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GT 5 – República, Cidadania e Políticas Públicas

O PAPEL DA EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DA CIDADANIA NO


CONTEXTO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Vanessa Pinzon1
Letícia Lassen Petersen 2

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O presente estudo tem como tema central o direito à educação no contexto histórico
brasileiro e, como delimitação temática a construção da cidadania e a sua relação com a
educação, direito social expresso no artigo 6º da Carta Constitucional de 1988. Dessa forma, o
recorte da discussão é a análise do papel da educação positivado nas constituintes brasileiras
(1824-1988) e a formação crítico-cidadã dos destinatários das políticas públicas educacionais.
A problemática discutida recai sobre o seguinte questionamento: Como a educação
pode contribuir na concretização do exercício da cidadania e, consequentemente maior fruição
dos direitos previstos na Constituição Federal de 1988? O objetivo geral recai sob a análise da
função da educação para o desenvolvimento de uma sociedade mais igualitária, democrática e
justa, em consonância com os parâmetros constitucionais e os Direitos Humanos.
O estudo se justifica por ser a educação o mecanismo indispensável para a constituição
e exercício da cidadania e, é a escola o espaço onde se busca aplicar tal mecanismo, visando
preparar o indivíduo para a vida em sociedade e para o mercado de trabalho, tendo, as
instituições de ensino uma função indispensável na formação de cidadãos conscientes de seus
direitos e deveres em uma sociedade Democrática de Direito, onde o conhecimento é
socializado e, o educando a partir de sua bagagem cultural, forma sua personalidade e
desenvolve sua consciência crítica, social e política.
A pesquisa caracteriza-se pelo tipo documental, tendo em vista a análise dos textos
constitucionais, bem como, bibliográfica frente à utilização de obras doutrinárias conforme a
referência do presente trabalho.

A EDUCAÇÃO E A FORMAÇÃO DO CIDADÃO

A preocupação com a esfera educacional é uma temática que envolve reflexão e


discussão ao longo dos séculos, Aristóteles já atribuía à educação a tarefa de preparar os
indivíduos à vida em sociedade, considerando o bem viver, o objetivo principal da vida
humana. [ARISTÓTELES, 2002].
A escola é o espaço em que se busca preparar o indivíduo para a vida em sociedade e
para o mercado de trabalho, tendo uma função indispensável na formação de cidadãos
conscientes de seus direitos e deveres em uma sociedade Democrática de Direito, onde o
conhecimento é socializado e, o educando a partir de sua bagagem cultural, forma sua
personalidade e desenvolve sua consciência crítica, social e política. De acordo com Saviani
[...] “a importância política da educação reside na sua função de socialização do
conhecimento. É realizando-se na especificidade que lhe é própria que a educação cumpre
sua função política”. (SAVIANI, 2012, p.88).

1
Acadêmica do IX Semestre do Curso de Direito. Faculdades Integradas Machado de Assis. E-mail:
vanessapinzon.law@gmail.com.br
2
Professora Phd. Faculdades Integradas Machado de Assis. E-mail: letipetersen@yahoo.com.br
O trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada
indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo
conjunto dos homens. Assim, o objeto da educação diz respeito, de um lado, à
identificação dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos
da espécie humana para que eles se tornem humanos e, de outro lado e
concomitantemente, à descoberta das formas mais adequadas para atingir esse
objetivo. (SAVIANI, 2003, p.13).

Bem assim, a cultura é um elemento ativo na vida do indivíduo, sendo que não há ser
humano que não possua uma cultura, pois cada um carrega consigo a representação cultural
do ambiente em que está inserido. Na escola, a tarefa de lidar com diferentes manifestações
culturais é complexa, tendo em vista que todo o processo educacional é envolvido por este
elemento e desempenha um importante papel na formação crítico-social do aluno.

