Você está na página 1de 12

611

Tecnologia de informação para a educação na saúde:

ARTIGO ARTICLE
duas revisões e uma proposta

Information technology for health education:


two revisions and a proposal

Maria Tereza Leal Cavalcante 1


Miguel Murat Vasconcellos 1

Abstract This paper presents two revisions: one Resumo Neste artigo realizam-se duas revisões:
discusses the absorption of information technol- a primeira discute a incorporação de tecnologias
ogies in Health and Education; the other presents de informação na saúde e na educação. A segunda
a revision of technological concepts applicable to apresenta uma revisão de conceitos tecnológicos
professional healthcare education. The objectives aplicáveis na Educação na Saúde. O objetivo é
are to demonstrate the relevance of including these evidenciar a pertinência de incorporação de tec-
technologies in large-scale institutional training nologias de informação em projetos institucio-
projects for healthcare practitioners in Brazil’s nais de formação de profissionais para o Sistema
National Health System, presenting material and Único de Saúde brasileiro, em larga escala, e apre-
political devices for teaching-learning processes sentar dispositivos materiais e políticos para pro-
that foster the sharing of content, the reusability cessos de ensino-aprendizagem em saúde que fa-
of educational materials and interdisciplinarity. voreçam o compartilhamento de conteúdos, a reu-
This paper thus illustrates the possibilities of tilização de materiais educativos e a interdisci-
adopting standards and the development of learn- plinaridade. Como resultado, ilustram-se possi-
ing objects as content creation, distribution and bilidades de adoção de padrões e do desenvolvi-
management technologies. In the political sphere, mento de objetos de aprendizagem, tecnologias
institutional leadership and cooperation networks aplicáveis para a criação, distribuição e gestão de
are highlighted as key elements for clustering the conteúdos. Na dimensão política, destacam-se li-
efforts of academic institutions, training centers derança institucional e redes de cooperação como
and services for collectively building up a Health- os elementos estruturantes para a articulação de
care Education Technology base. esforços de instituições acadêmicas, centros de for-
Key words Information technology, Healthcare mação e serviços para a criação coletiva de uma
education, Standards, Learning objects base tecnológica para a Educação na Saúde.
Palavras-chave Tecnologia de informação, Edu-
cação na saúde, Padrões, Objetos de aprendiza-
1
gem
Escola Nacional de Saúde
Pública, Fundação Oswaldo
Cruz. Rua Leopoldo
Bulhões 1480/727,
Manguinhos. 21041-210
Rio de Janeiro RJ.
maria.tereza@ensp.fiocruz.br.
612
Cavalcante, M. T. L. & Vasconcellos, M. M.

Não alimento nenhuma ilusão quanto a um ção de proceder a uma reorientação do ensino.
pretenso domínio possível do progresso técnico, O campo educacional, como estudado por
não se trata tanto de dominar ou prever com Struchiner4, vive um processo de reformulação
exatidão, mas sim de assumir coletivamente um favorecido pela incorporação de tecnologias de
certo número de escolhas. informação, como ensino à distância e metodo-
Pierre Levy logias de educação continuada, em que se desta-
cam a descentralização e a individualização do
processo ensino-aprendizagem. Por outro lado,
Introdução Struchiner4 destaca que, apesar da formação em
recursos humanos em saúde ser estratégica des-
Vivenciam-se hoje, no Sistema Único de Saúde de os anos 80, a formação continuada, do ponto
(SUS), iniciativas voltadas para a Educação na de vista pedagógico, tem utilizado métodos de
Saúde, que colocam na agenda dos centros de ensino reprodutivistas que conduzem à passivi-
formação e das instituições acadêmicas questões dade e à superficialidade.
como a reorientação do ensino, a reorganização A exigência de mudanças nos conteúdos e
curricular, a revisão de modalidades de oferta de projetos de formação profissional tampouco é
cursos, de práticas pedagógicas e de conteúdos. exclusiva da Saúde. Santos5 identifica nas Ciênci-
Podem ser de pronto enumeradas iniciativas as Sociais a necessidade de repensar e atualizar os
em curso ou em proposição, nos termos defini- seus conteúdos frente à transição de paradigmas
dos pelo Ministério da Saúde e pela Secretaria de científicos em que se exige o desenvolvimento de
Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SG- um pensamento complexo e relacional e, para
TES)1, a saber: a Política de Educação Permanen- tanto, discute a formação dos cientistas sociais
te e a Formação de Formadores e de Formuladores em metodologias computacionais.
de Políticas, que visam a superação das concep- Esse cenário desafia às instituições de ensino
ções tradicionais de educação e que incorporam de saúde a:
como estratégia modalidades de educação a dis- a) posicionar-se criticamente frente à agenda
tância2 e a Rede de Ensino para a Gestão Estratégi- da educação na saúde
ca do SUS, que propõe estabelecer parcerias e b) proceder à inovação dos processos de en-
apoiar os processos formativos das diversas Es- sino-aprendizagem
colas de Saúde Pública e Instituições Públicas de c) aumentar a produção de conhecimento
Ensino Superior. sobre o uso de tecnologias de informação em
Soma-se a estas iniciativas governamentais a saúde na pesquisa, no ensino-aprendizagem e na
proposição pelo Conselho Nacional de Saúde gestão do sistema de saúde.
(CNS) da realização, em 2006, da 3ª Conferência A adoção de metodologias de compartilha-
Nacional de Gestão do Trabalho e da Educação mento de conteúdos em redes de escolas pode
na Saúde, com o objetivo de estabelecer diretrizes ser um elemento estruturante da resposta a estes
para a implementação da Política Nacional de desafios. Neste artigo, ilustram-se possibilida-
Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde des tecnológicas, como a adoção de padrões e do
(PNGTES). No documento3 que subsidiou o desenvolvimento de objetos de aprendizagem em
processo preparativo para Conferência, estão instituições de ensino em Saúde, ao mesmo tem-
propostas a educação permanente em saúde e a po em que se revisam recursos políticos para uma
reorientação do ensino em saúde pelo enfoque resposta coletiva, em rede, por parte de institui-
na integralidade e humanização em saúde. Iden- ções acadêmicas, centros de formação e serviços.
tifica-se a necessidade de descentralizar e disse- Duas revisões de literatura são realizadas: a
minar capacidade pedagógica no interior do se- primeira discute a incorporação de tecnologias
tor saúde, fazendo do SUS uma rede-escola3. de informação na saúde e na educação ao longo
A agenda da Conferência e a forte demanda das décadas de 90 até atualidade. São evidencia-
governamental, expressa nos programas menci- das convergências e lacunas nessa literatura e ar-
onados, colocam para os centros de formação ticula-se as produções de Informações em Saúde
em saúde questões na relação entre oferta e de- com as de Educação na Saúde no que diz respeito
manda de cursos. Se, por um lado, as institui- à incorporação de tecnologias de informação.
ções formadoras têm o desafio de repensar a es- A segunda revisão apresenta conceitos tecno-
truturação de seus conteúdos, seus processos de lógicos aplicáveis na Educação na Saúde. Em es-
planejamento e gestão, por outro, devem forta- pecial, são apresentados os conceitos de objetos
lecer sua capacidade crítica frente à recomenda- de aprendizagem, as iniciativas de padronização
613

