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ARTIGO ARTICLE 693

A política de atenção primária à saúde no


Brasil: notas sobre a regulação e o
financiamento federal

Primary health care policy in Brazil: notes on


Federal regulation and funding

Ana Luisa Barros de Castro 1

Cristiani Vieira Machado 1

Abstract Introdução

1Escola Nacional de Saúde This article analyzes the Federal implementa- A partir dos anos 1970, o debate sobre a atenção
Pública Sergio Arouca,
Fundação Oswaldo Cruz, Rio
tion of primary health care policy in Brazil from primária à saúde se intensifica internacional-
de Janeiro, Brasil. 2003 to 2008, considering the government func- mente, resultante dos questionamentos a respei-
tions of health planning, regulation, financing, to da organização da atenção à saúde, baseada
Correspondência
A. L. B. Castro and health services delivery. The methodology em um modelo médico hegemônico especiali-
Departamento de included literature and document review, inter- zado e intervencionista, com fragmentação da
Administração e Planejamento
views with key policy actors, budget analysis, and assistência e pouco impacto na melhoria da si-
em Saúde, Escola Nacional de
Saúde Pública Sergio Arouca, health database analysis. The analysis showed a tuação de saúde da população. Outro fator que
Fundação Oswaldo Cruz. reduction in direct Federal health services deliv- impulsionou esse debate foi a lacuna existente
Rua Santa Catarina 930,
ery and weaknesses in Federal planning. Federal entre o estado de saúde nos países desenvolvidos
apto. 64, Bloco C, Curitiba, PR
80610-090, Brasil. performance mainly involved regulation, based e naqueles em desenvolvimento, que chamava
analuisasb@yahoo.com.br on norms linked to financial mechanisms. As for atenção para a desigualdade no acesso aos ser-
funding, the results showed a slight increase in the viços de saúde 1.
share for primary care in the Federal budget, ad- A valorização do tema da atenção primária à
justments, and creation of new incentives, some saúde pode ser observada nos planos político e
aimed at equity. Although some progress occurred, acadêmico, em âmbito nacional e internacional,
a remaining challenge is to reconfigure the Fed- nas propostas das agências internacionais e nos
eral regulatory model and ensure a greater supply processos de reformas dos sistemas de saúde nos
of resources for primary health care in Brazil. anos 1980 e 1990 2.
O termo atenção primária à saúde é anali-
Health Financing; Health Management; Health sado segundo diferentes dimensões 3, podendo
Policy; Primary Health Care variar desde uma concepção mais abrangen-
te, estruturante do sistema de saúde, até uma
concepção mais restritiva e seletiva 4. A imple-
mentação de determinada perspectiva está di-
retamente relacionada às particularidades do
sistema de saúde de cada país, que são imple-
mentados em distintas conjunturas sociais, po-
líticas e econômicas, e estão constantemente

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sob tensão de interesses conflitantes, caracte- que a participação da União no financiamento


