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TRATAMENTO DE UMA ZONA DE FALHA DE GRANDE POSSANÇA NA MARGEM

ESQUERDA DA BARRAGEM DE ALQUEVA

O. Liberal; P. Miranda; P. Monteiro; J. Paixão; C. Lima & A. P. Moreira 1

Resumo – O reconhecimento geológico da barragem de Alqueva, identificou uma falha cortando a margem esquerda,
mergulhando para montante e intersectando o contacto barragem-fundação na transição para o fundo do vale. O
decorrer do empreendimento revelou que essa zona possuía uma possança entre 4 e 14m, elevada deformabilidade e
baixa resistência, pondo em causa a estabilidade da super-estrutura durante e após a construção. O tratamento consistiu
numa reconstituição da parte superficial da falha, a céu aberto, e num tratamento subterrâneo substituindo integralmente
o material deformável, por betão, em zonas-chave previamente definidas, constituindo-se uma estrutura rígida,
adequada à transmissão dos esforços do tecto para o muro da falha. A solução adoptada para o tratamento subterrâneo
consistiu em escavações de pequeno porte seguidas de betonagens, por níveis sub-horizontais, de forma descendente,
com o tecto das escavações em rocha sã para o 1.º nível e betão para os restantes. Em cada nível abria-se uma galeria
central (≈70m), que era continua e lateralmente alargada. Estes alargamentos, de secção idêntica à galeria e
perpendiculares a esta, executavam-se alternadamente e com comprimento variável (4 a 12m) conforme as
irregularidades locais da falha. Evitaram-se assim aberturas de grande secção que danificariam o maciço sobrejacente à
zona tratada e aumentariam o risco associado a pessoas e equipamentos.

Abstract – A dipping upstream fault that crossed the left bank and intersected the dam-foundation contact at the
transition for the valley’s bottom was identified during the geological investigation for Alqueva dam. The development
of the undertaking showed that the fault zone had 4-14 m thickness, high deformability and low compressive strength,
incompatible with the stability of the dam structure during and after construction. The treatment of the most superficial
part of the fault zone consisted in its excavation in open cut followed by the integral reconstitution with concrete. In the
deepest part an underground treatment was performed, involving the substitution of the deformable material by concrete
in previously defined critical areas, to build a rigid structure for an adequate load transmission between the hanging wall
and footwall. The underground treatment was performed by several sub-horizontal layers in a downward sense, through
the excavation and concreting of small cross section galleries. In each layer, a central gallery (70 m) was initially
excavated, followed by the continuous execution, in an alternate way, of perpendicular galleries with the same section
and variable length (4-12 m), according to the fault geometry. This strategy prevented the excavation of large openings,
which could damage the rock over the treatment zone and increase the safety risks for workers and equipments.

Palavras-Chave – Alqueva, tratamento, falha

INTRODUÇÃO HISTÓRICA E ANTECEDENTES DO EMPREENDIMENTO


A barragem de Alqueva localiza-se a Sul de Portugal, no rio
Guadiana, um dos cinco rios portugueses com bacias partilhadas
entre Portugal e Espanha. Integra-se num grande empreendimento
público de fins múltiplos, destinado à irrigação de vastas zonas do
Alentejo, ao abastecimento de água e à produção de energia
eléctrica.
A longa história deste empreendimento remonta à já
longínqua década de 50, com a aprovação do Plano de Rega do
Alentejo (1957), na sequência da qual a antiga Direcção Geral dos
Serviços Hidráulicos encomendou à Hidroeléctrica do Zêzere, uma
das empresas que viria a integrar o que hoje é a EDP, a elaboração
do projecto da barragem de Alqueva. Este primeiro projecto da
"Barragem, Central Hidroeléctrica e Estação Elevatória de
Alqueva" veio a ser apresentado em 1969, tendo sido aprovado por
despacho ministerial em Setembro de 1970.
Embora aprovado, o Projecto vai sofrendo diversas
vicissitudes ao longo dos anos seguintes. Só em 1976, já no âmbito
da CPE (Companhia Portuguesa de Electricidade, empresa que
Figura 1 : Bacias Hidrográficas dos rios total ou veio a ser nacionalizada integrando a Empresa Pública EDP), se dá
parcialmente Portugueses (destaque para os 3 início às obras preliminares para o desvio provisório do rio, no
principais, dos partilhados por Portugal e Espanha) local da obra.
Nos finais de 1979, ficam concluídas, já pela EDP, as obras de derivação do rio (galeria de desvio e
ensecadeiras), as infra-estruturas de estaleiro e a rede de acessos. Por essa data já o Projecto se encontrava suspenso,

1
HIDRORUMO – Projecto e Gestão, S.A.; Rua do Bolhão, n.º 36; 4000-111 PORTO; Portugal
uma vez mais. Questionava-se a sua necessidade, o seu interesse estruturante para a região, a sua rentabilidade e os seus
impactes ambientais. Inicia-se então um longo período de espera de mais de 13 anos, ao longo dos quais os projectistas
da EDP vão introduzindo diversas alterações ao projecto inicial de 1969, no sentido de uma permanente melhoria e
adaptação à evolução e perspectivas do sector eléctrico nacional.

