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NARA

E SEUS
GUARDIÕES

Os Guardiões de Horyu-ji no Chumon (Portão Central), representando a Luz e a Sombra.

Nara, capital da Província de Nara, limita-se com a região norte da Província de Kyoto. De
Kyoto a Nara são 40 minutos de trem JR. Oito Templos, Santuários, ruínas e o Palácio Heijo,
juntamente com a Floresta Kasugayama constituem os Monumentos Históricos da Nara
Ancestral, Patrimônio da Humanidade (UNESCO). Foi capital do Japão de 710 a 784.

A construção de Nara, assim como a de Kyoto também foi espelhada em Xi’an, capital da
China durante a dinastia Tang. O conjunto dos templos de Nara, coletivamente denominado
Nanto Sichi Daiji, permaneceu poderoso mesmo após a transferência da capital política para
Kyoto em 794. Todavia, assim que a capital foi transferida para Kyoto o palácio Heijo foi
abandonado. Quatro séculos depois, no período Kamakura (primeiro Shogunato - 1185–1333)
já nada restava. Mas as estruturas abaixo do solo ficaram preservadas de sorte que foi possível
restaurar o palácio paras comemorações dos 1.300 anos em 2010.

De acordo com a mítica historia do Santuário Kasuga, o deus Takemikazuchi aportou em


Nara num veado branco para proteger a recém-construída capital. Daí porque os veados eram
considerados animais celestes que protegiam a cidade e o país. As colinas de Kasuga são
habitadas desde sempre pelos cervos (Cervus nippon) e houve tempo em que sua divindade era
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realmente aceita pelo povo, como podemos constatar no relato de Kujo Kanezane um nobre
político de Kamakura:

“On our way to the shrine, many deer appeared in the morning darkness. This is a sign from the gods and a good
omen. People say that when one encounters deer, he or she should get out of the carriage and bow to them. —

From Gyokuyo by K.Kanezane”

Os cervos (Shika) de Nara foram oficialmente protegidos


pelas autoridades. Matá-los era uma ofensa capital punida
com a morte. Só perderam o status de divindade após a II
Guerra Mundial. Aliás, muita coisa se perdeu depois desta
guerra, mas outras foram encontradas e um espírito de paz,
solidariedade e gentileza pode ser sentido pelos caminhos.

Mandala do Cervo - Período Kamamura,


no Museu Nacionaal de Nara – site:
http://www.hgeo.h.kyoto-
u.ac.jp/soramitsu/deer_mandala.html

Atualmente cerca de 1200 cervos caminham tranquilos


pelo Parque de Nara aos pés do Monte Wakakusa e são
qualificados como Monumentos Naturais. É uma festa para os
visitantes alimentá-los com as bolachas de cervo (Shika
sembei) vendidas no local e que eles adoram. Basta abrir um
pacotinho e eles imediatamente avançam. Na paz! Não se
pode dar outro tipo de alimento. O Parque abarca o Museu
Nacional de Nara e o templo Todai-ji.

A construção de Todai-ji (Grande


Templo do Leste) foi iniciada em 728,
sob os auspícios de Shomu, o 45°
Imperador do Japão, que pretendia
espalhar templos budistas por todo o
país de sorte a obterem proteção de
Buda e não serem mais atingidos por
tantas catástrofes. Foi então que
começou a construção do Grande Buda
de Bronze1 (Daibutsu): quase todo o
bronze disponível no país foi
consumido nesta empreitada. A
construção terminou em 751. Neste tempo, no imenso complexo de edifícios que compunham
Todai-ji, existiam dois pagodes de 100 m de altura! Foram destruídos posteriormente num
terremoto. O Salão onde se encontra o Daibutsu foi reconstruído duas vezes por causa de

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Na China, na ilha de Lantau, Hong Kong, sobre o Monte Tian Tan, ergue-se no espaço uma estatua de bronze do Buda
sentado, com 34 m de altura, no mesmo mudra.
2
incêndios, sendo que a última reconstrução terminou em 1709. Atualmente este salão mede 57
m de comprimento, 50 m de largura e 48 m de altura. Todavia, é 30% menor que o Daibutsuden
original. Até 1998 foi o maior prédio de madeira do mundo. O Daibutsu também foi danificado
várias vezes no decorrer dos séculos. A última intervenção data de 1692.

Atrás do Daibutsu, um dos imensos pilares que sustentam o teto (tora de cedro), tem
uma pequena abertura, ao rés do chão, que dizem ser do tamanho da narina do Daibutsu. Diz a
lenda que aquele que conseguir rastejar através dela terá boa sorte e atingirá a iluminação na
próxima vida. Alguns companheiros de viagem fizeram a travessia. Maravilha!

Daibutsuden (Salão do Grande Buda) em Todai-ji.

Marco da inclusão de Todai-ji como Patrimônio


da Humanidade - 1998.

