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1.

Introdução

Considerada uma das primeiras escolas de design do mundo, a Bauhaus surgiu em 1919,
Weimar, Alemanha, idealizada pelo arquiteto Walter Gropius para ser uma escola que aliasse a
arte ao artesanato, dando enfoque à produção industrial. Destacou-se por explorar conceitos
artísticos que valorizavam a simplicidade, a forma e a função.
Este artigo pretende abordar e ressaltar a importância da Bauhaus enquanto instituição e
modelo de design moderno. Em sua estrutura, o trabalho relata no primeiro momento o contexto
histórico e artístico no qual ela se insere, com enfoque nos redutos artísticos que surgiram no
final do século XIX e sua importância para o surgimento da Bauhaus. No momento seguinte
especifica as idéias que deram origem à escola e suas principais propostas, seguida por uma
explicação sobre o funcionamento e metodologia lá aplicada. Além de trazer um panorama
sobre a influência dos conceitos bauhausianos no Brasil e nos EUA.

2. Os redutos artísticos e a Bauhaus

No ano de 1897 surgiu em Viena um grupo de artistas e arquitetos que se reuniu para
questionar a Künstlehaus, organização artística reconhecida como oficial da época. A chamada
“Dissidência Vienense” rompeu com os padrões de arte estabelecidos até então e deu origem a
uma forma singular de associação, o reduto artístico. Os componentes dos redutos reuniam-se
regularmente, concordavam com certos princípios morais e estéticos e geralmente os
anunciavam através de um manifesto.
A separação entre idealizar e produzir arte foi impulsionada pelo desenvolvimento da
indústria no final do século XX na Europa. Isso tornou os objetos feitos em série um problema
para os artistas dos redutos, pois segundo eles não apresentavam qualidade formal e estética.
Em função dessa preocupação, os redutos artísticos discutiam o que seria a arte e o seu
papel na sociedade, assim como a produção da mesma. Entretanto, esses artistas, embora muito
empolgados em desenvolver e defender suas teorias, raramente produziam algo além disso. A
produção artística de qualidade se tornou escassa, em contraste com a abundância das
discussões em torno da arte.
Foi nesse contexto de pouca produção artística e de muitos conceitos que em 1919 o
arquiteto alemão Walter Gropius integrou a Escola de Artes e Ofícios do belga Henry van de
Velde e a Academia de Belas Artes sob direção do alemão Hermann Muthesius e fundou uma
nova escola de arquitetura e desenho a que deu o nome de Staatliches Bauhaus, com sede em
um edifício construído em 1905 por Van de Velde, em Weimar.
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Estudantes do segundo semestre da graduação de Design de Interiores na Escola de Belas Artes da
UFBA

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3. Casa de Construção
“O objetivo final de toda atividade plástica é a construção”
Walter Gropius, 1919, no manifesto Bauhaus

O termo alemão bauhaus, - haus, "casa", bauen, "para construir" - permite flagrar o
espírito que conduz o programa da escola: a ideia de que o aprendizado e o objetivo da arte
ligam-se ao fazer artístico. À esse ideal de formar artistas-artesãos defendido por Gropius,
soma-se a defesa do exercício das diferentes artes.
A Bauhaus surgiu em um momento de grande crise política e econômica na Alemanha,
um período entre as duas guerras mundiais, que deixou a Alemanha arrasada e apesar disso, fez
dela terreno fértil para as ideologias bauhausianas.
Baseada nas ideias de funcionalismo e racionalismo a escola traz em sua origem o traço
mais destacado de seu perfil: a tentativa de articulação entre arte e artesanato, além da proposta
de alavancar a economia alemã. Neste contexto, racionalidade “deve enquadrar as grandes e
pequenas ações da vida: racionais devem ser a cidade em que se vive a casa em que se mora a
mobília e os utensílios que se empregam, a roupa que se veste.” (ARGAN, 1992, p. 270)
A ideia fundamental de Gropius para a concepção da Bauhaus era que a arte e a técnica
deveriam tornar-se uma nova e moderna unidade. Para ele a técnica não necessita da arte, mas a
arte necessita muito da técnica. Unidas arte e técnica, haveria uma noção de princípio social:
consolidar a arte no povo. Trata-se de uma proposta para formar novas gerações de artistas de
acordo com um ideal de sociedade civilizada e democrática, na qual não há hierarquias, mas
somente funções complementares.
O trabalho conjunto, na escola e na vida, possibilitaria não apenas o desenvolvimento da
criatividade dos artistas como o das habilidades manuais. Este era um pensamento de caráter
socialista que propunha constituir uma “comunidade com todas as formas de trabalho criativo e,
em sua lógica, interdependência de um para com o outro no mundo moderno”. (GROPIUS,
1972).
Segundo Wolfe (1990), Gropius apoiava toda experiência que os alunos quisessem
fazer, desde que as fizessem em nome de um futuro limpo e puro. Até mesmo novas religiões e
estranhas dietas alimentares eram experimentadas com rigor dentro da Bauhaus.
A proposta estética desta instituição utilizava as cores primárias (vermelho, azul e
amarelo), as formas básicas (triângulo, círculo e quadrado) e materiais como o concreto armado,
vidro e aço, evitava o ornamento e dava expressão ao modo de produção industrial. Unindo
qualidade estético-formal à funcionalidade, regressavam ao básico, criando uma linguagem
plástica moderna.