Já em 1978 tinha sido apresentada pela EDP uma


primeira variante do projecto de 1969 [1]. Nesta variante, o
nível máximo de exploração da albufeira sobe da cota (148.00)
para a actual cota (152.00), por forma a aproveitar mais
integralmente a queda que o Convénio Luso-Espanhol de 1968
concede a Portugal. A central, inicialmente prevista para a
instalação de 3 grupos reversíveis (turbina-bomba) com
potência ligeiramente inferior a 100 MW, passa a ser concebida
para a instalação de 6 grupos reversíveis de 120 MW, a realizar
em duas fases. A barragem mantém a solução tipo inicial de
abóbadas múltiplas de grandes vãos, constituindo uma
evolução de outras estruturas do mesmo tipo que os projectistas
da Hidroeléctrica do Zêzere já tinham concebido,
designadamente a barragem de Odivelas, na ribeira de
Odivelas, e a da Aguieira, no rio Mondego.
A primeira destas obras, cuja realização ficou concluída
em 1972, é formada por 5 abóbadas cilíndricas com altura
máxima de 55 m, apoiadas no terreno de fundação e em
contrafortes verticais e paralelos, espaçados de 50 m, alojando
um deles o descarregador de cheias, dimensionado para um
caudal de 650 m3/s. Para apoio na fundação, as abóbadas são
dotadas de uma zona de transição de formas possuindo dupla
curvatura. Quanto ao coroamento da barragem, ele é
constituído por uma estrutura que se apoia nas abóbadas e cuja
geometria é caracterizada por possuir uma secção transversal
semelhante à de uma barragem do tipo gravidade, com eixo
Figura 2 : Parte Portuguesa da Bacia Hidrográfica do Rio recto, possuindo paramento de montante vertical e paramento
Guadiana e localização do aproveitamento de Alqueva de jusante com jorramento igual ao dos contrafortes.
A barragem da Aguieira, acabada de construir 9 anos mais tarde, possui altura máxima de 89 m e é constituída
por 3 abóbadas genericamente cilíndricas de grande vão, apoiadas no maciço de fundação e em 2 contrafortes verticais,
os quais divergem para jusante e incorporam os descarregadores de cheias dimensionados para um caudal máximo total
de 2180 m3/s. A abóbada principal, muito esbelta, tem cerca de 120 m de vão, o que permitiu aproveitar o espaço entre
os contrafortes para instalar a central, com 3 grupos geradores, e a subestação e conseguir um circuito hidráulico curto.
O coroamento da barragem, inspirado no de Odivelas, é aligeirado através da incorporação de uma galeria de grande
dimensão.
A evolução de formas verificada do projecto da barragem de Odivelas para o da Aguieira prosseguiu para o da
barragem de Alqueva, constituída por 3 abóbadas de dupla curvatura, que permitiram suprimir o coroamento com a
secção de perfil gravidade. A abóbada central, cujo vão atinge 130 m, possui a espessura de 5 m no coroamento e 10 m
na vizinhança do soco situado 80 m abaixo. É apoiada em dois robustos contrafortes, paralelos, situados no fundo do
vale e limitando o espaço destinado à central, concebida para 6 grupos geradores, e à subestação. Cada contraforte aloja
um descarregador de cheias de superfície, dotado de dois vãos possuindo uma capacidade de descarga individual de
1975 m3/s, e um descarregador de meio fundo com capacidade igual a 1750 m3/s. A capacidade de descarga total é,
assim, igual a 11400 m3/s.
Em 1988, a EDP apresenta novo projecto, reformulando a solução de 1978 [2]. Sem alterar os pressupostos
fundamentais, o novo projecto abandona a solução de abóbadas múltiplas para a barragem, substituindo-as por uma
abóbada única, dotada de encontros, mais adequada, conforme adiante se refere, à crescente necessidade de garantir e
encurtar os prazos de construção, e abandona também o significativo aumento de potência que a variante de 1978
propunha, limitando-a, no imediato, a 3 x 120 MW, sem prejuízo da construção de uma segunda central, para reforço
daquela potência, caso se viesse a justificar. Os órgãos principais de descarga passam a ser constituídos por
descarregadores de superfície alojados nos encontros, dois descarregadores de meio fundo situados no corpo da abóbada
e uma descarga de fundo instalada no túnel da derivação provisória.
Finalmente, no início de 1993, a longa espera termina. O Governo anuncia finalmente estarem reunidas as
condições para relançar o Projecto e desfeitas as dúvidas e condicionamentos que tinham justificado a sua suspensão.
Na sequência desta decisão procede-se a nova revisão do projecto reduzindo-se de 3 para 2 o número de grupos da
central embora mantendo a reversibilidade e a sua potência unitária (120 MW).
ASPECTOS PRINCIPAIS DO PROJECTO DA BARRAGEM E DO TRATAMENTO

