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Este texto, fundamentado nos pressupostos teóricos da arqueologia Foucaultiana, cujas noções
norteiam trabalhos em análise de discurso de linha francesa, apresenta reflexões sobre práticas
discursivas que perpassa o sujeito Kaingang da Terra Indígena Ivaí, no Paraná. A partir das
noções de formação discursiva e função enunciativa, viso demonstrar o conceito de sujeito do
discurso no gênero discursivo foto-legenda, cuja produção se deu pelo desenvolvimento do
projeto Implantação do plano de gestão ambiental na Terra Indígena Ivaí – da Universidade
Estadual de Maringá. Nesse viés, a constituição desse sujeito aponta para a sua própria
dispersão, visto que o plano de onde fala é formado por um jogo de níveis independentes: uma
instituição, um status e um posicionamento. Assim, o sujeito não é determinado por uma
unidade, mas pela relação entre vários status ou profissões, múltiplos lugares institucionais e
diversas posições, as quais podem variar segundo a construção do corpus.
Introdução
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Texto originalmente publicado nos anais do 1º colóquio Internacional de Texto e Discurso CITeD. Referência:
DEOSTI, Aline. A formação do sujeito do discurso em práticas discursivas sobre sustentabilidade e o indígena
Kaingang da Terra Ivaí: Um estudo a cerca do gênero discursivo foto-legenda. In: anais do 1º colóquio
Internacional de Texto e Discurso CITeD. Assis, UNESP, 2011, p. 28-42. Disponível em:
http://www2.assis.unesp.br/fcl/livro/anais_cited/files/assets/basic-html/page28.html
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Professora de língua portuguesa formada em Letras (UEM), com mestrado em linguística aplicada (UFPR),
doutoranda em linguística (2018) (UFPR)
sujeito, o domínio associado e a materialidade do enunciado. Desse modo, descrever os
enunciados e a função enunciativa de que são portadores é tentar revelar uma formação
discursiva individualizada, ou na direção inversa, demarcar a FD revela o nível específico
enunciativo de um conjunto de enunciados.
Neste trabalho, opto por descrever uma dentre as quatro regras de formação, mas sem
desconsiderar que é na relação com as demais que a análise se completa. Tal opção, bastante
pessoal, é motivada pela intenção de, minuciosamente, demonstrar o movimento descritivo-
interpretativo segundo cada regra de formação, uma por uma. A escolha, nesse momento recai
sobre a formação das modalidades enunciativas, isto é, o sujeito da função enunciativa.
Tendo isso em vista, esbocei, neste texto, em linhas bastante específicas, as regras de
formação da “posição sujeito do discurso, concebido em termos de modalidades
enunciativas” (NAVARRO, 2008, p. 65). Além disso, e tendo em vista o corpus de análise,
delineei algumas características singulares do gênero foto-legenda e de um modo como sua
leitura pode ser realizada.
A Terra Indígena Ivaí conta atualmente, segundo a Funai 3(2007), com uma área de
7.306 ha e está localizada nas proximidades dos municípios de Pitanga e Manoel Ribas no
Paraná. “Na comunidade Terra Indígena Ivaí vivem hoje cerca de 300 famílias Kaingang, em
um total aproximado de 1.400 pessoas” (MOTA; NOVAK, 2008, p. 7).
O contato dos Kaingang com a sociedade envolvente garantiu a presença daquela
comunidade na região do vale do Ivaí, no entanto, passaram por uma readequação de seus
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Dado disponibilizado na página do Instituto Sócio Ambiental (Isa), o qual, no entanto, varia um pouco, pois de
acordo com Mota; Novak (2008) a área desta TI que já foi de 36.000 ha aproximadamente, teve seu espaço
reduzido para 7.200 ha com acordo datado de 12 de maio de 1949.
modos de vida tradicionais para as novas situações, o tempo antigo (wâxi) passou a ser o
tempo atual (uri), o que alterou profundamente sua dimensão sócio-cultural. Uma das
alterações que é relevante considerar, neste trabalho, é a da forma de (re)distribuição espacial
das famílias Kaingang em seu parco território, as quais vivem hoje concentradas na sede da
comunidade. Esta (re)distribuição ocorreu devido à inserção, na sede da TI Ivaí, de
instituições que visava dar mais conforto aos membros da comunidade: escola, posto de
saúde, comércio, dispositivos de água encanada e de energia elétrica. “No entanto se, de um
lado, a população indígena ficou perto dos recursos sociais, por outro, houve uma intensa e
crescente degradação ambiental pela grande concentração das famílias em uma só aldeia”
(MOTA; NOVAK, 2008, pp. 10-11).