rística marcante do setor saúde. do Sistema Único de Saúde (SUS) tenha diminu-
No Brasil, a década de 1990 foi marcada por ído ao longo da década de 1990, durante todo o
importantes mudanças na política nacional de período foi superior a 50%, revelando o impor-
atenção primária à saúde e por grande investi- tante papel desempenhado pela esfera federal no
mento na ampliação do acesso à saúde. Pode-se financiamento do sistema de saúde.
dizer que tais transformações se relacionam tan- No que concerne ao segundo aspecto – a
to às mudanças no arranjo federativo instaurado priorização da atenção primária à saúde pelo
após a Constituição de 1988 e ao processo de gestor federal – o enfoque da atenção primária
descentralização, como ao destaque assumido predominante na agenda do Ministério da Saú-
pela atenção primária à saúde na agenda seto- de a partir de meados dos anos 1990 se inseriu
rial, principalmente a partir de meados da dé- numa perspectiva de reorganização do sistema,
cada de 1990. de mudança do modelo de atenção e, vinculado
Em relação ao primeiro aspecto, o novo ar- no plano discursivo, à busca de consolidação dos
ranjo federativo na saúde compreendeu avan- princípios do SUS de universalidade e integra-
ços no movimento de descentralização político- lidade. O esforço de reorganização do sistema
administrativa, com ênfase na municipalização; com base na atenção primária à saúde tem sido
o estabelecimento de novos mecanismos de fi- pautado por estudos como o de Starfield 10. Essa
nanciamento na saúde; e a progressiva transfe- autora aponta que sistemas de saúde orientados
rência de responsabilidades pela execução direta para a atenção primária apresentam impacto
de ações e serviços de saúde a estados e princi- positivo nos indicadores de morbi-mortalidade,
palmente a municípios, com destaque para os pois promovem cuidados em saúde mais efetivos
ambulatoriais. e alcançam maior efetividade, eficiência e eqüi-
No entanto, grande parte dos municípios no dade, quando comparados a sistemas voltados
país é de pequeno porte, com pequena base eco- para atenção especializada.
nômica de sustentação e, portanto, dependen- Com a aprovação da Norma Operacional Bá-
te de transferências intergovernamentais. Em sica do SUS de 1996 (NOB-SUS 01/96), o Progra-
muitos deles não havia sequer uma base técnica ma Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e o
local para formular e implementar políticas de Programa Saúde da Família (PSF) foram enfati-
saúde no âmbito municipal, ou mesmo assumir zados pelo ministério como estratégias prioritá-
a gestão da rede de serviços de saúde do muni- rias para o fortalecimento da atenção primária
cípio, nos casos onde havia serviços de saúde nos sistemas municipais de saúde. De acordo
instalados 5,6. com Fausto 11, o PSF trouxe incontestável rele-
A redistribuição de poder e de competências vância para a atenção primária na agenda deci-
entre os três entes federativos gerou mudanças sória da política nacional de saúde – tema que
na forma do gestor federal exercer suas funções. não ocupava posição de destaque até 1995 – e
No que diz respeito ao processo de formulação de tem motivado os dirigentes a persistirem nesta
políticas e planejamento, a incorporação de no- direção.
vos atores representou uma alteração significati- O início de uma nova conjuntura política
va, visto que a trajetória da política de saúde bra- em 2003 após ascensão de Lula à Presidência da
sileira havia sido marcada por um elevado grau República suscitou numerosos questionamen-
de centralismo. No que concerne à regulação em tos relativos à condução da política nacional de
saúde, o Executivo federal, historicamente forte saúde. No novo governo ocorreriam inflexões
no federalismo brasileiro 7, reafirmou seu poder importantes na agenda e no modelo de interven-
sobre estados e municípios por meio da edição ção federal na saúde? A atenção primária à saúde
de normas e portarias atreladas a mecanismos continuaria a desempenhar um papel prioritá-
financeiros. Essa característica do modelo de in- rio? Haveria mais elementos de continuidade ou
tervenção adotado pelo gestor federal marcou a de mudança na condução dessa política em rela-
condução da política nacional de saúde na déca- ção ao período anterior?
da de 1990 8. Este artigo analisa a condução federal da
Apesar da execução direta de ações e servi- política de atenção primária à saúde no Brasil,
ços de atenção primária à saúde ser atribuição da no período de 2003 a 2008. Considerando que
esfera municipal, o Ministério da Saúde tem pa- o modelo de intervenção federal na saúde po-
pel relevante na determinação desta política em de ser caracterizado a partir da configuração de
âmbito nacional, por ser um importante órgão quatro funções de Estado principais 8 – plane-
formulador e financiador das políticas de saúde jamento; regulação; financiamento; execução
e pelo caráter indutor da política federal de in- direta das ações – o trabalho enfoca as duas
centivos para a atenção primária à saúde 9. Ainda funções federais mais proeminentes no perío-

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A POLÍTICA DE ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE NO BRASIL 695

do: a regulação e o financiamento da política de duas diferentes fontes: Sistema de Informações


atenção primária à saúde. sobre Planos e Orçamento Público (SIGA Brasil;
http://www9.senado.gov.br/portal/page/portal/
orcamento_senado/SigaBrasil); e a base de dados
Metodologia de recursos federais do SUS, disponível na pági-
na eletrônica do Departamento de Informática
A pesquisa sobre a condução federal da política do SUS (DATASUS; http://www.datasus.gov.br).
de atenção primária à saúde envolveu diversas Para construção dos indicadores com base no
estratégias metodológicas: realização de revisão SIGA, foram considerados os valores empenha-
bibliográfica; análise documental; análise de ba- dos com ações e serviços de saúde e excluídos
ses de dados secundários; análise orçamentária e os referentes a pagamento de dívidas, inativos e
realização de sete entrevistas semi-estruturadas pensionistas, e transferência de renda com con-
com atores-chave da política, escolhidos segun- dicionalidades, a fim de saber a evolução do mon-
do os critérios de cargo ocupado e tempo de atu- tante e o peso da atenção básica no orçamento
ação na política de atenção primária à saúde. federal. A análise da execução orçamentária fe-
Para a análise da função federal de regulação, deral baseando-se nessa fonte foi feita para o pe-
compreendida como o conjunto de estratégias ríodo de 2004 a 2007, correspondente ao ciclo do
voltadas para a modulação do sistema de saúde primeiro Plano Plurianual (PPA) do governo Lula.
segundo determinadas regras ou parâmetros na- Já as informações a respeito da transferência de
cionais, valorizou-se neste trabalho a análise das recursos federais diretamente aos municípios ou
portarias federais. Tal opção se deve à constata- estados obtidas no banco de dados do DATASUS,
ção de que a forma hegemônica de atuação do foram analisadas para o período de 1998 a 2006.
gestor federal na saúde que se afirmou no final A definição do ano de 1998 para o início da série
dos anos 1990 foi a indução de políticas e pro- se deve às mudanças operadas no financiamento
gramas federais por meio de portarias atreladas a partir desse ano, relacionadas ao início da im-
a mecanismos de financiamento 8,12. plementação da NOB-SUS 01/96, que geraram
As portarias expedidas no período de janei- uma notável mudança no perfil das prioridades
ro de 2003 a junho de 2008 foram levantadas da política alocativa federal 13.
valendo-se da consulta sistemática às bases de Para comparação intertemporal dos indica-
dados do portal do Sistema de Legislação da Saú- dores obtidos nas duas fontes analisadas foi re-
de do Ministério da Saúde – Saúde Legis (http:// alizada a correção dos valores para dezembro de
portal2.saude.gov.br/saudelegis/LEG_NORMA_ 2007, com base no Índice Nacional de Preços ao
PESQ_CONSULTA.CFM). Os seguintes descri- Consumidor Amplo (IPCA) do Instituto Brasilei-
tores foram utilizados: atenção básica; atenção ro de Geografia e Estatística (IBGE; http://www.
primária à saúde; PSF; agentes comunitários de ibge.gov.br).
saúde; Piso de Atenção Básica (PAB) fixo; PAB
variável e assistência farmacêutica básica. Cabe
mencionar que os termos atenção básica e aten- Resultados
ção primária à saúde são usados neste trabalho
sem distinção. No período de análise, foi possível identificar
Após a sistematização e análise das portarias elementos de continuidade e mudança em re-
foi realizada a sua classificação em oito grupos lação ao período anterior no que diz respeito à
temáticos: atenção básica (diretrizes); financia- condução federal da política de atenção primá-
mento; gestão; PSF; assistência farmacêutica bá- ria à saúde no Brasil. Observaram-se redução na
sica; recursos humanos; sistemas de informação, função de execução direta das ações e serviços
monitoramento e avaliação; outros. Tendo em de saúde, fragilidades no planejamento e ênfase
vista a magnitude dos grupos gestão e financia- no papel federal de regulação e financiamento
mento, estes foram divididos em subgrupos. de políticas.
Já o estudo do financiamento federal da aten- A prestação direta de serviços federais ambu-
ção primária à saúde, considerou os seguintes latoriais é residual e limitada a algumas realida-
aspectos: (a) a evolução do montante de recursos des estaduais, fato coerente com o movimento de
do orçamento do Ministério da Saúde destinado redefinição do papel do Estado e com o processo
à atenção básica; (b) o peso da atenção básica no de descentralização político-administrativa com
conjunto do orçamento do Ministério da Saúde; ênfase na municipalização. No que concerne à
(c) a distribuição dos recursos da atenção básica função de planejamento, embora tenha havido
por região e Unidade da Federação (UF); (d) a dis- esforços no sentido de elaboração de planos fe-
tribuição dos recursos da atenção básica por pro- derais mais integrados, a análise sugere déficit de
grama ou estratégia. Optou-se pela utilização de planejamento em médio e longo prazos voltado

