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organizacional, que é abordado não só pelos Por outro lado, a perspectiva interpreta-
teóricos da comunicação, mas também por tivista vê as organizações como “culturas”
múltiplas escolas das ciências sociais. (Pacanowsky e O’Donnell-Trujillo, 1983). As
A pesquisa desse conjunto de fenômenos, organizações, como as culturas, possuem um
vinculada nos seus inícios de forma quase conjunto de crenças e valores e uma lingua-
exclusiva ao campo administrativo, é, além gem que se reflete nos símbolos, nos ritos,
disso, muito jovem – tanto que, apesar dos es- nas metáforas, no sistema de relações e no
forços e avanços alcançados nos últimos qua- conteúdo das conversações. Nessa perspecti-
renta anos, ainda é insuficientemente reco- va, a organização é um fenômeno mais sub-
nhecida como objeto independente de estudo jetivo do que objetivo, por ser uma realidade
e alguma vezes tem sido considerada como socialmente construída mediante a comuni-
campo da psicologia, das relações públicas ou cação. Os pesquisadores se centram no signi-
da administração (Saladrigas, 2005). ficado das ações e produções comunicacio-
nais de uma organização e na forma como
se originam e desenvolvem essas produções
As organizações, como as comunicacionais (Putnam, 1982).
culturas, possuem um Pelo ponto de vista de uma concep-
conjunto de crenças e ção mais psicológica, a comunicação or-
valores e uma lingua- ganizacional resume os influxos da Teoria
Humanística das Organizações (Mayo;
gem que se reflete nos
McGregor e Likert), da Teoria Funcionalista
símbolos, nos ritos, (Radcliffe-Brown; Malinowski; Lazarsfeld;
nas metáforas Robert Merton) e da Psicologia Cognitiva. A
partir dessa perspectiva, as intenções e os as-
pectos humanos da comunicação presumem
a existência de uma correlação linear entre as
Diferentes perspectivas de estudo cognições e o comportamento; por esse mo-
Apesar dessa condição, alguns autores, tivo, a atenção é centrada na influência das
como Varona (1993), propõem que é possí- características dos indivíduos nos processos
vel considerar a comunicação organizacional de comunicação.
como uma disciplina e que, de fato, esta tem Isso imprime um papel ativo ao receptor,
sido concebida e pesquisada pelo prisma de que seleciona a mensagem e ativa sua inter-
diferentes perspectivas conceituais. Como pretação de acordo como as singularidades da
evidência disso, na perspectiva funcionalis- sua personalidade. A isso denominamos fil-
ta tradicional, que concebe as organizações tros conceituais, o conjunto de conhecimen-
como “objetos” que podem ser estudados tos, atitudes e percepções que os sujeitos pos-
com os conceitos e métodos tradicionais suem (Jablin e Putnam, 2001). Nessa linha,
das ciências sociais (Daniels e Spiker, 1991), a ênfase investigativa, a partir da perspectiva
a comunicação organizacional é uma ativi- psicológica, tem estado sobre as característi-
dade objetiva e observável que pode, por- cas dos indivíduos que afetam a comunicação
tanto, ser medida, classificada e relacionada entre si (Jablin e Putnam, 2001).
com outros processos organizacionais. Ela se Neste ponto, é necessário indicar que nos
orienta a examinar principalmente as estru- últimos anos tem aparecido uma série de tra-
turas e práticas formais e informais da co- balhos relativos às características da comu-
municação que têm a ver com a produção, nicação organizacional e seus efeitos sobre
a satisfação dos funcionários, a manutenção determinados fenômenos das organizações.
da organização e a inovação (Varona, 1993). Nesta linha, podemos referenciar trabalhos
como o de Bordia, Hunt, Paulsen, Tourish relações entre comunicação e outros fenô-
e DiFonzo (2004), os quais relacionaram os menos psicossociais (Kreps, 1995).
conteúdos e a frequência das mensagens ins- Noskik (1991) propõe, assim, que explicar
titucionais com os processos de adaptação e a comunicação organizacional como um sis-
mudança organizacional. tema permite estudá-la como dinâmica for-
Outro trabalho a referenciar nesta área é madora de estruturas organizacionais (por
o desenvolvido por Hinds & Kiesler (1995), exemplo as redes de comunicação), ao mesmo
no qual os autores compararam o tipo de tempo em que facilita examiná-la sob diferen-
relações de comunicação entre grupos de tes modalidades (intra e interpessoal, organi-
trabalho com tecnologias informáticas e en- zacional ou grupal). Isso corresponde a qua-
tre grupos tradicionais. Do mesmo modo se tro níveis de análise: fisiológico, psicológico,
deve mencionar a investigação de Horsley & sociológico e tecnológico. Aqui as organiza-
Barker (2002), na qual eles exploram diferen- ções se veem, sob uma perspectiva dinâmica,
tes enfoques de comunicação em situações como sistemas abertos às influências do meio
de crise, valorando os esforços, nesse contex- ambiente e em permanente transformação.