Ciência & Saúde Coletiva, 12(3):611-622, 2007


de metadados e os consórcios interinstitucionais de base tecnológica, resistência de professores e
para compartilhamento de conteúdo. pesquisadores para aprender e desenvolver tec-
Por fim, a conjugação das lacunas e das po- nologias, percepção que essa tecnologia requer
tencialidades das duas revisões, sem que se esta- esforço e tempo desmedidos em comparação aos
beleça protagonismo de uma ou de outra, per- benefícios, percepção de que a maior parte das
mite desenhar uma proposta na qual são evi- aplicações estão desenhadas para atender a re-
denciados os dispositivos políticos e materiais quisitos do mercado - e não a necessidades espe-
para a estruturação de uma base tecnológica co- cíficas do ensino e pesquisa - e por fim, dificulda-
mum para a Educação na Saúde no SUS. des para constituir processos de compartilha-
mento de informações entre colegas de institui-
ção e com pesquisadores de outras instituições.
Tecnologias de informação na saúde Por outro lado, em 2000, do ponto de vista
e na educação: uma trajetória em revisão do apoio à decisão clínica e gerencial, Leão10 re-
comenda integrar a informação com o estabele-
Na década de 90, Lévy6 circunscreve as tecnologi- cimento de comunicação entre sistemas de in-
as de informação a um campo político aberto e formações independentes e heterogêneos. Em
conflituoso. A significação e o papel de uma con- 2002, Vasconcellos11 evidencia a defasagem exis-
figuração técnica em um dado momento não tente entre o avanço do conhecimento no campo
podem ser separados do projeto que move esta das tecnologias de informação e a incorporação
configuração, nem mesmo dos projetos rivais destas tecnologias ao processo de gestão em saú-
que a disputam. Indaga em que medida certos de no Brasil.
projetos e atores escapam de uma visão imedia- Com a intensificação do uso de tecnologias
tista, racionalizadora e utilitária destas tecnolo- de informação na Educação à Distância (EAD)
gias, em que se privilegie outras belezas que não em Saúde, elementos positivos deste processo são
as do espetáculo e do lucro. evidenciados na produção de Misoczky12, Chris-
Ilustra com a informática escolar na França tante13 e Costa14. Misoczky12 defende uma pro-
nos anos 80 onde, apesar dos vultuosos recur- posta educativa voltada à mudança e à pluralida-
sos, das escolas equipadas e dos professores for- de – e não ao conformismo e a submissão – e per-
mados, os programas fracassaram. As resistên- cebe a EAD como uma estratégia para (re) signi-
cias sociais são explicadas por Levy6: ao procurar ficação do processo educativo. Salienta que as
a imagem da modernização, o governo não obteve possibilidades de transgressão provêm da ambi-
nada além de imagens, não houve a condução de ência humana implicada no processo formativo.
um projeto político em que se analisassem as trans- Outros estudos15, 16 centram a atenção nas plata-
formações em andamento e os novos modos de cons- formas, ambientes, ferramentas, interações e es-
tituição e transmissão do saber. tratégias pedagógicas, com relatos de casos.
Na mesma década em que se destaca a pro- Essa literatura 12,13,14,15,16, embora dialogue
dução de Levy, Moraes7 discute na Saúde a difu- com um ideal político transformador no uso de
são de certa euforia com a chamada Era da Infor- tecnologias na educação, o faz do ponto de vista
mação e trata a informação como espaço estraté- pedagógico e não institucional. Os casos e as aná-
gico, a partir das distintas formas que assumem lises ilustram mediações entre tecnologias e con-
as relações entre o Estado e a sociedade. Seu tra- cepções pedagógicas na estruturação e na oferta
balho analisa a evolução dos Sistemas de Infor- de determinados programas e cursos. Há lacu-
mação em Saúde no País como expressão da frag- nas em relação à dimensão tecnológica material
mentação institucional existente. Identifica redun- capaz de suportar projetos políticos institucio-
dância de esforços, defasagens de tecnologia e nais de maior escala para responder as necessi-
gestão inadequada. Em 19988, apóia-se nos estu- dades de formação de profissionais para o SUS.
dos de Michel Foucault e conclui pela necessida- Na Educação, desde 2001, Belloni17 expressa
de de ampliação da capacidade argumentativa preocupação com a incorporação acelerada e acrí-
dos sujeitos informacionais para um processo tica de tecnologias em programas educacionais
democrático emancipador. de governo. Recorre à Debord, Habbermas, Mar-
Também em 1998, Iturri 9 analisa aspectos cuse e Mattelart na composição de suas críticas
sociais da incorporação de tecnologias de infor- ao modelo brasileiro de incorporação de tecno-
mação e comunicação em instituições de ensino logia à educação à distância. Alerta que no con-
e pesquisa de saúde pública. Enumera pontos texto atual do capitalismo, o campo educacional
críticos: dificuldades de aquisição e manutenção aparece como uma nova fatia de mercado promis-
614
Cavalcante, M. T. L. & Vasconcellos, M. M.

