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Dezembro 2016
Capa
Carlos H. Andreassa do Amaral Seguindo seu multifacetado estilo, a Circuito
nº 4, aporta!
Conselho Editorial
Neste momento em que as políticas e vivên-
Carlos H. Andreassa do Amaral cias cotidianas pedem tanta atenção e luta,
Guilherme G. D. Providello fazer passar 'as poesias' e multiplicar as sen-
Manoela Maria Valerio
Ricardo Abussafy sibilidades são também modos de oxigenar a
brutalidade que o cotidiano nos explicita.
Projeto Gráfico
Carlos H. Andreassa do Amaral
E então, agora, no intuito de não deixar a
chama apagar, pois os patrocínios para a
Assessoria Contábil e Fiscal versão impressa foram escassos, a equipe
Rosana Ambrosim editorial aposta todas as fichas nesta edição
digital (E desta aposta faz surgir a novidade
Colaboradores desta Edição de podermos abarcar em novas experimenta-
DANIEL PEREIRA ções, além das escritas... sonoras... visuais).
ENIA CELAN
FERNANDO ZANETTI Entendemos também que este formato ganha
ITAMARA amplitude contando com as redes quentes
JEFFERSON MOURA
KAROLINE FUIN para fazer circular e divulgar os trabalhos
LIVIA PELLEGRINI aqui presentes. Ou seja, que cada leitor possa
LORENA DUFF
LORENA SGANZERLA ser um possível aliado nesta tarefa tão silen-
LUIZ BOSCO ciosa quanto potente de fazer acontecer
MAICO F. COSTA
MANOELA M. VALERIO novos circuitos!
RICARDO ABUSSAFY As conexões que pudemos perceber nesta
THOMAS LEE
edição estão nos temas e estilos, mas a diver-
sidade de autores/criadores das obras certa-
mente encontrará em cada leitor, a originali-
dade de uma experimentação singular. Ou
seja, a cada novo leitor, a cada nova leitura,
um novo mar sensitivo. E assim, seguimos
juntos, compondo: multiplicando não só os
circuitos por onde transitam nossos auto-
res/parceiros, mas também os encontros com
Site da Revista
http://www.circus.org.br/#!circuito-02/c16tr suas obras, os sentidos e sensações que elas
possam provocar.
Contato
revista.circuito@circus.org.br Importante assinalar que a Circus, financia-
www.circus.org.br dora exclusiva desta edição, agraciou-nos
com total liberdade de ação, sendo parceira e
grande incentivadora de Circuitos - inclusive
da CIRCUITO. Agradecemos!
MANOELA M. VALERIO
Profusões 04
ENIA CELAN
Entre linhas 06
JEFFERSON MOURA
De frente pra trás 08 32 GRUPO PROSA DE 5
Conversa de Botequim
RICARDO ABUSSAFY
Retratos I 10 34 FERNANDO ZANETTI
Lucifer (ou Demônio)
LUIZ BOSCO
Pequena Farsa 12 40 KAROLINE FUIN
Sobre a nobre noite
LORENA SGANZERLA
Pudor 18 42 ENIA CELAN
Catedral de sonhos
RICARDO ABUSSAFY
Retratos II 22 44 RICARDO ABUSSAFY
Retratos III
ITAMARA
Mulher adubo 24 46 DANIEL PEREIRA
Cante pra ela Bob
LIVIA PELLEGRINI
Ela e o Rio 26 52 MAICO COSTA
Buracos
54 THOMAS LEE
Vontade
PROFUSÕ
Dores rasgadas deste vento incansável que
sangra em vibra- sã.
Espiralado ativo. Em si todas direções do incerto,
as durações arrítmicas e belezas devoradas, os
climas e vertigens sísmicas, sacolas plásticas e
ÕES
poeiras...o visível da pele.
Sem excesso. Sem falta. Só pelos pêlos ouriçados
que calam frios e alimentam nus.
No (seu) ponto exato de limites e esquinas...o infindá-
vel, as saias - de repente avesso- menininhas safadas
... esses tais beijos paradoxais em gelo ardente nas
bocas generosas da cidade.
E ali, ainda... imanência púrpura... como num gemido
sussurrado.
Leve, forte, presente.
Pronto-escape, encurva esquecido.
Quem sabe(?) ainda vivo...
esse vento, ainda e tanto incansável, existe...
insiste...
assim...meio assim...num corpo dado quando
diz o que não basta.
por Manoela Maria Valério
ENTR
RE LINHAS
no horizonte
um sinal de fumaça,
porcos estão sendo castrados
o urubu se desenrola
da linha de pipa,
um outdoor em branco,
um helicóptero pousa
sobre os meus pulsos;
não há mensagens para mim,
na rodovia os caminhões
vem e vão e nenhum
deles me trazem rosas,
não há decodificações
para minha tristeza.
por Enia Celan
POR JEFFERSON MOURA
Meio-dia.
O vento sopra manso, sol a pino, en-
quanto inala-se o aroma de terra umedecida.
Margem. Cílios. Mato crescendo, nostalgia!,
a travessia das originárias sementes.
Ela à beira do rio. Pensando. Espreita a
água quase transparente mover-se. Lenta. Ár-
vores em contemplação. Espasmo das folhas
que em queda livre tocam o espelho d’água.
Ondas: tracejadas em círculos ao redor da
folha. Espaços que se abrem. Ela flutua.
Inspira o ar pelas narinas, enquanto o
suor escorre, lembrando a tez morena que o
fluir do desejo que não se represa se expressa
e quer. Desvenda saídas. Escoa. Naquele ins-
tante, acaricia lembranças, enquanto venta o
presente em constante criação do tempo
futuro.
