Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Fonte: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/18.212/6867
Sala destinada à aplicação de medicamentos na área pediátrica no setor urgências do
Hospital Federal de Bonsucesso RJ
Foto Cristiane N. Silva
Carvalho (5) afirma que a delimitação dos espaços em uma edificação de saúde é
resultado de uma “ação conjunta”, que exige a participação e a responsabilidade de
cada membro da equipe de trabalho. Pode-se ampliar este conceito estabelecendo a
necessidade de participação nestas ações conjuntas, tanto dos profissionais que
atuam nas diversas áreas das edificações de saúde, quanto dos seus demais usuários,
cuja participação nos processos de planejamento é defendida como um meio de
propiciar a humanização.
Ambiência
A ambiência torna-se um conceito capaz de auxiliar a produção de projetos ao
considerar o espaço não somente como meio físico, mas também estético, psicológico
e estruturado, com o valor próprio dado por cada indivíduo que nele permanece ou
exerce atividades (6). O termo ambiência deriva do francês “ambiances”, cujo estudo
pode ser mapeado nas escolas de arquitetura francesas desde a década de setenta
(7). No âmbito deste texto, podemos adotar a descrição de Amphoux (8), explicando
que o conceito de “ambiências” expressa as atmosferas materiais e morais que
permeiam e envolvem sensações relacionadas, por exemplo, à luz, o som e à
temperatura dos ambientes.
É com este viés que surge em 2006, a Cartilha da Ambiência do Ministério da Saúde,
proposta como uma diretriz que funcione como ferramenta de qualificação do processo
de projeto e estabelecendo o conceito de ambiência como “o tratamento dado ao
espaço físico entendido como espaço social, profissional e de relações
interpessoais que deve proporcionar atenção acolhedora, resolutiva e humana”. Esta
ferramenta propõe projetar os espaços “além da composição técnica”, considerando
também as situações construídas nos “espaços e num determinado tempo, vivenciadas
por uma grupalidade (...) com seus valores culturais e relações sociais” (15).
Privacidade
Entende-se por privacidade, o direito de cada pessoa em restringir o conhecimento
e apreciação alheia do que lhe é pessoal e privado. A privacidade contempla o
direito à individualidade, proteção da intimidade, respeito à dignidade e limitação
de acesso tanto ao corpo quanto aos objetos íntimos, relacionamentos familiares e
sociais de cada ser humano. Na percepção de pacientes a respeito dos aspectos
relacionados à sua privacidade no hospital, a experiência de exposição do corpo de
si e do outro, constituem condições geradoras de ansiedade, constrangimento e
estresse, que repercutem em sua saúde e bem-estar (24).
Um estudo feito por Pupulim e Savada (25) verifica que os sujeitos apontaram com
mais assiduidade, como fatores de caráter comportamental que podem interferir na
sua privacidade pessoal, atitudes de respeito às suas preferências pessoais, bem
como a possibilidade de sua autoridade sobre o espaço que ocupam no hospital, ainda
que em espaços compartilhado com outros pacientes, além de outros aspectos, de
cunho mais íntimo, tais como “uso do banheiro, ocasião do banho, dormir junto a
estranhos”, por exemplo. A exposição e manipulação do corpo em função das práticas
médicas, algumas vezes em locais com pessoas desconhecidas, além dos especialistas,
causa constrangimento e falta de privacidade, mesmo com algumas alternativas de
proteção, como cortinas e biombos.
Apropriação e identidade
Segundo apontam Cavalcante, Azevedo e Ely (26), a apropriação é constituída por
processos relativos à percepção, cognição e comportamento, uma vez que está
diretamente ligada à interação dos sujeitos com as características e informações
provenientes do ambiente. As autoras descrevem a apropriação como um processo
subjetivo, que depende, além das características do ambiente em sua dimensão física,
simbólica e cultural, mas também dos aspectos relacionados à percepção dos
indivíduos, baseada em suas experiências, valores e sentimentos.