sora17. Discute a fragilização do papel da escola tuações contraditórias são consideradas germes dos
como agência de socialização e analisa alguns processos de criação19.
programas de educação à distância brasileiros Contemporânea aos estudos de Moraes 8,
que, mesmo fundamentados em teorias psico- Nunes19 baseia-se no entendimento de educação
pedagógicas inovadoras (como construtivismo, de Cury20, em que esta assume um caráter medi-
sociointeracionismo e interculturalismo), não ador propositivo em que os homens são agentes
conseguem romper tendências enraizadas na ins- históricos e não meros produtos sociais. Nunes19
tituição escolar. refere-se a Cury20 para ressaltar que a educação é
(...) a questão fundamental não estaria tanto produto humano e conservará o caráter dialético
na modalidade do ensino oferecido – se em presen- dos fenômenos existentes na estrutura social e que,
ça ou à distância, mas, sobretudo na capacidade de se os modos de produção são mediados entre os
os sistemas ensinantes inovarem quanto aos con- homens, os homens mediados podem se converter
teúdos e às metodologias de ensino, de inventarem em mediadores entre a estrutura econômica e um
novas soluções para os problemas antigos e tam- novo homem.
bém para aqueles problemas novíssimos gerados Frente ao exposto, como desenhar uma base
pelo avanço técnico nos processos de informação e tecnológica inovadora para os processos de en-
comunicação, especialmente aqueles relacionados sino-aprendizagem em saúde que favoreça o
com as novas formas de aprender17. compartilhamento de conteúdos, a reutilização
Convém reproduzir as ressalvas realizadas de materiais educativos, a interdisciplinaridade e
em 2005 por Jiménez18 às tecnologias de infor- a incorporação de diferentes discursos em Saú-
mação na educação, cuja incorporação consi- de? Quais tecnologias constituem uma possível
dera não representar uma questão metodológi- base material capaz de suportar projetos políti-
ca presumidamente neutra, concernente ao aper- cos institucionais que respondam às necessida-
feiçoamento dos procedimentos destinados à des de formação de profissionais para o SUS em
consecução de objetivos pedagógicos de currí- larga escala?
culo. Para Jiménez18, a questão central, base de Dentre os elementos fundamentais para res-
toda discussão sobre a educação, é o papel pri- ponder estas questões estão os objetos de apren-
mordial que os dispositivos pedagógicos repre- dizagem e os padrões de metadados, apresenta-
sentam nos processos de produção, reprodu- dos e discutidos a seguir.
ção e transformação da cultura dominante e
das relações de poder vinculadas a ela. O co-
mando pedagógico – próprio do que Jiménez18 Orientação a objetos
denomina Capitalismo (Disciplinário) de Redes
- responde ao desenvolvimento de lógicas de Do universo das tecnologias de informação e
dominação complexas e a estratégias de poder comunicação emergem os Objetos de Aprendi-
que cristalizam, concretizam e se instalam em zagem inspirados pelos modelos de Orientação
uma nova Escola cada vez mais permeada pelo a Objetos da Engenharia de Software.
pragmatismo capitalista. Trata-se da Escola do A Orientação a Objetos, conforme apresen-
Espetáculo e Hegemonia Tecnocapitalista.. As tada por Yourdon21, nasceu da engenharia de sof-
principais referências de Jiménez18 para esta lei- tware baseada em modelos que, por sua vez, rege-
tura são Gramsci, Baudrillard, Foucault, Berns- se pelo princípio da separação das preocupações,
tein e Debord. expresso pela construção de um modelo de aná-
Aqui retornamos quase uma década para ilus- lise separado de um modelo de projeto. Os mo-
trar que Nunes19, em 1998, ao recuperar os mar- delos de análise capturam requisitos essenciais
cos da formação de sanitaristas no Brasil nas de um domínio de problema e descrevem o com-
décadas de 70 e 80, entende o fenômeno educati- portamento desejado, independente de qualquer
vo como “objetivação da produção intelectual dos abordagem de implementação ou tecnologia es-
grupos que conformam as instituições pedagó- pecífica. Os modelos de projeto são construídos
gicas em um determinado momento, portanto, por quem possui extenso conhecimento do am-
fruto de relações sociais”. biente de implementação e mostram em detalhes
Nessas instituições se realizam as idéias peda- como um sistema específico será construído (pla-
gógicas, em torno das quais convivem, dialetica- taforma, rede, sistema operacional, banco de
mente, o caráter progressista com o conservador, o dados, interface com o usuário)21.
novo e o velho, o dominante e o dominado. As O modelo de análise orientada a objetos é
instituições pedagógicas são espaços em que as si- um esforço de abstração de um determinado
615

Ciência & Saúde Coletiva, 12(3):611-622, 2007


problema ou processo em que se definem quais da os Objetos de Aprendizagem colecionaram
são as coisas do mundo real a modelar e se estabe- definições por vezes imprecisas, tratadas a seguir
lecem blocos de construção básicos a partir do por Polsani25:
qual o sistema será construído, estruturado em . Um objeto de aprendizagem é definido como
componentes de um domínio de problema22. uma entidade digital ou não digital, que pode ser
Esses componentes são os objetos. Cada ob- usada para aprendizado, educação ou treinamen-
jeto é uma entidade independente, que sabe coisas to. (Learning Object Metadata LOM /IEEE - Lear-
(detém informações); realiza trabalhos (tem fun- ning Technology Standards Committee)26
cionalidades) e colabora com outros objetos para . Um objeto de aprendizagem é qualquer recur-
executar funções finais de um sistema. A vanta- so digital que possa ser reusado para dar suporte ao
gem básica da orientação a objetos é permitir a aprendizado. Inclui qualquer coisa que possa ser
reusabilidade em larga escala destes diversos oferecida pela rede ou por demanda, em qualquer
componentes, ao tornar possível reutilizar, em escala - fotos, vídeos, áudios, extratos de textos,
sistemas diferentes, estas mesmas unidades já animações, imagens, pequenas aplicações da web
modeladas21,22. ou mesmo páginas inteiras desde que forneçam
experiências completas tais como um evento ins-
Objetos de aprendizagem: trucional completo27.
revisão conceitual . Um objeto de aprendizagem é definido como
a menor estrutura independente que contenha
De forma similar, o conceito de Objetos de Apren- um objetivo, uma atividade de aprendizado e uma
dizagem aplica-se a materiais educacionais pro- avaliação28.
jetados e construídos em pequenos conjuntos ou No Brasil, são exemplos de literatura de Ob-
blocos com os quais se estrutura o conteúdo de jetos de Aprendizagem usando os conceitos de
aprendizagem. Wiley e do comitê do IEEE os trabalhos de Ta-
Os objetos de aprendizagem são comumente rouco23 e Warpechowski29, ambos da Universi-
definidos como recursos digitais com caracterís- dade Federal do Rio Grande do Sul.
ticas de acessibilidade (possuem uma identifica- No entanto, para garantir a reusabilidade de
ção padronizada que garante a sua recuperação); objetos de aprendizagem, é necessário que estes
reusabilidade (uma vez recuperados são utiliza- sejam descritos em um formato comum, para
dos para compor “n” unidades de aprendizagem), que possam ser facilmente pesquisados, recupe-
interoperabilidade (tem capacidade de comuni- rados e reutilizados para a construção de cursos,
car e funcionar em diversos sistemas). Os obje- treinamentos e novos conteúdos. Esta descrição
tos são armazenados em repositórios de apren- de formatos comuns é possível pela padroniza-
dizagem - bancos de dados que podem ser locais ção dos chamados metadados. Metadados são
(em uma só instituição) ou distribuídos (por descrições dos dados existentes em um sistema
exemplo, em um consórcio de instituições)23. com o objetivo de garantir armazenamento, re-
O termo foi popularizado em 1994 nos Esta- cuperação e manipulação eficientes30. Exemplos
dos Unidos, por inspiração de Hodgins, que en- de metadados desenvolvidos e aplicados na Saú-
tendeu, ao ver um de seus filhos brincando com de são os descritores em Ciências da Saúde da
blocos Lego, ser necessário desenvolver peças de Biblioteca Virtual de Saúde da Bireme (Centro
aprendizado interoperáveis do tipo plug and play. Latino-Americano e do Caribe de Informações
Nomeou no Computer Education Managers As- em Ciências da Saúde) para uso na indexação de
sociation - CEdMA um grupo de trabalho cha- artigos de revistas científicas, livros, anais de con-
mado Learning Architecture & Learning Objects gressos, relatórios técnicos, e outros tipos de
Task Force, com o propósito de desenvolver me- materiais, em bases de dados como LILACS e
todologias para que conteúdos novos e preexis- MEDLINE31. Nesse caso, trata-se de um conjun-
tentes pudessem funcionar como objetos de to de termos com o propósito de organizar e
aprendizagem independentes, reunidos em quais- recuperar material bibliográfico. No caso dos
quer combinações para atender necessidades de objetos de aprendizagem, os metadados recupe-
aprendizado individuais24. ram objetos que podem estar armazenados na
Embora inúmeras organizações internacio- forma de vídeos, imagens, textos, áudios e que
nais dediquem-se a promover a adoção de pa- detêm informações (conteúdo), possuem funci-
drões interoperáveis e suas recomendações se- onalidades (realizam tarefas) e relacionam-se
jam de fato mundialmente utilizadas em progra- com outros objetos para compor unidades maio-
mas e serviços de aprendizagem, na última déca- res ou cursos.
616
Cavalcante, M. T. L. & Vasconcellos, M. M.