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para a superação de problemas estruturais e pre- No grupo de financiamento destacam-se as


domínio de estratégias de planejamento norma- portarias que regulamentam as transferências
tivo, em consonância com o apontado por outros de recursos, em consonância com a política de
autores 2,6,14. indução exercida pelo ministério, e portarias que
Em síntese, ainda que em uma nova conjun- reajustam incentivos, uma das principais ênfases
tura, o poder de regulação do Ministério da Saúde no período.
permaneceu sendo exercido usando-se a edição De 2003 a 2005, observa-se um pequeno de-
de centenas de portarias federais. Até mesmo a créscimo na regulamentação das transferências
Política Nacional de Atenção Básica foi publicada de recursos, seguido por um aumento expressivo
em 2006 por meio de uma portaria, revelando a no período seguinte. Essa inflexão é decorrente
preferência do gestor federal por este tipo de ins- dos incentivos de assistência farmacêutica bási-
trumento. O financiamento por sua vez também ca, cujos recursos financeiros federais passaram
manteve o padrão do período anterior, de vincu- a ser descentralizados, e do incentivo de com-
lação de recursos federais aos programas priori- pensação de especificidades regionais, cuja regu-
tários do ministério. A seguir serão apresentados lamentação e publicação de valores ocorrem por
os principais achados da pesquisa com relação à meio de portarias.
regulação e ao financiamento federais. Desde o início do governo, houve um esforço
em reajustar importantes incentivos, tais como
Regulação o valor do PAB fixo, sem alteração desde a sua
implantação e que no período de estudo passou
A função federal de regulação na saúde se exerce por três reajustes. Correções também foram fei-
principalmente por meio de portarias atreladas tas nos incentivos para saúde da família, saúde
a mecanismos financeiros. O período de estudo bucal, PACS e para a assistência farmacêutica
é marcado pelo grande volume de portarias rele- básica. Inovações relevantes foram a inclusão da
vantes para a atenção básica (Tabela 1). população de assentados na base de cálculo do
Observa-se que o número total de portarias PAB fixo e a atualização anual do seu valor utili-
cai de forma expressiva entre 2003 e 2005, depois zando a população estimada pelo IBGE.
se estabiliza e parece apresentar nova tendência Uma das mudanças mais importantes no
de aumento entre 2007 e 2008 (somente o primei- período foi a criação, em 2006, dos blocos de
ro semestre consta na Tabela 1). Durante todo o financiamento que são constituídos por com-
período, o maior número de portarias correspon- ponentes, conforme as especificidades de suas
deu aos grupos de gestão e de financiamento. ações e os serviços de saúde pactuados. Em que
Dentre as portarias do grupo atenção básica pesem os avanços e mudanças gerados com a
(diretrizes), a principal publicação foi a Política criação desses blocos – como a relativa autono-
Nacional de Atenção Básica, que estabelece as mia dos entes subnacionais na gestão orçamen-
diretrizes e normas para organização da atenção tária, pois os recursos passam a ser depositados
básica, para o PSF e o PACS. Em termos gerais, em conta única para cada bloco –, a lógica de
a principal característica que define a produção distribuição de grande parte dos recursos per-
normativa desse grupo foi a ampliação do esco- manece inalterada. O repasse só é efetivado me-
po das ações no âmbito da atenção básica, com diante adesão do município ou estado ao referi-
destaque para ações de promoção da saúde e do programa e o compromisso da implementa-
prevenção de agravos. ção das ações a que se destinam, permanecendo
A análise das portarias de gestão indicou que então limitada a autonomia decisória dos entes
no que diz respeito à gestão federal da política subnacionais.
nacional da atenção básica predomina a lógica De modo geral, a análise desse grupo evi-
de reconhecimento de municípios que cumprem denciou mudanças significativas em relação ao
os requisitos impostos pela normativa federal, financiamento federal da atenção básica. Esfor-
como parte do processo de descentralização no ços foram feitos para a correção do valor do PAB
SUS. Durante o período é significativa a pre- fixo, ainda que com dificuldades para manter seu
sença de portarias de habilitações, embora com aumento sistemático, e também para a contem-
tendência descendente a partir de 2004. Esse plação de um dos três mega-objetivos do Plano
decréscimo se justifica a partir de dois fatos: a Plurianual do Governo Federal que é a inclusão
instituição de única forma de habilitação para social e redução das desigualdades sociais. As
os municípios, e o Pacto pela Saúde 2006, que populações especiais como os assentados, os
substitui o processo de habilitação de estados e quilombolas e os indígenas foram consideradas
municípios e institui a assinatura de Termos de no financiamento federal da atenção primária à
Compromisso de Gestão como a nova forma de saúde, em coerência com as diretrizes da política
acordo entre as diferentes esferas gestoras. social proposta por Lula.

