a esquerda e que também não saiba onde situar
os numerais; para esta criança não há lugares predeterminados, tanto
faz que eles estejam ou não nos espaços correspondentes às unidades,
dezenas, centenas e milhares.
Em nosso entendimento, porém, a determinação das causas de
um erro, qualquer que seja, para além das questões didáticas, é bastante
complicada e pode estar fora da alçada do professor; afinal, muitos deles
podem ter origens que os situem nos campos da Psicanálise, Psicologia,
Psicopedagogia e de outras ciências igualmente importantes. Já houve,
inclusive, um tempo durante o qual se acreditou que diversos problemas
de aprendizagem eram provenientes das condições físicas e sociais dos
alunos, bem como de suas debilidades e tônus intelectuais (PATTO,
1993, p. 91).
Na perspectiva das avaliações cibernéticas, independentemente
de quaisquer extrapolações possíveis, a presença de erro apenas indica
haver necessidades de retomar ou recuperar trajetórias de aprendizagens.
Segundo Cardinet (1990), citado por Boniol & Vial (2001), “a avaliação
escolar desempenha, então, o papel que o controle da qualidade
desempenha em cada etapa de uma produção industrial. Quando o
objetivo não é atingido, deve entrar em funcionamento uma retomada
suplementar de formação”.
Na prática escolar, a avaliação para a recuperação apresenta-se
como uma modalidade de avaliação formativa que vem sendo muito
estudada ultimamente. Gama (2004), por exemplo, em recente estudo,
tentando dar visibilidade às várias unidades e fragmentos de discursos

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relativos à avaliação formativa, em suas considerações finais, nos diz

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haver diversas acepções de avaliação formativa e isto, continua, implica

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cuidados quando vamos utilizar o termo. De que avaliação formativa se
está falando? Quais seus elementos definidores? Na acepção de Boniol
& Vial (2001, p. 230), a avaliação formativa é aquela que favorece a
organização de “grupos temporários nos quais os erros serão tratados,
como trabalhos de recuperação, grupos com necessidades, pedagogia
diferenciada, que, de fato, consistem em uma segunda seqüência a serviço
das mesmas aprendizagens, seguidas de um segundo controle...”.

Na perspectiva de Gama (2004), há diversas unidades de discursos de avaliação


formativa com continuidade no meio avaliativo. Influenciado por Michel Foucault,
ele também entende que os discursos nos levam a assumir posições e constroem,
na realidade, aquilo que retoricamente descrevem. Assim, em sua perspectiva,
há uma grande dispersão de fragmentos de discursos, de tal forma que se torna
difícil formular uma definição de avaliação formativa válida universalmente. Gama
observa ser saliente em todas as definições a idéia de sucesso, e que esta mesma
idéia sempre está articulada à preocupação com a eficácia e com a eficiência
da escola e dos processos de ensino e aprendizagem. Ele também conclui que a
avaliação formativa, nas unidades e fragmentos de discursos encontrados, tem um
tom conservador e tecnocrático, acentuadamente atormentado pelas exigências
de competitividade e excelência. Gama, por fim, chama atenção ainda para o fato
de que sua adoção nas escolas afeta a autonomia dos professores e das escolas, na
medida em que se busca redistribuir os poderes de decisão e controle.

CRÍTICAS À AVALIAÇÃO PARA A RECUPERAÇÃO

A despeito do grau de eficiência que essa modalidade de avaliação


possa ter, ela, ainda assim, admite uma diversidade de críticas. Boniol
& Vial (2001, p. 233), por exemplo, apresentam-nos suas críticas, aliás
algumas muito cáusticas.
Para eles, “a avaliação para a recuperação participa de uma
regulação cibernética que não passa de uma forma de avaliação-controle
da conformidade”. A conformidade para ambos é o que está estabelecido,
é o status quo, o que está instituído. Com isto, eles querem dizer que
qualquer manifestação de criatividade por parte dos estudantes está
impedida de ser revelada. O avaliador, usando palavras deles, “é dono
do destino do outro... (...) [do] poder total da correção, pois (...) é o
único capaz de prever, coletar, interpretar, adaptar; em outros termos, de
analisar e decidir para a conformidade”, antes, durante e depois.

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Eles também criticam essa modalidade de avaliação por seu caráter


impositivo e autoritário, o qual se torna muito aparente ao submeter o
ensino e a aprendizagem a uma “regulação cibernética”, isto é, a uma
aplicação de regras, a uma regularização, de modo a haver conformidade
com as regras, normas, leis, praxes. Ardoino & Berger (1986), citados por
Boniol & Vial (2001), ao analisarem essa avaliação, vêem nela formas
mal disfarçadas dos mesmos controles que sobrevivem nas esferas social,
policial e hierárquica.
Outra crítica que fazem a essa avaliação coloca em destaque
seus traços conservadores, os quais deixam transparecer sua situação
na contramão das avaliações mais progressistas comprometidas com
a transformação social da realidade. O avaliador, por exemplo, nada
questiona acerca da realidade. Ele, aliás, assume que o conhecimento não
deve ser questionado ou transformado. Cabe ao estudante interiorizá-lo
apenas. Nesse sentido, qualquer desvio é um erro indicativo de perda da
trajetória previamente traçada.

ATIVIDADES

Leia o texto com bastante atenção, responda às seguintes questões.

1. Como você define a avaliação para a recuperação?

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2. Como você pode esquematizar a prática desta avaliação?

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COMENTÁRIO
Como se trata de uma resposta pessoal, é importante que você
discuta com o tutor no pólo.

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RESUMO

AULA
A avaliação para a recuperação também integra o conjunto de tendências
características do paradigma objetivista, com diversas influências provenientes
da cibernética. É uma avaliação reguladora para a conformidade. Toda vez que
há algum desvio das trajetórias previamente traçadas, isto é, quando deixa de
haver alguma conformidade com os objetivos prévios, as recuperações se tornam
necessárias. As críticas evidenciam essa avaliação não apenas como reguladora, e
autoritária, mas sobretudo como conservadora de uma realidade que se apresenta
como inquestionável.

INFORMAÇÕES SOBRE A PRÓXIMA AULA

Em nosso próximo encontro, veremos outra vertente da avaliação para recuperação,


a avaliação para recuperação com retroações sistemáticas.

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