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Sobre

Comportamento
e Cognição
Reflexões teórico-conceituais e
implicações para pesquisas

Volume 20

Organizado por Wander C. M - Pereira da Silva

ESETec
Editores A ssociados
2007
Copyright P desta edição:
ESETec Editores Associados, Santo André, 2007.
Todos os direitos reservados

Silva. Wander C. M. Pereira.

Sobre Comportamento e Cognição: -- Org. Wander C M. Pereira da Silva 1á ed.


Santo André, SP: ESETec Editores Associados 2007 v20

192 p. 23cm

1. Psicologia do Comportamento e Cognição


2. Behaviorísmo
3. Análise do Comportamento

CDD 155.2
CDU 159.9.019.4

________________________________________________________

ISBN - 85-88303-86-8

ESETec Editores Associados

br
Sumário
Prefácio.............................. 7
Gilberto Hazana de Godoy
Apresentação.................... 9
Wander C. M. Pereira da Silva

Análises teóricas de processos aplicados..... 11

A análise de contingências em programação de ensino aplicada na


situação clínica 13
Adélia Maria Santos Teixeira
Práticas educacionais no behaviorísmo radical: uma análise da proposta
Skinneriana de uma educação voltada para a liberdade e criatividade. 18
Carmen Silvia Motta Bandini e Julio C. de Rose
Terapia comportamental e terapia cognitiva: divergências encontradas
sob o enfoque das manifestações de ansied ad e..................................... 29
Alexandre Gomes Brito, Felipe de Carvalho Pimentel, Fabrício de Souza, Carolina
Oliveira de Brito e Thais Tebaldi Carvalho
Controle aversivo do comportamento: das definições operacionais aos
subprodutos indesejáveis e desejáveis.......................................................42
leda Maria Bertola Mazzo e Maura Alves Nunes Gongora
Introdução ao Coaching Comportamental.......................................................63
Wander C, M. Pereira da Silva

Análises conceituais em behaviorísmo, análise do comportamento e


teoria sócio-cognitiva ....................................................................................77

Análise do comportamento e socilogia: um diálogo a partir das proposi­


ções de Skinner e W e b e r...............................................................................79
Cyro Augusto Gomes de Almeida e Frederico Batista Pereira
O conceito de cultura e de liberdade na teoria de B.F.Skinner: implica*
ções do controle do comportamento humano no fortalecimento da
cu ltu ra............................................................ ...................................................87
Camila Muchon de Melo e Júlio C. de Rose
O conceito de estímulo no behaviorismo radical: esboço de uma interpre­
tação pragmatista.............................................................................................96
Carlos Eduardo Lopes ,
Um diálogo entre B.F.Skinner e Proteu: construindo uma leitura
pragmatista da teoria científica no behaviorísmo radical............... . 101
Carolina Laurenfi
Podemos analisar procrastinação sem falar em autocontrole?............ 110
Rachel Rodrigues Kerbauy
O papel das crenças no ciúme romântico: uma abordagem sócio-cognitíva. 119
Lucas de Francisco Carvalho
O que é farmacologia comportamental?.................................................. . 122
André Amaral Bravin, José Eduardo Pandossio e Alessandra Rocha de Albuquerque

Relatos dc pesquisa ...............................................................................137

Verbalizações de terapeuta e cliente sobre sentimentos, emoções e


estados motivacionais na terapia analítico- comportamental ............ 139
João lio Coelho Barbosa
Efeito da apresentação contingente (FHmin.) e não contingente (FTImin.)
de um evento aversivo (jato de ar quente) sobre a frequência de pres­
são à barra em rattus norvegicus..... ......... ...................................... .......149
Marcus Bentes de Carvalho Neto, Hernando Borges Neves Filho, Rubílene Pinheiro
Borges e Gracy Kelly da Silva Tobías
Variações paramétricas em pré-requisitos da linguagem II: novas análises
das interações criança acom panhante................ ...................................154
Carlos Barbosa Alves de Souza e Silvany Ellen Risuenho Brasil
Pré-requisitos da linguagem II: novas análises de padrões
comportamentais na interação criança acompanhante............ .......... 169
Carlos Barbosa Alves de Souza e Josie Rodrigues Vieira
Estudo comparativo da variabilidade operante em animais e humanos:
efeitos de contingências e história de reforçamento........................ 181
Maria Helena Leite Hunziker e Marcos Takashi Yamada
Prefácio