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A POLÍTICA DE ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE NO BRASIL 697

Tabela 1

Distribuição das portarias federais relativas à atenção primária à saúde segundo grupo e subgrupo. Brasil, Janeiro de 2003 a junho de 2008.

Grupos/Subgrupos 2003 2004 2005 2006 2007 2008 * Total

Atenção básica (diretrizes) 0 3 1 4 1 0 9


Gestão 132 80 52 45 37 28 374
Habilitações 113 64 43 39 30 23
Regulamentação das habilitações de estados e municípios 3 2 1 0 0 0
Rotinas administrativas 16 14 8 6 6 3
Homologação de Termos de Compromisso 0 0 0 0 1 2
Financiamento 26 17 14 17 39 33 146
Regulamentação da transferência de recursos 16 10 10 14 36 32
Criação de incentivos 1 1 2 1 0 0
Reajuste de incentivos 9 6 2 2 3 1
Programa Saúde da Família (PSF) 6 13 0 9 5 1 34
Assistência farmacêutica básica 1 1 3 1 1 0 7
Recursos humanos 1 1 7 1 4 0 14
Sistemas de informação, monitoramento e avaliação 3 2 0 3 2 2 12
Outros 3 1 3 2 2 1 12
Total 172 118 80 82 91 65 608

Fonte: Elaboração própria com base na página portal do Sistema de Legislação da Saúde do Ministério da Saúde – Saúde Legis
(http://portal2.saude.gov.br/saudelegis/LEG_NORMA_PESQ_CONSULTA.CFM).
* Somente portarias de janeiro a junho de 2008.

Além disso, ainda que de forma tímida, pela país. A estratégia reafirmou o modelo de PSF em
primeira vez foram empregados indicadores de vigor desde a sua criação no ano de 1994, des-
condições sociais como critério para diferenciar locando o debate da flexibilização da porta de
os repasses federais relativos à atenção básica entrada para o âmbito do apoio às equipes de
aos municípios. A utilização desses indicadores saúde da família.
está associada à busca da eqüidade no âmbito do Em suma, é possível apontar com base na
financiamento do SUS 15, uma das atribuições do análise desse grupo que, no período, as iniciati-
gestor federal na implementação de um sistema vas adotadas foram desenhadas com o intuito de
nacional de saúde em um país federativo e desi- enfrentar algumas das fragilidades identificadas
gual como o Brasil. pelo ministério na implantação da saúde da fa-
No que diz respeito ao grupo PSF, durante to- mília, tais como a expansão nos grandes centros
do o período observa-se um quantitativo maior e a necessidade de aumentar a resolutividade da
de portarias referentes ao Projeto de Expansão estratégia.
e Consolidação do Saúde da Família (PROESF), Os principais temas abordados nas portarias
citado pela maioria dos entrevistados como uma que compõem o grupo assistência farmacêutica
das estratégias prioritárias da atenção básica no básica foram a instituição de câmaras e grupos
período. À exceção do PROESF, foram poucas técnicos, com ênfase na estratégia de saúde da
as portarias editadas sobre o PSF. Tais portarias família, e a normatização deste tipo de atenção.
surgem somente a partir de 2005, voltadas para Houve mudanças no que diz respeito ao finan-
a regulação da atividade e/ou incorporação de ciamento tripartite, sendo revistas as responsa-
novos profissionais à estratégia de saúde da fa- bilidades de cada esfera de governo em progra-
mília, com o intuito de ampliar a abrangência e mas específicos. Em termos gerais, o período
o escopo das ações de atenção básica, bem como é marcado por mudanças nos mecanismos de
sua resolutividade. financiamento da assistência farmacêutica no
Uma portaria muito relevante desse grupo SUS, com repercussões importantes na atenção
foi a que criou os Núcleos de Apoio à Saúde da básica. Ressalte-se a regulamentação dos blocos
Família (NASFs), publicada em janeiro de 2008, de financiamento e o aumento dos valores das
pela significativa inovação que representou na transferências federais, bem como das contra-
política nacional de atenção primária à saúde no partidas estaduais e municipais.

