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PLANETA TOPSID,
FAVOR RESPONDER
Autor
KURT BRAND
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
A Kublai Khan e o Exército de Mutantes em missão suicida —
...é uma questão de segundos!
O ano-novo chegou...
Poucos desconfiam de que tal ano, tão efusivamente
comemorado, será um período importante para os destinos da
Humanidade. Será o ano da grande decisão...
O Império Solar, que é uma organização minúscula em
comparação com o Império dos arcônidas ou com o Universo
dos druufs, vê-se literalmente entre dois fogos. Bastava uma
fagulha para desencadear a guerra que atingiria o sistema
solar. E, por uma falha, esta fagulha já está acesa há 73 anos...
e se chama tópsidas!
***
***
A situação estratégica da Terra piorava a cada dia que passava. Rhodan e seus
homens estavam perdendo o controle da situação.
Em virtude da colisão de dois Universos que se distinguiam pela diversidade das
dimensões temporais, o Império de Árcon se tornara mais forte que nunca, apesar de toda
decadência e dos movimentos de independência das centenas de raças que o compunham.
Os ataques incessantes da frota dos druufs, que lançava mão de todos os recursos
disponíveis para forçar a penetração no Universo einsteiniano, fizeram com que, depois
de cinco mil anos de decadência ininterrupta, o Grande Império governado por um
computador positrônico voltasse a alcançar a união.
A frota de guerra de Árcon, até então separada em centenas de pequenos grupos que
operavam em todos os setores da Via Láctea, voltara a constituir uma força compacta,
que realizava o bloqueio junto à zona de descarga, onde dois Universos se tocavam e se
sobrepunham em pequena extensão.
Enquanto duravam as batalhas entre os druufs e os arcônidas, nas quais os gastos
eram astronômicos, não havia um perigo imediato para o Império Solar. Acontece que,
segundo os cálculos dos peritos em tempo e espaço de Rhodan, a zona de descarga se
tornaria instável dentro de uns doze meses. Então a passagem de um Universo para outro
seria fechada. Isso representava o alarma máximo para a Terra e uma liberdade de ação
absoluta para o Grande Coordenador, que poderia lançar 80 mil naves de guerra para
vasculhar a Galáxia à procura do tal Império Solar, que, segundo os cálculos do
gigantesco computador, representava uma ameaça mais forte para Árcon que a luta feroz
contra os druufs.
Rhodan, que esperara tirar proveito da luta entre os dois gigantes, já se convencera,
depois da destruição de Fera Cinzenta, de que isso jamais poderia acontecer.
Todas as precauções destinadas a manter oculta a posição galáctica da Terra já
haviam sido tomadas. Depois do episódio da pane do neutralizador de vibrações, ocorrida
nas proximidades de Fera Cinzenta, o intercâmbio comercial com outros mundos, que
vinha se tornando cada vez mais intenso, fora reduzido a um mínimo. No entanto,
Rhodan, Bell e Atlan estavam convencidos de que essas medidas apenas lhes
proporcionariam um ganho de tempo. Um belo dia, Árcon descobriria a Terra.
O Marechal Allan D. Mercant, chefe do Serviço Solar de Segurança, que se
conservara jovem graças à ducha celular aplicada no planeta artificial Peregrino, estava
reunido com John Marshall, chefe do Exército de Mutantes, Perry Rhodan e Atlan.
Allan D. Mercant comparecera à entrevista sem levar qualquer anotação. Neste
ponto assemelhava-se a Perry Rhodan, que raramente recorria a dados fixados por escrito,
pois preferia buscar, em reuniões como esta, soluções obtidas de improviso.
Apesar dos grandes méritos alcançados nas ações empreendidas a favor da Galáxia,
Allan D. Mercant era um homem modesto. Criara um serviço de comunicações que
dificilmente encontraria par. Seus agentes estavam espalhados pelos planetas mais
importantes do Grande Império, e as mensagens de rádio transmitidas por tais
especialistas refletiam a verdadeira situação do Império Arcônida.
Enquanto Mercant apresentava seu relatório, Rhodan e Atlan mantiveram-se em
silêncio.
John Marshall parecia distraído. Mas os homens, ali reunidos, já o conheciam
bastante para não se deixar iludir pela expressão de seu rosto.
Naquele momento, John Marshall estava captando os pensamentos de Reginald
Bell. Ficou sabendo de que forma este se cortara durante a festa de passagem de ano.
Marshall levou o incidente a sério. Lembrou-se da oportunidade em que Bell
manifestou ruidosamente sua antipatia instintiva contra o planeta Honur, bloqueado pelos
arcônidas. Daquela vez, ninguém, nem mesmo Rhodan, o levara a sério. E, quando a
catástrofe desabou sobre a tripulação da Titan, e oitocentas pessoas, entre elas Thora,
Crest e Bell tiveram a vida ameaçada por um estado de hipereuforia, já era tarde para dar
atenção às advertências de Bell.
Enquanto Mercant prosseguia no seu relatório, Marshall continuava a “ouvir”.
“Corremos à velocidade da luz para uma situação que ameaça devorar-nos. Os mutantes
devem ser chamados de volta à Terra o mais cedo possível, a fim de que possam intervir
nos acontecimentos”, pensava Reginald.
Depois Bell, a alguns andares abaixo do lugar em que estava Mercant, passou a
dedicar sua atenção a outros problemas, e o chefe do Exército de Mutantes voltou a
participar integralmente da palestra.
A visão do futuro deixava evidente que o Império Solar se encontrava em situação
defensiva.
— Se nos limitarmos a esperar, estaremos praticando a política do avestruz — disse
Rhodan. — O grande computador deve ser posto fora de ação antes que sejam travadas as
últimas batalhas espaciais entre os arcônidas e os druufs...
— Ora, bárbaro! — interrompeu Atlan em tom enérgico. — Justamente isso é
impossível. Deixar o Grande Império sem o computador-regente seria a mesma coisa que
detonar no grupo estelar M-13 uma bomba de fusão de dimensões galácticas. Assim não é
possível. Aliás, seria ocioso discutimos este ponto, pois ainda não encontramos nenhum
meio que nos pudesse levar a Árcon III. Estamos... Olhe, o interfone está chamando.
A tela cinzenta tremeluziu ligeiramente e mostrou o rosto do chefe de uma das
grandes estações de hiper-rádio de Terrânia.
— Sir, não consegui entrar em contato com Mister Bell. Recebi certas notícias
vindas do espaço que, no meu entender, devem ser consideradas imedia...
— Transmita pelo vídeo! — ordenou Rhodan.
O rosto do chefe da estação de hiper-rádio desapareceu da tela. Em seu lugar surgiu
um texto.
0005-1 ao chefe.
Resumo das observações, após o retorno das sondas-foguete
456-18, 19, 34 e 65. O 82o grupo de naves ligeiras da frota CCDXII
de Árcon foi retirado das linhas de combate hoje, às 5h54m34seg
tempo de Terrânia. Todos os oficiais robotizados abandonaram suas
unidades e foram colocados a bordo da nave de carga H-56 874.
Às 11h3m21seg, tempo de Terrânia, o comando das unidades do
82o grupo de naves ligeiras foi assumido por tópsidas.
Às 14h33m06seg, o grupo voltou à frente de combate.
0005-1 ao chefe.
Naquele instante, Perry Rhodan teve a impressão de ver seu Império Solar esfacelar-
se sob os golpes de fogo das gigantescas naves de Árcon.
— Obrigado! — disse para dentro do microfone.
— E as outras notícias, Perry? — perguntou o arcônida, um tanto contrariado.
Allan D. Mercant e John Marshall não conseguiram ler a mensagem projetada na
tela. Não sabiam do que se tratava.
Rhodan não tomou conhecimento da pergunta de Atlan. Pálido e nervoso, dirigiu-se
a Mercant e Marshall.
— O 82o grupo de naves ligeiras da frota CCDXII de Árcon passou a ser tripulado
por tópsidas.
O Marechal Allan D. Mercant, que era um exemplo de autocontrole, levantou-se de
um salto. A reação de John Marshall não foi tão forte. Pôs as mãos na cabeça e
murmurou:
— Tópsidas... tópsidas...!
Atlan fez soar sua voz forte.
— Será que também posso ser informado? Como é que esses lagartos podem tangê-
los para dentro das tocas?
Perry Rhodan levou apenas alguns segundos para recuperar sua calma proverbial.
Fitou Atlan, que lhe lançava um olhar provocador.
— Os lagartos do planeta Topsid não nos tangerão para as tocas. Mas, com o auxílio
de Árcon, que lhes será prestado de boa vontade, eles nos obrigarão a sair do nosso
esconderijo. É que os tópsidas conhecem a posição da Terra há mais de setenta anos, com
um erro de medição de apenas vinte e sete anos-luz.
— Ora, bárbaro! — revidou Atlan em tom penetrante. — Vocês têm um certo humor
grosseiro. Acontece que desta vez minha inteligência arcônida não consegue
compreender. Esta piada...
— É uma piada da história, Atlan — completou Rhodan em tom amargurado.
— Será que vocês não me poderiam dizer logo onde está a graça? — perguntou o
arcônida em tom áspero. Em seus olhos amarelentos havia um perigoso brilho. — Como
é que os lagartos têm conhecimento da posição da Terra, com um erro de apenas vinte e
sete anos-luz? Por que ainda estão sentados em seus lugares? Rhodan, será que o que
você acaba de dizer não é nenhuma piada? Será que vocês realmente se esqueceram de
que os tópsidas conhecem o local aproximado em que a Terra gira em torno do Sol?
— Isso mesmo — confessou Perry Rhodan. — Nestes últimos setenta anos ninguém
se lembrou disso. E agora o computador-regente fez dos tópsidas os comandantes de
alguns dos couraçados arcônidas. Basta que alguém cite meu nome, para que uma certa
lembrança seja despertada. E, com toda certeza, três horas depois, alguns milhares de
naves arcônidas vasculharão este setor da Via Láctea, partindo da fixação goniométrica
de um ponto situado a vinte e sete anos-luz daqui.
Perry Rhodan apresentou um relato resumido dos acontecimentos anteriores.
Tudo começou quando a nave exploradora de Thora foi obrigada a realizar um
pouso de emergência na lua terrana, isso porque os tripulantes degenerados se haviam
esquecido de levar certos acessórios.
Uma mensagem de hiper-rádio foi dirigida ao sistema estelar M-13, a fim de
informar Árcon, naquele tempo ainda não governado por um computador. Mas Árcon não
prestou atenção à mensagem, ou então esta não chegou ao destino, em virtude de um dos
raríssimos fenômenos de interferência. Acontece que a raça inteligente de lagartos, que
vivia no planeta Topsid, no sistema de Orion-Delta, realizou a localização goniométrica
do ponto de expedição da mensagem. No entanto, tal raça não se deu conta de que, em
virtude de um erro na determinação da coordenada chi, havia uma divergência de vinte e
sete anos-luz.
Logo depois, os lagartos de Topsid foram procurar a Terra e o cruzador arcônida no
sistema de Vega, onde encontraram uma raça semelhante aos humanos e aos arcônidas,
que eram os ferrônios. Este povo adorável e inofensivo não conseguiu defender-se da
invasão vinda de uma distância de cerca de oitocentos anos-luz. Mas Perry Rhodan
conseguiu, com uma força extremamente reduzida, infligir uma derrota arrasadora aos
tópsidas que se encontravam no setor de Vega. Isso representou um de seus primeiros
triunfos, que parecia abrir o caminho à realização do grande objetivo, isto é, um dia
transformar-se no soberano do Universo.
— O planeta Topsid fica a oitocentos e quinze anos-luz da Terra, Atlan. O erro de
medição que os tópsidas cometeram na coordenada chi é de apenas 3,4 por cento. Bem,
no sistema de Betelgeuze tivemos mais um confronto com esses lagartos...
— Isso mesmo — confirmou Atlan. — Naquela oportunidade Árcon, os saltadores e
os médicos galácticos acreditaram que a Terra tivesse sido devorada pelo fogo infernal
das reações atômicas. Tratava-se de uma Terra que, numa manobra hábil, você
“transferiu” para esse lugar. Mas quando chegou a hora de fazer isso, você deveria ter-se
lembrado do resultado das medições realizadas pelos tópsidas. Como é que você pôde
esquecer uma coisa dessas? É difícil de compreender.
— Acontece que os humanos não são como os arcônidas, almirante — respondeu
Perry Rhodan com a voz tranqüila e voltou a dirigir-se ao chefe do Exército de Mutantes.
— Chame seu pessoal de volta, John!
— O que pretende fazer? — perguntou Atlan em tom curioso.
— Quero aproveitar a última chance de apagar as conseqüências de nossa omissão,
desde que o tempo ainda seja suficiente para isso.
— Quer ir a Topsid, onde estão os lagartos? — perguntou Atlan em tom de surpresa.
Mais uma vez sentiu admiração por esses terranos obstinados, cuja audácia muitas
vezes lhes permitia enfrentar problemas que um intelecto arcônida não conseguia
compreender.
— Não quero, Atlan, preciso ir para onde estão os tópsidas.
— Hoje em dia, Topsid pertence ao Grande Império — ponderou o arcônida.
— Você também pertence, não pertence? — perguntou Rhodan sem a menor
comoção.
Mais uma vez Rhodan não aguardou resposta. Dirigiu-se a Allan D. Mercant.
— Quantos agentes se encontram em Topsid?
— Dois — respondeu Mercant imediatamente. — Ho Kwanto e F. C. Curtiss. O fato
de Topsid pertencer ao Império Arcônida é de importância secundária. Os lagartos podem
sentir tudo, menos contentamento, quando alguém lhes fala em Árcon. Gostariam de
desligar-se o quanto antes do Grande Império.