A opção do projecto de 1988 por uma barragem do tipo abóbada de dupla curvatura em substituição da abóbada
múltipla que vinha dos projectos anteriores deveu-se à sua maior simplicidade estrutural (que se traduz num melhor
comportamento para acções sísmicas), a uma economia de custos em função das tecnologias actuais e do preço dos
diversos factores de produção e a uma maior garantia de satisfação dos prazos de construção.
Figura 3 : Planta Geral do Aproveitamento de Alqueva (Barragem e Central Hidroeléctrica)

A sua definição foi condicionada pela existência das obras


de derivação provisória, em especial a ensecadeira de montante,
que limitavam fortemente o espaço disponível impedindo que os
arcos possuíssem uma curvatura mais acentuada, e pela morfologia
do vale caracterizado pela grande largura no fundo do rio
relativamente à do coroamento e à altura da barragem. Apesar
disso, a análise estrutural da barragem, quer para as acções
estáticas e dinâmicas previstas na regulamentação portuguesa, quer
para deslocamentos impostos no plano da falha 22 [3] (falha
objecto da presente comunicação), revelou que a solução
projectada apresenta um comportamento adequado.

Figura 4 : Perfil da Barragem desenvolvido pela Superfície (cilíndrica) de Referência; Vista de Montante

Figura 5 : Perfil desenvolvido pelo eixo do Aproveitamento (Barragem e Central Hidroeléctrica)

Para além da morfologia pouco habitual da barragem, uma vez que se trata de uma abóbada simples com 96 m
de altura máxima, 348 m de desenvolvimento, entre encontros, ao nível do coroamento e 140 m de desenvolvimento na
base [4], a estrutura está apoiada num maciço muito heterogéneo que, na margem direita e fundo do rio, é constituído
por xisto verde de boa qualidade com módulo de elasticidade variável entre 60 e 100 GPa e, na margem esquerda, por
filádio de razoável qualidade com módulo de elasticidade variável entre 6 e 20 GPa. O maciço de filádio é atravessado
por numerosas falhas, de que se destaca a falha 22 ou falha de Alqueva que, de acordo com os reconhecimentos
geológicos anteriores à construção da barragem se admitia pender 29º para a margem esquerda e para montante e
possuir uma caixa de espessura variável entre 0,8 m e 4,0 m [5]. A influência desta falha sobre o comportamento
estrutural da barragem justificou que ela fosse objecto de um projecto de tratamento específico, que sofreu várias
evoluções de que se procurará fazer uma história resumida.