A escola é um espaço de relações. Neste sentido, cada escola é única, fruto de sua
história particular, de seu projeto e de seus agentes. Como lugar de pessoas e de
relações, é também um lugar de representações sociais. Como instituição social ela
tem contribuído tanto para a manutenção quanto para a transformação social. Numa
visão transformadora ela tem um papel essencialmente crítico e criativo.
(GADOTTI, 2007, p. 11).

E para que este papel possa ser concretizado, na prática, se faz necessário que aluno
seja um sujeito ativo no processo de ensino aprendizagem, que tenha acesso aos meios que lhe
permita refletir sobre a realidade a qual está inserido, para que possa construir e desconstruir
ideias, crenças, informações e, consequentemente ter a possibilidade de exercer seu papel de
cidadão crítico, pensante, por meio de uma educação para e pela cidadania, para que exerça a
sua participação na construção de uma sociedade democrática de forma efetiva.
O Estado, como forma de disseminação de seu “poder” cria as instituições, sendo
uma delas a escola, com intuito de formar e guiar a conduta dos indivíduos.

A educação tinha se tornado um constituinte irremovível do poder. Os detentores de


poder devem saber o que é bem comum (do gênero humano, da sociedade como um
todo, ou da seção incumbida de seu governo) e que padrão de conduta humana
melhor se ajusta a ele. Têm de saber como induzir a conduta e como garantir sua
permanência. Para adquirir ambas as capacidades, eles devem se apropriar de certo
saber que outras pessoas não possuem. O poder necessita do saber; o saber empresta
legitimidade e eficácia (não necessariamente desconectadas) ao poder. Possuir saber
é poder. (BAUMAN, 2010, p.75).

Através da expressão do pensamento de Bauman (2010), pode-se perceber a utilização


do sistema de ensino como garantia de dominação cultural do indivíduo.

CONTEXTO HISTÓRICO CONSTITUCIONAL DA EDUCAÇÃO NO BRASIL

A presença da educação nas constituições relaciona-se com o seu grau de importância


ao longo da história, sendo sua análise indispensável para o entendimento do movimento da
educação tido, primeiramente como um anseio social e, posteriormente, como um direito
social com intuito de oferecer cidadania plena. Ainda, é possível averiguar através dos textos
constitucionais as reformas propostas ao longo da história.
Nesse sentido, passaremos a analisar os textos constitucionais a partir da Constituição
Política do Império do Brasil de 1824, o qual refere em seu artigo 179, inciso, XXXII, que “A
Instrução primária, e gratuita a todos os Cidadãos”. E, no inciso XXXIII refere que
“Colégios, e Universidades, aonde serão ensinados os elementos das Ciências, Belas Letras,
e Artes. (BRASIL, 1824).
É possível observar que apenas dois incisos tratam sobre a educação, indicativo da
irrelevância do tema para os dirigentes políticos da época.
Já, a Constituição da República de 1891, com relação à educação positiva em seu
artigos 35, parágrafos 2º ao 4º:

Art. 35 - Incumbe, outrossim, ao Congresso, mas não privativamente: [...]


2º) animar no Pais o desenvolvimento das letras, artes e ciências, bem como a
imigração, a agricultura, a indústria e comércio, sem privilégios que tolham a ação
dos Governos locais;
3º) criar instituições de ensino superior e secundário nos Estados;
4º) prover a instrução secundária no Distrito Federal. (BRASIL, 1891).

Nesse sentido, “(...) a Constituição não derrogou a existência de uma rede oficial de
ensino, sob cuja norma se preservaria a oficialização de diplomas. (CURY, 1996, p.77). E,
com relação à gratuidade de ensino, o mesmo autor infere que há um silencio sobre o assunto.
A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, promulgada em 16 de
julho de 1934, contextualizada na Revolução de 1930, trouxe a abordagem da educação de
maneira significativa, em 17 artigos, sendo 11 específicos sobre o tema (artigos. 148 a 158) e,
pela primeira vez assegurou a educação como um direito de todos, no seu Título V, Capítulo
II:
Art 149 - A educação é direito de todos e deve ser ministrada, pela família e pelos
Poderes Públicos, cumprindo a estes proporcioná-la a brasileiros e a estrangeiros
domiciliados no País, de modo que possibilite eficientes fatores da vida moral e
econômica da Nação, e desenvolva num espírito brasileiro a consciência da
solidariedade humana. (BRASIL, 1934).