Considerações
O desenvolvimento da edificação hospitalar, desde a idade média até o atual hospital
tecnológico dá mostras da necessidade de buscar-se de um novo olhar sobre o projeto
para edificações de saúde. Faz-se necessário, além da gama de conhecimentos já
existentes, provenientes da prática e dos exemplos de EAS existentes, buscar-se a
formulação de novas metodologias aplicáveis aos projetos, que além de atender aos
requisitos técnicos, normativos e plásticos, considerem também “os estudos
relativos à percepção, expectativas, valores e comportamento dos usuários” (31)
inclui ainda, dentre os aspectos a serem considerados para os projetos de EAS, as
necessidades “de caráter psicológico, muito mais sutis e difíceis de serem
apreendidas por projetistas, que em sua grande maioria não possui o conhecimento e
o instrumental para percepção destes aspectos (32).
A Cartilha da Ambiência, criada pelo Ministério da saúde, dentro da Política
nacional de Humanização, é um primeiro passo da administração pública, visando
incentivar a participação dos usuários nos processos de discussão e nas resoluções
relativas aos projetos para os EAS e, no seu papel institucional, a cartilha é um
passo importante para alertar aos projetistas da área hospitalar, sobre a
necessidade de envolver “os donos da casa” no processo de pensar e projetar estes
ambientes. Cabe aos arquitetos e demais profissionais envolvidos com a arquitetura
de ambientes de saúde, ampliar seus conhecimentos sobre o conceito de ambiência e
os diversos atributos que este engloba, além dos três que foram explorados neste
estudo. O estudo dos atributos das ambiências, considerando-se os aspectos
relativos aos diversos fatores que sensíveis e subjetivos que podem interferir na
percepção do ambiente hospitalar por seus usuários, são de fundamental importância
para a qualificação do projeto arquitetônico e sua execução dentro da vertente que
visa incorporar o pensamento, a visão e as expectativas dos usuários em sua
concepção.
Conforme explica Duarte (33) cada pessoa possui uma perspectiva pessoal, através
da qual visualiza valores, ideias, problemas e seus próprios ideais de vida, sendo
esta perspectiva elaborada ao longo de sua vida, de acordo com sua identidade
cultural e social, através das quais ela idealiza seus espaços e constrói seus
lugares no mundo. Segundo Rapoport (34) para estudarem-se as relações
estabelecidas pelas pessoas com os espaços, a importância do que as pessoas fazem
nestes espaços é inferior ao entendimento e à importância de como elas o fazem,
sendo esta a mesma vertente pela qual funciona a ambiência: “muito mais com o
"como" da ação do que propriamente com o "quê" da atividade”. A ambiência estabelece
de que forma se dá a percepção, não sendo ela mesma objeto desta percepção (35).
Giraldi (36) também reflete acerca das variáveis projetuais, com o objetivo de
demonstrar que os espaços não podem pensados somente pelas funções que prestam,
sendo necessário que a eles sejam agregados novos elementos que considerem os
significados simbólicos, pois estes passam a integrar a ambiência e esta, por sua
vez, atua sobre o imaginário de seus usuários e nas práticas que ali serão
executadas, o que se torna fundamental quando tratamos de ambientes destinados à
recuperação da saúde.
10
BESTETI, Maria Luisa Trindade. Ambiência: espaço físico e comportamento.Revista
Brasileira de Geriatria e Gerontologia, n. 17, Rio de Janeiro, 2014, p. 601-610.
11
MELO, Natália R. de; RODRIGUEZ, Beatriz Beltrão. Ambiência e (re) qualificação dos
lugares de memória. In Anais do 4º Colóquio Ibero-Americano - Paisagem cultural,
patrimônio e projeto, Belo Horizonte, 2016.
12
AUGOYARD, Jean François. Apud DUARTE, Cristiane Rose. Ambiência: por uma ciência do
olhar sensível no espaço. Tese de doutorado. Rio de Janeiro, UFRJ, 2017.
13
TOLEDO, Luiz Carlos. Op.cit.
14
CARVALHO, Antônio Pedro Alves de. As dimensões da arquitetura de estabelecimentos
assistenciais de saúde. In Temas de arquitetura de estabelecimentos assistenciais de
saúde. Salvador, Quarteto, 2003, p. 15-28.
15
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Núcleo Técnico da Política
Nacional de Humanização. Ambiência / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde,
Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. Brasília, Editora do Ministério da
Saúde, 2010, p. 32.