A solução inicial constante do projecto de 1988 consistia na


substituição integral, por betão, do material de enchimento e da
zona conturbada [2,6]. O tratamento abrangia uma área que,
representada em planta, incluía o encontro esquerdo, os quatro
primeiros blocos da abóbada e uma faixa adjacente, a jusante, com
cerca de 20 m de largura. A escavação era conduzida através da
abertura de 18 galerias de pequeno porte situadas na espessura da
falha, de eixos paralelos, orientadas segundo as linhas de maior
declive da falha e limitadas por galerias perimetrais. Uma vez
aberta cada uma das 18 galerias, procedia-se ao seu alargamento
por troços, removendo completamente o material de enchimento
da falha. Os escombros acediam por gravidade à galeria perimetral
inferior e eram extraídos por poços situados na periferia. O betão
Figura 6 : Solução de tratamento posta a concurso em
de enchimento era conduzido através das galerias perimetrais
1995; Projecto; Planta geral (Galerias subterrâneas e
escavações superficiais para a Barragem e Acessos) superiores à medida que as escavações prosseguiam.
Os estudos em modelo matemático que foram posteriormente desenvolvidos [6] e que procuraram fazer intervir
as características mecânicas do material de enchimento da falha – analisaram-se situações enquadrantes em que se
admitiu que o seu módulo de deformabilidade pudesse assumir valores de 2, 200 e 20000 MPa, procurando-se, com este
último valor, traduzir a situação ideal em que toda a falha seria substituída por betão – mostraram que a estabilidade da
barragem e da fundação estariam garantidas, mesmo para os valores mais baixos das características mecânicas do
material da falha, caso se realizasse o seu tratamento de forma diferenciada em correspondência com as exigências
estruturais da região a tratar, que seria dividida em 3 zonas (Fig. 6): uma faixa situada sob o descarregador, o encontro e
o primeiro bloco da abóbada, objecto de reforço descontínuo concebido através da escavação e betonagem de galerias
longitudinais e transversais no interior da falha, as quais materializariam uma grelha de betão promovendo a ligação
tecto a muro; uma zona adjacente, situada sob os dois blocos seguintes da abóbada, onde o tratamento consistiria na
substituição integral do material da falha por betão, a realizar por galerias; uma terceira zona, situada entre esta e o traço
da falha na superfície de fundação, a ser alvo de escavação a céu aberto e posterior reconstituição com betão.

REALIZAÇÃO DOS PRIMEIROS TRABALHOS DE TRATAMENTO

O tratamento iniciou-se com a abertura de um acesso na margem esquerda, por jusante da barragem, cujo traçado
acompanhou o traço da falha na superfície do terreno por forma a permitir acompanhar o desenvolvimento da sua
geometria e realizar o emboquilhamento das galerias transversais. Durante a abertura deste acesso, e também no
decurso das escavações para as fundações dos pilares da estrutura porticada de emboquilhamento das galerias
transversais de tratamento (e também de contenção da base do talude de escavação da pista de acesso), apareceram
indícios de que a espessura e heterogeneidade da zona conturbada poderiam ser superiores ao inicialmente previsto e de
que a espessura aumentaria progressivamente no sentido do encontro [5].
Aqueles indícios revelaram-se aparentemente consistentes com a constatação, verificada durante a escavação da
primeira das galerias transversais de tratamento, a GT9’ (galeria derivada da prevista GT9, com o mesmo
emboquilhamento mas com orientação em planta paralela ao talude da escavação para a reconstituição da fundação), de
que a altura da zona a tratar aumentava significativamente em profundidade e de que o rendimento do equipamento de
escavação e remoção (pequena máquina com um braço articulado mecânico, montada sobre carris) era diminuto face às
características reais das formações a escavar, em que coexistiam intercalações argilosas com zonas de filádio esmagado
relativamente ‘mole’ e de filádio compacto bastante mais duro. Este facto, entre outros, começou a suscitar sérias
preocupações do Dono de Obra quanto à viabilidade de cumprimento da programação contratual de trabalhos.
Então, de modo a permitir validar mais objectivamente, e em termos globais, as premissas de interpretação
geológico-geotécnica que se prefiguravam, decidiu-se proceder a uma campanha de reconhecimento complementar com
5 novas sondagens à rotação, na zona de fundação situada sob o encontro e o descarregador de superfície, e também
com um conjunto de sondagens curtas na galeria GT9’ para identificar sobretudo a posição do tecto da falha já que a
escavação desta galeria, passados que foram os primeiros metros, desenvolveu-se amarrada ao muro da falha perdendo-
se de vista o tecto da mesma devido ao progressivo aumento de espessura da zona a tratar (Fig. 2 de [5]).
A análise integrada de toda a informação disponível, proveniente quer destas sondagens quer das
correspondentes às fases anteriores de reconhecimento quer de todas as escavações já efectuadas, permitiu
efectivamente antever como muito provável que a zona de falha a tratar corresponderia a uma entidade geotécnica
balizada a tecto e a muro por duas falhas principais com preenchimento argiloso (designadas inicialmente por falhas D e
C, e que passaram posteriormente a designar-se por 22D e 22C), e que limitavam uma ‘massa’ de filádio (com
intercalações de argila e de quartzo) com espessura e características geotécnicas e geomecânicas variáveis. As
características geométricas e a espessura desta zona de falha foram estimadas a partir da elaboração de um “modelo
digital tridimensional interpretativo” das superfícies das falhas 22D e 22C, com base em pontos cotados e coordenados
destas superfícies obtidos a partir da interpretação das sondagens e da cartografia geológico-geotécnica das escavações,
apontando para valores da espessura compreendidos entre cerca de 6 m na zona mais próxima do vale e cerca de 12 m
na zona sob o descarregador de superfície.