Uma ciência só avança quando conquista o reconhecimento de outras ciências


e da sociedade. A capacidade de se comunicar com outros profissionais e pessoas
comuns em qualquer lugar e a qualquer tempo é um dos maiores desafios das ciências.
A Análise do Comportamento por meio da coleção “Sobre Comportamento e Cognição”
tem conseguido estabelecer um diálogo profícuo entre profissionais de suas diversas
áreas da psicologia comportamental (clínica, organizacional e outras aplicações,
pesquisa básica e teórico-conceitual), com profissionais de outras disciplinas científicas
e mesmo com a comunidade dita leiga.
A meu ver, com a manutenção desta coleção, estamos construindo uma resposta
efetiva de comunicação com a sociedade. Assimilamos rapidamente a idéia de que sem
um canal de comunicação adequado com a sociedade estaríamos condenados a virar um
"grupelho" e não uma comunidade reconhecida e respeitada de profissionais e cientistas
do comportamento como somos hoje. Muito se deve a esta coleção pela expansão da
comunidade de pessoas que compartilham desta visão particular do mundo que se chama
behaviorismo radical. Por isso, a ABPMC fez questão de mantê-la e aperfeiçoá-la. E neste
intento tivemos a colaboração de várias pessoas, em especial cito o nome do professor
Roosevelt, do professor Wander e da Teca da ESETEc, organizadores e editores deste livro.
Este livro apresenta uma boa amostra da produção da a n á lise do
comportamento, da análise experimental do comportamento, da análise comportamental
apficada e da filosofia behaviorista.
Boa leitura.

QUberto Hazana de Çodoy


vice-presidente da A B P M C 2 0 0 6 / 2 0 0 7 .
Apresentação

Os textos que compõem este volume da coleção “Sobre comportamento e cognição"


representam uma amostra qualitativa dos trabalhos apresentados no XV encontro da
Associação Brasileira de Psicoterapia Medicina Comportamentaf - ABPMC, realizado em
Brasília em 2006. Oferecemos ao leitor um conjunto de textos contendo análises teóricas e
conceituais sobre temas diversos ligados a ciência do comportamento e alguns trabalhos
de pesquisa. São textos importantes que ajudam a consolidar pontos de vistas e a levantar
novas miradas sobre aspectos diversos que se relacionam à psicologia comportamental.
Agradecemos a todos aqueles que novamente acreditaram na força e no papel
divulgador desta coleção e colaboraram para sua publicação enviando seus textos. Por fim,
convidamos a comunidade a prestigiar esta tradicional publicação da parceria ABPMC/ESETec.
Um abraço,

W ander C. M . Pereira da Silva.


O rganizador

9
Análises teóricas de
processos aplicados
Capítulo 1
A análise de contingências em
programação de ensino aplicada
na situação clinica1

