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sobre os padrões “éticos” que regulam as suas práticas, a História

tem mostrado que a prioridade do lucro é na verdade uma doença,


que não só envenena o nosso bem-estar pessoal / social e o nosso
Mecanismo 3 modo de vida, como também o meio-ambiente de que dependemos
A Prioridade do Lucro para praticamente todas as nossas necessidades como espécie.

No entanto, antes de enumerarmos as consequências negativas re-


sultantes desta ‘mentalidade’, vamos analisar o que muitos conside-
ram o lado bom desta prioridade do lucro — o “Incentivo”.

De acordo com a teoria, a necessidade de lucro dá motivação à pes-


O principal mecanismo de motivação num sistema monetário é o soa / organização para trabalhar em novas ideias / produtos que ven-
Lucro, ou a aquisição de dinheiro através da exploração de outros. dam no mercado. Noutras palavras, assume-se que se as pessoas
não fossem motivadas pela necessidade de sobreviver através do
A bem da simplicidade, o termo ‘lucro’ será empregue como sinónimo de ‘rendi- lucro, haveria muito pouco progresso social.

nota mento’ e ‘salário’. Embora as classificações económicas clássicas separem estas


noções, os termos referem-se simplesmente à aquisição de dinheiro. O assala-
riado ‘lucra’ com o seu trabalho, simplesmente porque se trata de rendimento. Em primeiro lugar, é de referir que as contribuições mais importan-
tes para a sociedade não vieram de corporações procurando o lucro.
Nikola Tesla não inventou a corrente eléctrica alternada porque
De maneira a sobreviver, cada participante deve procurar uma estra- queria ganhar dinheiro. Louis Pasteur, Charles Darwin, os irmãos
tégia para obter rendimento. Um “assalariado” procura o melhor pa- Wright, Albert Einstein e Isaac Newton não deram as suas enormes
gamento possível pelos seus serviços, enquanto que um Empregador contribuições para a sociedade devido ao interesse material próprio.
(dono / produtor) procura constantemente reduzir custos de maneira Embora seja verdade que algumas invenções e métodos úteis vie-
a maximizar o lucro. Essa é a “mentalidade” dominante num sistema ram da motivação por lucro pessoal, a intenção por trás dessas cria-
monetário e aqueles que estão em posições de grande riqueza (“su- ções normalmente não tem nada a ver com preocupações humanas
cesso” material) são muitas vezes os mais implacáveis. Apesar de ou sociais, já que o interesse próprio e a sobrevivência são as verda-
muitos dos apologistas do sistema do lucro dissertarem longamente deiras motivações.

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O interesse no lucro tem quase sempre precedência sobre o interesse de estratégia para ganho monetário é corrupto na sua própria essên-
humano. Um rápido olhar sobre os conservantes cancerígenos nos cia...ele só é aceite como “normal” por uma cultura condicionada, no
nossos alimentos, a obsolescência planeada em praticamente tudo grau que seja considerado tolerável pelo consenso geral.
o que é fabricado e ainda um serviço de saúde (privado Americano)
que cobra quase 217€ por um único comprimido de antibiótico, vai Por exemplo, quando se vai ao supermercado e se compra uma caixa
indicar-nos que o ‘incentivo baseado no lucro’ é na verdade prejudi- de cereais, 90% das vezes a quantidade de cereal ocupa apenas 60%
cial, pois o seu verdadeiro incentivo não está em contribuir para a do espaço dentro da caixa. Esta ‘estratégia publicitária’, como diria
sociedade, mas apenas para extrair riqueza da mesma de todas as a empresa produtora, é na realidade uma mentira flagrante e imoral.
formas possíveis. Na verdade, o lucro é um falso incentivo. Os pro- As agências de publicidade, com todas suas tácticas de manipulação
blemas da nossa sociedade monetarista só serão resolvidos se for social, estão provavelmente entre as instituições mais corruptas do
lucrativo resolvê-los. planeta. Infelizmente, fomos condicionados a chamar a isto ‘pro-
moção’ ou ‘estratégia’. Este tema da distorção social criada pela pu-
Consequência: blicidade será desenvolvido na secção “Distorção de Valores” deste
capítulo.
As ramificações psicológicas / sociais resultantes da prioridade ao
lucro têm consequências graves ao nível da conduta dos seres hu- Agora, para colocarmos o espectro da corrupção monetária numa
manos. De facto, foi criada toda uma estrutura de controlo, imposto perspectiva funcional, vamos dividir este comportamento aberran-
de maneira a lidar com os intermináveis problemas que a necessi- te em 3 classificações: Crime Corrente — Crime Corporativo — Crime
dade de sobrevivência via ganho / lucro / capital traz — O Sistema Governamental.
Legal. Embora os crimes sem motivação monetária, muitas vezes
com origem no ego, na inveja, em privações emocionais ou outros O Crime Corrente, que deriva da procura de dinheiro, varia desde o
problemas psicológicos, sejam um problema actual, a frequência pequeno furto, venda ilegal, fraude, até ao assalto violento. Muitas
destes crimes não é de todo comparável à frequência dos crimes que vezes não é dada a atenção necessária a este subproduto do siste-
são motivados pela aquisição de dinheiro ou propriedade. Na verda- ma monetário para compreender a sua origem, pois muitos tendem
de, se definirmos “Crime” como “Corrupção” e “Corrupção” como a rejeitar estes “criminosos” como se eles fossem uma espécie de
“Perversão Moral, Desonestidade”, surge toda uma nova perspecti- anomalia social, em vez de relacionar a sua origem com a necessida-
va. Porque um olhar atento revelará que praticamente todo o acto de de sobrevivência. O stress inerente e outros efeitos secundários

