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COBRAMSEG 2010: ENGENHARIA GEOTÉCNICA PARA O DESENVOLVIMENTO, INOVAÇÃO E SUSTENTABILIDADE. © 2010 ABMS.

Análise Paramétrica da Contaminação no Entorno de um Aterro


Sanitário
Jacqueline Barbosa de Oliveira
IMASUL, Campo Grande/MS, Brasil, <jakokams@yahoo.com.br>

Paulo Gustavo Cavalcante Lins


UFBA, Salvador/BA, Brasil, <plins@ufba.br>

RESUMO: O presente artigo apresenta um modelo numérico para o padrão de fluxo e evolução da
pluma de contaminação no entorno de um aterro sanitário. O objetivo do trabalho é realizar um
estudo paramétrico da influência da dispersividade no processo de contaminação, além de verificar
a atenuação da contaminação com o auxílio das isotermas de Freundlich e Langmuir. Para
elaboração do modelo foi tomado como base um recorte da carta geológico-geotécnica do
município de Salvador, na região do entorno do aterro sanitário. Com os dados da carta geológico-
geotécnica e de um perfil geológico foram definidos elementos do modelo, como espessura das
camadas e condições de contorno. O modelo numérico foi construído com o programa
PMWIN/MODFLOW. Os valores de dispersividade adotados foram tomados levando em conta a
questão do efeito escala do problema. Os parâmetros das isotermas de Freundlich e Langmuir foram
adotados da literatura, para ensaios realizados em solo de uma geologia similar. As simulações
foram realizadas para períodos de 50 anos. As análises mostram que o tamanho da pluma de
contaminação aumenta com o aumento da dispersividade. Entretanto, quando se simula o processo
de atenuação o tamanho da pluma de contaminação fica consideravelmente menor. As simulações
mostram a aplicabilidade do programa PMWIN/MODFLOW na simulação da contaminação no
entorno de aterros sanitários.

PALAVRAS-CHAVE: Contaminação de solos, Aterro sanitário, Dispersividade, Atenuação,


Modelagem numérica, MODFLOW.

1 INTRODUÇÃO trabalho o MODFLOW/PMWIN foi utilizado


para representar o fluxo da água subterrânea.
O conhecimento de como se processa a Para simular o transporte de contaminantes foi
contaminação no entorno de um aterro sanitário utilizado o MT3DMS.
é de fundamental importância para seu projeto. A principal incerteza em relação aos
O aterro se constitui em uma fonte de várias parâmetros utilizados na simulação refere-se a
espécies químicas que irão infiltrar no solo do dispersividade longitudinal. Optou-se por uma
seu entorno gerando uma pluma de análise paramétrica da dispersividade adotando-
contaminação. se valores limites para este parâmetro.
As ferramentas numéricas permitem simular O artigo apresenta simulações para a pluma
a evolução da pluma e prever sua dimensão de contaminantes no entorno do Aterro
com o passar do tempo. Dentre as ferramentas Metropolitano Centro em Salvador, Bahia. Para
numéricas disponíveis para tais simulações a geração de um modelo numérico do problema
destaca-se o MODFLOW/PMWIN que permite tomou-se como base um mapa geológico-
um fácil uso em ambiente Windows do geotécnico da região do aterro elaborado para a
MODFLOW desenvolvido pelo USGS. O Prefeitura Municipal de Salvador (PMS, 2004).
sistema MODFLOW/PMWIN é descrito com
detalhes por Chiang (2005).
Para as simulações realizadas no presente 2 MECANISMOS DE TRANSPORTE

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coeficiente de dispersão hidrodinâmica DL tem


Dentre os processos físicos temos o transporte relevância em ambos os processos e é expresso
por advecção, difusão molecular e transporte por:
por mistura mecânica ou dispersão (TODD &
MAYS, 2005). DL = α L v + D * (4)
A advecção é o mecanismo de transporte
onde os contaminantes se movem com os
vetores de fluxo, no sentido das linhas de fluxo Onde, α L é a dispersividade dinâmica
e guardam uma relação direta com a velocidade longitudinal, uma propriedade característica em
de percolação no solo. Os solutos fluem com a meios porosos; v é a velocidade linear média
água subterrânea cuja movimentação é expressa da água subterrânea; e D* é a difusão molecular
pela Lei de Darcy. (coeficiente de difusão efetiva ou coeficiente de
A difusão pode ser definida como sendo a difusão aparente).
migração das espécies químicas de uma zona Dispersão hidrodinâmica é o mecanismo
com concentração mais elevada para uma zona responsável pelo espalhamento dos
com concentração mais baixa, independendo da contaminantes (diluição) que ocorre durante o
velocidade do fluido e visando equalizar a transporte em meio poroso, sendo função da
concentração em toda a massa de fluído. A 1ª variação da velocidade de percolação. O
Lei de Fick descreve a difusão do soluto para processo de dispersão é a soma da dispersão
condições de fluxo permanente: mecânica e da difusão molecular efetiva.