Adélia Maria Santos Teixeira


U FM Ç

A Análise do Comportamento Aplicada sempre esteve sujeita a severas críticas por


parte dos próprios analistas do comportamento, especialmente na década de 1970. Desde
1968, quando Baer, Wolf & Risley apontaram sete dimensões para avaliar sua qualidade
em relação aos requisitos da Análise Experimental do Comportamento (AEC), várias revisões
da literatura apontaram dificuldades para identificar, reconhecer e avaliar as dimensões:
comportamerital (medida precisa e confiável do comportamento); analítica (demonstração
de controle experimental); tecnológica (descrição de técnicas que permitam replicações);
conceituai (procedimentos baseados nos princípios de AEC); efetividade { poder de alterar
comportamento); generalidade (manutenção da mudança do comportamento no tempo).
Apenas a dimensão aplicada (ênfase na mudança de comportamento socialmente relevante)
se sustentava com facilidade nas avaliações correspondentes (Hanley, 1970; Silvenman,
1978; FREITAS, 1987; Castanheira, 1993). Outros pesquisadores focalizaram sua atenção
nos trabalhos que utilizavam métodos de observação direta, mostrando diversas fragilidades
nos mesmos {Kelly, 1977; Powell, Martindale & Kulpe, 1975; Powell, Martindale, Kulpe,
Martindale & Bauman, 1977; Sprimger, Brown & Duncan, 1981).
Homer, Petterson & Wonderiich (1983) questionam a falta de explicitação acerca
da seleção dos sujeitos. Johnston & Pennypacker (1980) sugerem o registro de múltiplas
dimensões - latência, duração, freqüência - como forma de obter maior precisão. Kasdin
(1975) questiona, ainda, a natureza do delineamento experimental, muito concentrado no
estudo de caso único, recorrendo a procedimentos de reversão. Aponta, ainda, a utilização
de estatística ínferencial ou correlação em pesquisas baseadas em comparação entre
grupos, o que obscurece as condições experimentais e impede análise de relações
funcionais que constituem o objetivo principal da análise do comportamento.
Diante de tantas críticas, minha primeira manifestação é de reconhecimento,
respeito e louvor a todos os pesquisadores que persistiram praticando a Análise do
Com portam ento Aplicada. Sem a sua teim osia e ousadia, a aplicação da Análise
Experimental do Comportamento, talvez, não tivesse sobrevivido e estaríam os hoje
convencidos de que este tipo de análise não se aplica a humanos, o que poderia
comproirieter, de uma maneira fatal e dqfinitiva, esta notável abordagem em Psicologia.

' Texto apresentado em mesa redonda O desenvolvimento de tratamentos oomportamentais. impactce na dl nica, na escoffia e na divulgação
desse conhecimento. XV Encontro Brasíeiro de Psicotefapiae Medicina Comportamental. ABPMC/2006.