ESTUDO DE ALTERNATIVAS À SOLUÇÃO POSTA A CONCURSO EM 1995

As características morfológicas e geotécnicas da zona a tratar tornaram inevitável a reformulação do projecto de


tratamento posto a concurso. Esta reformulação envolveu a análise de soluções da mesma natureza daquela posta a
concurso (escavação do material da zona de falha e sua substituição por elementos rígidos em betão) e soluções de
reforço de conjunto do maciço com recurso a outras técnicas, designadamente a “Jet-grouting”. As soluções com
recurso a “Jet-grouting” vieram a ser preteridas porque, para além do seu elevado custo (associado essencialmente aos
elevados comprimentos de furação necessários, com origem na superfície), a experiência recente de utilização desta
tecnologia na contenção de taludes de escavação nesta mesma zona da obra suscitara fortes reservas quanto à
viabilidade prática de realizar colunas de “Jet-grouting” com o diâmetro necessário e bem ligadas ao maciço a tecto e a
muro da falha, devido às dificuldades de realizar injecções numa zona tão heterogénea e com tão elevadas inclinações
do tecto e muro da falha, e de implementar em tempo útil um sistema fiável de controlo de qualidade dos trabalhos.
O estudo das soluções rígidas em betão compreendeu essencialmente duas fases. Na primeira fase, que consistiu
na análise estrutural comparativa, em termos globais, de diferentes soluções alternativas e na selecção da solução mais
conveniente, foram utilizados modelos de elementos finitos planos e tridimensionais em regime elástico linear e não
elástico (ANSYS), tendo sido avaliada, para cada uma das alternativas estudadas e para diferentes fases de betonagem
da barragem e de instalação da pressão hidrostática correspondente à albufeira, a capacidade de o maciço rochoso
transmitir adequadamente os esforços do tecto para o muro da zona de falha, sem grandes redistribuições de tensões no
maciço de filádio situado a tecto e sem ocorrência de deslocamentos incompatíveis com um funcionamento considerado
normal da superestrutura da barragem. Na segunda fase, que visou a definição dos sistemas de sustimento das
escavações e a avaliação da viabilidade de realização das betonagens da barragem em simultâneo com a realização das
escavações para o tratamento da falha, foi analisada a evolução do comportamento do maciço na zona envolvente das
escavações a efectuar, tendo sido utilizados modelos não lineares (PHASE e FLAC 2D e 3D).
A solução escolhida pelo projectista consistia numa grelha composta por dois elementos longitudinais orientados
aproximadamente segundo as linhas de nível da zona de falha, de secção trapezoidal e de três elementos transversais de
secção rectangular, perpendiculares aos primeiros. Quer os elementos transversais quer os longitudinais seriam
realizados por fases (galerias de cerca de 4,0 x 4,5 m2 de secção), começando a muro e fazendo-se o ataque a partir das
galerias transversais, conforme se previa na solução posta a concurso.
Contudo, não viria a ser esta a solução
executada, uma vez que o empreiteiro a considerou
incompatível com os prazos então disponíveis para a sua
execução (19 meses) e advogou a adopção de soluções
que privilegiassem o ataque segundo as linhas de nível
da zona de falha. Esta posição do empreiteiro, que teve
um cunho marcadamente estratégico num contexto geral
de atrasos pronunciados em todas as frentes de obra
devidos a problemas relacionados fundamentalmente
com a operacionalidade das instalações de produção de
betão, acabou por condicionar as opções técnicas e
levou à decisão de estudar variantes à solução acima
referida e outras soluções alternativas de tratamento
com ataque segundo as linhas de nível, vindo a ser
finalmente aceite, em meados de 1999, uma solução
(Figuras 7, 8 e 9) que correspondia à substituição por
betão do material da falha numa zona que, em planta,
tinha uma área aproximada de 80 x 40 m2 e
correspondia sensivelmente à envolvente da grelha
correspondente à solução inicialmente proposta pelo
Figura 7 : Solução de tratamento executada; Projecto; Planta geral projectista.