— Será que é por isso que fornecem os comandantes para um grupo de naves? —
perguntou Atlan em tom irônico.
— Não posso contestar o que o senhor acaba de dizer — disse Mercant com um
gesto de cortesia. — Acontece que minha afirmativa não envolve qualquer contradição.
Caso os tópsidas se tivessem atrevido a não atender à solicitação do regente, que desejava
o fornecimento de tripulantes para as naves, o planeta não mais existiria.
Perry Rhodan não participou da discussão.
— Mercant, mande verificar se em Topsid já existem arcônidas. Preciso dessa
informação dentro de cinco horas. Mais alguma coisa a discutir, senhores?
Essas palavras representavam o sinal de que a conferência estava terminada.
O administrador-geral viu-se a sós com Atlan.
— Bem — começou Atlan usando, sem que o percebesse, uma expressão a que Bell
costumava recorrer. — Até eu já não sei o que dizer. Mas gostaria de repetir a pergunta
que acabo de formular. Como foi que todos vocês se esqueceram que os lagartos
conheciam, aproximadamente, a posição galáctica da Terra?
Perry Rhodan manteve-se em silêncio.
O arcônida nunca obteria uma resposta.
O fato fora esquecido, e agora os homens do Império Solar teriam de arcar com as
conseqüências.
3
Desde o momento em que foi travada a palestra memorável, vinte e quatro horas já
se haviam passado. E nessas vinte e quatro horas os mutantes chegavam
ininterruptamente a Terrânia.
John Marshall chamou seu pessoal de volta. Quando viram que não eram os únicos
que estavam sendo convocados, compreenderam que em algum lugar havia um perigo
gravíssimo.
Bell preferiu não falar mais em seu dedo. Nem teve tempo para isso. Na última noite
não vira a cama, mas em compensação elaborara um plano detalhado, que provocou uma
expressão de perplexidade e pavor em Atlan:
— O quê? Vocês pretendem ir a Topsid disfarçados de arcônidas?
— Será que é tão difícil fazer o papel de um arcônida sonolento e arrogante? —
perguntou Bell em tom zombeteiro.
Atlan preferiu não dizer nada; estudou o plano.
Na sala contígua, Rhodan conferenciava com John Marshall. O chefe do Exército de
Mutantes anunciou ao administrador do Império Solar que todos os mutantes já se
encontravam em Terrânia, com exceção de alguns que não podiam sair do lugar em que
se encontravam.
— Harno veio?
— Sim senhor.
— Gucky ainda não se apresentou a mim. Será que não veio?
— Veio. Acontece que há algumas horas está a bordo da Kublai Khan. Ao que
parece, o rato-castor mais uma vez anda espionando os pensamentos de alguém.
— Como chegou a essa conclusão, Marshall? — perguntou Rhodan em tom curioso.
Perry fazia questão de que fosse cumprida sua ordem de que, com exceção de John
Marshall, ninguém devia ler os pensamentos dos personagens mais importantes de
Terrânia. E essa ordem também se aplicava a Gucky.
— Faz uma hora que me encontrei com ele na sala de comando da Kublai Khan.
Estava deitado numa poltrona e contemplava suas botas especiais. Quando me viu, disse
com a cara mais inocente deste mundo: “John, será que estas botas quadráticas não
deveriam ser substituídas por botas aquecidas? Não acredita que depois de concluída
esta missão todos estaremos com os pés frios?” Quando ouvi estas palavras da boca de
Gucky, compreendi que ele havia arranjado certas informações.
— Quer dizer que descobriu que pretendemos utilizar a Kublai Khan — disse
Rhodan em tom pensativo. — Marshall, o senhor estava a sós com Gucky na sala de
comando ou...
— Estávamos a sós, Sir.
— Qual foi a resposta que você lhe deu, John?
— Fiquei contrariado, Sir. O pessimismo do rato-castor foi a célebre gota que
entornou o caldo. Eu lhe disse em tom indignado: “Se quiser, mande fazer uma calça
especial para certas emergências!” Acontece que, com isso, admiti de forma indireta que
tínhamos pela frente uma missão arriscada. Gucky sorriu com seu dente roedor e disse:
“A barra será pesada como nunca. Quando me lembro do dedo cortado do gorducho,
meus pés esfriam logo.” Depois indaguei junto a Mister Bell se havia comentado algo
com Gucky, mas ele me disse que não lhe contou nada do dedo machucado. Logo...
Nesse momento, Gucky chamou pelo telecomunicador. Encontrava-se a bordo da
Kublai Khan e anunciou, com um atrevimento a toda prova, que escutara a conversa entre
Rhodan e Marshall.
— E daí? Muito pior que isso é a porcaria que estão fazendo aqui. Se a Kublai Khan
tem de ser transformada num supergigante arcônida, poderíamos esperar ao menos que
essa gente dominasse a ortografia arcônida... On-Tharu é escrito com th. É claro que disse
umas boas a esses cabeças de minhoca...
Eram as expressões de Reginald Bell, que o rato-castor usava com uma alegria
infernal. Mas ao ouvir a expressão “cabeças de minhoca”, Perry Rhodan interrompeu-o
em tom áspero.
— Tenente Guck, a situação é séria demais para...
— Bem — interrompeu o rato-castor. — Se você me chama de tenente, a barra
realmente deve estar pesada. Mas não acho nada bonito que Marshall tenha feito minha
caveira junto a você. Posso ir até aí, Perry?
— Venha imediatamente. Isto é uma ordem.
John Marshall e Perry Rhodan perceberam que o rato-castor não estava mais
presente na tela. Já devia estar a caminho num salto de teleportação.
Mas não viram Gucky sair em meio a um tremeluzir do ar. Rhodan mandou que
Marshall o procurasse, isto é, que captasse seus impulsos mentais. Depois de alguns
minutos, o chefe do Exército de Mutantes teve de confessar que não conseguia encontrá-
lo.
— Um dia destes preciso ter uma conversa com Gucky! Desta vez não o tratarei
com luvas de pelica — disse o Administrador-Geral em tom contrariado.
Esforçou-se para voltar ao assunto. Ele e John Marshall voltaram a discutir o plano
elaborado por Bell, cujo ponto principal residia na utilização dos mutantes.
Marshall teve suas objeções.
— Essa concentração de mutantes não representaria um risco extraordinário? Se
alguma coisa nos acontecer, e o senhor não pode desprezar esta possibilidade, poderá ver-
se na contingência de ser privado de todo o Exército de Mutantes.
— John — respondeu Perry Rhodan, sacudindo levemente a cabeça. — Acho que
você ainda não compreendeu que o pecado que cometemos por omissão nos obriga a
adotar este procedimento. Faz apenas setenta anos que se verificou a invasão dos lagartos
no setor de Vega. Isso não basta para demonstrar que o perigo de sermos localizados por
eles ou pelo computador-regente é muito grande?
“É bem verdade que o ditador que então exercia o governo e os membros de sua
junta militar provavelmente já terão morrido. Em compensação deve haver alguns
milhares de tópsidas que guardam uma lembrança muito viva dos acontecimentos por que
passaram. Além disso, não nos devemos esquecer dos registros. Mesmo que a memória
dos tópsidas não represente nenhum perigo, os registros poderão representar nossa
desgraça. Para remover esse perigo iminente, temos de lançar mão de todos os recursos, a
fim de desenvolvermos em Topsid uma ação que não conste de nenhum documento
histórico.
“Sei que estou assumindo um risco muito grande, Marshall. Também sei que o
senhor e seu Exército de Mutantes terão uma tarefa muito difícil. Caso apenas um homem
falhe, todo o Império Solar estará irremediavelmente perdido. Pois, nesse caso, os
arcônidas virão o mais depressa possível.”
Acontece que John Marshall tinha outras objeções contra a utilização maciça dos
mutantes. E, graças ao seu senso de responsabilidade, ele as formulou. Perry Rhodan
tinha todos os motivos para felicitar-se por ter um comandante do Exército de Mutantes
que era incômodo, porém honesto.
— Sir, acaba de dizer que todos os tripulantes da nave serão escolhidos pelo aspecto
exterior. Quer dizer que todos devem ser homens cujo corpo se pareça com o dos
arcônidas. Acontece que o tamanho da maioria dos mutantes é inferior à média. Peço-lhe
que considere este ponto.
— O senhor tem outro plano que seja mais fácil e tenha iguais chances de êxito,
Marshall?
— Acho que não seria difícil instalar em Topsid uma rede de emissoras hipnóticos
que influencie os lagartos até o momento em que o computador-regente não represente
mais nenhum perigo para nós.
— Ora, Marshall! — respondeu Perry Rhodan com certa perplexidade, lançando-lhe
um olhar de recriminação. — O senhor sabe perfeitamente qual é minha opinião sobre
esse tipo de influência em massa. Só recorro a esse recurso quando não tenho outra
alternativa, e mesmo então o faço a contragosto. No presente caso, ainda acontece que
nossos dados a respeito dos lagartos são muito escassos. Não sabemos se uma hipnose,
que dure algumas semanas ou meses, provocará algum dano em seus cérebros. Será que
mais tarde terei de recriminar-me por ser responsável pela doença mental de cem mil
lagartos? Afinal, não sou nenhum computador desalmado.
Perry Rhodan nem se deu conta de que, com estas palavras, acabara de passar por
uma prova através da qual alcançaria a consagração dos desejos de domínio do Império
Solar, enquanto certa construção artificial existente em Árcon III nunca poderia passar de
um fenômeno transitório, condenado a desaparecer em pouco tempo.
Antes que Marshall pudesse dar uma resposta, a porta abriu-se e Allan D. Mercant
entrou ao lado do rato-castor.
A rigor, Gucky deveria esperar algumas repreensões extremamente duras. No
entanto, sorria amavelmente com o dente roedor. Foi saltitando pela sala sobre os
pezinhos enfiados em botas especiais e apoiando-se levemente sobre a cauda larga. Com
um gesto grandiloqüente, deixou-se cair numa das poltronas.
Rhodan, que recorreu à sua capacidade telepática pouco desenvolvida para ler os
pensamentos do rato-castor, encontrou um forte bloqueio. Gucky não permitiria que
qualquer espia atingisse seus pensamentos.
— Sinto incomodá-lo, Sir — disse Allan D. Mercant ao entrar. — Gucky me
procurou depois de pôr em alarma o Serviço de Segurança. A ação por mim desencadeada
ainda está em andamento. Mas espero que seja concluída em breve.
“Gucky impediu Ulbers, o especialista em telecomunicações, e Huang-Lu, o técnico
em mecanismos de propulsão, de transmitirem ao grupo estacionado na Lua o sinal
convencionado para o lançamento de uma sonda. O Serviço de Segurança já apreendeu
essa sonda. Tal aparelho levaria um emissor de hiper-rádio programado para começar a
transmitir, cinco minutos após o lançamento, a posição galáctica da Terra.”
Allan D. Mercant, que costumava ser a calma em pessoa, forneceu estas explicações
com a voz trêmula. Por um instante Perry Rhodan empalideceu, e John Marshall
estremeceu visivelmente.
O rato-castor refestelou-se na poltrona, deixou girar os olhos inteligentes e exibiu o
dente roedor num sorriso ainda mais gentil. Encostara a pata dianteira esquerda à
braçadeira da poltrona e mantinha a cabeça apoiada na mesma. Estava de olhos fixos no
administrador.
Mas Rhodan olhava para além de Gucky. Levou apenas um segundo para absorver a
notícia chocante.
— Mercant, por que o senhor supõe que a ação estará concluída dentro de pouco
tempo? — perguntou.
— Gucky forneceu ao Serviço Solar de Segurança os nomes de todas as pessoas
ligadas à conspiração contra o Império Solar. Ulbers e Huang-Lu haviam sido destacados
para servir na Kublai Khan e encontravam-se na nave, mais precisamente na sala de
rádio, quando Gucky interveio e os segurou por meio da telecinese. Depois pôs o Serviço
de Segurança em alarma e providenciou para que Ulbers e Huang-Lu fossem
“recepcionados” pelo pessoal de bordo. Após isso voltou a aparecer à minha frente.
O interfone chamou. A imagem da tela estabilizou-se e um homem, que trazia na
lapela do uniforme o pequeno distintivo do Serviço Solar de Segurança, disse em tom
lacônico:
— Sir, operação Flauta Mágica concluída. Os dezoito conspiradores estão presos.
Fim da mensagem. Alguma pergunta, Sir?
Q chefe do Serviço Solar de Segurança não teve mais nenhuma pergunta, mas
Rhodan indagou com certa admiração na voz:
— Por que deu esse nome ao caso?
— Não faço a menor idéia — respondeu Mercant meio embaraçado. — Por que será
mesmo?
O rato-castor, que continuava em sua poltrona, piou:
— Por que não iríamos chamar a operação de Flauta Mágica? É claro que, numa
questão dessas, devemos dar asas à fantasia. Afinal, essa gente queria chamar os
arcônidas com sua flauta. Foi por isso que mobilizei tão depressa seu Serviço de
Segurança, Allan. No momento em que berrei para dentro do microfone que a operação
Flauta Mágica iria ter início, os sujeitos saíram correndo. Ninguém fez perguntas.
Absorveram que nem umas esponjas os endereços que lhes forneci, e a coisa começou a
rolar. Acontece que não havia nada de especial em tudo aquilo. Você, John, fez minha
caveira junto a Perry. Por isso fiquei com uma tremenda raiva e, para acalmar-me, soltei
minha telepatia. Fiz uma visita à sala de rádio e peguei Ulbers e Huang-Lu, quando estes
pretendiam levar avante seu plano infame. Foi só isso. Depois os homens da Kublai Khan
cuidaram desses porcalhões e...