No tocante à educação e cultura, a Constituição estabeleceu garantias e estímulos para


que ocorresse de forma efetiva:

[...] Assim é que se fixou na competência da União o estabelecimento de um plano


nacional de educação ao mesmo passo que fez gratuito o ensino primário. Dispôs
também sobre a criação por lei de um Conselho Nacional de Educação e instituiu
percentuais mínimos da renda tributária a serem aplicados na manutenção e
desenvolvimento dos sistemas de educativos. (BONAVIDES; ANDRADE, 1991,
p.327).

A Constituição Federal de 1937, embora ditatorial, trouxe a educação de forma


gratuita, obrigatória e solidária:
Art 130 - O ensino primário é obrigatório e gratuito. A gratuidade, porém, não
exclui o dever de solidariedade dos menos para com os mais necessitados; assim,
por ocasião da matrícula, será exigida aos que não alegarem, ou notoriamente não
puderem alegar escassez de recursos, uma contribuição módica e mensal para a
caixa escolar. (BRASIL, 1937).

O texto constitucional de 1946 traz a educação como um direito de todos em seu


Título VI, Capítulo II:

Art 166 - A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola. Deve inspirar-
se nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana.
[...](BRASIL, 1946).

De acordo com Vieira na Constituição de 1946 “prevalece a organização escolar


que remonta à origem das primeiras determinações legais sobre a administração da
educação, característica que há de permanecer ao longo da construção de um sistema de
ensino no País”. (VIEIRA, 2007, p.301).
Constituição de 1967, instaurada sob a égide da ditadura, não chegou deixar
transcender em seu texto uma ruptura com as constituições anteriores. Os interesses políticos
presentes nos textos constitucionais anteriores prevaleceram.

No campo da educação, somente depois da Constituição de 1967 é que são


encaminhadas as principais propostas de reforma do período. Cabe, porém, uma
breve referência a elas, já que marcam de forma decisiva o cenário dos anos
subsequentes. Primeiro, é concebida a reforma do ensino superior (Lei nº 5.540/68).
Depois toma corpo a reforma da educação básica, que fixa as diretrizes e bases para
o ensino de 1° e 2° graus (Lei nº 5.692/71). (VIEIRA, 2007, p.301/302).

No Título IV, art. 168, a Constituição traz que a educação é direito de todos e deve ser
garantida pelo poder público, estabelece faixa etária obrigatória para frequência, bem como,
preconiza a gratuidade de ensino do texto constitucional anterior. Um retrocesso apresentado
pela Constituição foi a desvinculação da obrigação de recursos para educação de responsabilidade da
União.
Por fim, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, inaugurada sob o
paradigma do Estado Democrático de Direito, após 20 anos de regime autoritário, trouxe a
educação como um direito social positivada em seu art. 6°, discutido e abrangido ao longo de
seu texto, sendo que definiu a competência da União, Estados e Municípios no decorrer do
documento, bem como, dedicou o Capítulo III, Seção I, artigo 205 a 214 especificamente à
educação, sendo a constituição mais extensa em matéria de educação, trazendo seus níveis e
modalidade de forma detalhada. Nesse sentido, o art. 205 estabelece a forma como a educação
deve ser ofertada:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será


promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho. (BRASIL, 1988).