IMPLEMENTAÇÃO E CONCRETIZAÇÃO DA SOLUÇÃO DEFINITIVA

Enquadramento e descrição geral do projecto de execução

A execução desta solução comportaria a realização de duas zonas (“galerias”) de tratamento adjacentes, uma
mais a montante (GLM) e outra mais a jusante (GLJ). Cada uma destas zonas seria realizada em quatro níveis sub-
horizontais de tratamento com 4,5 m de pé direito, designados por GLJ-1 a GLJ-4 e GLM-4a a GLM-7 (Fig. 8),
acompanhando sensivelmente as linhas de nível da falha. Em cada nível, o tratamento seria realizado a partir de uma
galeria longitudinal central de ataque, de pequeno porte (com 4 x 4,5 m2 de secção transversal), a partir da qual seriam
abertas, para ambos os lados, células de alargamento de secção transversal idêntica à da galeria de ataque, horizontais, e
perpendiculares ao eixo desta última. O acesso às galerias de ataque dos níveis superiores, GLJ-1 e GLM-4a, seria feito
a partir da galeria GT9´ atrás referida. Para os restantes níveis de tratamento seria feito a partir de uma galeria de acesso
por jusante GAJ (Fig. 7) aberta a partir de jusante da barragem, no maciço situado a muro da falha, escavada
predominantemente em xisto verde, e dirigida sensivelmente ao centro da zona a tratar. Desta forma seria
proporcionado o estabelecimento de uma ligação directa entre o exterior e os níveis GLM-4a, GLJ-2 e GLJ-3. O acesso
aos níveis GLJ-4 e GLM-5 a GLM-7 estava previsto realizar-se através de poços verticais adjacentes às intersecções da
referida galeria GAJ com as galerias de ataque GLJ-3 e GLM-4a respectivamente (um poço de acesso ao nível GLJ-4 e
dois poços de acesso aos níveis GLM-5 a GLM-7).

Figura 8 - Solução de tratamento executada; Projecto; Figura 9 - Solução de tratamento executada;


Perfis radiais Projecto; Perfil desenvolvido pela superfície A-A’

O processo construtivo iniciar-se-ia pela execução das galerias de ataque situadas a tecto da falha (GLJ-1 e
GLM-4a) e abertas maioritariamente no maciço rochoso que se previa não conturbado, com inclinações inferiores a
15% (devido a limitações relacionadas com os meios utilizados na remoção de escombro e no transporte de
equipamentos, os quais seriam idênticos àqueles que usualmente são adoptados nas obras de construção civil em geral),
e acedidas a partir da galeria GT9’. De seguida passar-se-ia ao alargamento dos seus hasteais, em troços curtos, quase
sempre com a abóbada das escavações situada em rocha não conturbada. À conclusão da escavação de um determinado
alargamento sucedia de imediato a sua betonagem. Depois de executados todos os alargamentos seria betonada a galeria
de ataque. Nas fases subsequentes, correspondentes aos níveis subjacentes, seria de algum modo repetido este
procedimento, realizando-se as escavações quase sempre sob um tecto de betão ou rocha não conturbada do maciço a
tecto da falha, dispensando a utilização sistemática de elementos de contenção. A GAJ, concebida essencialmente para
encurtar os prazos da empreitada, permitiria, a partir de uma zona central comum à GLM e à GLJ, estabelecer frentes de
trabalhos nos dois sentidos em cada um dos níveis de tratamento, permitindo, logo que estivesse concluída, libertar a
GT9’ da sua função de acesso aos níveis superiores, reservando-a para os restantes trabalhos de tratamento aí previstos
(da própria GT9’ e da parte da falha situada entre a GT9’ e a zona tratada a céu aberto).
A principal alteração introduzida ao projecto da solução adoptada, que acabou de ser descrito, foi a substituição
dos poços verticais de acesso aos níveis inferiores da GLM por um prolongamento da GAJ, com um declive médio
igual ao já utilizado para aquela, ou seja 15% (Fig. 7). Esta solução de acesso alternativa permitiu a supressão da
materialização dos poços em zona geologicamente complexa – correspondente ao cruzamento de um conjunto de falhas
sub-verticais e diagonais à falha 22, com esta última (Fig. 5 de [5]) – e que teriam de ser equipados com meios
sofisticados de transporte (por elevação) de pessoas, materiais e máquinas para que garantissem os rendimentos de
execução esperados. As grandes desvantagens desta alteração foram, por um lado, a introdução de um afastamento
considerável entre os acessos às galerias de ataque e os centros das áreas a tratar dos respectivos níveis (resultando num
claro prejuízo no que respeita ao estabelecimento de frentes de trabalho simultâneas em cada nível), e, por outro lado, a
obrigatoriedade de as galerias alternativas aos poços terem de ser escavadas no maciço rochoso de boa qualidade, a
tecto da falha, sob a barragem em construção.