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Destaca-se a ênfase na descentralização des- estratégias de mudanças curriculares e fortale-


ses recursos para as demais esferas de governo. cimento da formação nos serviços de saúde, em
Isso suscita a reflexão sobre a diversidade dos geral orientadas para a estratégia de saúde da
municípios brasileiros em termos de capacidade família.
de gestão e de escala para a realização de com- Em termos gerais, as portarias do grupo sis-
pras, o que pode afetar os preços de aquisição e temas de informação, monitoramento e avalia-
o acesso da população aos medicamentos. Um ção refletem as mudanças da política nacional
dos desafios que permanece é a garantia do aces- de saúde como um todo e também no âmbito
so a medicamentos na atenção básica, pois este da atenção básica. No período do estudo ocor-
é fator crucial para a resolutividade da atenção. reu um esforço de fortalecimento das ações de
Por outro lado, cabe mencionar o destaque go- monitoramento e avaliação na atenção básica,
vernamental conferido ao programa Farmácia observado não só mediante a análise das por-
Popular do Brasil, outra estratégia voltada para tarias como também pela análise documental e
a disponibilização de medicamentos básicos e entrevistas.
essenciais para a população, porém baseada no No que concerne à pactuação de metas sa-
co-pagamento usuários-Estado de medicamen- nitárias e percentuais de cobertura do PSF entre
tos ofertados em farmácias públicas ou privadas os três gestores, houve uma alteração importan-
conveniadas 16,17. te. Em 2007, foi instituído um único processo de
A análise do grupo recursos humanos permite pactuação, resultado da unificação do Pacto da
caracterizar dois momentos em relação à produ- Atenção Básica, do Pacto de Indicadores da Pro-
ção normativa. Inicialmente, entre 2003 e 2005, gramação Pactuada e Integrada da Vigilância em
foram editadas portarias pontuais, de autoria da Saúde, e dos indicadores propostos no Pacto pela
recém-criada Secretaria de Gestão e Educação no Saúde.
Trabalho em Saúde (SGETS) em parceria com a Nas entrevistas, as opiniões com relação à
Secretaria de Atenção à Saúde (SAS) ou de forma unificação dos pactos foram divergentes. Alguns
independente, que abordavam o perfil de com- entrevistados apontaram como um avanço, vis-
petências profissionais do agente comunitário to que a existência de diversos instrumentos de
de saúde e estabeleciam as normas operacionais pactuação formados por indicadores similares
para a o financiamento de projetos voltados para era objeto de crítica de diferentes atores do setor.
a sua formação inicial. Porém, outros apontaram como uma perda para
A partir de 2006, há uma mudança significa- a atenção básica, já que não teria sido adequa-
tiva com relação à produção e autoria das porta- damente considerado um processo histórico de
rias, com predomínio de portarias de autoria do anos de pactuação.
gabinete do Ministério da Saúde em parceria com Ainda nessa perspectiva, em 2007 foi subme-
o Ministério da Educação, voltadas para progra- tida à consulta pública, e no ano seguinte ocor-
mas como o Programa Nacional de Reorientação reu a publicação da Lista Brasileira de Internações
da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde); Hospitalares por Condições Sensíveis à Atenção
o Programa de Educação pelo Trabalho em Saúde Básica. A lista é composta por doenças infeccio-
(PET Saúde); e o Telessaúde. sas e crônicas, tradicionalmente abordadas nes-
A preocupação com a formação dos profis- se nível de atenção.
sionais que atuam na atenção básica incluiu as O fortalecimento das ações de monitoramen-
pós-graduações lato sensu. Em 2007, foi publica- to e avaliação voltadas para a atenção básica foi
da a portaria que dispõe sobre a residência mul- um avanço. Se a trajetória histórica dessa política
tiprofissional em saúde e institui a Comissão Na- revela a ênfase na ampliação do acesso, no perí-
cional de Residência Multiprofissional em Saúde. odo estudado buscou-se também aprimorar os
Essa portaria é resultado da luta do movimento mecanismos de avaliação da qualidade das ações
dos residentes multiprofissionais em saúde, que no âmbito da atenção primária à saúde, tendo
buscava o reconhecimento formal desta modali- como norte o princípio da integralidade.
dade de ensino. Por último, cabe enfatizar o grande número
Ressalte-se que a questão da formação ina- de portarias versus o pequeno número de ins-
dequada de recursos humanos para atenção bá- trumentos legais editados no período (somente
sica foi citada pela maioria dos entrevistados da três), sinalizando que a política nacional de aten-
pesquisa como um dos principais nós críticos ção primária à saúde tem sido objeto de regula-
para a qualificação da atenção primária à saúde mentação pelo Executivo, sendo que o Legislati-
no Brasil. No período analisado evidenciaram-se vo não tem tido grande destaque na formulação
esforços no sentido de enfrentar tal problema, desta política.
com base nas parcerias feitas com o Ministério
da Educação, que resultaram na proposição de