Sobre Comportamento e Cognição 13


Criticas fazem parte do avanço de qualquer ciência. Entretanto não podem se tomar
autofágicas De Manmo (2002), estudando as publicações sobre educação no Journal o f
Applied Behavior Analysis {JABA), no periodo compreendido entre 1968 e 2000, nos oferece
dados sobre as publicações de Análise do Comportamento Aplicada, no mesmo período, de
um modo geral. Observa-se uma queda vertiginosa na freqüência dessas publicações no
período compreendido entre 1960 e 1991. Desde 1968, quando este periódico começou a ser
editado, registrava-se uma média de 40 artigos/ano nos primeiros quatro anos de sua
circulação. Esse número aumentou para uma média de 60 artigos/ano, alcançando um pico
de quase 100 artigos/ano entre 1972 e 1978. Na década de 1980 esse número começou a
cair chegando a 37 artigos publicados em 1985. Somente na década de 1990, o número de
artigos voltou a subir, alcançando um total de 90 artigos nos anos de 1991 e 1992. No período
de 1991 e 2000, a revista publicou em média 70 artigos/ano. É evidente que essa ocorrência
não decorreu apenas das críticas concentradas na década de 70. Pode-se supor, no entanto,
que elas tiveram seu efeito. O reconhecimento tão pequeno do esforço e da contribuição
científica dos analistas do comportamento, que trabalhavam com aplicação, por parte de
seus próprios pares, pode ter desestimulado esse tipo dc produção.
Na minha avaliação as dimensões de Baer, Wolf & Rísley (1968) não se aplicam
à Análise do Comportamento Aplicada, exceto no caso de estudos muito específicos e
restritos realizados em laboratórios e em ambientes especialmente preparados para o
ate n d im e n to de p a rticip a n te s hum anos. Em situação natural não há a m enor
possibilidade de cumprir os requisitos das referidas dimensões.
De qualquer forma, os analistas continuaram a fazer aplicações da Análise
Experimental do Comportamento, como puderem, e graças a esses esforços podemos hoje
registrar o avanço ocorrido, especialmente na Terapia Comportamental e o reconhecimento
público de sua utilidade no atendimento de pessoas com algum tipo de dificuldade adaptaíiva.
A afirmação da Terapia Comportamental, sem dúvida, abriu caminho para outras
aplicações da Análise Experimental do Comportamento. Entretanto estas estão ainda
percorrendo sua própria trajetória de fortalecimento e reconhecimento públicos.
A Terapia Comportamental, embora muito diversificada em seus procedimentos,
está consolidada e aumenta seu prestígio ano a ano. Desde os primeiros trabalhos
clinicos com pacientes ps;quiátricos, impactou ambientes escolares, transferindo-lhes
técnicas de modificação de comportamento.
Do mesmo modo como a Terapia Comportamental impactou os ambientes
educativos, penso que agora os analistas do comportamento, orientados para programações
de ensino, têm uma contribuição que poderá se mostrar útil para o desenvolvimento dos
trabalhos clínicos e de outros campos de Análise do Comportamento Aplicada.
É sobre essa contribuição que pretendo discorrer, considerando que todos nós
trabalhamos com ensino ou educação ao lidarmos com humanos.
Em 1974, nossa grande mestra, Dra. Carolina Martuscelii Bori, vislumbrou,
identificou e apontou um poderoso instrumental para o planejamento de ensino. Em
1996 e 1998, outra grande mestra de todos nós, Dra. Maria Amélia Matos, cunhou a
expressão Análise de Contingências em Programação de Ensino para designá-lo.
Nos últimos anos, tenho me ocupado com sua divulgação e elaboração. À medida
que avanço nesse trabalho, convenço-m e, cada vez mais, do amplo alcance do
procedimento correspondente. Assim, desde o ano 2002, tenho registrado que a proposta
de Bori (1974) constitui um poderoso instrumental para aplicação da Análise Experimental
do Comportamento em ambientes humanos naturais. Inicialmente, além do campo da
educação, destaquei sua utilidade no campo de intervenções psicossociais em ambientes