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4. Funcionamento e metodologia da escola

Ao lado de Gropius, Johannes Itten foi a figura mais marcante do surgimento da


Bauhaus. Itten instituiu em 1919/1920 o Curso Básico ou Vorkus, curso obrigatório, onde o
aluno concentrava-se em estudos de composição e exercícios que mostravam as possibilidades e
limitações de cada material trabalhado. Sua metodologia caracterizava-se pela valorização da
expressão individual do aluno.
Depois do curso básico, cada estudante trabalhava em oficinas por ele escolhida, com
um mestre de artesanato e outro de arte, por que segundo eles, não havia artesãos que
possuíssem suficiente fantasia para dominar problemas artísticos, nem artistas que possuíssem
suficientes conhecimentos técnicos para dirigirem uma seção de oficinas.
O aluno tinha a obrigação de seguir os trabalhos de uma das oficinas, aprendendo, ao
mesmo tempo, o modo de projetar e o modo de realizar concretamente os objetos. As oficinas
eram de tecelagem, metal, teatro, carpintaria/marcenaria, tipografia, escultura e mobiliário e
foram o elemento de ligação entre a Bauhaus e o mundo da indústria. Desta forma tornava-se
possível alcançar a verdadeira meta da proposta de Gropius: a criação de novos profissionais
que ao atuarem na produção industrial, garantissem com seus conhecimentos, a qualidade dos
produtos.
Em 1923 por motivos de divergências de opinião com Gropius, Itten se afastou da
escola, pois buscava um caminho individual, ignorando o mundo econômico, enquanto Gropius
buscava o contato com a indústria. O curso instaurado por Itten, a base para todo o
desenvolvimento pedagógico da Bauhaus, foi continuado por László Moholy-Nagy e Joseph
Albers.
A Bauhaus contava com 207 alunos, no momento de sua instituição e por ela passou em
seus quatorze anos personalidades como Paul Klee, Joseph Albers, Wassily Kandinsky, Mies
Van Der Rohe, Hannes Meyer, Lyonel Feininger, Marcel Breuer, Gerard Marcs, Oscar
Schlemmer, entre outros.
Um ano após a vitória do partido direitista nas eleições alemãs em 1924, a Bauhaus foi
ameaçada de dissolução. Era uma escola estatal e dependia de recursos do governo, que
considerava suas idéias subversivas demais para a época, havia ainda o fato de alguns
professores como Paul Klee, Wassily Kandisnky e Moholy-Nagy serem considerados
comunistas.
Em 1926, por causa do corte dos subsídios, a Bauhaus se mudou para a cidade de
Dessau onde Gropius projetou e construiu um conjunto de prédios para a nova sede, considerada
como uma importante obra bauhausiana. Motivado pelo aumento da resistência à escola, Walter
Gropius deixou a direção em 1928 e seu cargo passou para Hannes Meyer, chefe do
departamento de Arquitetura.