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A POLÍTICA DE ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE NO BRASIL 699

Financiamento de 2004 a 2007, considerando essas três formas


de agregação dos dispêndios com as ações de
Baseando-se na análise da execução do orçamen- atenção básica.
to do Ministério da Saúde com ações e serviços O valor da execução orçamentária do minis-
de saúde por programas, foi possível constatar tério com a atenção primária à saúde apresentou
que o programa “atenção básica” como exposto tendência ascendente no período. É possível ob-
no SIGA Brasil não incorporava algumas ações servar ainda que há uma diferença significativa
e serviços que são tradicionalmente abordados quando o programa “atenção básica” é acresci-
neste nível de atenção. Nesse sentido, optou-se do de outras ações que são realizadas no âmbito
pela utilização de três formas de agregação dos deste nível de atenção, mas estão computadas
dispêndios federais com a atenção primária à em outros programas orçamentários.
saúde: (1) Programa Atenção Básica, referente Em termos relativos, também houve no perí-
somente ao conjunto de ações enquadradas para odo aumento da participação da atenção básica
fins orçamentários neste programa (APS 1); (2) na execução orçamentária do Ministério da Saú-
Programa Atenção Básica, mais os incentivos re- de que, considerando as três agregações adota-
ferentes à Farmácia Básica e às ações básicas das das, alcançou em 2007, respectivamente, 16%,
vigilâncias epidemiológica e sanitária (APS 2); 19% e 21% dos dispêndios federais com ações e
(3) Programa de Atenção Básica, mais os incen- serviços de saúde.
tivos referidos no item 2, acrescido dos valores Em relação às transferências federais do SUS,
referentes ao Programa Nacional de Imunização o primeiro aspecto analisado foi a evolução dos
(PNI) e alimentação saudável (APS 3). valores per capita da atenção básica e média e
A Figura 1 mostra a evolução da execução or- alta complexidades. A Figura 2 mostra a evolução
çamentária do Ministério da Saúde no período desses valores no período de 1998 a 2006.

Figura 1

Evolução da execução orçamentária do Ministério da Saúde com o Programa Atenção Básica, em valores ajustados pela inflação. Brasil, 2004 a 2007.

APS 1: Programa Atenção Básica, referente somente ao conjunto de ações enquadradas para fins orçamentários neste programa; APS 2: Programa Atenção
Básica mais os incentivos referentes à Farmácia Básica e às ações básicas das vigilâncias epidemiológica e sanitária; APS 3: Programa de Atenção Básica mais
os incentivos referidos no item 2, acrescidos dos valores referentes ao Programa Nacional de Imunização (PNI) e alimentação saudável.
Fonte: Elaboração própria com base no Sistema de Informações sobre Planos e Orçamento Público (SIGA Brasil; http://www9.senado.gov.br/portal/page/
portal/orcamento_senado/SigaBrasil).

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Figura 2

Evolução dos valores per capita (em Reais de dezembro/2007) referentes às transferências federais da atenção básica, e média e alta complexidades,
ajustados pela inflação. Brasil, 1998 a 2006.

Fonte: Elaboração própria com base nos dados do Fundo Nacional de Saúde/Departamento de Informática do SUS/Ministério da Saúde
(http://www.datasus.gov.br).

Observa-se que a atenção básica manteve um Em todas as regiões observa-se um cresci-


padrão de progressivo incremento entre 1998 e mento a partir de 2003 nos valores per capita dos
2001 e a partir de 2003. No entanto, embora com recursos federais para a atenção básica. Dentre as
oscilações ao longo dos anos, as transferências causas prováveis estão os reajustes dos principais
de média e alta complexidades apresentaram va- incentivos da atenção básica e a criação de novos.
lores per capita muito superiores em todo o perí- As regiões que se destacam por apresentarem ao
odo, e crescimento bem ascendente entre 2002 e longo de todo o período os maiores valores per
2004, registrando aumento da distância entre as capita são Nordeste e Norte, que, além disto, são
curvas. Isso pode explicar em parte as preocupa- também as que apresentaram um aumento mais
ções de vários entrevistados da pesquisa quanto significativo a partir de 2003. A ocorrência desse
à relativa fragilidade da atenção básica se com- aumento expressivo a partir de 2003 provavel-
parada às pressões do sistema por aumentos de mente foi devido ao reajuste dos valores do PAB
gastos na média e alta complexidades, mesmo fixo e variável e o financiamento diferenciado aos
quando a atenção primária à saúde é anunciada municípios mais pobres do país, que se concen-
como prioritária. Por outro lado, cabe assinalar tram nessas regiões, visando à eqüidade.
que um dos desafios que persistem para a aten- Quando o objeto de análise são os valores dos
ção primária à saúde é justamente o acesso das recursos federais per capita referentes às transfe-
pessoas aos serviços de referência de média com- rências de média e alta complexidades, o resulta-
plexidade, tais como consultas especializadas e do é o inverso. A Região Sul se destaca por apre-
exames. sentar entre os anos de 1998 e 2002 o maior valor
O segundo aspecto analisado, ilustrado na per capita nacional e, embora tenha apresentado
Figura 3, foi a evolução dos valores per capita oscilações importantes, esteve ao longo do perí-
referentes às transferências federais de atenção odo analisado sempre presente entre as três regi-
básica por região, ajustados pela inflação. ões que possuem os maiores valores per capita,

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 26(4):693-705, abr, 2010


A POLÍTICA DE ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE NO BRASIL 701

Figura 3

Evolução dos valores per capita (em Reais de dezembro/2007) referentes às transferências federais de atenção básica, por região, ajustados pela inflação.
Brasil, 1998 a 2006.