— Gucky! — interrompeu Perry Rhodan em tom de recriminação e esteve a ponto
de dizer mais. Porém o rato-castor retificou-se no mesmo instante e prosseguiu:
— Depois os homens da Kublai Khan cuidaram desses cavalheiros. Eu os coloquei
num estado favorável às confissões e retirei de suas vibrações cerebrais os nomes dos
cúmplices.
— O que foi que você fez com eles? — perguntou Rhodan.
Gucky continuou acomodado em sua posição. Falando num tom imponente, disse:
— Perry, você é o administrador do Império Solar. Deixe essas ninharias por nossa
conta. Não se preocupe com isso. Quando terá início a operação Dentista?
— O que é isso? — perguntou Rhodan com uma contrariedade perceptível.
— Será que essa palavra não é clara, Perry? — perguntou o rato-castor com uma
ingenuidade fingida. — Não resolvemos arrancar todos os dentes desses lagartos de
Topsid, para que eles não nos possam machucar mais?
— Ponha-se daqui para fora, seu fingido...
O ar começou a tremer em redor da poltrona onde Gucky estava sentado. No mesmo
instante, este desapareceu da poltrona e da sala. Ele, que chamava todo mundo de você,
sem fazer exceção com relação a Perry Rhodan, percebeu imediatamente que as
condições atmosféricas no interior do gabinete de Rhodan pioraram para ele, e então saiu
sem despedir-se.
O instrumento de Allan D. Mercant, ou seja, o Serviço Solar de Segurança trabalhou
com a precisão de um computador positrônico.
Poucos minutos depois de Gucky ter-se retirado, chegou um relatório pelo interfone,
que esclareceu inclusive os motivos da conspiração.
Nos últimos três anos, os dezoito conspiradores haviam sido advertidos, e, em
alguns casos, até mesmo punidos por infrações disciplinares dos tipos mais variados.
Nunca houve qualquer queixa quanto à eficiência do trabalho deles.
Ulbers chegava mesmo a gozar da fama de ser um dos melhores especialistas em
hipercomunicações, e os três aperfeiçoamentos introduzidos por ele no estágio final do
aparelho provavam que essa fama tinha sua razão de ser.
Com o correr do tempo sua disposição oposicionista face à política de Rhodan
transformara-se em ódio, que o levou a conceber a revelação da posição da Terra aos
arcônidas por meio de uma hipermensagem permanente, que seria irradiada por uma
sonda disparada para o espaço.
— Uma desgraça quase nunca vem só — disse Rhodan em tom deprimido assim
que leu a mensagem. — O que vamos fazer com Gucky? Não posso puni-lo, por ter
evitado uma terrível catástrofe. Por outro lado, uma pequena lição não lhe faria mal, pois
assim talvez no futuro tenha cuidado e não volte a exorbitar. Por que está rindo,
Marshall?
— Sir — disse o telepata. — Gucky sempre vive nos enganando. Isso faz parte de
sua personalidade; no dia em que não o fizer mais, deixará de ser Gucky, o rato-castor.
4
Rhodan destacou três mil swoons e igual número de criaturas humanas para a tarefa
de, no menor prazo possível, criarem um aparelho que permitisse manter estáveis no
hiperespaço gigantescos campos ionizados.
Bell, que também elaborara esta parte do plano contra Topsid, mais uma vez deu
prova de que sabia lidar muito bem com gente — ou, se necessário, com os swoons,
também conhecidos como homens-pepino.
De início só colheu olhares de perplexidade. Sempre que falava no seu plano de
criar gigantescos campos ionizados, defrontava-se com palavras de incompreensão.
Deixou que se divertissem, não se indignou, não fez nenhuma alusão irônica, mas
dentro de duas ou três horas voltava a falar com os peritos, debatendo sempre o mesmo
problema.
— Preciso de hipercampos de interferência de dimensões astronômicas. Preciso de
campos desse tipo que não entrem em colapso em uma hora, nem em cem horas, e nem
mesmo em mil horas. Em outras palavras, preciso de aparelhos que me permitam
paralisar o tráfego de hiper-rádio de todo um planeta. É bem possível que, se estes
aparelhos não forem fornecidos, dentro de um prazo muito curto, os senhores mudem de
patrão. É só por isso que acredito que dentro de três dias terei uma série de aparelhos
aptos a entrar em funcionamento. Afinal, não há nenhum obstáculo teórico à construção
de um aparelho desse tipo.
Até mesmo os swoons, os micromecânicos — verdadeiros gênios em suas
especialidades — disseram que a exigência de Bell era impossível de ser atendida. Mas,
por isso, tiveram de travar conhecimento com outra faceta da personalidade de Bell: sua
teimosia insuperável.
— Meus caros — disse em tom condescendente — não sou nenhum leigo no
assunto e sei que minha ordem é quase inexeqüível. Quase... Esta palavrinha deveria
servir-lhes de estímulo para procurarem tornar possível o impossível.
“Se partirmos do pressuposto de que, no hiperoscilógrafo, a constante hy e as curvas
formam...
Reginald Bell obrigava os peritos a falar de assuntos profissionais. Entendia do
assunto, menos que eles, mas o suficiente para estimulá-los. Mas nunca conversava mais
de meia hora, pois sabia perfeitamente que o tempo urgia, e que a qualquer momento a
desgraça poderia surgir sob a forma de várias esquadrilhas arcônidas que sobrevoassem a
Terra.
Terrânia, que, para o observador superficial, era apenas uma metrópole agitada,
passou a ser um verdadeiro inferno de apressados preparativos.
As panes surgiam em todos os lugares. Havia incidentes com os quais ninguém
contara. Planos detalhados tinham de ser modificados. As ordens eram substituídas por
contra-ordens. Um item, que há meia hora ainda figurava da agenda com um grau
máximo de urgência, era abruptamente retirado das linhas de produção.
Um pequeno exército de robôs obteve um aspecto arcônida. Toda a programação dos
mesmos teve de ser reformulada. A nova programação baseava-se no fato de que o
orgulho e a arrogância constituem características fundamentais dos arcônidas.
Os dois mil tripulantes da Kublai Khan foram submetidos a um processo intensivo
de aprendizado hipnótico. Apresentar-se-iam como arcônidas no planeta de Topsid, e por
isso deveriam ser arcônidas, não só pelo aspecto exterior, mas também pelo gênio e pelas
atitudes.
A Kublai Khan, rebatizada com o nome de On-Tharu — o erro de ortografia foi
corrigido — não seria a única nave que participaria da operação. Seria acompanhada por
oito naves da classe Estado, com cem metros de diâmetro e tripuladas com cento e
cinqüenta homens, além de dois cruzadores pesados. Em seus envoltórios esféricos havia
letras e cifras arcônidas. Embora não devessem pousar em Topsid, Rhodan não desejava
que, na hipótese de um encontro casual com uma nave do Grande Império, algum erro
mínimo representasse o princípio do fim.
O plano de Bell, que nas linhas gerais merecera a aprovação de Rhodan, previa
quatro dias para os preparativos. Mas quando o segundo dia chegou ao fim, teve-se a
impressão de que, nem dali a uma semana, as naves poderiam decolar em direção ao
planeta de Topsid, situado no sistema de Orion.
Uma pane sucedia-se à outra.
Novas notícias alarmantes surgiram da zona de descarga, onde as lutas entre os
druufs e os arcônidas continuavam a consumir quantidades enormes de materiais.
O computador-regente de Árcon estava mobilizando todos os povos auxiliares do
Grande Império e os obrigava a enviar ao front os comandantes espaciais e os oficiais
mais competentes.
Só os tópsidas estavam guarnecendo nada menos de dezenove esquadrilhas!
Perry Rhodan avisou Bell, que acabara de suspirar aliviado porque conseguira
desatar em três horas de lutas um nó cego de incidentes imprevistos.
— Ah, é? Dezenove esquadrilhas? Todas estão guarnecidas com oficiais tópsidas!
Você está só, Perry?
— Estou — respondeu Rhodan.
— Pois então faça-me o favor de não me contar mais nada. Estou com medo. Não
sei o que houve comigo. Alguma coisa vem em nossa direção e nos atropelará. Santo
Deus, Perry, será que negligenciamos ou esquecemos mais alguma coisa?
Rhodan lembrou-se da pergunta de Atlan, sobre se os pressentimentos desastrosos
de Reginald Bell representavam uma atitude pessimista ou realista. Acontece que nunca
vira Bell nesse estado. Era bem verdade que, antes do pouso no planeta de Honur, Bell
também desempenhara o papel do homem das advertências incessantes, mas as coisas
não chegaram ao ponto em que agora estavam alcançando.
— Para a operação especial a ser realizada em Topsid não foi esquecida ou
negligenciada coisa alguma — respondeu Rhodan com a voz firme. — O centro de
computação de Vênus também realizou seus cálculos a este respeito e, em todos os
pontos importantes, chegou à conclusão de que as chances de êxito eram de 85 a 97,5 por
cento.
— Ora, o computador — disse Bell fungando. — Minha aversão por esses monstros
positrônicos cresce a cada dia que passa. Como instrumentos de cálculos são formidáveis,
mas como profetas... Perry, neste ponto eu preferiria que eles fossem para o inferno.
Prometi a mim mesmo que durante esta operação seguiria o meu instinto, sem dar
qualquer atenção às recomendações do computador positrônico.
— Provavelmente você não terá tempo de desenvolver qualquer atuação positiva,
Bell — exclamou Perry Rhodan pelo videofone. — Seu plano sofreu uma única
modificação. Nem você, nem Atlan, nem eu dirigiremos oficialmente a operação a ser
desenvolvida em Topsid. Isso ficará a cargo de nossos técnicos e mutantes.
Bell soltou um assobio.
— O que restará para nós, Perry?
— Apenas o trabalho miúdo, as filigranas. Temos diante de nós uma tarefa quase
insolúvel: devemos tomar todos os preparativos para enganar o computador-regente de
Árcon. Você já imaginou o que significa fornecer dados falsos ao gigantesco computador
positrônico? Quero ajudá-lo a recuperar a autoconfiança que, pelo que vejo, está
profundamente abalada. É bom que saiba o que o centro de computação de Vênus acha de
nossos planos. Quando trouxe o resultado, Atlan estava bastante deprimido.
“Se admitirmos que a corda bamba pela qual teremos de andar durante a operação
Topsid deve ter uma espessura de cem, tal corda em certos lugares está reduzida a 1,54
por cento desse valor. E a esses 1,53 por cento se contrapõem esses 98,46 por cento.”
— Perry — interrompeu Bell em tom enérgico — você nunca se admirou de que no
curso dos decênios nós, do Império Solar, nunca sofremos um revés de verdade? E olhe
que já o merecemos. Sim, é isso mesmo. Não adianta olhar-me com esse ar de espanto. O
que é que costumamos fazer antes de qualquer ação? Procuramos a Pítia moderna e
pedimos que ela nos diga em números e frações decimais se nossas chances são boas.
Estamos no melhor caminho para transformar-nos em arcônidas. Engolimos sem a menor
resistência tudo que um computador construído, segundo a mentalidade arcônida, joga à
nossa frente e nos esquecemos de que somos homens, seres pensantes, sensíveis.
“Faça-me o favor de não me vir com o argumento de que a operação de Topsid
poderá trazer certas conseqüências graves, e que foi este o motivo de ter sido formulada a
consulta ao cérebro positrônico montado em Vênus. Qualquer ato traz suas
conseqüências. Está na hora de deixarmos de aceitar o papel de escravos do computador,
para voltarmos a ser homens que aproveitam integralmente sua capacidade de agir. Assim
seremos superiores a qualquer cérebro positrônico e conseguiremos vencer o desafio que
nos espera em Topsid.
“A preguiça mental e a degenerescência dos arcônidas é devido principalmente aos
cérebros positrônicos. Será que nossos netos e bisnetos deverão ser tão indolentes como
eles? Por isso pouco me interessa o que o grande centro de computação de Vênus tenha
dito a respeito da ação que planejamos. Caramba, Perry! Não somos arcônidas, mas
homens. E devemos saber agir como seres humanos.”
Perry Rhodan não deu qualquer resposta. Limitou-se a levantar uma folha e colocá-
la à frente da lente da objetiva.
Bell leu ao lado da percentagem de 98,47 a seguinte observação manuscrita de Perry
Rhodan: “Resultado incorreto. Valores humanos não foram considerados. PR.”
— Por que deixou que eu falasse tanto? — disse Bell com um sorriso largo.
— Porque gostei de ouvi-lo, Bell. Acho que vez por outra temos de chamar à
lembrança esse tipo de verdade. Aliás, como vai o projeto de criação de campos de
ionização?
— Não poderemos contar com qualquer resultado antes de amanhã de noite. A
dificuldade consiste em manter estáveis as camadas de reflexão no hiperespaço. A coisa
não quer funcionar. O que sabemos sobre o hiperespaço ainda é pouco. E ainda há um
detalhe bastante desagradável, de que só agora tomamos conhecimento. Os hipercampos
de interferência permanecem no hiperespaço sob a forma de campos de fuga circulares e
giratórios, que, de repente e sem qualquer motivo plausível, se afastam do raio vetor e
desaparecem. Será que a idéia dos campos de ionização foi exclusivamente minha, Perry?
— Foi, gorducho. Você pode tirar a patente. Por isso seus problemas não me
interessam muito. Quando começará a fabricação em série dos aparelhos de interferência?
Amanhã de noite?
— Se houver um milagre, sim; do contrário...
A essa altura, Perry Rhodan mostrou sua impetuosidade!
Com a voz fria e implacável transmitiu sua exigência:
— A produção em série terá de ser iniciada amanhã de noite o mais tardar, Bell.
Confio inteiramente em você. Desligo.