Vale destacar que, de acordo com a ISO32 (In- Defesa dos Estados Unidos, que desenvolveu um
ternational Organization for Standardization), conjunto de modelos de referências para o com-
um padrão é um documento aprovado por um partilhamento de conteúdos, conhecido como
organismo reconhecido que provê, pelo uso comum SCORM34 (Sharable Content Object Reference
e repetitivo, regras, diretrizes ou características de Model).
produtos, processos ou serviços cuja obediência não Os modelos de referência são coleções de es-
é obrigatória. pecificações e padrões do IEEE Learning Techno-
Os padrões ISO32 e de outros grandes con- logy Standards Committee (como o padrão
sórcios internacionais, como o IEEE26, são fru- LOM26, por exemplo), do IMS Global Learning
tos de acordos e consensos voluntários entre de- Consortium35, da AICC (Aviation Industry Com-
legações nacionais e outras partes interessadas, puter-Based Training Committee)36 e da Aliança
como fornecedores, usuários, entidades de regu- Européia Ariadne37. Estes modelos garantem que
lação governamental e consumidores. Por con- os conteúdos sejam modelados de forma padro-
senso, acordam-se especificações e critérios que nizada, viabilizando assim, em larga escala, a sua
devem ser consistentemente aplicados na pro- utilização em quaisquer plataformas educacio-
dução ou na provisão dos serviços em questão32. nais, chamadas pelo SCORM de LMS (Learning
Os padrões internacionais garantem um modelo Management Systems). Uma vez modelados sob
de referência e uma linguagem tecnológica co- os parâmetros do SCORM – conteúdos e siste-
mum para o fornecimento e consumo de produ- mas educacionais na WEB – estão aptos a inter-
tos e serviços, o que facilita a transferência de cambiar objetos e funcionalidades34.
tecnologia10,11,26,32. São exemplos de padrões ado- Reunindo os padrões LOM26 (metadados de
tados na Saúde a Classificação Internacional de objetos de aprendizagem) e HL710 (trocas eletrô-
Doenças – CID10 e os padrões do Health Level nicas de informações em saúde) e apoiado nos
Seven (HL7)10, comunidade internacional de ex- modelos de referência do SCORM34, destaca-se
pertos em Saúde e Ciência da Informação que o Consórcio MedBiquitous38, fundado pela Jo-
colaboram para criar padrões para a troca, ge- hns Hopkins Medicine e por sociedades médicas
renciamento e integração de informações eletrô- de reconhecida liderança, incluindo organizações
nicas de saúde10, 33. internacionais, associações de assistência à saú-
Na última década, diversas organizações in- de, universidades, organizações comerciais e não
ternacionais disputam o protagonismo na padro- governamentais. O Consórcio Medbiquitous é
nização e na oferta de tecnologias para o desen- um exemplo concreto da conjugação de esforços
volvimento de Objetos de Aprendizagem. Os pa- interinstitucionais para a padronização, o com-
drões desenvolvidos por estas organizações bus- partilhamento de conteúdos educacionais em
cam consenso sobre quais são os metadados ne- saúde. Baseado nas recomendações do IEEE, o
cessários para descrever um objeto de aprendiza- MedBiquitous desenvolveu o Healthcare Learning
gem. Uma vez aceitos, estes padrões permitem a Object Metadata39, que provê um modo padro-
criação, o armazenamento e a recuperação de nizado de descrever atividades e recursos educa-
objetos em diversas plataformas tecnológicas. cionais em saúde.
É representativa a atuação do Learning Tech- Com um grupo de trabalho especialmente
nology Standards Committee (LTSC) do IEEE26, dedicado a desenvolver padrões para a interope-
cuja missão é desenvolver padrões técnicos para rabilidade, accessibilidade e reusabilidade de con-
a interoperação de componentes e de sistemas de teúdos de saúde em sistemas de aprendizado na
educação e treinamento em computadores. O Web, o consórcio utiliza-se ainda do padrão XML
desenvolvimento de padrões é realizado por meio (eXtended Markup Language), que torna mais
do grupo de trabalho Learning Object Metadata fácil a troca de dados estruturados pela Internet
(LOM) por uma combinação de encontros pre- e de Web Services, aplicações que possuem inter-
senciais, teleconferências e trocas em grupos de face baseadas em XML e que descrevem uma co-
discussão. O Padrão LOM26 especifica a sintaxe e leção de operações acessíveis através de rede, in-
a semântica de metadados de objetos de apren- dependentemente da tecnologia usada na imple-
dizagem e tem como foco o conjunto mínimo de mentação do serviço40. Um dos maiores benefíci-
atributos necessários para que possam ser ge- os dessa interface é a abstração dos detalhes de
renciados, localizados e avaliados. implementação do serviço, permitindo que seja
Outra iniciativa significativa em Objetos de acessado independente da plataforma de hardwa-
Aprendizagem foi realizada pelo ADL34 - Advan- re ou software na qual foi implementado.
ced Distributed Learning do Departamento de Apesar das propostas de uso generalizado de
617