14 Adélia M aria Santos Teixeira


de diversas naturezas (grupos, instituições, comunidades) e especialmente no campo de
planejamento ambiental que possibilitará a realização de mudanças sociais e culturais
de grande amplitude, permitindo-nos realizar as transformações sociais desejáveis nos
meios acadêmicos, políticos e econômicos. Parece-me que nos meios académicos a
expressão planejamento sócio-ambiental poderá prevalecer sobre a sugerida por mim -
planejamento ambiental. Isso não fará a menor diferença. O que importa é a penetração
e a aceitação da ideia de que se pode e se deve planejar o ambiente humano.
Neste momento, apresento a Clínica como um outro campo de aplicação que
poderá usufruir também da contribuição presente no instrumental de Bori.
A tualm ente essa área de aplicação define problem as com o e xce sso ou
deficiência e recorre a análises de contingências para promover o bem-estar de seus
clientes. Em sua trajetória, registram-se adesões e desvios dos conceitos fundamentais
derivados da Análise Experimental do Comportamento que lhe oferece suporte científico.
É justamente nesses quadros de excessos e deficiências bem identificados
que vejo a possibilidade de aproveitamento do instrumental de Bori.
Como educadora, não trabalhei com excessos e deficiências conforme encontrados
na situação clínica. Mas pude constatar ligeiros excessos e deficiências de repertórios
comporíamentais nos dados obtidos a partir da aplicação da Análise de Contingências em
Programação de Ensino infantil. A população estudada era constituída por crianças comuns.
A “dificuldade" ou “facilidade" demonstrada pelos alunos ao cumprirem os programas de
ensino sinalizavam lacunas ou presença antecipada de componentes de interesse em
seus repertórios comportamentais. Uma mesma criança podia apresentar uma significativa
“dificuldade” em um ponto da programação seguida de grande ‘'facilidade" em outro ponto
do mesmo prbgrama, Inicialmente denominei essas ocorrências de não regularidade de
desempenho. Posteriormente, tratando-§e de programações de ensino lineares, passei a
denom inar essas ocorrências de não linearidade de desem penho. Essa variaçã o
encontrada nas relações estabelecidas entre o comportamento da criança e os programas
de ensino parecia relacionar-se a “dificuldades” e “facilidades" específicas da própria criança
ao ser com parada com outras de mesma idade nos m esm os program as. Pelas
características da programação utilizada, as “dificuldades” (lacunas) eram sanadas e a
presença antecipada de componentes de interesse em seus repertórios comportamentais
era aproveitada, não retendo a criança naquilo que ela já sabia (apresentava em seu
repertório comportamental). Isso passou a ser feito por meio de sondagens prévias deste.
No caso de aplicação clínica, vislumbro que deficiências poderão ser facilm ente
sanadas com a aplicação de uma programação de contingências para construção de
repertórios ausentes. E os excessos poderão tam bém ser facilmente reduzidos por
intermédio de programações específicas que visem o seu enfraquecimento. Uma boa
estratégia para reduzir excessos talvez seja a de construir novos com portam entos
identificados nas deficiências. Ao ocupar-se com novos com portam entos, o tem po
disponível para a ocorrência dos excessos se reduzirá automaticamente. Provavelmente,
a solução de deficiências é incompatível com a sustentação de excessos.
Como aplicar a Análise de Contingências em Program ação de Ensino na
manipulação das deficiências e excessos observados clinicamente?
Bori conhecia a Instrução Programada, participou da proposição do Sistema de
Ensino Personalizado (PSI), desenvolvendo-o por intermédio do que denominou Curso
Programado Individualizado (CPI).
As três proposições - Instrução Programada, Sistema de Ensino Personalizado
e Curso Program ado Individualizado - concebem o ensino como um a rra njo de