Crest, o velho cientista arcônida, entrou no gabinete de Rhodan. Ele e Thora não
obtiveram a ducha celular regeneradora do planeta Peregrino. E para Crest, estavam
chegando os dias em que um indício após o outro anuncia o fim que se vai aproximando
lentamente. Mas sua energia psíquica continuava a ser a mesma dos melhores anos de
vida.
Tomou lugar ao lado de Rhodan; demonstrou a calma e a tranqüilidade que Perry e
Reginald Bell haviam observado há muitos decênios, quando travaram conhecimento
com esse arcônida na Lua.
— Voltei a examinar a lista dos mutantes que deverão participar da operação —
principiou. — Não seria recomendável levar para Topsid apenas metade desses elementos
insubstituíveis? Atlan não é da mesma opinião que eu; acabo de falar com ele. Mas em
John Marshall encontrei maior compreensão. Ele acredita que a utilização maciça de
todos os mutantes representa um risco excessivo.
— Crest — respondeu Rhodan em tom resoluto — a operação Topsid tem de ser
concluída o mais cedo possível. Não se esqueça de que agora somos obrigados a agir.
Avançamos a partir de uma posição defensiva. Isso sempre representa um mau começo...
Um instante; a estação de hiper-rádio está chamando.
Mais uma vez chegaram notícias da frente de luta, onde as armadas espaciais dos
arcônidas bloqueavam a área de superposição e se envolviam em lutas infindáveis com os
druufs.
Rhodan tinha ã sua frente mais de três dezenas de mensagens. Essa torrente de
notícias só se tornou possível graças às novas sondas-foguete, difíceis de serem
localizadas e derrubadas. Além disso, os aperfeiçoamentos introduzidos na ótica de
campos magnéticos, que em seus efeitos tinham uma semelhança espantosa com as lentes
de borracha, já superadas, aumentaram em mil por cento o potencial de observações
óticas.
— Sir — disse o chefe da estação de hiper-rádio de Terrânia, dirigindo-se a Rhodan.
Em sua voz soava um certo orgulho. — Agora já dispomos de uma visão completa de
todas as formações de naves arcônidas que se encontram na frente de combate. Apuramos
que Árcon mantém em luta oitenta e três mil naves de guerra, sem computar as naus
auxiliares e as de aprovisionamento.
“Mais de cinqüenta mil dessas naves já estão sendo pilotadas por criaturas
humanóides. A cada hora que passa, mil robôs são substituídos por inteligências vivas.
Hoje de noite estará concluída a substituição total do comando de todas as naves de
guerra arcônidas.
“Há duas horas chegou um contingente de seis mil lagartos vindos do planeta
Topsid. É o terceiro transporte que chega nestas últimas dez horas.
“Ainda não concluímos a interpretação dos dados. Porém, desde já, posso dizer com
absoluta segurança que, nos setores em que os lagartos comandam as naves de guerra de
Árcon, as perdas materiais são mais reduzidas. De outro lado, os druufs estão sendo
rechaçados com uma violência nunca vista.
“Permita, Sir, que lhe forneça as notícias detalhadas...”
Rhodan interrompeu-o e agradeceu. Esta parte do relatório foi suficiente para
orientar sua ação.
Desligou. Crest acompanhara a palestra.
— Então — disse, dirigindo-se ao velho arcônida. — Não acha que as coisas estão
ruins? A base de Hades e Ellert, o mutante, terão que intervir. O computador-regente não
deve ter nenhuma pausa para respirar, pois do contrário, amanhã ou depois, teremos
naves arcônidas pousando na Terra...
— O que pretende fazer, Rhodan? — perguntou Crest, que desde o primeiro
encontro vinha tributando uma admiração muda a esse terrano.
— Nossa base no Universo dos druufs receberá ordens, por intermédio de uma
sonda, para recorrer a todas as possibilidades, especialmente à influência que Ellert pode
fazer valer perante os druufs, a fim de que eles continuem a realizar ataques maciços
contra as linhas de bloqueio de Árcon. Será que não devemos atirar uma isca aos druufs?
Poderíamos fazer chegar-lhes a informação de que, nos próximos dias, o inimigo
aparecerá com campos defensivos superpotentes, praticamente indestrutíveis? Crest,
quanto tempo será preciso para obter os dados numéricos necessários ao lançamento da
isca?
— Três horas, cinco no máximo, Rhodan, mas...
— Perdão, Crest. Neste momento não posso aceitar nenhum “mas” com o sentido
que o senhor atribui ao termo. Quer dizer que aguardo os dados por cinco horas. Mais
alguma coisa?
Crest respondeu que não e retirou-se.
— Até hoje de noite, o grande cérebro de Árcon colocará inteligências vivas no
comando da maior parte de suas naves de guerra, gorducho. Você precisa dar um jeito
para que amanhã possamos dispor dos primeiros aparelhos geradores de campos de
hiperinterferência, a fim de que as primeiras naves estejam prontas para partir em direção
ao planeta Topsid. Não lhe posso conceder prazo maior que este. É só.
Depois Rhodan ligou para Allan D. Mercant.
— Algo de novo sobre Topsid?
— Não senhor. Por enquanto nenhuma nave arcônida apareceu no setor de Orion ou
foi anunciada pelo grande computador. Mas meus dois agentes constataram por meio do
goniômetro que, nas últimas vinte e quatro horas, o computador-gigante entrou três vezes
em contato com os tópsidas. Não foi possível decifrar as mensagens.
— Como está a situação geral, Mercant?
O rosto do interlocutor de Rhodan não anunciava nada de agradável.
— Muito má, Sir. A cada hora que passa, o computador-regente fica mais forte. Nem
mesmo na época do apogeu, o Império foi comandado com tamanha energia como agora.
Nem os aras se atrevem a levantar a voz, quanto mais os saltadores e os superpesados. Os
druufs e seus ataques ininterruptos amalgamaram o Grande Império que se esfacelava.
Meus agentes, que não têm uma visão geral da situação, vêem-se diante de um enigma.
Os movimentos separatistas, as revoltas contra Árcon e outros acontecimentos
semelhantes já não ocorrem no grupo estelar M-13.
— Obrigado, Mercant.
Rhodan redigiu uma ordem que, dentro de duas horas, deveria chegar a Hades, um
planeta situado no Universo dos druufs. O tráfego de carga para Hades foi suspenso a
partir da destruição da base de Fera Cinzenta. O contato resumia-se às comunicações de
rádio. Acontece que Rhodan não gostava de utilizá-las, pois conhecia perfeitamente o
risco de uma localização goniométrica. Por isso, preferia transmitir as notícias através de
uma sonda, que, na pior das hipóteses, apenas poderia ser derrubada. Jamais alguém
poderia apoderar-se dela, porque o aparelho se autodestruiria, sem fornecer a menor
indicação sobre a ordem de que era portadora.
Quando o planeta Plutão chamou por outra tela, Rhodan estava transmitindo o texto
à estação de hiper-rádio.
— Um momento! — gritou Rhodan; virando-se de lado, concluiu o texto.
A seguir, deu ordem para que este fosse transmitido por intermédio de pelo menos
dez estações retransmissoras. Só depois respondeu ao chamado de Plutão.
As estações retransmissoras eram cruzadores de reconhecimento da classe Estado,
distribuídos a grandes distâncias pela Galáxia. Estas recebiam, muitas vezes em
ziguezague, as mensagens codificadas e condensadas, e as irradiavam no mesmo segundo
a outra nave, por uma freqüência diferente. Assim, as mensagens chegavam ao destino
com uma demora de cinco segundos. Nenhum serviço goniométrico inimigo conseguiria
saber o ponto de partida e de chegada da transmissão.
— Pode falar — disse Rhodan, olhando para a tela na qual se via o rosto do chefe
das instalações de Plutão.
— Queira desculpar, Sir...
— O que houve? — perguntou Rhodan em tom impaciente, dando a entender que a
interrupção vinha em má hora.
O rosto do chefe da guarnição tornou-se ainda mais frio. Pigarreou e, usando o tom
lamentoso que Rhodan não apreciava nem um pouco, disse:
— Sir, há alguns dias o Tenente Thomas Cardif vem tentando...
Rhodan sentiu um calafrio.
— Thomas Cardif — sua voz não traía a emoção que surgia em sua alma quando
interrompeu o major da base de Plutão. — O senhor não é o superior imediato do tenente,
major? Trate-o da mesma forma que trataria qualquer outro oficial!
— Sir — Perry Rhodan não pôde deixar de notar que o major recorria às últimas
reservas de coragem para expor seu problema. — O exame psiquiátrico do tenente levou
à conclusão de que, em virtude do ódio que ele tem contra o senhor, o rapaz só tem uma
responsabilidade restrita por seus atos. Por isso pediria licença para...
Perry Rhodan inclinou-se para a frente. Subitamente seus olhos cinzentos pareciam
expelir chispas. As rugas da testa aprofundaram-se, dando mostras da emoção que sentia.
Apenas a voz continuou inalterada, embora nela passasse a vibrar um tom gelado.
— Se o lugar do Tenente Thomas Cardif for um estabelecimento psiquiátrico, ele
não poderá continuar a ser um oficial da frota espacial do Império Solar. Caso não esteja
doente e só sofra de certos complexos de ódio artificiais, criados por ele mesmo, dê uma
ocupação ao jovem, major. O senhor tem filhos?
— Tenho; dois rapazes e uma moça.
— O.K. O que pretende fazer com ele, major?
— O rapaz costuma proferir palavras ofensivas à sua pessoa.
O major ainda não se atrevera a expor ao pai de Thomas Cardif os atos de que este
se fizera culpado.
— Isso não é novidade, major. Mas não estou satisfeito com o procedimento do
senhor, já que o fato de Thomas Cardif ser meu filho lhe tolhe a liberdade de
movimentos. O que quero é que aja livremente. Coloque-o diante de uma corte marcial.
Depois que tenha cumprido a pena que lhe venha ser imposta, dê-lhe um tratamento que
lhe faça perder a vontade de fazer discursos subversivos.
— Permite mais uma observação, Sir? — perguntou o major.
— Pois não!
— O Tenente Cardif possui a energia do senhor...
Mais uma vez Perry Rhodan interrompeu o major.
— Isso é um fato positivo que me deixa muito satisfeito. Procure conduzir essa
energia para canais adequados. Faço votos de que o senhor o consiga, pois isso seria um
grande benefício para Thomas Cardif... Bem, major, acho que os filhos vêm ao mundo
para dar aborrecimentos aos pais. Obrigado. Desligo.
A ligação entre Plutão, o planeta gelado, e a Terra deixou de existir. Mas os
pensamentos de Rhodan, que se encontrava em Terrânia, giraram por alguns minutos em
torno do filho, que só em Silico V, uma fortaleza planetária dos arcônidas, ficou sabendo
que era filho de Thora e Perry Rhodan. E, desde então, se recusara a renunciar ao nome
Cardif, sob o qual fora criado.
Rhodan estava com a alma revolta. Thomas, sempre Thomas, dizia seu pensamento.
Perry sabia que o filho não conseguiria romper a herança arcônida que a mãe lhe deixara.
Thomas Cardif, filho único de Perry Rhodan, odiava o pai.
Quando viu Bell entrar em seu gabinete, Rhodan sentiu-se aliviado. O gorducho
estacou ao ver o amigo tão abatido.
— Alguma novidade? — perguntou em tom mais cauteloso do que costumava usar.
— Bell, Thomas terá de enfrentar a corte marcial.
— Não diga! — a voz de Bell parecia um toque de atacar. — O que foi que você
fez? É claro que concordou, não é, Perry?
— Pois como administrador do Império Solar não poderia...
— Perry! — interrompeu Reginald Bell. — Você é um sujeito formidável, mas
como pai não é tanto. Meu pai me esquentava os fundilhos quando fazia alguma coisa
que não devia. Porém, mais tarde, se houvesse necessidade, teria ido até o presidente dos
Estados Unidos para interceder por mim. E o que é que você está fazendo? Deixe-me usar
esse aparelho.
Empurrou Perry para o lado. A tecla fez clique. A estação respondeu. Reginald Bell
pediu uma ligação com o major que servia nas instalações de Plutão.
A imagem não demorou a surgir na tela.
— Major — principiou Bell. — Estou chamando por causa de Thomas Cardif. Esse
jovem não pode ser colocado diante da corte marcial. Estou falando do mesmo lugar em
que o administrador falou com o senhor há pouco. Está sentado a meu lado. Quer dizer
que estamos entendidos, não estamos? Se deve dar uma lição a esse jovem? É claro que
sim; e que lição? Bem, o senhor entende disso melhor que eu. De qualquer maneira
estamos conversados, não estamos?
— Entendi perfeitamente, Mister Bell! — disse a voz vinda de Plutão, com um
suspiro de alívio.
— O.K. Desligo, major! — gritou Bell para dentro do microfone e desligou.
Bell não mais tocou no assunto Thomas Cardif. Afinal, não foi por isso que veio
falar com Rhodan.
— Amanhã de manhã será iniciada a produção em série dos novos aparelhos, Perry!
O trabalho dos especialistas progrediu bem. Agora está na vez de os homens práticos, os
técnicos mostrarem o que sabem fazer. Acho que, depois de muito tempo, esta noite será
a primeira em que conseguiremos dormir bem.
Enquanto proferia estas palavras examinava o polegar direito, que já sarara da
ferida. De qualquer maneira parecia não gostar, pois vivia sacudindo a cabeça.
Perry Rhodan preferiu não perguntar a Bell por que motivo ele vivia sacudindo a
cabeça. Não fazia nenhuma questão de voltar a ouvir as previsões sombrias do amigo.
— Bem — disse para desviar a atenção de Bell. — Acho que hoje conseguiremos
dormir...