to específico, das agências estatais quanto ao Nesse caso, a comunicação é um dos
desenho de planos de comunicação, às fontes subsistemas organizacionais, cujo funcio-
de informação institucional e à relação com namento se dá a partir de um conjunto de
meios externos. práticas e procedimentos estabelecidos na
organização para intercambiar informação,
estabelecer consultas e transmitir ordens
Níveis macro e micro
aos funcionários – e entre eles – sobre dis-
Como foi indicado por Jones, Watson, tintos objetivos, de caráter formal ou infor-
Gardner e Gallois (2004), é necessário, então, mal, e através de fluxos com distintos senti-
avançar nas duas vias, tanto no nível micro dos (Quijano et al, 1997).
(em que os estudos desdobram e avaliam ca- Essa definição, que constitui a base teó-
racterísticas individuais dos processos comu- rica para se descrever e avaliar o Sistema de
nicativos) quanto no macro (onde os estudos Comunicação Interna, corresponde ao enfo-
valoram as direções, conteúdos e objetivos que proposto sob o nome de ASH (Auditoria
dos fluxos de comunicação organizacional). do Sistema Humano), modelo conceitual so-
Com base nessa premissa, este artigo, com- bre o funcionamento das organizações que
preensivamente, insere-se na linha que aborda descreve e relaciona suas diversas dimensões
o fenômeno comunicacional numa perspecti- e que será detalhado a seguir.
va tanto macro – ao dar valor à comunicação
organizacional como um subsistema dentro compreensão dos Sistemas de
A
do sistema global da organização – como mi- Comunicação Interna
cro – no estudo de fenômenos psicológicos
individuais como o clima de comunicação e a O estudo dos Sistemas de Comunicação
identificação organizacional (Postmes, Tanis e Interna tem sido defendido como um proces-
Wit, 2001; Smidts et al., 2001). so de diagnóstico cujo propósito é examinar
Para isso, é necessário contextualizar o e melhorar os sistemas e práticas da comuni-
conceito de sistema de comunicação inter- cação interna de uma organização em todos
na, ressaltando que essa perspectiva siste- seus níveis (Downs, 1988; Hamilton, 1987).
mática e sua consideração da comunicação Nesse sentido, considera-se que a primei-
como um processo, mais que um fenôme- ra dimensão de uma auditoria é a avaliação
no linear, é que tem permitido ampliar as do sistema e das práticas de comunicação
possibilidades conceituais no estudo das de uma organização tanto em nível macro
quanto micro. Em um nível macro, a audi- pessoas e grupos para a organização e para a
toria avalia a estrutura formal e informal da sociedade (resultados econômicos, financei-
comunicação e da comunicação interdepar- ros, produtivos e comerciais, ecológicos e so-
tamental. Em nível micro, avalia as práticas ciais), considerados também como resultados
de comunicação interpessoal e grupal nos consistentes ou de efetividade organizacional.
seus diferentes níveis (Varona, 1993). A partir desse esquema, o entorno in-
Do mesmo modo, uma avaliação da co- flui sobre a organização, mas ela não só se
municação interna também pode examinar adapta a ele de forma reativa, como ainda lhe
as produções comunicacionais de uma or- dá forma ativamente, influindo sobre ele e
ganização, tais como historietas, metáforas, o configurando de um determinado modo.
símbolos, artefatos e os comentários que as Logicamente, as mudanças que geram uma
pessoas da organização fazem nas suas con- organização no seu entorno com a efetivi-
versas diárias, assim como as formas de dis- dade organizacional são objeto de uma nova
torção sistemática da comunicação geradas análise para a redefinição de sua estratégia
pelas estruturas de poder de uma organiza- em um processo circular sempre inacabado.