dC
F = −D (1) 3 MODELO GEOLÓGICO-
dx
GEOTÉCNICO
Onde F é o fluxo de massa do soluto por
unidade de área por unidade de tempo (M/L²/T); O modelo geológico-geotécnico foi construído
D é o coeficiente de difusão (M/L³); e dC/dx é o a partir da carta geológico-geotécnica do
gradiente de concentração (M/L³/L). município de Salvador elaborada para a
Aplica-se a 2ª Lei de Fick para descrever a Prefeitura Municipal de Salvador (PMS, 2004),
variação da concentração com o tempo dentro definindo a espessura das camadas, topografia,
do fluxo no processo de difusão: etc.
A Figura 1 mostra as principais unidades
geológicos-geotécnicas presentes na área de
∂C ∂ 2C
= D* 2 estudo. PMS (2004) apresenta ainda uma seção
∂t ∂x (2) geológica para a região. Destacam-se os
Depósitos de Cobertura Sedimentar Continental
Onde ∂C / ∂t é a variação na concentração Terciária, que segundo PMS (2004), são
com o tempo. sedimentos clásticos continentais
As expressões da 1ª e a 2ªLei de Fick inconsolidados, dispostos num arranjo
apresentadas são unidimensionais, mas podem composto por múltiplas camadas sub-
ser generalizadas para três dimensões. horizontais de natureza predominantemente
D* é o coeficiente de difusão efetiva, arenosa e espessura máxima acima de 50m.
expresso pela equação: Além do Embasamento Cristalino Pré-
Cambriano composto por uma associação de
D * = ωD (3) rochas cristalinas com arranjo estrutural e
estratigráfico muito complexo e paragêneses
Onde, ω é o coeficiente empírico ( ω <1). minerais de metamorfismo de grau alto,
Os processos de difusão molecular e genericamente chamadas de "granulitos" (PMS,
dispersividade mecânica caminham juntos 2004).
quando se trata de fluxo da água subterrânea, o

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5 MODELOS NUMÉRICOS

Com base nos dados da geologia da área foi


elaborado um modelo numérico de fluxo para a
água subterrânea utilizando o PMWIN/
MODFLOW (Chiang, 2005). Para simular o
transporte de contaminantes foi utilizado o
MT3DMS (Zheng & Wang, 1999). Uma
discussão sobre o funcionamento do PMWIN/
MODFLOW e do MT3DMS pode ser
Figura 1. Detalhe da carta geológico-geotécnica do
município de Salvador/BA (PMS, 2004).
encontrada em Oliveira (2009).
No MODFLOW, o aqüífero é substituído por
um grid de células dispostas em linhas, colunas
4 EFEITO ESCALA DA e camadas.
DISPERSIVIDADE No modelo que foi discretizado para as
simulações, admitiu-se uma área de 7000m de
O parâmetro de maior incerteza para o comprimento por 6000m de largura e gerou-se
problema de contaminação do solo é a um grid horizontal composto por três camadas,
dispersividade. A determinação da 44 linhas e 40 colunas. Representadas três
dispersividade pode ser feita em função da camadas de material. Especificou-se, então,
escala do problema fazendo: uma espessura de 40 metros para cada uma das
três camadas. O topo da primeira camada foi
considerado com elevação zero. O topo da
α L = 0,1L (5)
segunda camada como –40m e da terceira –
80m. O modelo ficou com um total de 120m de
Onde L é o comprimento da trajetória de profundidade.
fluxo (m). Uma outra possibilidade é
apresentada por Araruna et al. (2002) onde 5.1 Modelo de Fluxo
valores limites de dispersividade são
apresentados em função do comprimento da Para a geração do modelo de fluxo no PMWIN/
trajetória de fluxo (Figura 2). MODFLOW foram considerados como
condições de contorno os rios existentes na
região a noroeste e a sudeste da região do aterro
sanitário.
A linha na extremidade noroeste do modelo
foi considerada como uma fronteira de carga
hidráulica conhecida (carga hidráulica 0m), e a
linha na extremidade sudeste do modelo
também (carga hidráulica –36m).
Os parâmetros porosidade, peso específico e
condutividade hidráulica utilizados nas
simulações foram obtidos a partir de Oliveira &
Machado (2006) e estão apresentados na Tabela
1.