5
***
Oito cruzadores ligeiros e duas naves da classe Terra saltaram sob a proteção dos
neutralizadores de vibrações e voltaram ao espaço normal, a uma distância pouco
superior a oitocentos anos-luz.
Assim que passou o choque da rematerialização e as dores na nuca cessaram, a
Sambo transmitiu o sinal para a primeira experiência a ser realizada com os novos
aparelhos, que deveriam gerar e manter estáveis campos de ionização de dimensões
astronômicas.
A distância entre a Burma e a Sambo era de 1,1 milhões de quilômetros. Sem o
auxílio dos instrumentos uma nave não seria capaz de ver a outra. Mas a Sambo adquiriu
existência no interior da sala de comando da Burma, onde Gallus e Pasgin observavam os
novos instrumentos acoplados ao receptor de hiper-rádio. Uma curva dupla de formato
estranho, que se modificava constantemente na lâmina do oscilógrafo, fez com que
Gallus exclamasse:
— Olhe a Sambo!
Joe Pasgin, que não entendia nada dessa técnica de comunicações, limitou-se a fazer
um gesto cortês de assentimento. Essas curvas lhe diziam muito pouco, e seu aspecto lhe
parecia estranho.
Mas Gallus dedicou-lhes uma atenção entusiástica.
Quando subitamente a lâmina oval negra, junto ao instrumento semelhante a um
oscilógrafo, emitiu uma luminosidade verde e, depois de algumas oscilações, passou a
brilhar numa intensidade constante, o técnico soltou algumas exclamações de
arrebatamento.
Ao que parecia, o operador de rádio da Burma fora instruído antes da decolagem
sobre as funções da lâmina oval, pois disse em tom de surpresa:
— Ora vejam! Aqui não se consegue nada com o hipercomunicador. Nunca teria
acreditado!
Naquele instante, Gallus era exclusivamente o pesquisador.
— Mantenha o raio direcional! Quero medir os reflexos.
Quase a contragosto Joe Pasgin começou a interessar-se pelas experiências de
Gallus. Afinal, a possibilidade de interromper todas as comunicações de rádio com o
mundo dos lagartos, a ponto de que este planeta só pudesse receber as mensagens
conduzidas através da zona de bloqueio pelas naves terranas, e novamente irradiadas
atrás dessa zona, dependeria apenas do resultado dessas experiências.
Enquanto a pequena formação mista da Frota Espacial Terrana se aproximava do
mundo dos lagartos, desenvolvendo metade da velocidade da luz, a bordo da Burma e da
Sambo, estavam sendo concluídas as últimas experiências.
O pequenino Gallus estava irreconhecível; parecia crescer para além de si mesmo.
Com um zelo quase furioso foi ampliando as séries de experiências. Passou a aplicar
padrões cada vez mais rigorosos.
Porém por mais que se esforçasse para romper os campos de ionização gerados do
hiperespaço, todas as tentativas realizadas para esse fim falharam. O que mais o espantou
foi a estabilidade dessas zonas de interferência, e o fato de que tais zonas se deslocavam
em sentido horizontal e vertical, sem que para isso se precisasse recorrer a um grande
dispêndio de energia.
— O maior efeito útil é alcançado numa distância de vinte e oito a trinta e quatro
vírgula cinco minutos-luz — explicou Gallus a Joe Pasgin, que o ouvia atentamente. —
Três cruzadores bastarão para interromper todas as comunicações de rádio com o grupo
estelar M-13 e as linhas de bloqueio. Caso surja um imprevisto, duas naves terão de ser
mantidas de prontidão para logo entrarem em ação.
E constatou em tom quase exultante:
— Mister Pasgin, o chefe ficará satisfeito com nosso trabalho.
Pasgin não tomou conhecimento da observação.
— Como faremos para transmitir as mensagens que os lagartos deverão receber? —
indagou.
— Os campos de ionização, que acabam de ser criados por nós, não deixarão passar
qualquer mensagem de hipercomunicação, seja qual for a sua potência de irradiação.
Afinal, uma das características desses campos de ionização consiste no fato de refletir
cem por cento das ondas. É bem verdade que essa característica envolve um perigo...
— Qual é esse perigo? — indagou Joe Pasgin.
— O perigo resultaria o ângulo incorreto da superfície do campo de reflexão em
relação ao ângulo de incidência. Neste caso, o mesmo seria facilmente refletido a plena
potência para o ponto de saída...
— Por todos os santos da Via Láctea! — exclamou Pasgin em tom de alarma. —
Nesse caso, a resposta que o computador-regente receberia a qualquer mensagem seria a
própria mensagem.
— Naturalmente! — disse Gallus em tom de espanto, pois não sabia explicar o
motivo do espanto do oficial.
— O chefe conhece essa possibilidade, Gallus?
— É claro que não conhece. Como poderia conhecer?
— Ora essa! Só mesmo um cientista que anda com a cabeça nas nuvens seria capaz
de criar uma coisa destas! — exclamou Pasgin. — O que acha que o computador fará se
em vez de uma resposta receber o texto da indagação que acaba de formular? Enviará
uma esquadrilha ao lugar em que foi refletida sua mensagem.
— Para onde? Para o hiperespaço? — perguntou Gallus com a maior ingenuidade.
Era um homem sem a menor malícia, cujo único interesse consistia na ciência.
Joe Pasgin procurou dominar-se. Sua voz exprimia o martírio que sentia porque esse
cientista não tinha o menor contato com a áspera realidade.
— Não — respondeu. — Mas as naves arcônidas aparecerão no lugar em que se
localiza a fonte das interferências no tráfego de hipercomunicações e golpearão
implacavelmente. Por isso o chefe terá de ser informado o quanto antes.
O interfone de bordo transmitiu uma mensagem da sala de comando, segundo a qual
a formação terrana alcançaria dentro de cinco minutos a posição que lhe fora designada.
O oficial despediu-se apressadamente de Gallus. Quando Pasgin entrou na sala de
comando, no interior desta desenvolvia-se uma atividade febril. Os dados e as notícias
chegavam ininterruptamente de todos os cantos da nave. Constituíam o prelúdio de uma
das manobras mais arrojadas de que lançara mão Perry Rhodan. Vários homens da sala de
comando da Burma já tinham participado de outras missões, motivo por que possuíam
uma intuição apurada, que lhes dizia se determinada operação era ou não perigosa.
A operação que estavam realizando não era apenas extremamente perigosa;
representava um atrevimento elevado à última potência. Nenhum dos presentes desejava
um confronto direto com o inimigo, mas o golpe audacioso pelo qual se adiantariam ao
computador-regente alegrava todos. Por isso aceitaram prazerosamente o risco ligado à
operação.
Essa operação recebera um nome já consagrado em casos dessa natureza: Comando
Suicida.
O nome dizia tudo, mas isso pouco importava à equipe de Perry Rhodan. Estavam
acostumados às horas de turbulência. Embora a operação em que estavam envolvidos não
fosse propriamente um piquenique, não viam nela aquilo que realmente era: uma
tentativa desesperada de Rhodan, isto é, desejava salvar o que pudesse ser salvo.
Joe Pasgin foi recebendo as mensagens das outras naves. Examinou os dados
relativos à posição e fez um sinal de confirmação em direção ao computador de bordo.
Para o oficial de computação, isso significava que as outras naves se encontravam na
posição prevista, e que ele poderia dar início a seu trabalho.
Ao contrário das outras naves da classe Estado, a Burma possuía um computador
positrônico de tipo especial, cujo forte era a hipermatemática arcônida, que permitia os
cálculos relativos ao hiperespaço.
Naquele momento estava ocupado numa operação extremamente complexa: o
cálculo do ângulo de incidência do raio direcional do hipertransmissor de Árcon III, que
o regente utilizava constantemente. Para cada segundo de operação tinha de ser
considerada muita coisa, além das centenas de movimentos que por vezes se
desenvolviam em sentido contrário.
O caráter problemático da operação também não resultava do fato de o sistema de
Topsid ficar a pouco mais de 33 mil anos-luz do mundo central de Árcon. O principal
fator de complicação consistia na necessidade de determinar o ângulo de incidência
dentro do hiperespaço, já que, em conformidade com a matemática arcônida, no
hiperespaço não havia nada que se assemelhasse ao caráter espaço-temporal normal, e
nele não podiam ser aplicados os conceitos que se identificassem com aqueles adotados
em nosso Universo.
Se não fosse a máquina positrônica, um homem de nosso sistema solar não se
atreveria a iniciar a execução da tarefa. Mas, no interior da Burma, tal missão não
infundia o menor receio. Puseram mãos à obra sem a menor hesitação ou
constrangimento. Quando a fita perfurada foi expelida pelo computador, Pasgin
perguntou:
— Não seria preferível recorrermos ao especialista, Ylers? Há pouco Gallus me
falou na possibilidade de um reflexo de cem por cento.
— Pelo amor de Deus, tragam o homem. Não quero assumir o risco sozinho! —
exclamou o oficial do computador em tom nervoso, sacudindo a cabeça, num gesto de
ceticismo.
Pasgin o observou, enquanto dava ordem para que Gallus fosse chamado à sala de
comando.
— Ylers, o senhor não acreditava nesses cem por cento? — perguntou em tom
curioso.
Ylers respondeu prontamente:
— Uma reflexão de cem por cento não existe! O processo de retorno das radiações
consome certa quantidade de energia.
— Mesmo no hiperespaço? — perguntou Pasgin.
— Ora! — respondeu Ylers. — Com essa o senhor me pegou. Ninguém poderá
responder sim ou não a essa pergunta.
— Pare aí, Ylers! Nosso especialista afirma que é assim. Pelo que diz, a retribuição
das radiações sem qualquer perda é uma das características do hiperespaço.
— Ele deve saber — confessou Ylers a contragosto.
Não conseguia livrar-se do ceticismo. Gallus entrou.
— Mister Gallus, queira conferir os resultados fornecidos pelo computador.
— Um instante, Mister Pasgin — disse Gallus. — Parece haver um mal-entendido.
Não estou em condições de conferir a interpretação fornecida pelo computador de bordo.
Nem mesmo um arcônida seria capaz disso. Tudo a respeito do hiperespaço não passa de
um cálculo de fatores estranhos que se processa no desconhecido. Mas nem mesmo um
arcônida sabe explicar por que o cálculo correto fornece um resultado que revela sua
exatidão também no terreno prático, como, por exemplo, numa transição.
— Quer dizer que posso transmitir minha mensagem à Terra para avisar que
concluímos nossos preparativos?
— Perfeitamente — disse o perito em ionização. — Não há nenhum inconveniente.
— Pois bem. Nesse caso, o Comando Suicida pode entrar em ação — disse Pasgin,
fazendo uma ligação de interfone com a sala de rádio. — Transmita o texto combinado ao
chefe, usando as estações retransmissoras. A mensagem será distorcida e condensada. O
código já é de seu conhecimento. Solicito confirmação. Câmbio.
A sala de rádio confirmou. No mesmo instante foi expedida a mensagem
previamente combinada.
A operação tinha sido iniciada!
6
***
Nas primeiras vinte e quatro horas parecia que a desesperada operação em grande
escala que Perry Rhodan lançara em Topsid realmente seria capaz de deter a marcha da
história através de uma falsificação que repararia as conseqüências da omissão que
acontecera há setenta anos.
Durante as primeiras vinte e quatro horas, tudo correu às mil maravilhas.
Até mesmo os robôs desembarcados das duas naves arcônidas, que tinham vindo ao
sistema para recrutar astronautas entre os lagartos, pareciam ter dominado sua
curiosidade em relação a isto, mesmo depois de mais trinta e nove desses robôs serem
destruídos.
Durante vinte e quatro horas, Gucky, o rato-castor, entregou-se ao deleite
indescritível de sentir-se mais forte que as modernas máquinas de guerra de Árcon. Sua
fantasia viva exibia-lhe continuamente o espetáculo da eliminação dos robôs por meio de
suas capacidades telecinéticas.
Durante vinte e quatro horas, os especialistas da Kublai Khan, com exceção
daqueles cuja presença a bordo era indispensável, registraram um êxito após o outro nas
ações desenvolvidas sob a direção dos mutantes.
Dos tópsidas que haviam participado ativamente e em posições de destaque da ação
no setor de Vega ainda viviam oito. Dois desses oito lagartos pertenciam à equipe de
radiogoniometria que na época captou o pedido de socorro da nave de exploração
arcônida que realizara um pouso de emergência na Lua.
Mal esses dois tópsidas foram interrogados pelos mutantes, uma gazela voou em
direção ao pólo sul do planeta. A estação de goniometria ali localizada foi ocupada numa
operação-surpresa e oito terranos disfarçados de arcônidas deixaram o arquivo e o banco
de dados de pernas para o ar.
A operação foi dirigida pelo próprio John Marshall.
— Repita a reprodução! — ordenou com a voz rouca, embora tivesse certeza
absoluta de ter ouvido bem.
Mais uma vez, o registro foi reproduzido. Uma fita que não media mais de três
milímetros de comprimento correu.
A tradutora automática acoplada ao aparelho pronunciou todas as palavras num
inglês impecável.
As palavras foram repetidas:
Mais uma vez Atlan, o almirante arcônida, admirou o terrano Perry Rhodan,
enquanto Bell não viu nada de extraordinário na atitude do administrador, pois se
estivesse no seu lugar teria agido da mesma forma.
— Vamos aguardar! — acabara de decidir Rhodan. — Aguardar e preparar-nos. É a
única coisa que podemos fazer no momento. Daqui a duas horas, Marshall e sua equipe
concluirão o trabalho na estação goniométrica polar. Fellmer Lloyd, que está trabalhando
em Kerh-Onf, também espera não levar mais de duas horas para destruir ou falsificar os
dados do arquivo. Você está rindo, almirante. Há alguma coisa que não lhe agrade?