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relacionados com a privação são também negligenciados. Não é de admirar que os bairros mais pobres dos Estados Unidos
mantenham as maiores taxas de criminalidade. Uma pessoa que
O estudo “Merva-Fowles”, realizado pela Universidade do Utah nos nasce num ambiente de escassez, com poucos recursos, fraca edu-
anos 90, encontrou ligações estreitas entre o desemprego e o crime. cação e poucas oportunidades de emprego, fará o que for preciso
A pesquisa foi realizada nas 30 maiores áreas metropolitanas (dos para sobreviver. A questão é que a privação económica (escassez) é
EUA), com uma população total de mais de 80 milhões de habitantes. que cria este tipo de comportamento aberrante e não a tanta vezes
citada “tendência para o crime”.
Os resultados mostraram que um aumento de 1% no desemprego
resultou num aumento de: O Crime Corporativo, que quase sempre é exclusivamente relacio-
nado com o lucro, toma muitas formas: Obsolescência Planeada,
6,7% nos homicídios; Manipulação do Mercado, Sub-contratação, Fixação dos Preços,
3,4% nos crimes violentos; Conluio Monopolista, Exploração de Mão-de-Obra e Conluio
2,4% nos crimes contra a propriedade. Governamental são apenas alguns. Desde a decisão da empresa
Enron de desligar centrais de energia eléctrica na Califórnia para au-
Durante o período entre 1990 e 1992, isto traduziu-se em mais: mentar as suas reservas de energia,6 até à distribuição deliberada,
pela Bayer, de medicamentos infectados com o vírus da SIDA,7 devia
1459 homicídios; ser claro para a maioria das pessoas que o crime corporativo é per-
62,607 crimes violentos; manente e, muitas vezes, mais pérfido que o “Crime Corrente”, pois
223,500 crimes contra a propriedade.5 as suas consequências tendem a afectar grupos de pessoas muito
mais numerosos.
Se tomarmos uma pessoa boa, ética e “integra”, se a privarmos de
toda a sua riqueza e recursos e a largarmos num bairro pobre tendo A necessidade que o “Criminoso Corporativo” tem de assegurar a
apenas a roupa que lhe cobre o corpo, há grandes probabilidades rentabilidade de um negócio não é muito diferente da necessidade
dessa pessoa começar a mentir, trair e roubar para sobreviver. de sobrevivência do “Criminoso Corrente”. Enquanto o último nor-
malmente comete crimes para sobreviver, o primeiro fá-lo para as-
segurar ainda mais a sua posição de poder, o seu estilo de vida e a
sua riqueza. É um comportamento baseado no medo. A noção de

5. Merva & Fowles, Effects of Diminished Economic Opportunities 6. http://www.nytimes.com/2005/02/04/national/04energy.html


on Social Stress, Economic Policy Institute, 1992 7. http://www.naturalnews.com/News_000647_Bayer_vaccines_HIV.html