Figura 2. Relação entre valores de dispersividade


longitudinal e o comprimento da trajetória do fluxo.
Gelhar modificado por Araruna et al. (2002). Tabela 1. Parâmetros de entrada do MODFLOW
(Oliveira & Machado, 2006).
DADO DE ENTRADA VALOR

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Condutividade Hidráulica (m/s) 3,18 x 10-6 Para estudar o processo de contaminação no


Peso Específico (kN/m³) 18,18 entorno do aterro sanitário o parâmetro de
Porosidade (%) 37
maior incerteza é a dispersividade longitudinal.
Optou-se por realizar um estudo paramétrico do
A Figura 3 mostra as linhas equipotenciais efeito da dispersividade tomando-se valores
obtidas para o modelo de fluxo de água limites para a dispersividade. Considerando um
subterrânea para a região do aterro. O modelo comprimento de 1000m para a dimensão do
apresenta um sentido de fluxo de noroeste para problema o gráfico apresentado na Figura 2
sudeste. apresenta valores limites para a dispersividade
longitudinal de 10m e 1000m. Estes valores
foram utilizados nas simulações, onde o aterro
sanitário representa uma concentração inicial.
As Figuras 5, 6, 7, 8 e 9 apresentam a
distribuição do contaminante para tempos de
10, 20, 30, 40 e 50 anos, considerando uma
dispersividade de 10m. Observa-se uma pluma
de contaminação pequena.
As Figuras 10, 11, 12, 13 e 14 apresentam a
distribuição do contaminante para tempos de
10, 20, 30, 40 e 50 anos, considerando uma
dispersividade de 1000m. A pluma de
contaminação observada é consideravelmente
maior.
Figura 3. Mapa e cargas hidráulicas geradas com o
MODFLOW.

A Figura 4 mostra o grid do modelo em


planta e com dois perfis.

Figura 5. Pluma de contaminante, considerando


dispersividade de 10m, para um tempo de 10 anos.

Figura 4. Planta e perfis do grid do MODFLOW.

5.2 Modelos de Contaminação sem atenuação

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Figura 6. Pluma de contaminante, considerando Figura 9. Pluma de contaminante, considerando


dispersividade de 10m, para um tempo de 20 anos. dispersividade de 10m, para um tempo de 50 anos.

Figura 7. Pluma de contaminante, considerando Figura 10. Pluma de contaminante, considerando


dispersividade de 10m, para um tempo de 30 anos. dispersividade de 1000m, para um tempo de 10 anos.

Figura 8. Pluma de contaminante, considerando Figura 11. Pluma de contaminante, considerando


dispersividade de 10m, para um tempo de 40 anos. dispersividade de 1000m, para um tempo de 20 anos.

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Um segundo conjunto de simulações foi


elaborado considerando o fenômeno de
atenuação do solo. O maior valor de
dispersividade (1000m) foi adotado para as
simulações. As simulações foram realizadas
considerando as isotermas de Freundlich e de
Langmuir.
Para uma discussão sobre as isotermas
recomenda-se os textos de Costa (2002) e Fetter
(1999).
Os parâmetros das isotermas foram retirados
de Costa (2002) que realizou ensaios em solo
Figura 12. Pluma de contaminante, considerando
arenoso de Sauípe. Solo que apresenta origem
dispersividade de 1000m, para um tempo de 30 anos. geológica similar ao da região do aterro. Costa
(2002) utilizou uma solução de nitrato de zinco,
para representar o lixiviado proveniente do
aterro sanitário.
Os valores dos parâmetros das isotermas de
Freundlich e Langmuir utilizados nas
simulações estão apresentados nas Tabelas 2 e 3
respectivamente.