Ciência & Saúde Coletiva, 12(3):611-622, 2007


objetos de aprendizagem em todos os campos de Aprendizagem com base no padrão SCORM.
formativos, há dúvidas sobre as implicações que Usando a plataforma educativa livre MOODLE,
esses possam ter nos diversos modelos educati- esse Campus Virtual tem a intenção de potenci-
vos. Em especial, Dominguez41 critica a sua ori- alizar a gestão do conhecimento e dos progra-
gem no meio militar, bem como o vínculo estrei- mas de educação permanente para o desenvolvi-
to com interesses empresariais de barateamento mento dos recursos humanos em saúde pública.
de custos de produção para um mercado de en-
sino virtual destinado à comercialização mais do
que à formação. Por uma base tecnológica
Longe de descartar as possibilidades de com- para a educação na saúde
partilhamento de conteúdos, os críticos41 ressal-
tam outras possibilidades, motivados pelo de- Ao realizar uma reflexão sobre o estado da técni-
senvolvimento de tecnologias como o EML (Edu- ca e da política no mundo contemporâneo, Mil-
cational Modelling Language) da Open Univer- ton Santos50 conclui que vivemos sob um estado
sity de Nederland (OUNL), que permite repre- de unicidade das técnicas, um mundo que apa-
sentações do processo educativo, com explícita rentemente caminha para a homogeneização, com
menção às distintas alternativas pedagógicas. Da vocação para um padrão único em que impera a
mesma forma, no campo de metadados, embo- mundialização da mais-valia. No entanto, salien-
ra haja consenso de uso do XML, outros autores ta que sob determinadas condições políticas, a
estudados por Domínguez41 propõem a utiliza- materialidade simbolizada pelo computador é
ção de RDF (Resource Description Framework), capaz de superar o imperativo da tecnologia he-
elevando a idéia de metadados ao âmbito mais gemônica e favorecer novos processos criativos.
avançado conceitualmente de Web Semântica O potencial transgressor deste e de outros
proposto pela W3C40. discursos6,8,12,17,18, que se detém entre o uso hege-
Ressalvas também são realizadas aos reposi- mônico e não hegemônico das tecnologias, entre
tórios de objetos de aprendizagem. Pedreño42 a determinação ou a subordinação das tecnolo-
defende que esses não devem configurar-se em gias aos processos sociopolíticos, ganha uma
um repositório de materiais, mas sim em uma outra dimensão quando se acrescentam as con-
coleção de recursos aos quais os docentes atri- tribuições de Latour51.
buem certa inteligência pedagógica. Uma biblio- Ao tentar situar de outra maneira a produ-
teca de objetos de aprendizagem, mais do que de ção da ciência e da tecnologia, e a eterna relação
materiais, é uma biblioteca de usos docentes. entre sociedade e natureza, Latour propõe uma
Algumas instituições acadêmicas brasileiras dimensão a mais ao eixo sujeito-objeto. Acres-
já estudam, desenvolvem e aplicam vocabulári- centa um gradiente de estabilização no qual na-
os, padrões e repositórios para objetos de apren- tureza e sociedade transitam e se co-produzem
dizagem. São exemplos o Laboratório Virtual43 coletivamente. Recorre aos quasi-objetos de Ser-
da Escola do Futuro da Universidade de São Pau- res para designar o que circula pelo coletivo sen-
lo/USP, a Pontifícia Universidade Católica do Rio do modelado por sua própria circulação e ao
de Janeiro44,45,46 e a Universidade Federal do Rio conceito de ator rede de Callon, que expressa essa
Grande do Sul23,29. mesma função de dupla construção entre natu-
No âmbito governamental nacional, pode-se reza e sociedade.
citar a RIVED - Rede Interativa Virtual de Edu- Estudos que tentam compreender as relações
cação47, contrapartida do Brasil na Rede Latino- entre tecnologia de informação e sociedade a par-
americana de Portais Educativos - RELPE48. O tir dessa co-produção examinam não apenas o
RIVED é um programa da Secretaria de Educa- sistema tecnológico ou o sistema social, ou mes-
ção à Distância – SEED do Ministério da Educa- mo os dois sistemas lado a lado, mas sim inves-
ção, que tem por objetivo a produção de conteú- tigam o fenômeno que emerge quando os dois
dos pedagógicos digitais na forma de objetos de interagem. Autores como Hanseth, Aanestad e
aprendizagem. Os conteúdos desenvolvidos nos Berg52 discutem a teoria do ator rede de Callon
portais dos dezesseis países membros da RELPE como uma teoria social da tecnologia.
são de livre circulação na rede, o que é possível Esses autores discordam das explicações es-
pelo uso do padrão XML. truturalistas que estabelecem uma distinção en-
Por fim, o Campus Virtual da Organização tre artefatos tecnológicos (máquinas, programas,
Pan Americana de Saúde49 apresenta um modelo técnicas) e tecnologias em prática (estruturas hu-
estratégico em rede e um repositório de Objetos manas habilitadas no uso cotidiano dos artefa-
618
Cavalcante, M. T. L. & Vasconcellos, M. M.

tos). Recorrem à Teoria do Ator Rede porque su- processo de ensino-aprendizagem (mediações
põem a existência de uma rede onde todos são tecnologia-professor-aluno) para os processos
chamados atores e não há distinção, a priori, de institucionais de pesquisa, métodos de investiga-
nenhum tipo de elemento: seres humanos, arte- ção, ensino, formação de redes e gestão. Essa
fatos tecnológicos, organizações, instituições, perspectiva acrescenta outras possibilidades à
dentre outros. Essa teoria supõe que todas as forma de pensar a modelagem dos conteúdos
redes são heterogêneas ou sociotécnicas e que, educacionais, tradicionalmente limitados a cada
portanto, não há nenhuma rede constituída so- escola, disciplina ou curso, segundo linhas pro-
mente por seres humanos ou por componentes gramáticas departamentais, expertise de profes-
tecnológicos. Isso significa que o “artefato tecno- sores e pesquisadores e demandas de programas
lógico” é também em si uma rede que inclui seres de governo.
humanos ou organizações, tão heterogênea como Deve-se considerar o desenvolvimento de
a tecnologia em prática. conteúdo e de formas de aprendizado de modo
No caso da constituição de uma base tecno- dialógico entre escolas, em operações de coorde-
lógica para a Educação na Saúde, os conceitos nação de comportamentos com outras e com si
de ator rede e de redes sociotécnicas permitem mesmas,, pelas quais se produz um mundo de ações
romper com o dilema entre a valorização exces- possíveis54. Estas possibilidades estão na base do
siva da técnica em detrimento dos processos pe- processo dialógico e consensual do estabeleci-
dagógicos e políticos e vice-versa. Sem atribuir mento de padrões e das redes em que não se pac-
a priori nenhum protagonismo, o conceito de tuam apenas uma sintaxe e uma semântica para
ator rede não subjuga uma dimensão à outra e os conteúdos, mas nos quais estão em jogo pro-
permite relações mais simétricas entre socieda- jetos políticos institucionais. A construção de um
de e tecnologia. padrão para a representação de metadados de
É precisamente nesse espaço heterogêneo da objetos de aprendizagem em saúde é um requisi-
rede sociotécnica, no qual se encontram presen- to essencial ao compartilhamento de conteúdos
tes as tecnologias de informação, que se tecem as entre instituições de ensino e serviços de saúde.
condições para uma Coletividade Científica In- A padronização exige uma formalização vo-
formacional5 - lócus de interação entre pesqui- luntária dos saberes institucionais e disciplinares
sadores e de inter-relações sociais envolvidas na e a modelagem de conteúdos exige rigoroso pro-
produção da ciência e da tecnologia. cesso de análise e abstração, com o objetivo de
No entanto, Nunes19 identifica que a rede de formalizar e tornar consensual quais elementos
relações não se processa espontaneamente e que e requisitos essenciais dos objetos podem ser re-
as redes de cooperação introduzem idéias de combinados entre diversas disciplinas, cursos e
monitoramento, aumentando a capacidade de programas. Essa técnica favorece a interdiscipli-
gestão dos seus processos internos, e, portanto, naridade e o enfoque intersubjetivo habermasia-
de recriação de suas práticas associativas. O de- no já defendido por Artmann55 que, reunindo
senvolvimento dos projetos colaborativos está conceitos de Siebeneichcler e Japiassu, define in-
associado a uma seqüência de negociações, que terdisciplinaridade como a busca da superação
começa com a problematização e envolve os ele- das fronteiras disciplinares pelo estabelecimento
mentos dos diversos grupos, dando início a uma de uma linguagem consensualmente construída
seqüência de operações de tradução, ao longo das entre os cientistas.
quais os objetos e produtos se redefinem, até cons- Do mesmo modo, o estabelecimento de gru-
tituírem o produto final53. pos e comitês interinstitucionais de padrões e
Neste sentido, sugere-se que instituições de modelagem de conteúdo, amparados em uma
ensino em saúde com processos educacionais prática argumentativa, fortalece a capacidade crí-
com base em tecnologias (presenciais ou à dis- tica frente à recomendação de proceder a uma
tância) discutam no campo institucional e políti- reorientação do ensino. A forte demanda gover-
co a presença desses recursos tecnológicos em namental, expressa nos diversos programas
suas redes. Isto porque a constituição de uma mencionados, e a oferta de cursos para a forma-
base tecnológica para a Educação na Saúde re- ção de mão-de-obra em programas específicos
quer uma apropriação coletiva de técnicas em de governo, colocam para os centros de forma-
decisões tomadas pelo conjunto de escolas, cen- ção delicadas questões na relação entre oferta e
tros de formação e instituições de ensino. demanda de cursos, em que é preciso ir além da
Trata-se de transcender a usual abordagem cena das mídias e discutir os processos sociotéc-
instrumental das tecnologias de informação no nicos implicados nestes programas (as estratégi-
619