Quem do lado de lá do rio há de sentir o
que por ela passa?
Nunca saberia, a não ser que... A não ser,
como o que tem acontecido, acreditasse em
destino. O destino trama o curso da vida
como também os caminhos de um rio. Mo-
mento em que toca, dentro dela, a canção
Vento de maio e as palavras soltam-se de seu
corpo, as imagens esvoaçam-se, memórias
circundam-na, e a brisa a lembra de esquecer
e ficar aqui.
Duas horas.
Sente o imã. Ela, pé ante pé: adentra
aquelas águas, enquanto a temperatura de
seu corpo muda e mudam seus pensamentos.
Estar em meio à largueza do ri(s)o.
As pedras, pedrinhas, pequenos galhos,
a areia encontram seus pés, pernas, coxas. E
pequeninos peixes envolvem o ventre e os
seios dela. Mergulhar os cabelos n’água, en-
quanto feixes de luz atravessam a retina. Ine-
xatidão. Desmemória.
O instante-agora. Apenas pra não parar nem
voltar atrás.
Ela caminha um pouco, agacha-se, abre
os braços. Boia. A flutuação requer entrega e
a água regozija-se com tal abraço levando-a
ao voo dos pássaros. Ameríndios. Doura-se o
céu. E a pele torna-se líquida – a morada dos
reinos. Todos.
E quase que eu me esqueci que o tempo
não pára nem vai esperar...
Quatro-horas.
O leito do rio é largo e mais alargado
fica com a presença dela. A correnteza-mãe
embala a filha. Ela, moça, agora é (a)tingida.
O vermelho vem vindo. É a hora, no ciclo de
sua lua. O canal em flor escoa o líquido
quente, de aroma oceânico e gosto sanguí-
neo.
Há mar dentro dela. Rainha dos raios de
sol. Enquanto ouve as vozes das crianças, lá
longe, ela brinca na correnteza agora aver-
melhada, recebendo os carinhos sutis da
tarde gestada em perfume & calor.
Seis horas.
Ocaso no horizonte. Vento solar... Ela
chega à outra margem. Apanha a flor de jas-
mim-manga e adorna os cabelos. Está quase
nua. E ao intuir a presença de alguém avista,
ancorado, um barco. Chama. Voz que alcança
a primeira estrela. Chama outra vez.
É quando do interior da canoa vão sur-
gindo dois olhos – lumes – e um largo sorri-
so. Pausa. Olham-se. Ela reconhece. É. O
antigo olhar.
A mão se estende com o gesto: - vem! –
em convite. Embarcar. Agora já não dá mais
pra voltar atrás.
Seriam aqueles olhos nos dela: o olho
d’água? Foi assim, que ela soube que sim.
Que o olho dela no dele, o dele no dela
fecundados faziam brotar olhos d’água –
nascidos, nascente, nativos do instante.
Rio estendido. Lua nascendo.
É noite.
Ela, ele. Ele, ela.
Ela e o rio.
Grupo Prosa de 5, fazendo uma versão
para Conversa de Botequim,
canção de Noel Rosa e Vadico
( https://goo.gl/nWvg1Z (
por FERNANDO ZANETTI
Rudeza estanque e mofados ensejos
Tentar seguir e indícios buscar
Quando podia
Entreatos de formas encatida
Veemente de fermes que me águo
Entre elas
Entre ela um lacaio de brutas favas
Inferno ladado sob o sol
Poderia seguir sem essas verdades
Teríamos eles
Os caídos em nosso lúmen
Insurgidos de couro vistoso
Asado reluzente de latrina antiga
Ainda que ousassem seriam caçados
Um a um
Morte sob lápide
Então era
Quando podia
Por seguir
E entre eternos cantar
Mas onde chegaríamos
Como ter entre estranhos o Amor
E inditos frêmitos
Gozo indito
E algo que jamais se saberá
E Ele será
Um instante
“Máquina de qualidade fatais”
E estaria aqui
Entre malditos cometida
Entre as canalhas da carne
E gosto insinuado
Cortar de inditos
Canto de semente
E dias febris
E ainda poder jurar
Como prometer a quem não conheces
Filho do cão e da morte indigna
Esse era nosso dado
E lançar de acaso novas brumas
Ainda em ensejo
E dizer o Sim
Mesmo que “rudemente violada
Tuí tuí tuí”
Quando podia
Quando podia o sol era sol
E tua carne estaria aqui
Entre nós
Por em olhos e vestígio
E seria assim
Quando podia
Mataria tua fonte
Tartarugas que voam em indícios de pedras
Entre nós cometidas
Bruto de ensejo
Gosto iníquo
Veludadas vozes sangradas
Estufos de flores em flora de mortes
E poderia
E onde chegar
E cantar de vida novas vozes.
``Sobre a nobre noite que têm sido palco da fome, da
morte, do gozo, da viagem na fumaça de simples cor-
deiros que desfiguram com complacência sua condição
inópia aos olhos de qualquer cobertura concretada sob
o suor daquele desgraçado corpo que ocupa seu espaço
nas ruas, configurando a realidade de um retrato des-
configurado pela alienação do que a constituição há
decretado como passos em linha reta, restando a aque-
les que caminham em zigue e zague as frías paredes
descascadas pela loucura, amarrados pela extinção de
sua criatividade, anestesiados pela nudez de seu cére-
bro, afogados em delírios medicamentosos eles fogem,
para onde sua mente possa desnudar em sanidade.``
Karoline Fuin
(ao demônio de Compostela)
Começar a me reinventar
Como se agora fosse meu começo
Descobrir que o corpo é leve
E que a alma pesa
Pelo seu pesado passado