A geotecnia do maciço e a sua relação com os objectivos do tratamento

Conforme já foi referido, o tratamento teve como objectivo primordial a substituição integral do material da zona
de falha, por betão, numa faixa definida por critérios estruturais de maneira a constituir-se uma estrutura rígida e
contínua entre os maciços rochosos a tecto e a muro. Em 1999, aquando da escolha e definição em pormenor da solução
definitiva, foi elaborado um “modelo tridimensional interpretativo” dos limites a tecto e a muro da zona de falha com
base em todos os resultados dos trabalhos de reconhecimento e prospecção até então realizados (incluindo os trabalhos
já efectuados na GT9’). Esses limites resultantes da interpretação coincidiam praticamente com o traçado das falhas
F22D e F22C [5], ou seja, os limites geológicos da denominada falha 22, e limitavam também, aproximadamente, a
zona material que, em termos geotécnicos e geomecânicos seria menos competente e, portanto, passível de substituição.
No entanto, era sabido que essa zona de falha apresentava grande variabilidade geotécnica, havendo no seu interior
zonas de qualidade equivalente à dos maciços a tecto e a muro. O projecto de execução foi desenvolvido com base
nesse modelo tridimensional, admitindo, no entanto, a possibilidade de existir uma zona conturbada de cerca 1 a 2m
para o interior dos maciços a tecto e a muro, o que aumentava a espessura da caixa de falha em cerca de 2 a 4m.

Figura 10 – Realidade do tratamento executado; Comparação com a previsão e o projecto inicial (1999); Perfis radiais
A realidade encontrada, foi, porém, um pouco diferente (Fig. 10). Na zona sensivelmente subjacente à abóbada
(da junta 1E à GT9’, inclusive) confirmaram-se as previsões do modelo tanto em termos do traçado das falhas F22D e
F22C como da qualidade do material situado entre ambas. Confirmou-se também que, de um modo geral, as falhas
geológicas delimitavam efectivamente as zonas não conturbadas, e portanto geotecnicamente competentes, dos maciços
a tecto e a muro. Já em relação à zona sensivelmente subjacente ao encontro (da junta 1E à 3E), o que se encontrou foi
bem diferente do previsto inicialmente sobretudo no que diz respeito à posição do muro geológico e à qualidade do
material encontrado entre as falhas de tecto e muro, como se pode constatar pela consulta da Fig. 10. De facto, o muro
geológico situou-se a cerca de 4 m da posição prevista inicialmente, mas mantendo o pendor, enquanto que o tecto
geológico se aproximou quase na perfeição à previsão, excepto na GLM, onde começou a acentuar-se o pendor com a
profundidade e portanto a afastar-se do modelo teórico mas de um modo favorável. Entre as falhas de tecto e muro, foi
encontrada uma grande quantidade de material rochoso de boa qualidade, com competência equivalente à que era
exigida para as zonas de contacto do betão do tratamento com os maciços a tecto e a muro da zona de falha. A falha
geológica F22C delimitou de um modo geral as zonas não conturbadas, e portanto geotecnicamente competentes, do
maciço a muro, o mesmo não acontecendo com a falha F22D que se revelou sempre envolvida, tanto acima como
abaixo, por material rochoso esmagado e/ou muito fracturado com ou sem argila.
As diferenças geológicas e geotécnicas atrás descritas, entre as zonas sensivelmente subjacentes à abóbada e ao
encontro, devem-se sobretudo à presença de um conjunto de falhas sub-verticais que cortam a falha 22 diagonalmente a
esta e exactamente no centro da zona a tratar, ou seja mesmo na passagem da abóbada para o encontro, introduzindo
uma descontinuidade nos limites da sua caixa de falha e também na sua própria composição material.

Um projecto dinâmico e evolutivo

A realização das escavações foi sempre acompanhada por um geólogo residente em obra, o qual mantinha
permanentemente actualizada e tratada toda a informação geológica recolhida nas frentes de trabalho, e que era de
seguida utilizada pela equipa de projecto na actualização contínua do modelo geológico-geotécnico interpretativo e nas
consequentes e frequentes adaptações e alterações de projecto para os níveis inferiores aos que estavam em dado
momento a ser escavados. Efectuou-se portanto uma adequação sistemática e em tempo real, do projecto de execução,
às condições geológico-geotécnicas encontradas de modo a garantir o cumprimento dos objectivos gerais do tratamento.
Por outro lado, a equipa de projecto definiu uma série de critérios e procedimentos que habilitaram o geólogo
residente e a Fiscalização, em acção conjunta, a tomarem autonomamente as decisões correntes acerca das
profundidades a cumprir pelos alargamentos a partir das galerias de ataque.
Relativamente às contenções primárias utilizadas nas escavações, elas eram definidas entre a Fiscalização e a
equipa de projecto. Nos casos correntes a Fiscalização actuava autonomamente e nos casos mais complexos a equipa de
projecto desenvolvia e elaborava os esquemas de princípio que eram adaptados localmente pela Fiscalização.

