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Abstract Introdução
1Escola Nacional de Saúde This article analyzes the Federal implementa- A partir dos anos 1970, o debate sobre a atenção
Pública Sergio Arouca,
Fundação Oswaldo Cruz, Rio
tion of primary health care policy in Brazil from primária à saúde se intensifica internacional-
de Janeiro, Brasil. 2003 to 2008, considering the government func- mente, resultante dos questionamentos a respei-
tions of health planning, regulation, financing, to da organização da atenção à saúde, baseada
Correspondência
A. L. B. Castro and health services delivery. The methodology em um modelo médico hegemônico especiali-
Departamento de included literature and document review, inter- zado e intervencionista, com fragmentação da
Administração e Planejamento
views with key policy actors, budget analysis, and assistência e pouco impacto na melhoria da si-
em Saúde, Escola Nacional de
Saúde Pública Sergio Arouca, health database analysis. The analysis showed a tuação de saúde da população. Outro fator que
Fundação Oswaldo Cruz. reduction in direct Federal health services deliv- impulsionou esse debate foi a lacuna existente
Rua Santa Catarina 930,
ery and weaknesses in Federal planning. Federal entre o estado de saúde nos países desenvolvidos
apto. 64, Bloco C, Curitiba, PR
80610-090, Brasil. performance mainly involved regulation, based e naqueles em desenvolvimento, que chamava
analuisasb@yahoo.com.br on norms linked to financial mechanisms. As for atenção para a desigualdade no acesso aos ser-
funding, the results showed a slight increase in the viços de saúde 1.
share for primary care in the Federal budget, ad- A valorização do tema da atenção primária à
justments, and creation of new incentives, some saúde pode ser observada nos planos político e
aimed at equity. Although some progress occurred, acadêmico, em âmbito nacional e internacional,
a remaining challenge is to reconfigure the Fed- nas propostas das agências internacionais e nos
eral regulatory model and ensure a greater supply processos de reformas dos sistemas de saúde nos
of resources for primary health care in Brazil. anos 1980 e 1990 2.
O termo atenção primária à saúde é anali-
Health Financing; Health Management; Health sado segundo diferentes dimensões 3, podendo
Policy; Primary Health Care variar desde uma concepção mais abrangen-
te, estruturante do sistema de saúde, até uma
concepção mais restritiva e seletiva 4. A imple-
mentação de determinada perspectiva está di-
retamente relacionada às particularidades do
sistema de saúde de cada país, que são imple-
mentados em distintas conjunturas sociais, po-
líticas e econômicas, e estão constantemente
Tabela 1
Distribuição das portarias federais relativas à atenção primária à saúde segundo grupo e subgrupo. Brasil, Janeiro de 2003 a junho de 2008.
Fonte: Elaboração própria com base na página portal do Sistema de Legislação da Saúde do Ministério da Saúde – Saúde Legis
(http://portal2.saude.gov.br/saudelegis/LEG_NORMA_PESQ_CONSULTA.CFM).
* Somente portarias de janeiro a junho de 2008.
Além disso, ainda que de forma tímida, pela país. A estratégia reafirmou o modelo de PSF em
primeira vez foram empregados indicadores de vigor desde a sua criação no ano de 1994, des-
condições sociais como critério para diferenciar locando o debate da flexibilização da porta de
os repasses federais relativos à atenção básica entrada para o âmbito do apoio às equipes de
aos municípios. A utilização desses indicadores saúde da família.
está associada à busca da eqüidade no âmbito do Em suma, é possível apontar com base na
financiamento do SUS 15, uma das atribuições do análise desse grupo que, no período, as iniciati-
gestor federal na implementação de um sistema vas adotadas foram desenhadas com o intuito de
nacional de saúde em um país federativo e desi- enfrentar algumas das fragilidades identificadas
gual como o Brasil. pelo ministério na implantação da saúde da fa-
No que diz respeito ao grupo PSF, durante to- mília, tais como a expansão nos grandes centros
do o período observa-se um quantitativo maior e a necessidade de aumentar a resolutividade da
de portarias referentes ao Projeto de Expansão estratégia.
e Consolidação do Saúde da Família (PROESF), Os principais temas abordados nas portarias
citado pela maioria dos entrevistados como uma que compõem o grupo assistência farmacêutica
das estratégias prioritárias da atenção básica no básica foram a instituição de câmaras e grupos
período. À exceção do PROESF, foram poucas técnicos, com ênfase na estratégia de saúde da
as portarias editadas sobre o PSF. Tais portarias família, e a normatização deste tipo de atenção.
surgem somente a partir de 2005, voltadas para Houve mudanças no que diz respeito ao finan-
a regulação da atividade e/ou incorporação de ciamento tripartite, sendo revistas as responsa-
novos profissionais à estratégia de saúde da fa- bilidades de cada esfera de governo em progra-
mília, com o intuito de ampliar a abrangência e mas específicos. Em termos gerais, o período
o escopo das ações de atenção básica, bem como é marcado por mudanças nos mecanismos de
sua resolutividade. financiamento da assistência farmacêutica no
Uma portaria muito relevante desse grupo SUS, com repercussões importantes na atenção
foi a que criou os Núcleos de Apoio à Saúde da básica. Ressalte-se a regulamentação dos blocos
Família (NASFs), publicada em janeiro de 2008, de financiamento e o aumento dos valores das
pela significativa inovação que representou na transferências federais, bem como das contra-
política nacional de atenção primária à saúde no partidas estaduais e municipais.