Portão de Entrada em Todai –ji, onde somos recebidos pelos


cervos. O sol quentíssimo exigia sombrinhas.

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No Período Nara, Todai-ji foi a
central administrativa para os templos
provinciais das seis escolas budistas do
Japão naquela época: Kegon, Hosso,
Jojitsu, Sanro, Ritsu, Kusha.
Posteriormente, aí foram ordenados
Kukai, fundador da Escola Shingon
(Palavra Verdadeira) e mestre do
budismo esotérico, assim como
Saicho, fundador da Escola Tendai.
Atualmente, Todai-ji é o centro da
Escola Kegon de budismo.

Daibutsu, em bronze com cerca de 15m de


altura, representando Vairocana (Birushana),
“Aquele que ilumina”, o Buda Cósmico, o
verdadeiro Buda, nas tradições do budismo
esotérico como o da escola Kegon. Em Todai-ji.

Ainda em Nara pudemos conhecer Horyu-ji. Este templo, construído no século VII (há
1.300 anos) orgulha-se de ser a arquitetura em madeira mais antiga do mundo e ser o templo
budista mais velho do Japão. Cobre uma área de 187.000 m² e 45 edificações. As influências
arquitetônicas para sua construção vêm tanto da China quanto da Coréia, uma vez que o
budismo migrou da China para o Japão via Coréia. Foi autorizada pelo Príncipe Shotoku (572-
622) e dedicada a Yokushi Nyorai, o Buda da Cura, em honra ao pai do príncipe, por volta de
607. Grandes foram os esforços do príncipe para espalhar o budismo e a cultura chinesa no
Japão. Credita-se a ele um período de certa paz no país através da proclamação dos 17 artigos
da Constituição focados na moral, costumes e virtudes desejáveis aos governantes, no estilo de
Confúcio2. Após sua morte tem sido reverenciado pelo povo integrando a mitologia japonesa.
Atualmente sua imagem encontra-se nas notas de 5.000 e 10.000 ienes.

O templo divide-se as duas regiões: Oeste (Sai-in) e Leste (To-in). Na oeste encontra-se o
Santuário (Kondo), o Pagode e o Portão Central. Na região leste, a qual foi construída muitos
anos depois, por volta de 739, no local que ficava o Palácio do Príncipe Shotoku, encontra-se o
Salão dos Sonhos (Yumedono). Outras construções constituem o alojamento dos monges, sala
de leitura, biblioteca, salão de jantar, etc.

O Pagode de cinco pavimentos tem 32,45 m de altura. A madeira utilizada no pilar central
estima-se que tenha sido abatida em 594 (datação dendrocronológica3). Em ordem ascendente,
os telhados de cada pavimento diminuem de tamanho na proporção 10:9:8:7:6. Foi construído

2
Confúcio (literalmente, Mestre Kong) foi pensador chinês do Período das Primaveras e Outonos (551– 479 a.C).
3
Dendrocronologia é um método científico para se estabelecer a idade de uma árvore considerando-se os padrões
de anéis no tronco, um por ano.
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como uma pilha de cinco caixas, repousadas uma sobre a outra, unidas pela coluna central
denominada shinbashira. Este tipo de arquitetura permite que as caixas deslizem
horizontalmente de maneira independente. Por esta razão o Pagode tem resistido a terremotos
e tufões há muitos séculos. O Kondo também é considerado tão antigo quanto o Pagode. Em
diferentes ocasiões estas estruturas de madeira foram queimadas e sistematicamente
recuperadas. É a impermanência...

Kondo, o Santuário, de 18,5m X 15,2m. Nele se encontram várias estátuas de bronze, do Buda.

Pagode (Goju-no-to) de Horyu-ji

Salão de leitura (Daikodo)

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O longo corredor, as treliças no teto, as portas centenárias, as telhas decoradas e os
encaixes nas colunas sustentando o teto falam por si. Os espaços são amplos, serenos e
imponentes.

O Salão dos Sonhos construído em 739 para o espírito do príncipe Shotoku é uma
construção ortogonal onde se alternam portas e janelas. O principal objeto de devoção neste
salão é uma escultura de Kuse Kannon, um tesouro nacional do período Asuka. Conta-se que
Shotoku a reverenciou durante toda sua vida. O nome Kuse Kannon foi escolhido no período
Hein refletindo a crença que o Príncipe Shotoku seria uma manifestação de Kannon surgida no
Japão. Esta escultura é um bibutsu, ou seja, um Buda secreto, só pode ser vista, pelo público,
duas vezes no ano, na primavera e no outono. É feita de madeira de cânfora e recoberta com
folha de ouro. Não vimos. Diz-se que está em perfeito estado de conservação.

Hora de partir. Nossa passagem por Nara foi de apenas algumas horas.

Próxima parada é Nagoya.

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