16
Idem, ibidem.
17
Idem, ibidem.
18
ELALI, Gleice Azambuja. Relações entre comportamento humano e ambiência: uma reflexão
com base na psicologia ambiental. In Anais do Colóquio Internacional Ambiências
compartilhadas: cultura, corpo e linguagem. Rio de Janeiro, 2009, p. 1-17.
19
Idem, Ibidem.
20
MONKEN, Maurício; BARCELLOS, Christovam. Vigilância em saúde e território utilizado:
possibilidades teóricas e metodológicas. Cad. Saúde Pública, n. 21, 2005, p. 898-906
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
311X2005000300024&lng=en>.
21
Idem, Ibidem.
22
FERREIRA, Sônia Maria Isabel Lopes; PENTEADO, Maridalva de Souza; SILVA JUNIOR, Milton
Ferreira da. Território e territorialidade no contexto hospitalar: uma abordagem
interdisciplinar. Saúde Soc, v.22, n.3, São Paulo, 2013, p.804-814
<www.revistas.usp.br/sausoc/article/view/76478>.
23
Idem, Ibidem.
24
SOARES, Narciso Vieira; DALL’AGNOL. Clarice Maria. Privacidade dos pacientes – uma
questão ética para a gerência do cuidado em enfermagem. Acta Paul Enferm,n.24, 2011, p.
683-688 < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
21002011000500014>.
25
PUPULIM, Jussara Simone Lenzi; SAWADA, Namie Okino. Percepção de pacientes sobre a
privacidade no hospital. Rev. Bras. Enferm, n. 65, Brasília, jul./ago. 2012, p. 621-
629.
26
CAVALCANTI, Patrícia Biasi; AZEVEDO, Giselle Arteiro Nielsen; ELY, Vera Helena Moro
Bins. A humanização dos ambientes de saúde: atributos ambientais que favorecem a
apropriação pelos pacientes. In Anais do IV PROJETAR - Projeto Como Investigação:
Ensino, Pesquisa e Pratica, São Paulo, 2009.
27
SOARES, Narciso Vieira; DALL’AGNOL. Clarice Maria. Op.cit.
28
CAVALCANTI, Patrícia Biasi; AZEVEDO, Giselle Arteiro Nielsen; ELY, Vera Helena Moro
Bins. Op.cit.
29
Idem, Ibidem.
30
SOARES, Narciso Vieira; DALL’AGNOL. Clarice Maria. Op.cit.
31
TOLEDO, Luiz Carlos. Op.cit.
32
Idem, Ibidem.
33
DUARTE, Cristiane Rose. Olhares possíveis para o Pesquisador em Arquitetura -Cultura,
Subjetividade e Experiência: dinâmicas contemporâneas na Arquitetura. In Anais do II
Encontro nacional da Confederação nacional de Pesquisa e Pós Graduação em Arquitetura
e Urbanismo – ENANPARQ, Rio de Janeiro, 2010.
34
RAPOPORT, J. Apud DUARTE, Cristiane Rose; BRASILEIRO, Alice; SANTANA, Ethel; PAULA,
Katia Cristina L. de; VIEIRA, Mariana; UGLIONE, Paula. O Projeto como metáfora:
explorando ferramentas de análise do espaço construído. In Duarte, C.R.; Rheingantz,
P.A.; Bronstein, L.; Azevedo, G.A. (Org.). O lugar do projeto no ensino e na pesquisa
em arquitetura e urbanismo. Rio de Janeiro, Contracapa, 2007.
35
AUGOYARD, Jean François. Apud DUARTE, Cristiane Rose. Op.cit.
36
GIRALDI, Rita de Cássia. Espaços de lazer para a terceira idade: sua análise por meio
de diferentes vertentes. Revista Brasileira de geriatria e gerontologia, v. 17, n. 3,
2014, p. 627-636.
sobre a autora
Cristiane N. Silva é arquiteta, graduada pelas Faculdades Integradas Silva e Souza,
especialista em Gestão de Redes de Saúde pela ENSP-Fiocruz e doutoranda pelo
Programa de Pós Graduação em Arquitetura da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Especialista em Ambiência Hospitalar pelo Ministério da Saúde.