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Quais são as doenças de fundo mental e emocional mais comuns hoje? Qual a melhor
forma de se referir a elas?
Eu acho que “sofrimento” é um bom termo, porque traz para essa perspectiva da subjetividade,
da forma como cada um enfrenta, como cada um lida a sua vida e representa bem o sentimento
das pessoas. O uso das palavras “doença” ou “transtorno” é importante para a questão da
classificação médica e para comunicação entre profissionais, mas às vezes ela é perigosa, pois
as pessoas tendem a se rotular, vira um rótulo mesmo, e a pessoa se prende àquilo e quem tá
em torno também rotula a pessoa como sendo aquilo e ela não consegue se desprender e, por
isso, a gente deve tomar cuidado. Então, falar em “sofrimento” é algo que perpassa a maioria
das pessoas que nos procuram e dentro desses casos tem alguns que realmente poderiam ser
chamados de transtorno ou doença – codificada dentro da psiquiatra, dentro de um CID [sigla
para Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a
Saúde, tabela publicada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para padronizar e catalogar
doenças e transtornos], que são aqueles casos que estão em um estado que esse sofrimento já
se tornou uma doença, um transtorno psiquiátrico mesmo.
Entre os sofrimentos mais comuns hoje, no geral, a ansiedade é muito presente. Os jovens que
nos procuram, os estudantes universitários trazem muito essa questão da preocupação com a
vida, com o futuro, com a universidade; essa dificuldade de lidar com o tempo, de estar aqui no
presente, o pensamento está sempre lá no futuro. Então, eu acho que ansiedade é a que está
na frente. Tem alguns casos também de depressão e, quando nos referimos a ela, podem ser
de várias formas: tanto de um transtorno depressivo, que se arrasta há anos na vida da pessoa,
que a impede de ter uma vida social ou podemos estar falando de um momento depressivo, de
um episódio, uma reação depressiva frente a algo que aconteceu na vida dela/ da pessoa. Então,
podemos dizer, de modo geral, que essas duas doenças são os sofrimentos que mais aparecem.
Quais seriam as suas possíveis causas? Estão mais associadas a fatores biológicos,
genéticos, sociais ou psíquicos?
Não tem uma causa especifica. Depende de cada caso. Assim, depende muito de cada um, da
história de vida da pessoa, do tipo de personalidade que ela tem, da forma como ela lida com o
mundo, da forma que ela projeta a vida dela. Existe uma série de fatores, não dá para especificar
um único para todo mundo.
A rede pública de saúde está preparada para lidar com esses casos?
Eu acho que ainda há uma desarticulação entre saúde física e saúde mental, como se fossem
duas coisas separadas. Em termos de modelo de filosofia ainda tem essa questão de separação
e em termos de estrutura também há um esvaziamento muito grande. Por exemplo, se
pensarmos no contexto municipal, ainda existem poucas possiblidades de atendimento de saúde
mental dentro na nossa cidade. Então, a população fica muito perdida, em termos de saúde, a
quem procurar, ainda é muito difícil.
Como enviar um pedido de ajuda? E, por outro lado, o que fazer diante de um?
A primeira coisa é aceitar que você precisa de ajuda. Muitas vezes, as pessoas não acreditam
que precisam de ajuda, não acreditam na ajuda, acreditam que nada vai ajudar, que alguém vai
compreender. É importante que, assim que recebido esse pedido de ajuda, primeiro,
compreender o sofrimento da outra pessoa no sentido de empatia, de olhar o mundo com os
olhos dela. Às vezes, as pessoas tendem a minimizar o sofrimento do outro: “Ah, bobagem! Você
está sofrendo por isso?! Tem gente por aí passando fome, que não tem casa”. Tudo bem!
Existem outras pessoas que também estão sofrendo, mas ali também está doendo. A importância
de você poder estudar, poder ter empatia. Você não precisa ter uma resposta, nem uma solução
mágica, mas o simples fato de você poder escutar, você poder acolher, encaminhar para alguma
ajuda já pode ser uma atitude muito significativa.
Há um caso que foi mais difícil de lidar ou que lhe causou mais comoção?
Sempre tem um caso que mobiliza mais, que choca mais. Depende da carga que a pessoa traz,
depende do estado emocional em que ela está. Quando a pessoa está aqui, eu estou aqui com
ela, eu estou no mundo dela; mas, quando ela vai, ela tem que ir embora e levar suas coisas. A
gente tem que ter esse trabalho de não se misturar, nesse sentido de não absorver o que esse
alguém trouxe. Mas, existem alguns casos que realmente marcam mesmo… Nos faz ficar
pensando naquilo.
Alguns filósofos do século XIX diziam que o único problema filosófico realmente sério é
a questão do suicídio. Enfim, a pergunta que não quer calar: vale a pena viver?
Pra mim, vale! Com certeza... (risos) Principalmente, quando a gente aprende a dançar a dança
da vida. Parece que o grande desafio das pessoas é isso: aprender a lidar com a dinâmica da
vida. Mas, quando a pessoa quer aprender a dominar essa dinâmica, quando ela quer ter controle
sobre esse dinamismo da vida, ela adoece. Agora, quando ela consegue lidar com essa coisa
do imprevisível, da fatalidade, do que sai do meu controle, do que não depende de mim, quando
eu consigo lidar com as minhas limitações, quando eu reconheço que, apesar das minhas
limitações, eu tenho as minhas possibilidades e minhas potencialidades, se eu consigo ter um
equilíbrio disso, fica muito mais leve viver, embora eu possa sofrer, embora eu possa cair e
embora eu possa chorar. É preciso mais um jogo de cintura para lidar com a vida do que uma
rigidez, do que ter convicção de que a vida tem que ser “assim” e eu buscar ter controle de tudo
a todo tempo. Acho que aprender a dançar a dança da vida traz muita paz, mais tranquilidade…
Não evita o sofrimento! Mas, com certeza, fica mais leve estar aqui e a gente consegue perceber
a vida com outra perspectiva, apesar das dores e dificuldades.