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“Ganância”, que se manifesta a partir de uma insegurança perpétua Em primeiro lugar, todos os membros do governo devem receber
derivada do medo de perder o que se possui, serve como factor mo- um salário e todos os projectos que criam devem ter financiamento.
tivante para a maioria dos crimes corporativos. É como o vício do Aparentemente, essa verba vem dos “impostos” sobre o público em
jogo. Quanto mais se ganha, mais se quer ganhar. Esta neurose é geral, ou de empréstimos de bancos ou de outros governos. Os im-
perpetuada / reforçada pela estratificação social que o sistema mo- postos são gerados através do ‘comércio’ ou ‘rendimento comercial’,
netário cria, pois há uma progressão infinita de “luxos” disponíveis enquanto que os empréstimos, teoricamente, devem ser pagos com
à medida que o poder de compra de alguém aumenta (i.e: mansões, dinheiro obtido de outro modo, seja por mais comércio, mais em-
iates, limusinas, diamantes, terrenos, etc). Mais sobre este assunto préstimos ou mais impostos.
na próxima secção: “A Distorção de Valores”.
A função central do governo é o desenvolvimento da legislação regu-
Os Crimes Governamentais são uma das formas de conduta mais ladora para lidar com o funcionamento da sociedade. Idealmente, os
difíceis e complexas a ter em consideração, pois a percepção do interesses gerais do povo seriam a prioridade número um do gover-
governo é bastante modificada pelos valores predominantes que a no. Infelizmente, como a história nos mostra, não é esse o caso e ra-
“classe dominante” perpetua na sociedade, através dos meios de co- ramente tem sido. Em vez disso o governo, tal como o conhecemos,
municação social e do tradicional chauvinismo. Por outras palavras, é na realidade a “empresa-mãe” de todas as outras corporações ac-
se recordarmos os horrores de Hitler, geralmente esquecemo-nos tivas na economia de um país. Claro que tal faz sentido, uma vez que
de que muitos alemães também mantiveram o sistema de valores o valor de uma nação é de facto determinado pelo estado da sua
anti-semita, propagado pelo regime através de panfletos e trans- economia. Isto significa que o governo tem um “Interesse Investido”
missões radiofónicas. O mesmo se pode dizer da invasão do Iraque na situação económica da sua nação, mais especificamente, interes-
pelos Estados Unidos. Inicialmente alimentada pelo apoio público, se nos membros da sua própria classe — a classe alta.
por causa do ódio e medo dos alegados “terroristas islâmicos”, gera-
dos pelos ataques de 11 de Setembro de 2001. Dito isto, vamos pôr “Interesse Investido”, ou seja, alguém ou um grupo que tem algo
de lado os nossos valores tradicionalistas de lealdade e “patriotismo” a ganhar ou a perder pendente de uma decisão governamental, é
e olhar objectivamente para o que realmente um governo é e repre- como uma estrada de dois sentidos. Um político pode receber “con-
senta dentro de um Sistema Monetário. tribuições” de uma empresa que ele favorece nas suas decisões, en-
quanto que a companhia ganha com as decisões que ele executou
em seu favor. Nos EUA, os grupos de pressão (lobbies) movimentam