Fonte: Elaboração própria com base nos dados do Fundo Nacional de Saúde/Departamento de Informática do SUS/Ministério da Saúde
(http://www.datasus.gov.br).

que são Sul, Sudeste e Centro-oeste. Somente em dução deste incentivo produziu uma elevação
2003 a Região Sul foi ultrapassada pelas demais. dos recursos federais transferidos da atenção
Outro aspecto importante a ser ressaltado é que básica para a maioria absoluta dos municípios
essas três regiões apresentaram em todo o perío- brasileiros 15. Contudo, entre 1999 e 2003, hou-
do valores per capita acima da média nacional. ve um decréscimo em virtude da defasagem
Esses achados revelam a lógica do financia- de seu valor em termos reais. A partir de 2003,
mento federal das ações de serviços de saúde no quando o PAB fixo começa a sofrer seus primei-
Brasil. Na atenção básica, não há dúvidas que ros reajustes, há uma pequena recuperação,
desde a NOB-SUS 01/96 e com a criação do PAB com tendência à estabilidade, observada até o
fixo houve uma ruptura com o padrão executa- ano de 2006.
do anteriormente e impacto na reorganização É interessante destacar que o comportamen-
do modelo de atenção à saúde, enquanto no fi- to da linha referente aos incentivos aos progra-
nanciamento da média e alta complexidades os mas PACS e PSF é diferente do descrito anterior-
recursos são destinados principalmente para as mente. Desde a sua criação verifica-se tendência
regiões economicamente mais desenvolvidas do ascendente e, em 2005, os montantes de trans-
país, Sul e Sudeste, pois estas possuem uma rede ferências relativas a esse incentivos ultrapassam
mais estruturada e, portanto, têm maior oferta de os do PAB fixo, expressando a rápida expansão
serviços de saúde. destes programas, com destaque para o PSF, sob
O terceiro e último aspecto analisado valen- forte indução do Ministério da Saúde.
do-se da base de dados do DATASUS refere-se Outro incentivo cujas transferências apre-
à distribuição de recursos por programa. A evo- sentaram crescimento foi o da saúde bucal,
lução das transferências federais referentes aos principalmente a partir de 2003, refletindo sua
principais incentivos da atenção básica reajus- inserção prioritária na agenda federal. Já em
tados pela inflação, no período de 1998 a 2006, relação ao Farmácia Básica, chama atenção a
pode ser vista na Figura 4. constância e o baixo valor de seu incentivo, ain-
Entre 1998 e 1999, a linha que corresponde da que desde 2003 venha apresentando um mo-
ao PAB fixo apresenta crescimento, pois a intro- desto crescimento.

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 26(4):693-705, abr, 2010


702 Castro ALB, Machado CV

Figura 4

Evolução dos valores (em Reais de dezembro/2007) dos principais incentivos de atenção básica, ajustados pela inflação. Brasil, 1998 a 2006.

PAB: Piso de Atenção Básica; PACS: Programa Agentes Comunitários de Saúde; PSF: Programa Saúde da Família.
Fonte: Elaboração própria com base nos dados do Fundo Nacional de Saúde/Departamento de Informática do SUS/Ministério da Saúde
(http://www.datasus.gov.br).

O incentivo referente às ações básicas de tratégias de curto prazo em detrimento de uma


epidemiologia e controle de doenças apresen- perspectiva abrangente e integrada de médio e
tou crescimento no período de 1998 a 2001, após longo prazos. O enfrentamento dessa lacuna é
sua regulamentação. A partir de 2001, observa- uma questão central para que haja avanços na
se uma queda em termos reais do montante de política.
transferências relativas a esse incentivo. A análise da atuação do Ministério da Saú-
de na condução nacional da política de atenção
básica corroborou a força do Executivo Federal
Discussão no direcionamento e na regulação da política,
exercida por meio da emissão de portarias de in-
A análise empreendida permitiu identificar ele- dução de programas/políticas atreladas a meca-
mentos de continuidade e mudanças no mode- nismos financeiros. A lógica predominante na se-
lo de intervenção federal na atenção primária à gunda metade dos anos 1990 de atrelar a descen-
saúde no período estudado. Ainda que em uma tralização ao reconhecimento de municípios que
nova conjuntura, os achados sugerem elevado cumprem os requisitos impostos pela normativa
grau de continuidade na atuação do Ministério federal persistiu no período analisado e refletiu
da Saúde com relação aos anos 1990, cuja ênfase as concepções sobre o papel de cada esfera de
foi a regulação e o financiamento. governo na política de atenção básica.
Assim como no período anterior, o papel de O conteúdo da produção normativa relativa
execução direta de ações e serviços de saúde am- à atenção primária à saúde expressou a valori-
bulatoriais é residual, limitado a algumas locali- zação desta política e da estratégia de saúde da
dades específicas, em consonância com o movi- família em todo o período estudado, principal-
mento de descentralização com ênfase na muni- mente a partir de 2006. A regulamentação federal
cipalização dos anos 1990. Também foi possível esteve voltada ao enfrentamento das fragilidades
observar persistência de fragilidades em relação já identificadas com relação à atenção primária
ao planejamento federal, com predomínio de es- à saúde no país, tais como a ampliação da reso-