Tabela 2. Constantes da Isoterma de Freundlich (Costa,


2002).
DADO DE ENTRADA VALOR
Constante de Freundlich (L³ M-1) 0,8642
Coeficiente da Isoterma (M/M) 0,8019

Tabela 3. Constantes da Isoterma de Langmuir (Costa,


2002).
Figura 13. Pluma de contaminante, considerando DADO DE ENTRADA VALOR
dispersividade de 1000m, para um tempo de 40 anos. Constante de Langmuir (L³ M-1) 0,5352
Capacidade de Sorção (M/M) 57,7523

A Figura 15 apresenta a pluma de contaminante


para um tempo de 50 anos, considerando a
atenuação representada pela isoterma de
Freundlich. Observe-se que a pluma é
consideravelmente menor do que no caso que
não se considera a atenuação (Figura 14).

Figura 14. Pluma de contaminante, considerando


dispersividade de 1000m, para um tempo de 50 anos.

5.3 Modelos de Contaminação com atenuação

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contorno. As condições de contorno podem ser


representadas por cargas hidráulicas constantes
ou variáveis. Para o problema em estudo foram
consideradas cargas hidráulicas constantes
relativas a posições de rios no domínio
estudado.
De posse do modelo de fluxo criado no
MODFLOW/PMWIN é possível gerar um
modelo de contaminação com o MT3DMS.
Para isto é importante conhecer a dispersividade
longitudinal. Um estudo do efeito escala da
dispersividade longitudinal permitiu estimar
uma faixa para este parâmetro entre 10m e
1000m. Simulações com estes valores limites
Figura 15. Pluma de contaminante, considerando
dispersividade de 1000m e a isoterma de Freundlich, para apresentaram plumas de contaminação de
um tempo de 50 anos. pequenas dimensões e de grandes dimensões
respectivamente.
A Figura 16 apresenta a pluma de contaminante Para representar o fenômeno de atenuação
para um tempo de 50 anos, considerando a lançou-se mão das isotermas de Freundlich e de
atenuação representada pela isoterma de Langmuir. Parâmetros das isotermas foram
Langmuir. Neste caso também a pluma é obtidos a partir da literatura. Considerando a
consideravelmente menor do que no caso que atenuação as plumas de contaminação se
não se considera a atenuação (Figura 14). apresentaram consideravelmente menores.

REFERÊNCIAS

Araruna, J.T.; Telles, I.A. & Vargas Jr., E.A. (2002)


Emprego de Ferramentas Numéricas na Investigação
Ambiental de Campo, Congresso Brasileiro de
Geologia de Engenharia Ambiental, Ouro Preto, CD-
ROM.
Chiang, W-H. (2005) 3D-Groundwater Modeling with
PMWIN, Second Edition, Springer, Berlin, 397p.
Costa, P.O.S. (2002) Avaliação em Laboratório do
Transporte de Contaminantes no Solo do Aterro
Sanitário de Sauípe/BA. Dissertação de Mestrado,
Pontífica Universidade Católica do Rio de Janeiro,
171p.
Fetter, C.W. (1999) Contaminant Hydrogeology, Second
Figura 16. Pluma de contaminante, considerando Edition, Prentice Hall, Upper Saddle River, 500p.
dispersividade de 1000m e a isoterma de Langmuir, para Oliveira, I.B. de, & Machado, S.L. (2006) 5º Relatório de
um tempo de 50 anos. Andamento dos Serviços do Projeto de Pesquisa
“Estudo da Migração de Poluentes Orgânicos
Automotivos na Zona Vadosa”, UFBA, Salvador.
6 CONCLUSÕES Oliveira, J.B. (2009) Estudo Paramétrico da
Contaminação no Entorno de um Aterro Sanitário,
Dissertação de Mestrado, Mestrado em Engenharia
O processo de evolução da pluma de Ambiental Urbana, Universidade Federal da Bahia,
contaminação no entorno de um aterro sanitário 89p.
pode ser facilmente modelado pelo PMS (2004) Carta geológico-geotécnica Folha 2 de 5.
MODFLOW/PMWIN. O principal problema na Plano diretor de encostas, Arquivo: 1091–LAYOUT-
GEO-F2-00. SEMIN/CARG, PMS, Salvador/BA.
elaboração do modelo consiste em determinar a Todd, D.K.; Mays, L.W. (2005) Groundwater
espessura das camadas e as condições de Hydrology, John Wiley & Sons, Inc., 636p.

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Zheng, C. & Wang, P.P. (1999) MT3DMS – A Modular


Three-Dimensional Multispecies Transport Model,
University of Alabama, Tuscaloosa, Alabama.

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