Tendo em vista a redução deste território Indígena, o contato com a comunidade
urbana e suas instituições sociais e a consequente mudança de hábito entre os Kaingang da TI
Ivaí, programas e projetos, que têm por objetivo cooperar com a redução dos problemas
ambientais, ganharam relevância. Tais projetos versam sobre “Gestão territorial e ambiental:
mapeamento, proteção, vigilância, sustentabilidade” (ISA, s/d).
Dentre esses projetos, destaca-se o projeto Implantação do plano de gestão ambiental
na Terra Indígena Ivaí (doravante Implantação) (2005/2008), vinculado ao Laboratório de
Arqueologia, Etnologia e Etno-História da Universidade Estadual de Maringá (UEM), que foi
desenvolvido em parceria com a prefeitura de Manoel Ribas no Paraná (PR), com apoio dos
chefes da Comunidade Indígena Ivaí e com o fomento do Fundo nacional do meio ambiente
(FNMA). A proposição deste projeto se deu em decorrência da finalização do projeto Gestão
ambiental na terra Indígena Ivaí (2001/2003), cujo diagnóstico deu provas de problemas
ambientais no entorno desta TI.
As pesquisas junto a Terra Indígena e os exames laboratoriais no campus da UEM
diagnosticaram entre outras coisas a deficiência de nutrientes no solo; problemas
bacteriológicos em fontes d’água que abastecem a comunidade – rios e minas -; poluição
causada por lixo tipicamente urbano e, ainda, degradação da fauna e da flora.
Tendo isso em vista, as atividades que levaram ao desenvolvimento do projeto
Implantação têm o caráter interdisciplinar, uma vez que congrega áreas do conhecimento das
ciências da terra, da biologia, da história e da antropologia. A fim de comprovar frente à
instituição de fomento, à comunidade acadêmica e ao governo, as atividades do projeto junto
a Terra foram marcadas pela constante produção fotográfica o que resultou num acervo
iconográfico com cerca de 1000 fotografias.
O enunciado fotográfico e o gênero discursivo foto-legenda
Conforme Foucault (2008), os discursos são formados por elementos que não estão
ligados por nenhum princípio de unidade a priori - são uma dispersão. Na essência, esta
dispersão se deve à negação dos conceitos que organizam os saberes pela continuidade, o que
resulta num trabalho com “uma população de acontecimentos dispersos” (Foucault, 2008, p.
24). Inicialmente, em sua Arqueologia do saber, Foucault, destitui as noções
“tradicionalmente” aceitas como formadoras de unidades dos discursos: trata-se de
agrupamentos, sínteses acabadas, laços que diversificam o tema da continuidade,
permanência, originalidade e grandes individualidades históricas; são noções pelas quais se
costuma interligar os discursos dos homens. São princípios de classificação da unidade
discursiva e de organização do saber. Essas noções são: tradição, influência, desenvolvimento
e evolução, mentalidade e espírito de uma época, livro, obra, autor, temas da origem e do já-
dito. Ao contrário do que propõe essas noções de agrupamentos e recortes é necessário
considerar a dispersão dos acontecimentos discursivos. Cabe, então, ao analista restituir-lhes a
unidade evidenciando regularidades entre os mesmos.
A noção de História geral, caracterizada pelas descontinuidades, assinala os
acontecimentos discursivos numa dispersão. Posto isso, para se constituir corpus de análise,
tais acontecimentos discursivos precisam ser captados em série, série temática, por exemplo.
A partir de uma série de enunciados é necessário observar as regularidades discursivas por
meio do que Foucault chama de regras de formação, as quais constituem a identidade da
formação discursiva. Essas regras é o que permite vislumbrar num conjunto de enunciados
certa regularidade.
