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Quase todas as análises sobre o movimento dos caminhoneiros, assim como
ocorre em outros casos em que o assalariamento não é explícito, assimilam
acriticamente a condição de 'autônomos' dos trabalhadores, sem perceber que a
própria designação é um elemento central da gestão do trabalho pelas empresas,
escrevem em Vitor Araújo Filgueiras, professor de Economia da Universidade
Federal da Bahia (UFBA) e José Dari Krein, professor do Instituto de Economia
da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
Eis o artigo.
Mas há algo essencial que não tem aparecidonas discussões: como a forma de
regulação do trabalho no transporte rodoviário de cargas é uma raiz da
crise. O modo como muitas empresas organizam os trabalhadores que
transportam as mercadorias é muito interessante para os seus negócios sob
diferentes aspectos, dentre eles, a tendência a externalizar os conflitos
distributivos inerentes à produção baseada no trabalho assalariado.
Quem dita a dinâmica do setor são empresas, sejam elas donas das cargas ou
firmas especializadas no próprio transporte. Elas contratam e gerem centenas de
milhares de trabalhadores para realizar as atividades de distribuição. Para isso,
uma parte dos motoristas é admitida como empregado, enquanto outra fatia,
provavelmente a maior, é contratada como se não fosse assalariada, a despeito
da sua subordinação aos ditames empresarias. No início de 2017, de acordo com
a Confederação Nacional dos Transportes (CNT), estavam inscritos
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20/06/2018 A raiz da greve dos caminhoneiros e a regulação do trabalho - Instituto Humanitas Unisinos - IHU
Mas não para por aí. À negação dos direitos trabalhistas se soma a transferência
dos custos dos insumos (combustível, pneus, manutenção, etc.) aos
trabalhadores ditos autônomos. Desse modo, além de não ter renda certa, os
motoristas têm que cobrir os custos inerentes à atividade, radicalizando sua
insegurança. As empresas gastam menos, correm menos risco e têm um
trabalhador ainda mais dócil laborando em seu benefício.
Não bastasse, ao transferir para o trabalhador o risco do negócio, incluindo os
custos dos insumos, as empresas têm conseguido desviar da relação de trabalho
o foco da disputa distributiva. Aceitando a condição de “autônomo” imposta
pelas empresas, o motorista tem visto nos preços dos insumos uma fonte de
determinação dos seus ganhos mais importante do que o preço pago pelos seus
serviços. Antes da atual crise, outras mobilizações já traziam como principal
demanda o preço do combustível. Segundo a supracitada pesquisa da CNT,
56,4% dos motoristas enquadrados como autônomos considerava o custo do
combustível o principal problema do seu trabalho (contra apenas 24,9% dos
contratados como empregados), e apenas 1% apontava o valor do frete como a
reivindicação mais importante para a categoria.
Pensemos o seguinte: por que a mobilização para reduzir o preço do diesel não
atinge os motoristas de ônibus? A resposta é simples: Porque as empresas de
ônibus (ainda) não negam a condição de assalariamento dos seus trabalhadores
e, consequentemente, o aumento do preço é um problema fundamentalmente
das empresas. Quão improvável é ver trabalhadores de siderúrgicas e
montadoras de carros reivindicando a redução do preço do carvão e dos pneus,
ao invés de pleitear melhores salários?
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20/06/2018 A raiz da greve dos caminhoneiros e a regulação do trabalho - Instituto Humanitas Unisinos - IHU
Vale ressaltar que a regulação pública do trabalho, seja nas leis, seja na atuação
das instituições, têm contribuído para legitimar esse cenário. A contratação de
trabalhadores como autônomos, pelas empresas, não é novidade no setor, mas
parece ter piorado. A regulação dos TAC, ETC, etc. tende a legitimar e
recrudescer essa estratégia, ainda mais estimulada com a recente reforma
trabalhista. No judiciário, a disputa sobre os limites ao uso de motoristas de
carga como assalariados disfarçados está suspensa desde o final de 2017, por
conta de uma liminar do STF concedida por Luís Roberto Barroso [5].
Notas
5 - Se o leitor não tiver medo de se assustar com o nível a que pode chegar uma
decisão judicial, vale a leitura da redação de Barroso, disponível na internet.
Recomendamos, para compensar, o texto de Rodrigo Carelli: “Barroso versus
o mundo: o contrato-realidade e o transportador autônomo de cargas”,
disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/barroso-versus-
o-mundo-o-contrato-realidade-e-o-transportador-autonomo-de-cargas-
21032018.
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