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Progresso, Civilização, Estado, Nacionalidade, Liberalismo são palavras que denotam o teor das

principais preocupações e discussões presentes no século XIX no Ocidente. A obra de Sarmiento pode ser
entendida dentro desse cenário.

“Facundo: Civilização e Barbárie” é um grande clássico da literatura argentina reconhecida em meio


a um conjunto de obras como fundadora da nacionalidade ou identidade argentina, e tem sido intensamente
debatida no âmbito historiográfico, pois se trata de uma escrita política, que além de revelar muito sobre as
disputas internas por modelos de Estado no pós-independência, lança luz e se antecipa com relação a esse
impasse ao centrar a solução para o futuro argentino na negação do nacional, da argentina do gaucho
interiorano que era visto como bárbaro, em detrimento do imigrante e da população urbana buenairense.

Nascido em 1811, um ano após a Revolução de Maio, Sarmiento viu as lutas que culminaram na
declaração da Independência em 1816 em Tucumã e conviveu com a desorganização e as disputas políticas,
que acabaram por dar à Constituição de 1819 um caráter liberal adequada a uma adesão monárquica, que foi
suprimida já no ano seguinte por um projeto de teor federalista, que trouxe em seu bojo a descentralização e
fragmentação do poder.

Esse projeto vigorou até 1826, quando cedeu espaço ao curto governo de Rivadavia em Buenos
Aires que, mesmo durando pouco mais de um ano - e sendo seguido por um longo período em que a proposta
federalista entra novamente em cena - foi decisivo para a formação da Geração de 1837, cujos integrantes
irão lutar contra o que ficou conhecido - graças a eles mesmos - como “Ditadura de Rosas” ou “Ditadura
Rosista”.

Apesar de a obra levar o nome de Facundo Quiroga, um caudilho da província de La Rioja - que fez
forte oposição às medidas adotadas por Rivadavia, sobretudo, as referentes à educação e sua laicização -, a
obra de Sarmineto é tida por muitos como direcionada a Rosas, um federalista que estava no governo de
Buenos Aires controlando através de pactos informais as demais províncias argentinas no mesmo período em
que, exilado no Chile, Sarmiento escrevia.

Para Laura Hossiasson (2011), esse aspecto é estampado já na primeira frase do livro, quando a
sombra de Facundo é evocada produzindo um duplo movimento de trazer o caudilho das sombras da morte
para empurrar Juan Manuel Rosas para as sombras do texto, onde sem voz, ficaria sempre a escutar, como
um interlocutor fantasma, tudo quanto for dito.

Isso se expressa de forma ainda mais acentuada no terceiro capítulo, o qual nos debruçaremos com
maior atenção nessa apresentação. É nele que, segundo Hossiasson (2011) o “Eu” narrativo encara de modo
frontal seu interlocutor mudo, onde (...)Facundo Quiroga (exemplo máximo da barbárie provinciana), tendo
ficado atrás, morto e enterrado, deixa agora eles dois – Rosas e Sarmiento – a se verem finalmente um diante
do outro.

Para Molina (2013) a obra de Sarmiento é um acervo inesgotável de interpretações e leituras sempre
renovadas e não deve ser definido como um tratado político argentino apenas, tão pouco entre os gêneros
literários como o romance, a novela, o folhetim (como foi publicado originalmente), manual de
determinismo geográfico dos pampas, caracterização sociológica ou tipologia do gaúcho, literatura de
viagem, biografia de Quiroga ou de Rosas, autobiografia de Sarmiento, ensaio, panfleto político, programa
liberal para deter o mau do caudilhismo, livro de história, entre outros. Pelo contrário, cada modalidade pode
justificar-se com o próprio texto, ou a partir dele.

É sobre essa obra e mais especificamente o seu último capítulo, bem como o cenário político em que
se encontra a Argentina desde 1810 até o momento de sua escrita em 1845, além de seus consequentes
impactos, que nos deteremos.

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