A Constituição Federal de 1988 é inovadora em relação aos direitos fundamentais e


sociais, sendo assim:
(...) a assunção da educação como direito público subjetivo amplia a dimensão
democrática da educação, sobretudo quando toda ela é declarada, exigida e protegida
para todo o ensino fundamental e em todo território nacional. Isto, sem dúvida, pode
cooperar com a universalização do direito à educação fundamental e gratuita. O
direito público subjetivo auxilia e traz um instrumento jurídico institucional capaz
de transformar este direito num caminho real de efetivação de uma democracia
educacional. (CURY; HORTA; FÁVERO, 1996, p.26).

A adequada prestação educacional permite a efetivação dos objetivos fundamentais


positivados no artigo 3º da Constituição, sendo eles, a construção de uma sociedade livre,
justa e solidária, a erradicação da pobreza e da marginalidade, a redução das desigualdades
sociais e regionais, e a promoção do bem comum.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através do presente estudo é possível perceber o papel fundamental da educação


para a formação do sujeito que desempenhe um papel de cidadão no contexto do Estado
Democrático de Direito. Sendo, impossível pensar no exercício da cidadania sem o acesso à
educação. A vida coletiva, o acesso ao conhecimento, à capacidade crítica, o raciocínio
lógico, são mecanismos libertadores que precisam ser ofertados pelo Estado para a formação
dos sujeitos.
Também, foi possível inferir que o sistema de ensino sempre foi pensado de acordo
com a ideologia do contexto político/social, uma vez que as propostas em relação à educação
sempre estiveram em pauta nas constituintes, no entanto, por vezes mais preconizada, por
outras, menos. Fato este que ainda hoje é possível perceber, pois de acordo com o cenário
político é que as legislações impõem formas, planos, objetivos, metas, etc., e, muitas vezes
não preconizam o os princípios do Estado Democrático de Direito, nem mesmo as
necessidades reais da sociedade.
Para que o direito social à educação seja garantido é preciso, através de políticas
públicas, ter acesso à escola e educação de qualidade, o que nem sempre é disponibilizado
para os educandos. A educação de qualidade permite a formação de sujeitos críticos,
pensantes e conscientes de seu papel de cidadão membro da sociedade. O Estado, muitas
vezes, proporciona os direitos, mas não os efetiva de maneira eficaz, seguindo uma visão
ética, comprometida com a formação de um sujeito crítico, pensante e não alienado aos
mecanismos de poder e limitação impostos pelo próprio Ente.

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Paes de. BONAVIDES, Paulo. História Constitucional do Brasil. São Paulo, Paz e
Terra, 1991.
ARISTÓTELES. A Política. Traduzido por Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
BAUMAN, Zygmunt. Legisladores e intérpretes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2010.
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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm. Acesso em 26 ago. 2018.
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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao37.htm. Acesso em 26 ago.2018.
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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao46.htm. Acesso em 27 ago. 2018.
_______. Constituição da República Federativa do Brasil (1967). Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao67.htm. Acesso em 27 ago. 2018.
_____. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 20 ago.2018.
CURY; HORTA; FÁVERO. A Relação Educação-Sociedade- Estado pela Mediação Jurídico-
Constitucional, in FÁVERO, Osmar (Coord.). A Educação nas Constituintes Brasileiras: 1823-
1988. Campinas: Autores Associados, 1996, p. 05-30.
CURY, Jamil Augusto. A Educação e a Primeira Constituinte Republicana, in FÁVERO, Osmar
(Coord.). A Educação nas Constituintes Brasileiras: 1823- 1988. Campinas: Autores Associados,
1996, p.69-80.
GADOTTI, Moacir. A escola e o professor: Paulo Freire e a paixão de ensinar. São Paulo: Publisher
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SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. 42ª Edição. Campinas: Autores Associados, 2012.
__________. Pedagogia Histórico-Crítica: primeiras aproximações. Campinas: Autores Associados,
2003.
VIEIRA, S. A Educação nas Constituições Brasileiras: texto e contexto. in: Revista Brasileira de
Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 88, n. 219, p. 291-309, maio/ago. 2007.

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