Sobre Comportamento e Cognição 15


contingências e reconhecem que a transferência dos princípios da Análise Experimental
do Comportamento para a sala de aula é simples e direta.
Os m esm os problem as de adesão e desvios dos con ceito s cie ntíficos
observados na prática do atendimento clínico foram sempre apontados em relação à
Instrução Programada e Sistema de Ensino Personalizado. Já, em 1960, Hoiand registrou
tais desvios na Instrução Programada, reiterados por Skinnerem 1968. Sherman (1992)
também os apontou no que se referia ao Sistema de Ensino Personalizado.
Ao praticar o Curso Programado Individualizado com seus alunos, Bori percebeu
que não era suficiente ensinar as pessoas a construírem programas para garantir seu
sucesso. Fazia-se necessário aprofundar seus conhecimentos acerca dos princípios de
aprendizagem. Gradatívamente, sua maneira de abordar a programação foi evoluindo.
Seu foco de atenção afastou-se da construção de programas, deslocando-se para a
identificação e programação de contingências de interesse para o ensino. Assim, passa
gradatívamente a focalizar a análise de contingência tríplice e sua programação. Afirma
que qualquer programa de ensino, por mais sofisticado que possa ser, é sempre redutível
às contingências tríplices envolvidas. Dessa forma sua unidade de análise na programação
deixa de ser o programa, em si, e passa a ser a contingência de reforçamento de interesse.
Em 1974, Bori declara que não m ais ensina seus alunos a construírem
programas, mas a identificar contingências de interesse em atividades e programá-las.
O que Bori está propondo com isto? Simplesmente que identifiquemos contingências
de interesse e que as programemos por meio de outras contingências delas derivadas.
Qual é a contribuição contida nesta proposta de Bori? Nada mais do que a vinculação
ou adesão da programação aos princípios da Análise Experimental do Comportamento.
Conforme Teixeira (2006), ao identificar uma contingência de interesse, o
programador fica sob seu controle absoluto. Não tem como fugir disso. Somente poderá
programar algo compatível com a contingência de interesse identificada.
Considerando-se os três termos da contingência tríplice ou de reforçamento, o
programador, ao identificar uma contingência de interesse para o que pretende ensinar,
na verdade, identifica uma classe de estímulos antecedentes - contidos numa atividade
uma classe de com portam entos visados e, em conseqüência, uma classe de
conseqüências (reforçadores) que decorrerão das relações estabelecidas entre os
comportamentos e os estímulos antecedentes.
Identificada a contingência de interesse, referida acima, o programador passará
a programá-la. Aqui ele ordenará estímulos, comportamentos e reforçadores que, em
conjunto, produzirão a contingência de interesse identificada. Com isso estará trabalhando
especialmente com modelagem, diferenciação de respostas, reforçamento diferencial, e
controle de estimulos - discriminação e generalização. Poderá recorrer a técnicas de
Análise Experimental do Comportamento (fading in, fading out, matching to sample,
transferência gradual de estímulos e reforçadores, esquemas de reforçamento) para
organizar sua program ação ou seja, para ordenar as contingências derivadas da
contingência de interesse. O conjunto de contingências de interesse identificado comporá
a estrutura de seu programa e os conjuntos de contingências derivados das contingências
de interesse comporão a especificidade de sua programação. Quanto mais elaborada a
programação mais detalhada a análise de contingências freqüentemente encontrada.
Dessa forma, o trabalho do programador transforma-se num estudo continuo
de contingências.
Considero que esse instrumental poderá se mostrar muito útil no campo da clínica,
desde que os excessos e as deficiências estejam claramente identificadas. O terapeuta, em

1Ó Adélia Maria Santos Teixeira


função das mudanças que pretenda produzir no comportamento de seu diente, se transformará
num programador dè çontingências, identificando, primeiro, as contingências de interesse
básicas, passahdo, em èeguidá, a programá-las por intermédio de outras contingências
derivadas delas. Com issò, produzirá mudanças comportamentais com efetividade e
fortalecera sua adesão aos princípios da Análise Experimental do Comportamento.
Portanto, o instrumental - Análise de Contingências em Programação de Ensino,
proposto por Bori em 1974, está colocado à disposição dos clínicos, como uma contribuição
do campo de estudo da educação para o campo da prática clínica, o que considero uma
oportunidade de retribuição dos benefícios, provenientes de estudos do campo clínico,
apropriados pelos educadores e pesquisadores em ambientes educativos e> escolares.

Referências

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Bori, C M. (1974) Developments in Brazil. In: Keller, F.S., Sherman, J.G. PSI ~ The Keller plan
handbook. Menlo Park, California: W.A Benjamin.
Castanheira, S.S. (1993) Análise do Comportamento Aplicada', avaliação de pesquisas sobre
autocontrole. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais. (Dissertação, mestrado)
De Marmo, A.V. (2002) Publicações sobre educação no ‘Journal o f Applied Behavior Analysis", uma
revisão. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Dissertação, mestrado)
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L.C. (1987) Análise experimental do comportamento aplicada à educação', um estudo do
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Kasdin, A.E. (1975) Characteristics and trends in applied behavior analysis. Journal o f Applied
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Teoria e Pesquisa, n. 12, p. 107-111.
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Behavior Analist, v. 4, n. 1, p. 19-31. ,
Teixeira, A.M.S. (2006) Análise de contingências em programação de ensino-liberdade e efetividade
na educação. Santo André: ESETec.