A formação discursiva seria, pois, a regularidade que pode ser descrita no caso em
que, entre a série de enunciados, se vislumbre o funcionamento de um sistema de dispersão,
sistema esse com lacunas, falhas, desordens, superposições, incompatibilidades, trocas e
substituições. Para determinar as regras específicas em que são formados “os objetos, os tipos
de enunciação, os conceitos, e as opções teóricas” é preciso traçar a relação específica entre os
(sub)níveis que organizam cada uma dessas formações. Desses sub(níveis), destacam-se as
constituintes do sujeito, entendido como modalidade enunciativa, que são, o status, a
instituição e a posição, as quais podem variar segundo a construção do corpus (FOUCAULT,
2008, p. 80).
Corrobora, nesse sentido, destacar o termo “formação” em “formação discursiva”,
cujo caráter dinâmico e ativo se opõe ao caráter estático e pronto, uma vez que as regras de
formação não preexistem à análise. Em vez de considerar o termo formação “em uma
perspectiva puramente estática como referindo-se a uma entidade já existente, o analista, em
função de sua pesquisa, dá forma a uma configuração original” (MAINGUENEAU, 2006,
p.19). O dinamismo de cada regra de formação, com suas falhas e trocas, é o que torna
possível conceber as regularidades de uma unidade discursiva num sistema de dispersão de
enunciados. Assim, “se há unidade, ela não está na coerência visível e horizontal dos
elementos formados; reside, muito antes, no sistema que torna possível e rege sua formação”
(FOUCAULT, 2008, p. 80).
Os objetos, os tipos de enunciação, os conceitos e as escolhas estratégicas, ou seja, as
quatro regras de formações da FD, não são independentes umas em relação às outras. Há
sempre um quadro de relações operante. Assim,
No caso em que se puder descrever, entre um certo número de enunciados, semelhante sistema
de dispersão e, no caso em que entre os objetos, os tipos de enunciação, os conceitos, as
escolhas temáticas, se puder definir uma regularidade (uma ordem, correlações, posições e
funcionamentos, transformações), diremos, por convenção, que se trata de uma formação
discursiva (FOUCAULT, 2008, p. 43).
A formação discursiva é, portanto, a unidade que se constata nas regularidades entre
objeto, conceito, teoria e sujeito, numa série de enunciados, o que permite definir, por
exemplo, o discurso sobre a sustentabilidade. Tal unidade não pode ser delimitada “por outras
fronteiras senão aquelas estabelecidas pelo pesquisador; e elas devem ser especificadas
historicamente. Os corpora aos quais elas correspondem podem conter um conjunto aberto de
tipo e de gêneros do discurso, de campos e de aparelhos, de registro” (MAINGUENEAU,
2006, p. 16).
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Sobre unidades tópicas Maingueneau (2006, p. 14) explica “que se poderiam chamar de unidades territoriais, as
quais correspondem a espaços já “pré-delineados” pelas práticas verbais. Pode se tratar de tipos de discurso
relacionados a certos setores de atividades da sociedade: discurso administrativo, publicitário, político etc.”
Figura 1 – Legenda 1 – Plano de Utilização sustentável da Flora e Fauna - 14/08/2005, agentes florestais
Kaingang destroem o jirau, armação sobre forquilhas, na qual indígenas se apóiam para caçar animais em Terras
da Comunidade Ivaí. Prática que deve ser controlada com a formação de agentes florestais, que fiscalizam e
vigiam o entorno da Terra Indígena visando à prevenção e à manutenção da fauna e da flora
Na figura 1 e legenda 1, materializa-se discurso de práticas sociais do homem não
indígena, uma vez que em concordância com os discursos que versam sobre a preservação da
diversidade da fauna, a eminente destruição de um instrumento de caça, elege conhecimentos
científicos do homem não indígena em detrimento das práticas indígenas. Tal prática, a da
caça de animais, é uma prática social e histórica entre indígenas que tem o objetivo de prover
alimento de base protéica para os membros da comunidade, prática que, devido aos discursos
circunscritos às políticas de preservação da fauna do não indígena, passa a ser controlada pelo
próprio indígena.
Figura 2 – Legenda 2 - Plano de gestão dos resíduos sólidos - 13/08/2005 - Terra Indígena Kaingang Ivaí –
município de Manoel Ribas. Diagnóstico sobre o lixo aponta qualidade e falta de destino do mesmo
Referências