Ciência & Saúde Coletiva, 12(3):611-622, 2007


as de educação à distância, as tecnologias seleci- zer convergir experiências e conhecimento acu-
onadas, os conteúdos escolhidos, a orientação mulados na aplicação das tecnologias de infor-
pedagógica e a gestão). mação no campo das Informações em Saúde com
Também o modelo de separação das preocu- as da Educação é mister para reunir atores e as
pações (em análise e em projetos) da orientação pautas que se tangenciam. A proposição de um
a objetos contribui para o estabelecimento de Ambiente Informacional para a Saúde, realizada
relações mais claras e simétricas entre formula- por Vasconcellos11, ilustra:
dores de conteúdos de saúde e equipes de imple- [...] ampliar as potencialidades de uso das TI
mentação de infra-estrutura tecnológica, contri- na gestão da Saúde implica, dentre outras iniciati-
buindo para a superação das fobias tecnológicas vas, em uma nova concepção de organização das
por parte dos primeiros9 e do monopólio da téc- informações em saúde, onde sejam estruturados
nica por parte dos segundos. mecanismos e condições que criem um ambiente
Resta ainda uma dimensão a tratar: a da im- propício para o estabelecimento de uma sinergia
plementação – como desenhar esta base tecno- de competências, recursos e memórias, frutos e
lógica para os processos de ensino-aprendiza- matrizes do conhecimento sanitário, coletivamente
gem em saúde? produzido por seus sujeitos históricos.
Santos Júnior56 ilustra que, para o amplo e Esse ambiente proposto por Vasconcellos11
bom uso das tecnologias da informação, é preci- tem como eixos orientadores a integração e arti-
so haver orientação, estímulo, vontade política, culação de informações em saúde e a convergên-
liderança, comprometimento, compartilhamen- cia de tecnologias. A abordagem metodológica
to de visões, planejamento, capacidade de assimi- busca o aprofundamento da circulação inter/
lar inovações e consciência por parte de toda a transdiciplinar do conhecimento entre campos
organização, notadamente da alta administração. de saberes e propõe uso intensivo de tecnologias
Sobre a vontade política, Matus57 afirma que de informação que suscitem modos de coopera-
esta se manifesta no desenvolvimento de uma ção ágeis e transversais, em um compartilhamen-
estratégia para construir a viabilidade de um de- to coordenado entre centros de decisão.
terminado plano. Essa vontade exige que o deve Destaca-se positivamente que o SUS é rico em
ser predomine sobre o pode ser. A relação desi- experiências colegiadas e em formatos democrá-
gual dever ser – poder ser encarna a vontade do ticos para a composição e encaminhamento de
líder, expressa no esforço extremo para superar agendas. A diversidade de atores como institui-
as restrições. ções de ensino, redes de serviços, Secretarias Esta-
Líderes58 são capazes de inventar novas prá- duais e Municipais, Ministério da Saúde, comis-
ticas fazendo distinções que não estavam pre- sões, associações profissionais e Conselhos favo-
sentes antes e seduzem uma comunidade a ado- recem um debate heterogêneo e democrático. Reu-
tá-las. Suas ações dão forma ao futuro. Trans- nir atores-chaves para exercitar a definição con-
cender o atual modelo de incorporação de tec- junta de conteúdos essenciais aos processos edu-
nologias na educação na saúde, com discussões cativos na saúde contribui para relações mais si-
localizadas em cada escola e aquisição de plata- métricas no mercado simbólico de produção cul-
formas heterogêneas, exige lideranças institucio- tural, no qual, segundo Marteleto59, os sistemas de
nais capazes de fazer distinções e declarar possi- ensino desempenham um papel instrumental na
bilidades futuras, tecendo uma visão crítica e co- apropriação da riqueza simbólica que é julgada dig-
letiva do uso desses recursos. na de ser possuída e cultivada [...] e os bens cultu-
Em termos práticos, vontade política, uma rais produzidos como matéria informacional não
liderança institucional e redes de cooperação se são compartilhados socialmente, e sim distribuí-
traduzem nos elementos estruturantes de uma dos, isto é, dependem de instâncias de produção,
aposta coletiva de construção de uma base tec- reprodução, transmissão e aquisição59.
nológica para a educação na saúde, que bem pode Finalmente, a produção de objetos de apren-
se iniciar com a constituição de comitês interins- dizagem, o exercício do consenso na padroniza-
titucionais para a discussão dos processos tec- ção de metadados e o compartilhamento de con-
nológicos em curso e dos desejados para a Edu- teúdos em rede (e, portanto, de conhecimento)
cação na Saúde. O modelo do Campus Virtual trazem para a rede de escolas e instituições de
de Saúde da OPAS49, sua organização em rede e o ensino de saúde o desafio de estabelecer o que
protagonismo que algumas escolas assumem Levy60 chama de uma cooperação competitiva e
nesse processo também permitem exercitar a li- uma competição cooperativa. Nesses jogos, os
derança e a construção coletiva mencionada. Fa- vencedores utilizam e aumentam a inteligência
620
Cavalcante, M. T. L. & Vasconcellos, M. M.

disponível e cooperaram de forma mais eficiente


para uma inteligência coletiva; neste caso, em be-
nefício de uma mais abrangente e completa Polí-
tica de Educação na Saúde para o SUS.