Sobre Comportamento e Cognição 17


Capítulo 2
Práticas educacionais no behaviorísmo
radical: uma análise da proposta
Skinneriana de uma educação voltada
para a liberdade e criatividade

Carmen Silvia Moita Bandini1


JulíoC. de Rose*
UFSCar

A tecnologia do ensino proposta por B. F. Skinner é comumente entendida como


inadequada para formação de indivíduos livres e criativos. Um dos aspectos motivadores
dessa crença reside no fato do Behaviorísmo Radical estar baseado em pressupostos
deterministas, os quais figuram, no senso comum, como opostos aos valores de liberdade
e criatividade. Contudo, Skinner (1968; 1971/2002; 1973/1978) defendeu fortemente a
idéia de que não há nada em uma po siçã o determ inista que possa im pedir o
estabelecimento de condições de ensino voltadas para tais valores. Ao contrário, uma
visão determinista, para o autor (Skinner, 1953/1965; 1968), teria a vantagem de encorajar
a busca pelas cau sas dos com p ortam e ntos, in clusive dos com portam entos
compreendidos como livres e criativos, viabilizando, entre outras coisas, o desenvolvimento
de uma tecnologia eficiente para o ensino em qualquer área e que permita, inclusive, o
desenvolvimento de comportamentos criativos em todos os estudantes.
Ao contrário do que comumente é pensado, o Behaviorísmo Radical tem muitos
motivos para estabelecer e discutir um modelo de Educação que propicie valores como a
liberdade e a criatividade. Dentre estes motivos, um dos principais é o fato de que o
m odelo de seleção pelas conseqüências, base da filosofia behaviorista, tem na
sobrevivência da cultura seu valor últim o e prim ordial. Como conseqüência, o
desenvolvimento de uma tecnologia comportamental que estabeleça os referidos valores
toma-se necessário, na medida em que favorece a sobrevivência da cultura por incrementar
os recursos de seus membros para resolver problemas de forma eficaz (Skinner, 1953/
1965; 1971/2002; 1973/1978). Isso porque, em última medida, resolver problemas,
pessoais e culturais, envolve a emissão de respostas criativas, principalmente quando
os problemas enfrentados são novos e não possuem solução definida. A sobrevivência

' Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Sào Carlos. E-mal para contato: cbar>dini@supertg oom.br
Auxilio financeiro: Fundação de Amparo á Pesquisa do Estado de São Paulo-FAPESP
2Professor do Departamento cie Psicologia da Universidade federal de São Carios e bolsista de produtividade cm pesquisa do CNPq E-
mail para conlato: iuliocderpset3)valu>n mm hr

18 Carmen Silvia Motta Bandini e Julio C. de Rose


de uma cultura está, então, fortemente associada ao favorecimento de práticas e tecnologias
educacionais que visem o estabelecimento de repertórios flexíveis e novos, os quais
possam funcionar em benefício da busca de soluções para eventuais problemas. Nas
palavras do próprio autor (Skinner, 1971/2002):
Uma cultura deve ser razoavelmente estável, mas ela também deve mudar e será
oresumiveimenie mais forte se evitar o excessivo resoeito à tradição e o medo da
novidade, de um lado, e a mudança excessivamente rápida, de outro. Por fim, uma
cultura terá uma medida esoecial de valor de sobrevivência se ela encoraiar seus
membros a examinar suas práticas e experimentar oráticas novas (pp. 152-153).
No presente trabalho realizou-se uma análise conceituai de alguns textos de
Skinner com o objetivo de verificar como a proposta de Educação, nos m oldes do
Behaviorismo Radical, está voltada para a formação de indivíduos livres e criativos.
Encaminharemos nossa discussão percorrendo o itinerário skinnôriano, quando este
autor apresenta sua proposta de um ensino direcionado ao desenvolvimento de valores
como a liberdade e a criatividade, e, portanto, de preparação de indivíduos aptos a
resolverem problemas de forma adequada. Salientamos que para a execução de nosso
trabalho, a primeira tarefa será a de compreender, mesmo que rapidamente, como
Skinner concebe uma Educação eficaz, para, em seguida, analisarmos sua concepção
sobre liberdade e criatividade. Entendemos que somente assim tornar-se-á possível o
encaminhamento posterior de nossa discussão central.