Figura 1
Evolução da execução orçamentária do Ministério da Saúde com o Programa Atenção Básica, em valores ajustados pela inflação. Brasil, 2004 a 2007.
APS 1: Programa Atenção Básica, referente somente ao conjunto de ações enquadradas para fins orçamentários neste programa; APS 2: Programa Atenção
Básica mais os incentivos referentes à Farmácia Básica e às ações básicas das vigilâncias epidemiológica e sanitária; APS 3: Programa de Atenção Básica mais
os incentivos referidos no item 2, acrescidos dos valores referentes ao Programa Nacional de Imunização (PNI) e alimentação saudável.
Fonte: Elaboração própria com base no Sistema de Informações sobre Planos e Orçamento Público (SIGA Brasil; http://www9.senado.gov.br/portal/page/
portal/orcamento_senado/SigaBrasil).
Figura 2
Evolução dos valores per capita (em Reais de dezembro/2007) referentes às transferências federais da atenção básica, e média e alta complexidades,
ajustados pela inflação. Brasil, 1998 a 2006.
Fonte: Elaboração própria com base nos dados do Fundo Nacional de Saúde/Departamento de Informática do SUS/Ministério da Saúde
(http://www.datasus.gov.br).
Figura 3
Evolução dos valores per capita (em Reais de dezembro/2007) referentes às transferências federais de atenção básica, por região, ajustados pela inflação.
Brasil, 1998 a 2006.
Fonte: Elaboração própria com base nos dados do Fundo Nacional de Saúde/Departamento de Informática do SUS/Ministério da Saúde
(http://www.datasus.gov.br).
que são Sul, Sudeste e Centro-oeste. Somente em dução deste incentivo produziu uma elevação
2003 a Região Sul foi ultrapassada pelas demais. dos recursos federais transferidos da atenção
Outro aspecto importante a ser ressaltado é que básica para a maioria absoluta dos municípios
essas três regiões apresentaram em todo o perío- brasileiros 15. Contudo, entre 1999 e 2003, hou-
do valores per capita acima da média nacional. ve um decréscimo em virtude da defasagem
Esses achados revelam a lógica do financia- de seu valor em termos reais. A partir de 2003,
mento federal das ações de serviços de saúde no quando o PAB fixo começa a sofrer seus primei-
Brasil. Na atenção básica, não há dúvidas que ros reajustes, há uma pequena recuperação,
desde a NOB-SUS 01/96 e com a criação do PAB com tendência à estabilidade, observada até o
fixo houve uma ruptura com o padrão executa- ano de 2006.
do anteriormente e impacto na reorganização É interessante destacar que o comportamen-
do modelo de atenção à saúde, enquanto no fi- to da linha referente aos incentivos aos progra-
nanciamento da média e alta complexidades os mas PACS e PSF é diferente do descrito anterior-
recursos são destinados principalmente para as mente. Desde a sua criação verifica-se tendência
regiões economicamente mais desenvolvidas do ascendente e, em 2005, os montantes de trans-
país, Sul e Sudeste, pois estas possuem uma rede ferências relativas a esse incentivos ultrapassam
mais estruturada e, portanto, têm maior oferta de os do PAB fixo, expressando a rápida expansão
serviços de saúde. destes programas, com destaque para o PSF, sob
O terceiro e último aspecto analisado valen- forte indução do Ministério da Saúde.
do-se da base de dados do DATASUS refere-se Outro incentivo cujas transferências apre-
à distribuição de recursos por programa. A evo- sentaram crescimento foi o da saúde bucal,
lução das transferências federais referentes aos principalmente a partir de 2003, refletindo sua
principais incentivos da atenção básica reajus- inserção prioritária na agenda federal. Já em
tados pela inflação, no período de 1998 a 2006, relação ao Farmácia Básica, chama atenção a
pode ser vista na Figura 4. constância e o baixo valor de seu incentivo, ain-
Entre 1998 e 1999, a linha que corresponde da que desde 2003 venha apresentando um mo-
ao PAB fixo apresenta crescimento, pois a intro- desto crescimento.
Figura 4
Evolução dos valores (em Reais de dezembro/2007) dos principais incentivos de atenção básica, ajustados pela inflação. Brasil, 1998 a 2006.
PAB: Piso de Atenção Básica; PACS: Programa Agentes Comunitários de Saúde; PSF: Programa Saúde da Família.
Fonte: Elaboração própria com base nos dados do Fundo Nacional de Saúde/Departamento de Informática do SUS/Ministério da Saúde
(http://www.datasus.gov.br).
Resumo Colaboradores
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