Atlan nem se dera conta de que estava rindo.
— Ah, então eu ri? Será mesmo? Mas isso aconteceu apenas por causa da
ingenuidade infantil de vocês. Acreditam realmente que conseguirão enganar Árcon com
suas falsificações grosseiras? Ainda não sabem de que meios dispõe o Grande Império
para verificar a autenticidade dos documentos e bancos de dados? Vocês nunca deixarão
de ser uns...
Bell lançou um olhar para Atlan; em seu rosto surgiu um sorriso malicioso. O
arcônida calou-se. Não iria cometer o erro de subestimar o terrano. Às vezes, essa gente
tinha idéias formidáveis.
— Você ainda perderá a vontade de rir, gorducho! — gritou Atlan, já que Reginald
Bell não se dispôs a falar. — Será que já se esqueceu do dedo cortado?
Bell, o homem impulsivo, não abandonou a atitude reservada que impusera a si
mesmo.
Atlan constatou que Rhodan também não dizia mais nada.
— O que houve com vocês? — perguntou em tom de perplexidade.
— Tenho pena de você, almirante — respondeu Bell. — Apesar dos dez mil anos
que você passou com os terranos, continua a viver nas nuvens. Arcônida, seu Grande
Império não passa de um conjunto podre de raças e interesses, cuja coesão ainda é
mantida em virtude do perigo representado pelos druufs...
— Esses argumentos são de quitandeiro! — interrompeu Atlan em tom áspero. —
Não sei qual é a ligação entre seu sorriso não muito inteligente e...
— É verdade! Meu sorriso não foi nada inteligente — interrompeu Bell. — Por ele
apenas quis exprimir minha compaixão. Para você, Árcon é e sempre será um non plus
ultra. Segundo sua opinião bem fundamentada, nós, os terranos, evidentemente não
poderemos enganar o computador-regente. Nem que nos próximos dez anos-novos, eu
corte o dedo, estou disposto a apostar, Atlan, que enganaremos seu cérebro positrônico de
uma forma que ninguém jamais o enganou. Qualquer um pode mentir e tapear. Qualquer
pessoa que mente é tola, e quem tapeia também é. Acontece que nós, os terranos, não
queremos fazer nem uma coisa, nem outra. Apenas queremos impedir que as naves
arcônidas usem nossa linda Terra como alvo para seus exercícios de tiro. Por isso mesmo
neste mundo dos lagartos tudo continuará como antes, com uma pequenina diferença.
Todos os elementos, sejam eles quais forem, indicarão de forma precisa o lugar em que
fica a Terra que Árcon tanto quer encontrar. Ela fica do outro lado da Via Láctea, dois mil
anos-luz para dentro de um braço secundário da grande espiral. É lá que plantaremos a
boa Terra, e o computador-gigante ficará azul de tanto procurá-la.
O discurso de Bell foi interrompido pela sala de rádio.
Joe Pasgin, que se encontrava a bordo da Burma, estacionada próxima do
hipercampo de interferência, estava chamando.
— Sir, uma nave-correio acaba de trazer a notícia de que três grandes grupos de
naves dos mercadores galácticos tentam há algumas horas entrar em contato com Topsid.
Uma das naves cilíndricas chamou a estação arcônida G-98765-0 e pediu que
investigasse a causa das estranhas interferências.
— A estação G-98765-0 fica a trinta e oito anos-luz deste sistema, na direção do
Pequeno Cavaleiro.
— Há mais de vinte minutos G-98765-0 vem bloqueando nossos receptores situados
do lado de fora da zona de interferência, usando mais de cem hiperfreqüências. Por
enquanto não houve nada de grave. Acontece que a estação arcônida informou os
mercadores galácticos de que não havia a menor interferência, e por isso frotas de dois ou
três clãs resolveram dirigir-se ao planeta. Aproximam-se à velocidade de 0,8 luz; deverão
atingir a zona de interferência dentro de quarenta minutos aproximadamente.
— Quais são as ordens que o senhor tem para nós?
— Deixe-os passar, Pasgin. Providencie para que nenhuma das nossas naves seja
descoberta. Mais alguma novidade?
A palestra com a Burma havia chegado ao fim. Outra pessoa já aguardava o
momento em que Rhodan pudesse receber sua mensagem.
Era Kitai Ishibashi, o sugestionador, que se encontrava em Din-Kop, a segunda
cidade do planeta dos tópsidas. Ficava nas margens do lago Gun-Ki, que era o maior mar
mediterrâneo desse mundo. Era o maior centro industrial do sistema.
— Sir — disse a voz do japonês saída do alto-falante. — Acabamos de captar uma
mensagem. Três técnicos de rádio demonstram seu espanto por certos fenômenos de
interferência; além disso, chegam bem perto da verdade, pois falam numa interdição do
tráfego de rádio...
— É só isso, Ishibashi? — interrompeu Rhodan.
— Não senhor — Ishibashi respirou fortemente. — Não terminaremos dentro de
uma hora. Tama Yokida e sua equipe descobriram mais de trinta naves de guerra que
participaram dos combates no setor de Vega. Nenhuma dessas naves está em condições
de voar. Por outro lado, porém, elas não foram transformadas em sucata. São trinta e duas
naves com trinta e dois...
— Ras Tschubai ainda está aí, Ishibashi? — perguntou Rhodan.
Numa fração de segundo, Perry reconheceu o perigo representado pela existência
dessas naves. Seria impossível que o japonês “trabalhasse” todos os bancos de dados
com a pequena equipe de que dispunha, a fim de falsificar os dados astronômicos
relativos ao sistema de Vega.
— Sim senhor; Tschubai está aqui...
— Eu lhe mandarei Gucky, que deverá chegar dentro de cinco minutos. Tschubai e
Gucky deverão destruir os computadores de bordo das velhas naves. Você fica
encarregado de tomar todas as providências para que nenhuma das naves que
participaram da ação de setenta anos atrás escape à sua equipe. Sabe perfeitamente quanta
coisa depende disso...
— O senhor pode confiar em nós.
— Mantenha-se em recepção. Estou chamando o rato-castor.
Esta criatura era o único membro do Exército de Mutantes que tomava a liberdade
de transportar-se ao camarote de Rhodan por meio de um salto de teleportação.
— Chefe — piou Gucky em tom animado e empertigou o corpo no uniforme vistoso
e colorido que, agora, já lhe assentava muito bem. — Sei o que fazer. O senhor me dá
carta branca?
Não havia nada que Gucky fizesse com tanto prazer como brincar. Pelo que se dizia,
havia gente que via em suas brincadeiras apenas uma fúria destrutiva. Mas havia muito
mais gente que num aperto desejava um Gucky brincalhão que, como telepata,
teleportador e telecineta era o “homem” que possuía maior volume de parafaculdades.
Além disso, possuía um bom coração. Ninguém poderia desejar um parceiro melhor que
o rato-castor.
— Ah, é? — perguntou Rhodan. — Então você quer carta branca? Olhe que você
desobedeceu mais uma vez as minhas ordens expressas, pois acaba de ler meus
pensamentos, Tenente Guck.
Sempre que o Y era omitido em seu nome, a barra estava pesada. Mas ao que tudo
indicava, hoje o Tenente Guck não parecia importar-se muito com isso. Ria
descontraidamente com seu único dente roedor.
— Chefe, a sola dos nossos pés está ardendo. Preciso sair! Está gostando das minhas
botas? E você, gorducho? Têm aquecimento elétrico. Quer dizer que não terei pés frios.
Bem, então tenho carta branca. Até logo mais.
Mais uma vez, o ar tremeluziu. No mesmo instante em que Gucky, o rato-castor,
desaparecia do camarote de Perry Rhodan, materializava-se a 12 mil quilômetros de
distância, ao lado do sugestionador japonês Kitai Ishibashi. Piou para o homem alto e
magro:
— Pode desligar, Kitai! Onde poderei encontrar... Já estou captando seus
pensamentos. Vou...
O último sinal da presença de Gucky foi um ligeiro tremeluzir do ar, que logo se
desfez numa tênue nuvem de fumaça.
Reginald Bell levantou-se.
— Que acha da notícia alarmante vinda do espaço? Três couraçados arcônidas
dirigem-se ao sistema de Topsid. Nossos homens não costumam enxergar fantasmas...
Esta notícia, recebida há pouco mais de uma hora, fora transmitida por um dos dois
cruzadores pesados. Trinta minutos depois veio a retificação, proferida em tom
embaraçado, segundo a qual aquilo que se acreditava serem naves arcônidas deviam ser
asteróides com um elevado teor de ferro.
Mas ainda não se havia obtido um esclarecimento cem por cento seguro sobre o que
realmente teria sido localizado.
— Nossos homens estão sobrecarregados de trabalho — disse Rhodan a título de
explicação. — Arcônida, você ainda receia que o computador possa descobrir que
manipulamos os dados relativos a Vega?
— Sim. A notícia desagradável que acabamos de receber de Kitai Ishibashi não
prova como é fácil negligenciar alguma coisa no curso de uma ação violenta? Continuo a
acreditar que um dia a frota de Árcon aparecerá sobre a Terra.
— Almirante, uma pessoa que não está disposta a arriscar alguma coisa jamais
alcança nenhuma vantagem. Desejo até que o computador chegue à conclusão de que
tentamos falsificar alguns dados, mas também quero que acredite que nos esquecemos de
algo importante. Se conseguirmos isso, a operação desesperada que estamos realizando
em Topsid terá sido bem sucedida. Nesse caso, o regente não terá outra alternativa senão
procurar a Terra em algum lugar na extremidade oposta da Via Láctea. Quanto aos
tópsidas que ocuparam funções de destaque durante a batalha no sistema de Vega,
tomamos as providências necessárias para que a memória desses fatos fosse apagada em
seu cérebro. Os poucos lagartos, que estão nestas condições, não guardarão a menor
lembrança do setor de Vega; apenas se lembrarão de urna luta travada com Rhodan há
setenta anos, nos confins da Galáxia.
O alto-falante do sistema de intercomunicação de bordo transmitiu o seguinte aviso:
— Sir, nossa frota informa que houve localizações por meio dos medidores de
abalos estruturais. Uma frota arcônida aproxima-se do sistema de sóis gêmeos. A chegada
está prevista para daqui a trinta e cinco ou quarenta minutos. O grupo é formado por mil
ou mil e quinhentas naves de guerra de todas as classes.
— Ai, meu dedo! — observou Bell e fitou o alto-falante como se fosse uma criatura
inimiga.
Atlan quis dizer alguma coisa, mas não teve tempo. Sem demonstrar a menor
comoção, Perry Rhodan falou para dentro do microfone:
— Alarma para todos! Alarma para todos! Retirar nossas naves. Evitar o combate.
Chame Pasgin e peça informações precisas.
Face à atividade febril provocada pelo alarma, a ligação com a sala de rádio da
Kublai Khan foi mantida por mais alguns segundos. Os três homens do camarote ouviram
o que foi falado no grande recinto.
— Santo Deus, a Via Láctea está conflagrada...! Alô Burma, alô Burma, entre
imediatamente em recepção... Alguns milhares de mensagens de hiper-rádio estão
cortando o espaço!
— ...Veja só! Os tópsidas já devem ter percebido alguma coisa! São mais de mil
naves arcônidas! Nunca vi tamanha salada de mensagens de rádio...
Finalmente a ligação com a sala de rádio foi interrompida. As palavras, que os três
homens haviam ouvido, deixaram-nos preocupados, mas ninguém disse nada. Saíram em
silêncio.
Quando entraram na enorme sala de comando da Kublai Khan, os preparativos para
a decolagem já haviam sido feitos. Perry Rhodan podia confiar, em qualquer situação, nos
homens da frota. O trovejar, os zumbidos e os rugidos dos gigantescos mecanismos
encheram a nave de mil e quinhentos metros de diâmetro.
John Marshall, que ainda se encontrava, juntamente com sua equipe, na estação
goniométrica polar, transmitiu uma mensagem concisa:
— Precisamos de mais dez minutos, chefe! Pedimos seu consentimento.
— De acordo, Marshall, desde que esteja aqui cinco minutos depois de concluído o
trabalho. Desligo.
Atlan esteve a ponto de lançar um protesto exaltado contra a decisão de Rhodan,
mas sentiu a mão de Bell pousada em seu braço. O homem ruivo lançou-lhe um olhar
enérgico, e o arcônida preferiu engolir o protesto. Mas não conseguiu reprimir estas
palavras:
— Esta leviandade dos terranos é o diabo!
Joe Pasgin chamou da Burma.
— Sir, somos a última nave que mantém sua posição mediante um forte dispositivo
protetor contra a localização. A força de Árcon é composta por duas mil unidades.
Procuram bloquear todo o sistema de Topsid. Até agora constatamos a presença de cento
e trinta supercouraçados. O número dos cruzadores pesados deve chegar a quinhentos ou
seiscentos. Só no verde sessenta e sete e oitenta e cinco resta um corredor de saída, mas
esta... Temos de entrar em transição, Sir. Há um ataque maciço vindo de...
Depois de um forte estrondo, as hiper-comunicações entre a Burma e a Kublai Khan
cessaram.
Em compensação, o couraçado captou um pedido de socorro vindo de Kerh-Onf. O
grupo de vinte homens, que trabalhava no arquivo, estava sendo impedido de deixar o
edifício.
Kitai Ishibashi chamou de Din-Kop, uma cidade situada a doze mil quilômetros de
distância.
— Iniciaremos vôo de regresso. Os teleportadores Ras Tschubai e Gucky são os
únicos que não estão aqui. Irão depois.