Colaboradores Referências

MTL Cavalcante participou da concepção, aná- 1. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do
lise e redação do artigo. MM Vasconcellos parti- Trabalho e da Educação na Saúde. Informações Ins-
titucionais. [acessado 2006 Mar 3]. Disponível em:
cipou da concepção, análise e revisão crítica do http://portal.saude.gov.br/portal/sgtes/default.cfm
artigo. 2. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do
Trabalho e da Educação na Saúde. Departamento de
Gestão da Educação na Saúde. Política de educação e
desenvolvimento para o SUS: caminhos para a educa-
ção permanente em saúde: pólos de educação perma-
nente em saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2004.
3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do
Trabalho e da Educação na Saúde. Documentos pre-
paratórios para 3ª Conferência Nacional de Gestão
do Trabalho e da Educação na Saúde. Trabalhadores
da Saúde e a Saúde de Todos os Brasileiros: Práticas de
Trabalho, Gestão, Formação e Participação. Brasília:
Conselho Nacional de Saúde; 2005.
4. Struchiner M, et al. Novas tecnologias de informa-
ção e educação em saúde diante da revolução co-
municacional e informacional. In: Minayo MCS, Co-
imbra Jr CEA, organizadores. Críticas e atuantes: Ci-
ências sociais e humanas em saúde na América Latina.
Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2005.
5. Santos JCT, Baungarten M. Sociedade da informa-
ção: as metodologias inovadoras no ensino con-
temporâneo da sociologia. In: Martin CB, organiza-
dor. Para onde vai a pós-graduação em Ciências Sociais
no Brasil. Florianópolis: ANPOCS/ EDUSC; 2005.
621

Ciência & Saúde Coletiva, 12(3):611-622, 2007


6. Lévy P. As tecnologias da inteligência – o futuro do 24. Jacobsen P. Reusable Learning Objects. What does
pensamento na era da informática. São Paulo: Editora the future holds? Learning and Training Innovations
34; 1993. Newsline 2001. [acessado 2006 Jan 20]. Disponível
7. Moraes IHS. Informação em saúde: da prática frag- em: http://www.ltimagazine.com/ltimagazine/arti-
mentada ao exercício da cidadania. São Paulo e Rio de cle/articleDetail.jsp?id=5043
Janeiro: Hucitec/Abrasco; 1994. 25. Polsani PR. Use and Abuse of Reusable Learning
8. Moraes I.H.S. Informações em saúde: para andarilhos Objects. Journal of Digital Information 2003; 3:164.
e argonautas de uma tecnodemocracia emancipadora [acessado 2006 Fev 10]. Disponível em: http://jodi.
[tese de doutorado]. Rio de Janeiro (RJ): Escola ecs.soton.ac.uk/Articles/v03/i04/Polsani/
Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz; 26. IEEE Learning Technology Standards Committee
1998. (LTSC) (2001). Draft Standard for Learning Object
9. Iturri J. Ciberespaço e negociações de sentido: as- Metadata Version 6.1. [acessado 2006 Fev 14]. Dis-
pectos sociais da implementação de redes digitais de ponível em: http://ltsc.ieee.org/doc/
comunicação em instituições acadêmicas de saúde 27. Wiley DA. Connecting learning objects to instruc-
pública. Cad. Saúde Pública 1998; 14(4):803-810. tional design theory: a definition, a metaphor, and a
10. Leão BF. Padrões para representar a informação em taxonomy: the instructional use of learning objects.
saúde. In: Série Fiocruz, Eventos Científicos 3. Se- In: Agency for Instructional Technology 2002. [acessa-
minário Nacional de Informação e Saúde: O Setor do 2005 Dez 2]. Disponível em: http://reusability.org/
de Saúde no Contexto da Sociedade da Informação. read/chapters/willey.doc
Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2000. 28. L’Allier JJ. Frame of Reference: NETg’s Map to the
11. Vasconcellos MM, et al. Política de saúde e potenci- Products, Their Structure and Core Beliefs.
alidades de uso das tecnologias de informação. Saú- NetG.1997. [acessado 2006 Fev 14]. Disponível em:
de em Debate 2002; 61. http://www.netg.com/research/whitepapers/
12. Misoczky MCA, et al. Educação à distância: refle- frameref.asp
xões críticas e experiências em saúde. Porto Alegre: 29. Warpechowski M, Oliveira JPM. Obtenção de meta-
Dacasa Editora; 2001. dados de objetos de aprendizagem no AdaptWeb®. Porto
13. Christante L, et al. O papel do ensino à distância na Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul;
educação médica continuada: uma análise crítica. 2005. [acessado 2006 Mar 10]. Disponível em: http:/
Rev. Assoc. Med. Bras 2003; 49(3):326-329. /www.inf.ufrgs.br/~erbd2005/Artigos/7924.pdf
14. Costa KLD, et al. Utilizando a educação à distância 30. Kraemer LLB. Metadados: estudo de sua aplicação no
na promoção da educação continuada em telemedi- tratamento de recursos virtuais e análise de um projeto
cina. IX Congresso Brasileiro de Informática em Saú- do programa prossiga do IBICT [tese de mestrado].
de. Ribeirão Preto; 2004. Curitiba (PR): Centro Federal de Educação Tecno-
15. Oliveira, MAN, Servo MLS.A educação à distância lógica do Paraná; 2001.
como estratégia da educação permanente do enfer- 31. Biblioteca Regional de Medicina – Biblioteca Vir-
meiro em centro cirúrgico frente as novas tecnolo- tual em Saúde. Bireme BVS Informações Institucio-
gias. Sitientibus 2004; 30:9-20. nais. [acessado 2006 Fev 04]. Disponível em: http://
16. Tomaz JBC. Educação à distância como estratégia de www.bireme.br
capacitação permanente em saúde: um relato de experiên- 32. ISO. International Organization for Standartization.
cia. Escola de Saúde Pública do Ceará. Congresso da [acessado 2006 Mar 20]. Disponível em: http//
Associação Brasileira de Educação a Distância. ABED www.iso.org
2004. [acessado 2006 Mai 4]. Disponível em: http:// 33. Organização Pan Americana de Saúde. Organização
www.abed.org.br/congresso2004/por/htm/169-TC- Mundial de Saúde. O Prontuário eletrônico do pacien-
D4.htm te na assistência, informação e conhecimento médico.
17. Belloni ML. Ensaio sobre a educação à distância no São Paulo: Massad, Marim e Azevedo Neto Edito-
Brasil. Educação & Sociedade 2002; 78: 117-142. res; 2003.
18. Jimenez RV. Educación, poder y mercado: decons- 34. ADL. Advanced Distributed Learning. Sharable Con-
trucción crítica de los efectos disciplinantes de las tent Object Reference Model (SCORM®) 2004 2nd
TIC en la nueva Escuela del Espectáculo. Interface Edition Overview, 2004. [acessado 2006 Fev 9]. Dis-
2005; 9(18):475-488. ponível em: http://www.adlnet.org
19. Nunes TCM. A especializaçäo em saúde pública e os 35. IMS Global Learning Consortium, Inc. [acessado
serviços de saúde no Brasil de 1970 a 1989 [tese de 2006 Mar 4]. Disponível em: http://www.
doutorado]. Rio de Janeiro (RJ): Escola Nacional de imsproject.org
Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz; 1998. 36. AICC - The Aviation Industry Computer-Based Train-
20. Cury CRJ. Componentes básicos do fenômeno edu- ing Committee.. [acessado 2006 Mar 4]. Disponível
cativo. In: Cury CRJ. Educação e contradição. São em: http://www.aicc.org
Paulo: Cortez; 1995. 37. Alliance of Remote Instructional Authoring and
21. Yourdon E, Argila C. Análise e projeto orientados a Distribution Networks for Europe (ARIADNE).
objetos. São Paulo: Makron Books; 1999. [acessado 2006 Fev 22]. Disponível em: http://www.
22. Ambler SW. Análise e projeto orientados a objetos: um ariadne-eu.org
guia para o desenvolvimento de aplicações orientadas a 38. The Medbiquitous Consortium – Enabling Collabo-
objetos. Rio de Janeiro: Infobook; 1997. ration for Healthcare Education. [acessado 2006 Mar
23. Tarouco LMR, et al. Reusabilidade de objetos edu- 22]. Disponível em: http://www.medbiq.org
cacionais. Revista Novas Tecnologias na Educação 2003.
[acessado 2005 Dez 12]. Disponível em: http://
www.cinted.ufrgs.br/renote
622
Cavalcante, M. T. L. & Vasconcellos, M. M.