CONSIDERAÇÕES FINAIS E CONCLUSÕES

A solução que veio a ser concretizada no tratamento da falha de Alqueva foi escolhida como uma solução de
compromisso em que se valorizaram, sobretudo, os prazos de execução e não por ser aquela que oferecia maiores
garantias de qualidade técnica. O desenrolar dos trabalhos veio a revelar ser a mais adaptável à morfologia das zonas a
tratar, revelando contudo que os prazos que lhe estão associados não são os mais curtos, sobretudo se forem
escrupulosamente cumpridos os sustimentos primários das escavações necessários para se evitarem grandes
descompressões no maciço sobrejacente.
Assim, a solução implementada, ao basear-se em escavações de pequena dimensão cujos comprimentos
(alargamentos a partir das galerias centrais) e inclinações (das próprias galerias) poderiam variar acompanhando as
variações geomorfológicas e geomecânicas locais da zona de falha a tratar, permitiu efectuar um tratamento cirúrgico e
contínuo garantindo quase sempre que o betão do tratamento ficasse em contacto com as zonas geotecnicamente
competentes tanto a tecto como a muro da zona de falha. Por outro lado, a pequena dimensão das zonas escavadas
reduziu os riscos de derrocadas, o que veio a traduzir-se na ausência de acidentes numa obra que envolveu a escavação
subterrânea e enchimento com betão de um volume de cerca de 40000 m3.
Foi, sem dúvida, uma boa solução de tratamento, tendo em conta os objectivos geotécnicos a cumprir e a
necessidade de garantir a constituição de um elemento rígido no maciço de fundação capaz de suportar os esforços
provenientes da acção da barragem no maciço de fundação a tecto da falha e de os transmitir convenientemente para o
maciço a muro. Essa garantia de transmissão tecto-muro só podia ser alcançada à custa de escavações que
obrigatoriamente atingissem as zonas geotecnicamente competentes dos maciços a tecto e a muro, o que, dada a
variabilidade e heterogeneidade geológica e geomecânica de todo este maciço de fundação da margem esquerda só
podia ter conseguido com base numa solução que se pudesse adaptar e alterar constantemente em função das
informações geológico-geotécnicas que iam sendo recolhidas no decurso das sondagens efectuadas em avanço e das
próprias escavações.
É de sublinhar que o tratamento foi realizado estando em curso a betonagem da barragem, tendo sido necessário
ajustar as estratégias de construção da barragem e do tratamento da falha, enquanto este decorreu. Tal só foi possível
por se tratar de uma barragem de betão convencional em que os blocos são independentes, por que a solução de
tratamento da falha nunca originou grandes aberturas e por que houve um permanente acompanhamento geológico-
geotécnico e de observação do comportamento das estruturas.
Confirmou-se, aliás, ser essencial um trabalho de equipa intenso envolvendo o geólogo residente, a Fiscalização
e a equipa de projecto, o que obrigou os projectistas a um acompanhamento permanente dos trabalhos de execução e a
prestar um serviço de assistência técnica contínua, envolvendo não só trabalho na sede como deslocações à obra com
uma periodicidade quase semanal.

AGRADECIMENTOS

À EDIA – Empresa de Desenvolvimento e Infra-estruturas do Alqueva, S.A., pela autorização concedida para a
publicação deste trabalho.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] Electricidade de Portugal, EDP / Empresa Pública, 1978 - Rio Guadiana. Aproveitamento de Alqueva. Variante.
[2] EDP - DOEH, 1988 – Escalão de Alqueva. Projecto.
[3] LNEC, 1999. Estudo Experimental da Barragem do Alqueva. Ensaio até à rotura devido a um eventual movimento
horizontal na falha de Alqueva.
[4] Aguiar, A., Matos, S., Pires, J., 1996 - 3º Congresso da Água/VII SILUBESA, Lisboa.
[5] Neves, J., Gonçalves, L., 2002 – Reconhecimento geológico e geotécnico da zona de falha 22 durante a fase de
construção da barragem de Alqueva (Portugal). 12ª Congresso Brasileiro de Mecânica dos Solos e Engenharia
Geotécnica, S. Paulo.
[6] Miranda, P., Matos, S., Paixão, J., 1997 – Influência de uma falha de grande possança no comportamento estrutural
da barragem de Alqueva. V Encontro Nacional de Mecânica Computacional, Guimarães.

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