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Meyer apoiava um grupo de alunos comunistas e isso inviabilizou sua permanência
como diretor. Em 1930, Ludwig Mies van der Rohe assumiu a direção no lugar de Meyer por
indicação de Walter Gropius. A instituição permaneceu em Dessau até 1932 quando por
resolução da prefeitura municipal foi fechada. Mies van der Rohe e um grupo de alunos e
professores decidiram continuar a Bauhaus como iniciativa privada em Berlim. Em 1933 com a
chegada do partido nazista ao poder, as perseguições aumentaram – 32 alunos foram presos no
Festival da Primavera na Bauhaus – por essa razão, o diretor e professores decidiram em
reunião fechar a escola definitivamente, alegando dificuldades financeiras.

5. A Bauhaus pós-Bauhaus

As possibilidades da vanguarda alemã se fecharam em 1933, mas o ensino inovador da


Bauhaus já havia se disseminado nos principais centros artísticos do mundo. Esta influência
aumentou quando os grandes mestres da escola como Walter Gropius, Mies van der Rohe,
Moholy-Nagy, Herbert Bayer e Marcel Breuer, devido às perseguições nazistas, emigraram,
principalmente para os Estados Unidos difundindo seus conhecimentos e teorias.
Os Estados Unidos recuperavam-se da grande depressão de 1929, e quando os
profissionais bauhausianos chegaram encontraram “as portas” abertas para as ideias que outrora
desenvolviam na escola alemã. Portanto, ao transpor os métodos da prática do design, ajudaram
a reestruturar e alavancar a indústria estadunidense. Aspecto essencial para que os conceitos da
escola perpetuasse e entrasse para a história como fundamental para o design mundial.
Houve inúmeras tentativas por partes dos mestres e aprendizes da Bauhaus em revivê-la
em outros momentos, a exemplo da Bauhaus de Mühely (1928-1938) na Bélgica, criada antes
mesmo da dissolução da Bauhaus original em Berlim; a New Bauhaus (1937-1944) de Moholy-
Nagy em Chicago, Estados Unidos; a Escola de Max Bill, Hochschule für Gestaltung (1953-
1968), a Universidade Bauhaus de Weimar (desde 1993) e a Bauhaus de Dessau, ou Bauhaus
Kolleg (de 1999 até os dias de hoje), estas últimas na Alemanha. Em 1986, a Bauhaus de
Dessau foi reaberta como Centro de Design em comemoração ao 60º aniversário de sua abertura
original. E oficialmente a Bauhaus Kolleg funciona desde 1999 oferecendo um programa
interdisciplinar de pós-graduação, concebido para designers, urbanistas, arquitetos e outros
interessados nos aspectos teóricos do urbanismo.
Atualmente apenas as Faculdades de Weimar e Dessau permanecem ensinando os
princípios da antiga Bauhaus. A eficiência do método de ensino bauhausiano e a grande
popularidade da escola alemã mostram que os quatorze anos de sua existência, além da
mudança no ensino pedagógico de algumas instituições, transformaram o olhar sobre as artes e
as relações do homem com os produtos industrializados.

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6. Cultura Importada

A influência da Bauhaus no Brasil foi mais forte na incorporação do curso de desenho


industrial (design) e de disciplinas similares na formação de arquitetos. O estudioso da área,
designer e professor de Programação Visual Chico Homem de Melo, aponta a própria
reformulação do currículo acadêmico da FAU/USP - referência no ensino de arquitetura do país
capitaneada no anos 50 por João Vilanova Artigas - como um resultado do ideário da escola
alemã: “A reforma de ensino que moldou a FAU é herança total da Bauhaus. O arquiteto passou
a ser entendido como o profissional do projeto: o cara capaz de projetar desde um garfo até uma
cidade. Essa é uma visão absolutamente bauhausiana.”
Outro caso de referência no Brasil é Lina Bo Bardi, arquiteta ítalo-brasileira da década
de 50, cujo trabalho nem sempre esteve na tradição formal da Bauhaus, mas que conseguiu
expressar o ideal alemão em obras como o MASP (Museu de Arte de São Paulo). Ela foi uma
arquiteta de projeto amplo: criava o prédio, desenhava o mobiliário, os suportes para as obras, e
etc, que é um conceito meramente bauhausiano bem exemplificado no trecho seguinte:

“o plano urbanístico de uma grande cidade é o desenho industrial, da mesma


forma que o projeto de uma colher.” (ARGAN, 1999, p. 270)

Junta-se à importância do projeto, enaltecida por Argan , ao fato de que a Bauhaus


surgiu para produzir esses “multi-artistas” que poderiam criar e concretizar qualquer que fosse
sua ideia.
Em, 1951, o ex-estudante da Bauhaus, Max Bill, expôs na Bienal de Arte de São Paulo,
sendo premiado. No ano seguinte, voltou para palestras e para ser jurado do Grande Prêmio de
Arquitetura de São Paulo. Da geração que de fato frequentou a Bauhaus há poucas obras no
Brasil. Uma das mais conhecidas é o prédio do Instituto do Cacau da Bahia, projetado em
Salvador em 1936 pelo belga Alexander Buddeus.
Mas se o país não teve herdeiros diretos da Bauhaus, teve da Hochschule für
Gestaltung, ou Escola de Ulm, que tinha em comum com a Bauhaus a formação ampla e foi
fundada nos anos 50, pelo próprio Max Bill. De lá que saiu um dos maiores expoentes do design
gráfico brasileiro, Alexandre Wollner, que ajudaria a fundar, em 1962, a primeira escola de
design em nível superior do país: a ESDI, Escola Superior de Desenho Industrial da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro. A ESDI é uma tentativa de transposição para a
realidade brasileira do programa de Ulm, onde Wollner viveu de 1954 a 1958 e estudou física,
geometria, aritmética, semiótica e percepção visual.
Apesar de se tratar de duas realidades totalmente diferentes, o projeto da ESDI provou
que era possível implantar no Brasil (com relativo sucesso) algo parecido com o que se
desenvolvera na Alemanha. As críticas de que essa “importação” pode ter prejudicado a

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identidade do design nacional são rebatidas por Wollner que defende a mistura e a assimilação
das duas culturas.
Outro ícone brasileiro é o pintor concretista Geraldo de Barros que deu a sua
contribuição ao design nacional com a fábrica de móveis Unilabor e, anos depois, com a
Hobjeto – cujas peças criadas a partir da combinação de centenas de módulos produzidos em
larga escala (mais uma característica da Bauhaus) viraram febre nos anos 70.
Com o trabalho de Wollner, Barros e outros designers desse período se pode atestar que
a mistura foi mais do que benéfica; foi essencial para o desenvolvimento da arquitetura e do
design brasileiro.

7. Considerações Finais

Desde o seu fechamento em 1933, e talvez mesmo antes deste período, a Bauhaus
deixou de ser uma escola no sentido de ser somente um espaço físico, para se consagrar como
conceito de arte, design, arquitetura e pedagogia. Ela representa a modernização com bases
racionalistas e funcionalistas e segundo Argan (1992), além do racionalismo, uma das
características mais marcantes da Bauhaus é que ela foi uma escola democrática no sentido
pleno do termo – fundada sobre o princípio da colaboração e da pesquisa conjunta entre mestres
e alunos.
A escola entendida como uma instituição que orientou seu próprio progresso e que foi
ponte entre a cultura de massa e a de elite (dois mundos que novamente necessitam ser ligados),
deixou uma uma série de objetos - embora cada vez mais próximos do vintage à medida que
avançamos no século XXI – uma herança arquitetônica que se tornou patrimônio da
humanidade, alguns conceitos estéticos e recursos que ainda hoje são utilizados - como fachadas
envidraçadas que facilitam a entrada de luz natural ou janelas projetadas para melhor ventilação
- e além da institucionalização do design gráfico e industrial como profissões modernas.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARGAN, Guilio Carlo. Arte Moderna. Tradução de Denise Bottmann e Federico Carotti. São
Paulo: Companhia das Letras, 1992.

WOLFE, Tom. Da Bauhaus ao nosso caos. Tradução de Lia Wyler. Rio de Janeiro, 1990.

BITTERBERG, Karl-georg. Bauhaus. Instituto Cultural de relações exteriores. Stuttgart, 1974.

CANTZ, Hatje. Bauhaus: a conceptual model. The Museum of Modern Art. New York, 2009.

Revista TAM nas Nuvens. Edição n. 23 - novembro de 2009 – p. 87-92.

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