39. Smothers V. Healthcare Learning Object Metadata. 50. Santos M. Por uma outra globalização: do pensamento
Specifications and description document. Version 0.1. único à consciência universal. Rio de Janeiro: Re-
Sep Medbiquitous Consortium. 2004. [acessado 2006 cord; 2001.
Mar 24]. Disponível em: http://www.medbiq.org 51. Latour B. Ciencia en acción. Barcelona: Editorial La-
40. Webservices definition. W3C: The World Wide Web bor; 1992.
Consortium (W3C) [acessado 2006 Abr 3]. Disponí- 52. Hanseth O, Aanestad M, Berg M. Actor-network theory
vel em: http://www.w3c.org and information systems. What’s so special? Guest
41. Domínguez JAA. Entornos integrados de enseñanza editors’ introduction. Information Technology & People
virtual. In: Cebrián M, organizador. Enseñanza vir- 2004; 17(2):116-123.
tual para la innovación universitaria. Madrid: Narcea 53. Vink D. Itineraires. Praxeologiques en Sciences: Politi-
S.A de Ediciones; 2003. que de la Science e de la Technologie, Du Laboratoire
42. Pedreño A. La cooperacíon y las TIC para la mejora aux Reseaux. Le Travail Scientifique em Mutation. Bru-
de la calidad en la universitad. In: Sangrà A, Snma- xelas: Comission das Communantes Europeeneres;
med MG, organizadores. La transformación de las 1992.
universidades a través de las TIC: discursos y práticas. 54. Maturana H. La realidad: objetiva o construída? Tomo
Barcelona: Editorial UOC; 2004. II. Fundamentos biológicos del conocimiento. Barcelo-
43. Universidade de São Paulo. Escola do Futuro, Labo- na: Anthropos; 1992.
ratório Didático Virtual. [acessado 2006 Abr 13]. 55. Artmann E. Interdisciplinariedade no enfoque in-
Disponível em: http://www.futuro.usp.br tersubjetivo habermasiano: reflexões sobre planeja-
44. Baruque CB. Desenvolvimento de bibliotecas digitais mento e AIDS. Rev C S Coletiva 2001; 6(1):183-195.
de objetos de aprendizagem utilizando técnicas de data- 56. Santos Junior S, et al. Dificuldades para o uso das
warehousing e datamining [tese de doutorado]. Rio tecnologias da informação. RAE eletrônica 2005; 4(2).
de Janeiro (RJ): Pontifícia Universidade Católica Rio [acessado 2006 Fev 14]. Disponível em: http://
de Janeiro; 2005. www.scielo.br/pdf/raeel/v4n2/v4n2a05.pdf
45. Moura SL. Uma arquitetura para a integração de repo- 57. Matus C. Política, planejamento e governo. Brasília:
sitórios de objetos de aprendizagem baseada em media- IPEA; 1993.
dores e serviços Web [tese de mestrado]. Rio de Janei- 58. Flores F. Una crisis en el liderazgo. [acessado 2006
ro (RJ): Pontifícia Universidade Católica Rio de Ja- Mar 24]. Disponível em: http://www.atinachile.cl/
neiro; 2005. pdf/una_crisis_en_el_liderazgo.pdf
46. Brauner DN. Uma arquitetura para catálogo de objetos 59. Marteleto RM. Cultura informacional: construindo
baseada em ontologias [tese de mestrado]. Rio de o objeto informação pelo emprego dos conceitos de
Janeiro (RJ): Pontifícia Universidade Católica Rio imaginário, instituição e campo social. Ciência da
de Janeiro; 2005. Informação 1995; 24(1).
47. Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educa- 60. Lévy P. Collective Intelligence. Development of Cul-
ção à Distância. RIVED - Rede Interativa Virtual de ture and Culture Development. Presentation for the
Educação. [acessado 2006 Nov 20]. Disponível em: Advisory Committee on Health Research of the Pan
http://ww2.relpe.org/relpe American Health Organization. Washington; 2002.
48. Red Latinoamericana de Portales Educativos. [aces-
sado 2006 Nov 20]. Disponível em: http://ww2.
relpe.org/relpe
49. Organização Pan Americana de Saúde. Campus Vir- Artigo apresentado em 10/07/2006
tual. [acessado 2006 Nov 10]. Disponível em: http:// Artigo aprovado em 14/11/2006
www.campusvirtualsp.org Versão final apresentada em 07/12/2006

Você também pode gostar