O Tenente Gilbert, que estava de serviço no setor de rastreamento, anunciou:
— Um grupo de couraçados tópsidas aproxima-se do amarelo quarenta e três. São
dezoito naves...
Rhodan ordenou imediatamente:
— Sala de comando de artilharia. Faça alguns disparos de advertência para obrigar
os tópsidas a mudar de rumo. Repito: disparos de advertência.
Bell, que ocupava o assento do co-piloto, ligou para a estação do transmissor de
matéria.
— TFM está preparado para entrar em ação?
— Sim senhor.
— Pois fique atento. Daqui a pouco terão muito trabalho.
Atlan sentiu-se como um espectador.
— Estes bárbaros... — disse várias vezes a si mesmo. — Estes terranos... — não
podia deixar de admirá-los.
Uma frota arcônida composta de duas mil unidades aproximava-se velozmente,
vinda do espaço, e estes homens, que há alguns segundos estelares ainda viviam na Idade
da Pedra, faziam de conta que poderiam enfrentar tamanha superioridade de forças ou ao
menos enganá-la.
— Seu dedo não está doendo, gorducho? — Atlan não pôde deixar de formular esta
pergunta.
Uma salva de advertência dos canhões térmicos da Kublai Khan interpôs-se no
caminho da frota tópsida que se aproximava. Em sua trilha, a atmosfera do planeta entrou
em ebulição.
O supercouraçado apenas levou uma leve sacudidela. Depois de uma breve pausa
disparou a segunda salva.
As naves dos tópsidas já apareciam sob a forma de pontinhos reluzentes na grande
tela de visão global da Kublai Khan. Continuavam a demonstrar a mesma falta de
manobrabilidade e de aceleração que já haviam dado mostras no setor de Vega.
— Sir, todas as posições de defesa dos tópsidas estão de prontidão — anunciou o
posto de rastreamento energético. — Dei ordem para que as gazelas se mantenham
sempre a menos de trezentos metros de altitude.
O ar começou a tremeluzir entre Bell e Atlan. Dois teleportadores surgiram ao
mesmo tempo. Eram Gucky e Ras Tschubai.
— Perry — disse o rato-castor — os computadores positrônicos dos velhos
calhambeques espaciais foram transformados em sucata. Tem mais algum serviço para
nós?
Bell dirigiu-se ao rato-castor.
— Entrem em ação em Kerh-Onf, no arquivo histórico. Dêem apoio ao grupo que se
encontra lá. Os lagartos estão atacando com armas térmicas e de impulsos. Dentro de dez
minutos, o mais tardar, vocês deverão estar aqui juntamente com todo o grupo. Depois
daremos o fora...
— Ótimo, gorducho.
Mal Gucky acabou de proferir estas palavras, segurou a mão do africano e
desapareceu.
Os hangares da Kublai Khan transmitiam seguidamente várias notícias. As diversas
equipes estavam regressando com as gazelas. Faltavam apenas três grupos: o de John
Marshall, o de Kitai Ishibashi e o que fora destacado para trabalhar no arquivo histórico.
— Daqui a quinze minutos, a frota arcônida aparecerá nos céus do planeta! —
advertiu Atlan.
— Quando isso acontecer, não estaremos mais aqui — respondeu Bell, mas sua voz
parecia menos segura e confiante do que costumava ser.
A sala de rádio transmitiu outra notícia:
— Sir, a movimentação da frota foi providenciada pela estação G-98765-0. Neste
momento, o computador-regente de Árcon está falando com o presidente de Topsid.
Infelizmente ainda não consegui decifrar a mensagem...
O oficial de artilharia Crafford utilizou a linha de emergência e falou em meio à
mensagem:
— Chefe, preciso de autorização para abrir fogo! A gazela de Ishibashi poderá ser
destruída a qualquer momento. Não conseguirá passar...
— ...mas não quero nenhum impacto direto! — decidiu Rhodan e lançou um olhar
rápido para o relógio.
O tempo corria vertiginosamente. A cada segundo que passava, a proximidade da
frota de Árcon tornava-se mais ameaçadora.
Onde estava John Marshall e sua gazela? Por que não anunciava sua decolagem da
estação polar?
Subitamente, as posições de artilharia estacionaria dos tópsidas, localizadas em
torno do espaçoporto, dispararam contra um alvo que não aparecia nas telas de visão
global da Kublai Khan.
Outra mensagem foi transmitida pela linha de emergência da sala de comando da
artilharia:
— Chefe, estão abrindo fogo.
No mesmo instante, os gigantescos canhões de impulsos começaram a trovejar.
Alvejavam as posições de artilharia dos tópsidas.
Um traço reluzente, vindo do alto, atravessou a tela. Seria uma espaçonave
derrubada?
A sala de rádio transmitiu uma notícia:
— Marshall anuncia que seu pouso no hangar é iminente, Sir!
Então era a gazela de Marshall que descia em velocidade tresloucada das camadas
mais tênues da atmosfera e, desenvolvendo o máximo de aceleração, procurava colocar-
se sob a proteção da Kublai Khan.
— A frota dos tópsidas está mudando de rumo, Sir...
Rhodan lançou um olhar para o grande cronômetro.
Dentro de onze minutos, no máximo, as primeiras naves arcônidas apareceriam nos
céus de Topsid.
Um objeto em forma de disco aproximou-se velozmente da Kublai Khan.
O hangar 18 anunciou:
— John Marshall e sua equipe acabam de regressar da estação polar!
Dali a três segundos veio outra mensagem:
— Kitai Ishibashi acaba de pousar com a equipe de Din-Kop!
Rhodan limitou-se a olhar para Bell. Este compreendeu. Também não sabia por que
Gucky e Ras Tschubai ainda não haviam voltado.
— Sala de rádio... — a voz de Rhodan parecia um tanto rouca. — Procure entrar em
contato com o arquivo histórico de Kerh-Onf. Apressem-se.
Nesse instante, o rato-castor piou às costas de Rhodan:
— Não há nenhuma pressa, Perry. Daqui a trinta segundos poderemos dar o fora.
Rhodan virou-se abruptamente na sua poltrona.
— Tenente Guck, poderia fazer o favor de dar uma informação em termos
razoáveis?
Seus olhos cinzentos fitavam o rato-castor com uma expressão enérgica.
No mesmo instante, o dente roedor de Gucky desapareceu. O rato-castor esforçou-se
para ficar em posição de sentido. A pata direita foi levada apressadamente ao quepe
arcônida.
— O Tenente Guck, membro do Exército de Mutantes, acaba de regressar de sua
missão. Demos uma boa sova nos tópsidas. Livramos o grupo-tarefa da fria em que se
encontrava. Foi uma brincadeira bonita...
Para Perry Rhodan já bastava. Fez um gesto de contrariedade.
Atlan, que há 10 mil anos já exercia as funções de almirante arcônida, e que voara
num sem-número de missões, já não suportava a indiferença ostensiva dos terranos.
— Não se esqueçam — observou em tom mordaz — de que, dentro de dez minutos,
duas mil naves de guerra estarão acima de nossas cabeças!
Perry Rhodan respondeu com a maior tranqüilidade.
— Acontece que não decolaremos antes que o último homem esteja a bordo. Há dez
mil anos não se costumava agir assim na frota arcônida?
— O que acontecerá se durante a decolagem os tópsidas utilizarem o novo
rastreador e eliminarem nossos campos energéticos? — objetou Atlan.
— Não poderão fazer isso — piou Gucky. — Os lagartos tinham um único aparelho,
e eu lhes tirei o mesmo, quando tentavam levá-lo a outro lugar. Aposto que eles poderão
procurá-lo em qualquer lugar, menos nos depósitos da On-Tharu. Afinal, sou um
telecineta muito competente e...
O hangar 18 voltou a chamar.
— O grupo do arquivo histórico acaba de chegar. A escotilha da comporta está
fechada.
Era o sinal de decolagem.
Os propulsores de impulsos situados na protuberância equatorial da gigantesca
Kublai Khan começaram a trabalhar a plena potência. Ao mesmo tempo, entraram em
funcionamento os neutralizadores de pressão, os campos antigravitacionais e alguns
milhões de relês e dispositivos positrônicos.
De um instante para outro, a Kublai Khan perdeu todo o peso, graças aos
dispositivos antigravitacionais. O supercouraçado da frota solar ergueu-se quase
imperceptivelmente do espaçoporto de Kerh-Onf. A potência do empuxo foi crescendo
cada vez mais. O indicador de aceleração subia aos saltos. O planeta Topsid parecia cair
num abismo. A gigantesca nave afastava-se velozmente.
Alguns segundos depois, verificaram-se os primeiros ataques das posições de
artilharia dos lagartos.
Quantidades enormes de energia descarregavam-se nos campos defensivos da nave
esférica. Cascatas de fogo e de energia eram lançadas para todos os lados e provocavam
um rugido no interior da nave. Sob a ação das ondas sonoras, o corpo do supercouraçado
começou a trepidar ligeiramente. Mas as forças controladas, que se desenvolviam no
interior da gigante solar, eram mais intensas e ruidosas que o inferno crepitante na parte
exterior dos campos defensivos.
— As naves tópsidas nos perseguem!
Foi a primeira de uma série de notícias alarmantes.
Rhodan chamou o setor da nave que distinguia a Kublai Khan de todos os veículos
espaciais de tipo arcônida que pertencessem à mesma classe.
— Caso a Kublai Khan for atacada, o transmissor de matéria tem permissão para
disparar.
Neste instante, o rato-castor disse em voz alta ao ouvido de Bell:
— Vou ligar o aquecimento elétrico das minhas botas. Não quero ficar com os pés
frios...
Perry Rhodan não ouviu essa observação supérflua do rato-castor, ou então preferiu
fazer de conta que não a ouvira. Sua voz era áspera, mas controlada, quando disse:
— Colocar trajes espaciais!
Isso se aplicava a todos, inclusive a Bell, Atlan e ao rato-castor. Apenas não se
aplicava a Harno, a criatura esférica que se encontrava no bolso do uniforme de Rhodan.
A Kublai Khan atravessou as camadas mais elevadas da atmosfera. O uivo enervante
das superaquecidas massas de ar foi diminuindo. Em compensação vinha da sala de
máquinas o rugido cada vez mais forte dos mecanismos que trabalhavam a toda potência.
De um instante para outro, a imagem projetada na grande tela de visão global do
supercouraçado modificou-se.
O negrume do espaço parecia irromper na sala de comando.
Os dois sóis pareciam olhos ofuscantes, nitidamente desenhados. Topsid, o mundo
central do povo de lagartos, desaparecera na escuridão do Universo.
— Localização!
As naves de Árcon deveriam chegar dentro de oito minutos!
Os aparelhos de rastreamento da Kublai Khan estabeleceram contato com a frota
que se aproximava.
— Localização com o rastreador estrutural.
Isso significava que as naves continuavam a emergir do hiperespaço, a fim de barrar
o caminho do misterioso veículo espacial que enganara os tópsidas.
— O que diz o controle das mensagens de rádio?
Rhodan estava interessado em saber se as naves arcônidas que se aproximavam e os
tópsidas ainda não sabiam quem fora o autor do blefe.
Os homens da sala de rádio da Kublai Khan eram verdadeiros feiticeiros. Em apenas
cinco frases, o Tenente Jouffre forneceu ao administrador do Império Solar um relato
minucioso sobre esta interrogação.
Nas mensagens até então captadas, não foi mencionado uma única vez sequer o
nome de Perry Rhodan ou o do planeta Terra. O regente de Árcon acreditava tratar-se de
um povo colonial que se revoltara e, agora, queria tirar proveito de certos conhecimentos
que os tópsidas não vinham utilizando. Mas não foi por isso que o Grande Coordenador
resolveu enviar uma gigantesca frota; foi porque alguém usou indevidamente sua faixa de
hiperfreqüência.
Face a isso, Árcon não podia deixar de impor ao transgressor um castigo exemplar.
E o computador desalmado de Árcon III já demonstrara por mais de uma vez com que
disposição sabia golpear.
— Senhor administrador — não era costume usar tal tratamento para com Perry
Rhodan. Na situação em que se encontravam, este fazia prever uma notícia alarmante. —
Mais de vinte supercouraçados aproximam-se do verde cento e cinqüenta e seis graus.
As torres de canhões das regiões polares da Kublai Khan começaram a disparar. Na
tela de visão global surgiram raios verdes, vermelho-pálidos e vermelho-escuros que
cortavam o negrume do espaço.
A Kublai Khan disparava todos os tipos de radiações.
Um sol surgiu no céu. Um dos supercouraçados de Árcon foi atingido pelo fogo
concentrado e desmanchou-se numa fogueira atômica.
Naquele instante, as energias desencadeadas começaram a rugir em torno da nave
terrana. Na sala de comando, as sereias uivaram. Devido ao tamanho da nave, a
capacidade dos campos defensivos tinha proporções astronômicas. De qualquer maneira,
porém, era limitada, e agora que o campo estava sendo atingido simultaneamente por
mais de dez disparos de radiações, ameaçava entrar em colapso.
— Cadê o transmissor de matéria? — gritou Bell para dentro do microfone,
dirigindo-se à estação do TFM.
A resposta não veio em forma de palavras. O fim abrupto do ruído das sereias
respondia a tudo. O campo energético defensivo voltou a estabilizar-se. O ataque de uma
frota de supercouraçados cessou de um instante para outro.
— Metade das naves sumiu! — gritou um dos oficiais do posto de localização.
Rhodan e Bell fizeram um gesto afirmativo. O transmissor de matéria representava a
única chance de romper a frente extensa e profunda de naves arcônidas.