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 26(4):693-705, abr, 2010


A POLÍTICA DE ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE NO BRASIL 703

lutividade neste âmbito de atenção, a expansão co levando em consideração a heterogeneidade


da estratégia de saúde da família nos grandes dos municípios brasileiros.
centros e a formação dos recursos humanos para Observaram-se mudanças associadas às ten-
atuação neste nível. Nesse sentido, foram estraté- tativas de introdução de critérios de eqüidade e a
gias prioritárias o PROESF, a ampliação das ações inclusão de populações especiais, até então pou-
na atenção básica, a incorporação de novos pro- co consideradas pelas regras do SUS, em parte
fissionais à estratégia – por meio da criação dos relacionadas à agenda social do governo Lula.
NASFs – e a criação de programas voltados para Por outro lado, um aspecto crucial a ser res-
a mudança na formação de recursos humanos e saltado é que, embora tenha havido crescimento
educação permanente. Ou seja, foi possível ob- no aporte de recursos para esse nível de atenção
servar mudanças incrementais relacionadas ao no período analisado, permanece o financiamen-
enfrentamento de problemas ainda não equa- to federal fragmentado, voltado para a indução
cionados no SUS. de programas específicos, delimitando assim a
No que concerne ao financiamento federal, decisão dos gestores locais sobre a utilização des-
ainda que os recursos destinados à atenção bási- tes recursos. Além disso, observou-se que grande
ca sejam insuficientes, ao longo do governo Lula parte dos recursos federais é destinada às ações
houve crescimento da execução orçamentária de média e alta complexidades. Ao contrário do
deste programa em todos os anos. Isso reflete o que ocorre com os recursos referentes à aten-
esforço do gestor federal em garantir um aporte ção básica, as transferências federais de média
maior de recursos para esse programa, prioritário e alta complexidades privilegiam as regiões do
nesta gestão. Exemplo disso foram os sucessivos país economicamente mais desenvolvidas. Em
reajustes no valor do PAB fixo, que desde a sua que pesem as iniciativas no período visando à
criação em 1998 não sofria correção significativa eqüidade na destinação dos recursos da atenção
de seu valor. Houve ainda reajustes de outros in- básica, o combate às marcantes desigualdades
centivos da atenção básica e a criação de diversos regionais implicaria maior aporte de recursos e
incentivos, em especial os programas prioritários transformações mais substantivas no financia-
na agenda do Governo Federal, tais como o Brasil mento federal da saúde.
Sorridente. É possível concluir que avanços ocorreram
A lógica das transferências federais manteve o no que diz respeito à atenção primária à saúde
padrão do período anterior de vinculação dos re- no período do estudo. Entretanto, permanece o
cursos aos programas prioritários do ministério – desafio de reconfiguração do modelo regulató-
como é o caso do PSF e do Brasil Sorridente. Tais rio federal e a garantia de um aporte maior de
recursos são repassados mediante atendimento recursos para este nível de atenção, a fim de que
das exigências impostas pelo gestor federal e não ocorra o efetivo fortalecimento da atenção pri-
podem ser redirecionados para outros fins, pou- mária no país.

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 26(4):693-705, abr, 2010


704 Castro ALB, Machado CV

Resumo Colaboradores

O artigo analisa a condução federal da política de A. L. B. Castro e C. V. Machado elaboraram conjunta-


atenção primária à saúde no Brasil de 2003 a 2008, mente o artigo, desde a concepção e análise dos dados
considerando as funções de Estado na saúde de plane- até a revisão final.
jamento, regulação, financiamento e execução direta
de serviços. A pesquisa compreendeu revisão bibliográ-
fica, realização de entrevistas semi-estruturadas com Agradecimentos
atores-chave da política, análise documental, orça-
mentária e de bases de dados secundários. Observou-se A. L. B. Castro foi bolsista da Coordenação de Aperfeiço-
redução na execução federal direta das ações e fragili- amento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) durante
dades no que diz respeito ao planejamento. A atuação o mestrado. O desenvolvimento da pesquisa de campo
federal se caracterizou principalmente pela regulação, contou com o apoio financeiro do Conselho Nacional
baseada na emissão de portarias atreladas a mecanis- de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
mos financeiros. No que concerne ao financiamento, e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio
houve discreto aumento da participação da atenção de Janeiro (FAPERJ).
básica no orçamento federal, reajustes e criação de
novos incentivos, alguns visando à eqüidade. Embora
tenham ocorrido avanços no período, permanece o de-
safio de reconfiguração do modelo regulatório federal
e a garantia de um aporte maior de recursos para este
nível de atenção, a fim de que ocorra o efetivo fortale-
cimento da atenção primária no país.

Financiamento da Saúde; Gestão em Saúde; Política


de Saúde; Atenção Primária à Saúde

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