ção (Varona, 1993). Essa estratégia configurará novamente os sis-
Antes de apresentar de uma forma espe- temas, que por sua vez irão gerar novos pro-
cífica o enfoque de compreensão da comu- cessos psicológicos e psicossociais, os quais
nicação organizacional utilizado, é preciso provocarão novos resultados nas pessoas
contextualizar o modelo global de compor- (configurando sua qualidade como profis-
tamento organizativo que dá suporte ao sionais e trabalhadores), que com seu com-
ASH. Esse modelo parte de um primeiro portamento produzirão resultados para a or-
pressuposto: toda organização é um sistema ganização constituintes, novamente, de sua
aberto em relação constante com um entor- efetividade organizacional (Quijano, 2006).
no multifacetado e cambiante, com o qual Com relação ao estudo da comunicação,
intercambia inputs e outputs, pelo qual é in- o ASH configura a avaliação do elemento
fluenciada e ao qual de alguma maneira dá anterior, a comunicação, ao avaliá-la como
forma e contribui em sua construção. Nessa um dos Sistema de Gestão dos Recursos
linha, as organizações não só se adaptam ao Humanos em uma categoria onde convive e
entorno e reagem frente a ele, mas também se interrelaciona com outros sistemas como
atuam sobre ele e contribuem a dar-lhe for- os de seleção, formação, retribuição e com-
ma de um ou outro modo (Quijano, 2006). pensações, avaliação de rendimento, identifi-
Nesse entorno, reagindo frente a ele, adap- cação de potenciais e planos de carreira, pla-
tando-se e fazendo-lhe uma configuração nificação de recursos humanos, prevenção
proativa ao mesmo tempo, a organização se de riscos e saúde laboral.
constrói a si mesma e atua. E, ainda quando Nesse caso, o sistema formal de comuni-
se comporta como um sistema complexo de cação interna é constituído pelo conjunto de
partes e elementos inter-relacionados, para práticas e procedimentos estabelecidos pela
poder realizar uma aproximação conceitual organização para intercambiar informação,
do entorno, podem-se distinguir analitica- estabelecer, consultar e transmitir ordens
mente várias dimensões, dentre elas a estraté- aos funcionários sobre distintos objetivos
gia, o desenho (tecnologias, estrutura e siste- de diferentes níveis (estratégicos, operativos
ma), os processos psicológicos e psicossociais. e sociais). Tal intercâmbio pode ser estrutu-
Os resultados desse processo incluem duas rado a partir de diferentes canais formais e
dimensões: os que resultam nas pessoas ou informais. Dentro dos primeiros, o sistema
na qualidade de seus recursos humanos (re- inclui fluxos que vão em distintos sentidos
sultados inconsistentes) e os que resultam das (ascendente, descendente e horizontal).
descendente estratégica (DE), ascendente es- dos informantes e sua valoração das ações de
tratégica (AE), horizontal estratégica (HE), comunicação relativas a cada objetivo e fluxo
descendente operativa (DO), ascendente de comunicação, mas ainda solicitar evidên-
operativa (AO), horizontal operativa (HO), cias (meios, atas, canais etc.) como informa-
descendente social (DS), ascendente social ção fundamental antes de dar uma pontua-
(AS) e horizontal social (HS). ção definitiva a cada área de comunicação.
Deve-se ressaltar que, como parte do trei- Do cruzamento dos dois critérios (sen-
namento dos avaliadores para o desenvolvi- tido de fluxo comunicativo e tipos de obje-
mento da entrevista, foi dada a indicação de tivos) surge o esquema que se apresenta na
que era necessário não só ouvir as opiniões Tabela 1.
Tabela 1 – Esquema-resumo da Avaliação da Qualidade do Sistema Formal de Comunicação Interna do Modelo de Auditoria do
Sistema Humano (ASH).
Fluxos
Fluxo descendente Fluxo ascendente Fluxo ascendente
Objetivos
DE AE HE
DS AS HS
Tabela 2 – Estrutura global de pontuação da Qualidade do Sistema Formal de Comunicação Interna do Modelo de Auditoria do
Sistema Humano (ASH).
Total
Descendente Ascendente Horizontal Ponderação
Objetivos
(DE x 0.7) +
Total
(AE x 0.1) +
Estratégicos DE = (0-10) AE = (0-10) HE = (0-10) estratégicos
(HE x 0.2) =
(0-10)
TE (0-10)
(DO x 0.3) +
Total
(AO x 0.3) +
Operativos DO = (0-10) AO = (0-10) HO = (0-10) Operativos
(HO x 0.4) =
(0-10)
TO (0-10)
(DS x 0.1) +
(AS x 0.7) + Total sociais
Sociais DS = (0-10) AS = (0-10) HS = (0-10)
(HS x 0.2) = (0-10)
TS (0-10)
DE x 0.4,5) + (AE x 0.1) + (HE x 0.1) +
(DO x 0.4,5) + (AO x 0.6) + (HO x 0.8) +
Ponderação (TE + TO +
(DS x 0.1) = (AS x 0.3) = (HS x 0.1) = TOTAL
TD (0-10) TA (0-10) TH (0-10) TS + TD +
GLOBAL
TA + TH) /6=
Total Total (0-10)
Total Total descendente TG (0-10)
ascendente horizontal
Fluxos (0-10)
(0-10) (0-10)
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