— Se estas naves tiverem uma tripulação de robôs, poderemos de qualquer maneira
fazer nosso testamento... — cochichou Bell ao ouvido de Perry Rhodan.
O velocímetro da Kublai Khan aproximou-se da marca que indicava metade da
velocidade da luz. Não demoraria muito até que pudessem entrar em transição.
Os postos de artilharia de números 35 a 62 começaram a disparar. No interior da
nave, os conversores uivaram e os geradores rugiram. Os campos defensivos foram
banhados por um mar de fogo. Até mesmo os impactos nesses campos pareciam fazer
balançar a Kublai Khan. Evidentemente isso não passava de uma tolice. De qualquer
maneira, Atlan observava atento o indicador de capacidade do campo. Noventa e sete por
cento...!
— Santo Deus...!
Era mais uma expressão de surpresa infinita, vinda do posto de observação.
Os instrumentos mostravam que algumas das naves inimigas se haviam dissolvido
literalmente no nada.
O transmissor de matéria, a arma mais terrível, voltara a golpear.
Essa arma não fora criada por homens. Provinha de Peregrino, um planeta artificial
no qual vivia Ele ou Aquilo. Além da Kublai Khan, o transmissor de matéria só era
encontrado a bordo da Drusus, nave capitania de Perry Rhodan.
Oitenta e sete por cento da velocidade de transição!
— Conseguiremos! — disse Bell a meia voz. Gucky estava de pé a seu lado. O rato-
castor fitava Bell com uma expressão indagadora. Já não sorria com o dente roedor, mas
também não demonstrava medo.
A frota arcônida lançou um ataque concentrado. O posto de observação já não
conseguia anunciar os grupos que se aproximavam.
Não parecia o fim; realmente era o fim.
Mais de duas mil naves, vindas de todas as direções, aproximaram-se velozmente da
rota da Kublai Khan.
Na sala de comando do supercouraçado terrano, soaram alguns gritos. De repente
surgiram trezentos, quatrocentos, quinhentos raios destruidores e eliminaram os campos
defensivos da Kublai Khan. Assim mesmo a nave de Perry Rhodan não desapareceu.
Porém estava girando em torno de seu próprio eixo!
Sofrerá mais de duas dezenas de impactos.
O posto do TFM não respondia. O posto de artilharia da região polar superior
deixara de existir. Os canhões de impulsos, situados no verde, deviam ter desaparecido.
Os postos de desintegradores anunciaram uma perda de vinte por cento.
No interior da nave, as sereias de alarma uivaram, anunciando uma situação
catastrófica. Os robôs tentavam reparar os gigantescos vazamentos provocados pelos
raios energéticos.
— A potência dos neutralizadores de pressão está diminuindo...
Era apenas uma entre cem notícias catastróficas vindas de todos os cantos da nave.
Até mesmo Perry Rhodan empalideceu... A velocidade fora reduzida para 0,48 luz!
— Perdas... Mortos... Feridos... Outra notícia:
— Sir, a terça parte da protuberância equatorial foi destruída...
A Kublai Khan sofreu novos impactos.
Oitenta por cento da sala de máquinas fora destruída por um raio de impulso de
trinta metros de diâmetro.
A Kublai Khan era apenas um corpo mutilado.
— Abandonar a nave!
Perry Rhodan repetiu a ordem.
Será que alguém conseguiria sair da nave? Será que o próximo impacto não
transformaria a Kublai Khan numa nuvem de gases?
— Abandonar nave! Usar girinos! Abandonar nave! Usar girinos...
Perry Rhodan parecia uma máquina, um robô que só soubesse proferir estas
palavras:
— Abandonar nave! Usar girinos!
A grande tela de visão global apagou-se no momento em que oito raios gigantescos
fizeram com que a parte inferior da Kublai Khan se volatilizasse numa fração de
segundos.
O supercouraçado girava que nem um pião. A cada segundo que passava, os efeitos
da força centrífuga se tornavam mais intensos. Dali se concluía que os neutralizadores de
pressão já não funcionavam.
Bell continuava sentado ao lado de Perry Rhodan. Gucky estava de pé ao lado de
Bell, enquanto na última poltrona estava sentado Atlan, que há 10 mil anos ocupara o
posto de almirante.
Eram as últimas pessoas que se encontravam na sala de comando.
Só podiam comunicar-se pelos rádios de capacete. E foi pelos rádios de capacete
que ouviram uma das últimas notícias calamitosas:
— Sir, só resta um girino em condições de ser usado. Não conseguimos tirar os
outros dos hangares. É impossível abrir as comportas.
Bell gemeu sob o capacete.
Os girinos eram naves de sessenta metros de diâmetro. A Kublai Khan tinha uma
tripulação de 2 mil homens. Nem a metade desse número poderia ser abrigada no único
girino que estava em condições de ser usado.
Subitamente Atlan, Bell e o rato-castor estremeceram. Rhodan gritou para dentro do
microfone de seu rádio de capacete:
— Todos encontraremos lugar no... Rhodan foi interrompido por alguns gritos
estridentes.
Vinham de algum lugar no interior do já semidestruído supercouraçado, em cuja
construção a Terra gastara anos e anos. Depois de algum tempo, os gritos se tornaram
compreensíveis.
A Kublai Khan estava ardendo.
Não se tratava de um fogo comum. Uma série de ocorrências infelizes devia ter
deflagrado um incêndio atômico no setor de armazenamento de energia da nave.
— Fora! — gritou Rhodan para Gucky e os dois amigos. — Não digam nada.
Deixem a faixa desocupada...
Os elevadores antigravitacionais não estavam funcionando. Tiveram de fazer um
tremendo esforço para descer de um convés a outro, utilizando as passagens de
emergência. Rhodan transmitia ininterruptamente suas instruções pelo rádio de capacete.
— Não se preocupem com o incêndio. Acho que é nossa última chance. Se não fosse
o fogo, já teríamos sido transformados numa nuvem de gases. Deitem no girino que nem
sardinhas em lata. Formem uma camada acima da outra e ponham o campo
antigravitacional a funcionar suavemente, a fim de que os que ficarem embaixo não
sejam esmagados. Tenham cuidado com os feridos!
Gucky poderia teleportar-se. Era uma criatura que não apreciava os movimentos
normais, mas agora resolveu permanecer ao lado dos amigos. Nem pensou em adotar
outro procedimento. Rhodan, Bell e Atlan acharam apenas natural que Gucky
permanecesse a seu lado.
A luz apagou-se. Sentiram-se envoltos numa escuridão ameaçadora. Encontravam-
se a oitocentos metros do hangar, no interior do qual quase dois mil homens procuravam
enfiar-se num girino que media sessenta metros de diâmetro.
Só agora compreenderem que a Kublai Khan ainda servia de alvo ao fogo do
inimigo. Um impacto após o outro atingiu o supercouraçado, que balançava que nem um
navio desarvorado com mar grosso. Além disso, girava em torno de seu eixo. Em quase
todos os pontos, o grosso revestimento desprendia-se da nave.
— Não conseguiremos... — fungou Bell de repente.
Colocou-se ao lado de Rhodan e apontou para baixo.
Encontravam-se junto a um poço de elevador. Três homens e um rato-castor
lançaram os olhos para as profundidades. Lá embaixo rugia o inferno atômico, que
prosseguia implacavelmente na sua faina destruidora.
— Vamos andando! Acho que é só por isso que ainda estamos vivos. Provavelmente
os arcônidas pensam que a nave foi transformada num mar de chamas.
— Quando você estiver morto, bárbaro — começou Atlan — alguém terá de matar
seu otimismo, senão ele continuará a viver. Naquele instante, Gucky parecia adquirir
vida.
— Os últimos homens estão entrando no girino, Perry. Vou teleportar-me com Atlan.
Depois voltarei para levar o gorducho e, por fim, você. O.K., chefe?
Com estas palavras, Gucky deu a entender que, durante todo o tempo, estivera em
contato com um telepata, que se encontrava ao lado do girino. Antes que Atlan tivesse
tempo para esboçar um protesto, Gucky agarrou-se nele e “saltou”.
Dali a três minutos, Rhodan já se achava no assento do piloto do girino. Viu na tela
à sua frente a escotilha bem aberta da comporta do hangar, que fornecia um recorte do
preto aveludado do espaço e dos pontos luminosos nitidamente desenhados. Pela primeira
vez teve a impressão de que estes o fitavam com uma expressão de ódio.
No momento em que um impacto esfacelava ainda mais a Kublai Khan, Rhodan fez
o girino sair ruidosamente do hangar, acelerando ao máximo. Naquele instante, só
desejava uma coisa: que os postos de observação das naves arcônidas o identificassem
como sendo um pedaço da nave destroçada, e não como um veículo espacial que se
afastava.
Os propulsores, situados na pequena protuberância equatorial, uivavam, dando o
máximo de si. Porém Rhodan teve a impressão de que a nave auxiliar se arrastava
preguiçosamente.
De súbito surgiram quatro raios, que dividiram o negrume do espaço em
compartimentos distintos e passaram a alguns milhares de quilômetros do girino.
Atingiram os destroços da Kublai Khan, que se transformou numa bola de fogo
alaranjada, passando a emitir um brilho cada vez mais intenso.
— Você estava com a razão, bárbaro — disse o arcônida, sacudindo a cabeça sob o
capacete. — Meus patrícios só não nos deram o tiro de misericórdia porque a Kublai
Khan parecia um inferno. Caramba, Perry! Onde é que você arranja a sabedoria e o
otimismo numa situação infernal como esta?
Rhodan teve tempo para dar uma resposta bem pensada:
— Um ser humano só desiste depois de morto...
E a morte voltara a rondá-los...
Uma espaçonave arcônida localizou o girino e disparou todas as peças de seu
costado.
Rhodan praguejou, coisa que não costumava fazer.
Desviou a nave da rota. Pouco importava a direção que tomava, pois o inimigo
estaria à espreita em qualquer lugar.
— Chefe! — exclamou John Marshall, que se encontrava junto ao rádio. — Acabo
de captar uma mensagem interessante. O computador-regente ordenou à sua frota que
capturasse a nave desconhecida e a levasse para Árcon, a fim de descobrir quem está
atrás desta operação.
Bell soltou uma risada amarga.
— Um a zero a nosso favor, regente! A ordem chegou tarde!
Atrás deles, o produto de dezesseis anos de trabalho duro dos terranos desmanchou-
se numa cascata de fogo.
Com isso queimou-se o único sinal que poderia revelar ao regente quem se atrevera
a utilizar sua faixa de hiperfreqüência para pescar em águas turvas.
— Zero vírgula nove! — piou Gucky, que não tirava os olhos do velocímetro. —
Faltam...
Um terrível raio de desintegração passou à frente do girino, perdendo-se nas
profundezas do espaço.
— Chefe, parece que fomos localizados por dois cruzadores ligeiros, que seguem
em...
A suspeita de Marshall transformou-se em certeza.
Subitamente, a nave auxiliar foi atacada de ambos os lados. Perry Rhodan colocou a
chave do piloto positrônico na posição “desligado”. Passou à pilotagem manual.
Mais uma vez jogava tudo numa só cartada, como já fizera várias vezes, desde o
início da operação. Se não conseguisse escapar, seria o fim...
Os neutralizadores de pressão do girino uivaram, quando arrancou a nave de sua
rota. O girino descreveu uma curva fechada. O piloto positrônico foi ligado e pôs em
funcionamento o mecanismo de contagem regressiva para a transição.
A morte tentava agarrá-los com seus dedos de radiações. Abriu o campo defensivo
do girino e fê-lo desmoronar por alguns segundos!
Mas logo se seguiu a transição.
Com o neutralizador de vibrações ligado, pouco mais de 1.700 sobreviventes
transferiram-se para o hiperespaço, que representava a salvação.
***
A operação Topsid custara a vida de duzentos e quarenta e três homens da frota
solar. Em comparação com isso, a perda da Kublai Khan e do insubstituível transmissor
de matéria não representava nada.
O material sempre é substituível, os homens nunca!
E Atlan respondeu a esta observação.
— Se não nos tivéssemos esquecido tão depressa que o homem é mais importante
que a máquina, Árcon hoje dominaria o Universo. Nós mesmos fabricamos nosso destino
e não merecemos outra coisa: acabamos dominados pela máquina desalmada... Perry,
você tem certeza absoluta de que em Topsid seus homens não se esqueceram de nenhum
detalhe?
Lançou-lhe um olhar de expectativa; Rhodan retribuiu com um olhar sério.
— Sim, Almirante, tenho certeza absoluta de que em Topsid não existe mais
nenhuma indicação de que o computador possa deduzir o caminho à Terra. Daqui a pouco
continuaremos a conversar. Passarei à última transição, que nos levará ao sistema solar.
Pronto, Bell?
Bell se encontrava junto ao pequeno computador de bordo, no qual acabara de
introduzir os dados para a transição.
— Pronto, Perry... A luz verde já se acendeu!
Mais uma vez, a voz metálica do mecanismo de contagem regressiva começou a
desfiar os segundos, em direção ao zero.
Transição e rematerialização!
O choque e o lento despertar de um estado indescritível.
Ouviu-se uma praga.
Foi Bell quem soltou a praga.
Gucky levantou-se, perplexo. Atlan fitou o homem baixo e ruivo com uma
expressão de espanto. Rhodan examinou o amigo da cabeça aos pés. Todos tiveram uma
sensação desagradável, embora a pequena tela de visão global mostrasse o sol terrano.
Tinham todos os motivos para suspirar aliviados.
Mas ninguém o fez.
Atlan chegou mesmo a dizer:
— Isso ainda pode ficar muito divertido...
Foi o único que abriu a boca. Os outros contentaram-se em olhar o polegar direito
de Bell.
Ele o cortara de novo. E estava sangrando...
***
**
*