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milhares de milhões de dólares por ano. Esses montantes são ofere- e bilionários nos Estados Unidos durante a Guerra Mundial... O
cidos inteiramente sob o pretexto de “colocar em acção” a agenda Sexagésimo Quinto Congresso, referindo os ganhos empresariais
das entidades doadoras. e os rendimentos governamentais: Considerando os lucros de 122
empacotadores de carne, 153 produtores de algodão, 299 fabrican-
Embora existam vastos exemplos de conluio governamental e em- tes de vestuário, 49 siderurgias e 340 produtores de carvão durante
presarial, desde a admissão de fármacos não testados pela Food and a guerra: Lucros abaixo de 25 por cento eram excepções. Por exem-
Drug Administration, entidade responsável pela aprovação de pro- plo, durante a guerra as companhias produtoras de carvão lucraram
dutos farmacêuticos nos EUA, até ao sucesso do lobby de petróleo entre 100% e 7856% do seu valor bolsista. Os empacotadores de
em reverter a Lei de Zero Emissões da Califórnia, o que quase forçou carne de Chicago duplicaram ou triplicaram os seus ganhos.
a retirada dos carros ‘eléctricos’ não poluentes do mercado, o maior
crime governamental derivado do monetarismo é o uso da guerra Não esqueçamos ainda os banqueiros que financiaram a Grande
para o benefício dos seus constituintes empresariais / financeiros. Guerra. Se a alguém calhou a ‘nata’ dos lucros, foi aos banqueiros.
Sendo sociedades por quotas, em vez de sociedades anónimas, eles
Nas palavras do Major-General Smedley D. Butler, duas vezes con- não eram obrigados a reportar aos accionistas. E os seus lucros
decorado com a medalha de honra do congresso: foram tão secretos como imensos. Não sei como é que os banquei-
ros conseguiram os seus milhões e biliões, porque esses pequenos
“A guerra é uma farsa. Sempre foi. É possivelmente a mais antiga, segredos nunca se tornaram públicos — nem mesmo perante um
sem dúvida a mais lucrativa, com certeza a mais cruel. É a única com corpo de investigação do Senado.” 8
âmbito internacional. E a única na qual os lucros são contados em
dólares e a as perdas em vidas. Uma farsa é melhor descrita, creio, A 2ª Guerra Mundial, a Guerra da Coreia, do Vietname e agora do
como algo que não é o que parece à maioria das pessoas. Somente Iraque e Afeganistão não são diferentes. Criação industrial ace-
um grupo “interno” restrito sabe do que se trata. Ela é conduzida lerada, contratos militares, contratos de reconstrução, aquisição
para o benefício de muito poucos, à custa de muitos. Através da (roubo) de energia e recursos, auteros empréstimos com altas taxas
guerra, uns poucos fazem grandes fortunas... de juros feitos pelo Banco Mundial e bancos privados à economia do
pós-guerra e até o tráfico de drogas da CIA,9 são apenas alguns dos
Na (Primeira) Guerra Mundial um pequeno grupo recolheu os lu- meios altamente lucrativos.
cros do conflito. Fizeram-se pelo menos 21 mil novos milionários

8. Butler, Smedley D., War is a Racket, Feral House, 1935, Chapter 1


9. Webb, Gary, Dark Alliance, Seven Story Press, 1999

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São três as motivações para a guerra: ① Lucro Industrial, maximiza- de modo que haja uma luta sem fim a ser constantemente travada.
do para a elite; ② Aquisição (roubo) de Recursos e ③ Alinhamento Estamos em constante guerra uns com os outros pela nossa própria
Geopolítico para facilitar futuros lucros industriais e roubo de recursos. sobrevivência. Esta batalha cria muito pouco em termos de progres-
so humano sustentável e o resultado é este mundo doente, poluído
Esta é uma das maiores doenças causadas pela necessidade de ri- e distorcido que vemos à nossa volta.
queza e poder. O governo, utilizando a sua equipa de vítimas de
lavagem cerebral transformados em assassinos, está envolvido na
derradeira forma de auto-preservação e enquanto todos os recur-
sos do mundo permanecerem ‘acumulados’ para o interesse de uns
poucos, este padrão de Guerra não terá fim.

As classificações de “corrupção” acima descritas são apenas qualifi-


cações genéricas. Muitas nuances do comportamento humano no
dia-a-dia são também envenenadas por este mecanismo do lucro;
desonestidade, estendendo-se desde a ‘arte de negociação’ em que
dois homens de negócios competem entre si por interesse próprio,
com inerente indiferença de cada um para com o outro, até à discor-
dância inerente à relação empregador-empregado, onde um pro-
cura maximizar o trabalho para reduzir os salários, enquanto que o
outro tenta maximizar o tempo gasto a fim de ganhar mais dinheiro.

A conclusão é que a Prioridade do Lucro causa uma mentalidade du-


alista de ‘nós contra eles’, pois dentro do sistema monetário tem de
haver o vendedor e o comprador; o trabalhador e o patrão; o cliente
e o dono; aquele que tem e aquele que não tem. Neste contexto,
cada parte tem que criar condições tão lucrativas quanto possível
para ela própria, experimentando novas estratégias a cada passo,

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