1 - A proposta de Educação de B. F. Skinner.


Para Skinner (1968), o modelo da escola tradicional não é adequado por diversos
motivos. Em primeiro lugar, porque, nos moldes tradicionais, a escola está baseada
em uma estrutura de séries e de ensj.no de conteúdo idênticos e concomitantes para
todos os alunos e. sendo assim , o ensino resulta, na m aior parte das vezes no
congelam ento das habilidades dos estudantes que poderiam estar em níveis mais
avançados. Em segundo lugar, porque a escola costuma punir o comportamento dos
alunos que não conseguiram “acompanhar" a classe como um todo, gerando assim,
em um grande número de alunos, comportamentos de fuga e esquiva devido ao excessivo
controle aversivo utilizado nas saias de aula. Além disso, a ineficiência do próprio
método e da estrutura de ensino são claras: salas cheias e, sendo assim, professores
com possibilidade m inim izada de reforçar adequadam ente uma im ensa gama de
respostas úteis da maior parte dos alunos, fazem com que o ensino acabe selecionando
os alunos que conseguem aprender, mesmo em más condições, e deixando para trás
os alunos que, por outro lado, não conseguiram se sair tão bem.
As afirmações de Skinner (1968) contra o modelo tradicional de ensino são
baseadas, entre outros aspectos, em sua desaprovação pelas teorias que embasam tais
modelos. Consideradas pelo autor como teorias de cunho mentalista, Skinner argumenta
que os modelos de ensino por elas gerados não conseguem analisar os comportamentos
complexos a serem ensinados na escola de forma frutífera. Isso porque os ideais tradicionais
costum am fazer uma conexão im própria da aprendizagem dos com p ortam e ntos
educacionais a metáforas relacionadas, por exemplo, è “maturação" do aluno, ao seu
“crescimento intelectual", ao “amadurecimento cognitivo’1 ou mesmo ao "desenvolvimento
de aptidões” de origem genética ou interna. Para Skinner, basear a aprendizagem neste
tipo de metáforas apenas muda o foco de análise do que deve ser ensinado e aprendido,
para eventos que não podem, grosso modo, ser manipulados. Um professor, por exemplo,
não pode manipular o tempo e, assim, superar atrasos maturacionais de seus alunos e, ao

Sobre Comportamento e Cognição 19


mesmo tempo, não pode manipular o material genético e, com isso, favorecer o aparecimento
de algum tipo de aptidão. Para o autor, então, a escola tradicional falha em estabelecer uma
. análise sólída dos comportamentos a serem ensinados, deixando de fundamentar a
programação de ensino no que realmente interessa. Segundo Skinner, somente em uma
análise científica do comportamento humano, os eventos e elementos que verdadeiramente
são importantes em um processo de ensino poderão ser explorados e manipulados de
forma adequada. Isso porque, na visão de Skinner, somente focalizando elementos
observáveis, as causas relevantes dos comportamentos poderão ser analisadas e os
comportamentos educacionais poderão, assim, ser ensinados.
Em sua obra Walden Two, Skinner (1948/2005) nos dá um exemplo concreto do que
considera uma escoía eficaz. Segundo o autor, os planejadores da comunidade de Walden
Two, baseados nos resultados experimentais da ciênda do comportamento, construíram um
modelo de ensino no qual: 1) as séries tradicionais foram abolidas, visto que “os talentos e
capacidades não se desenvolvem ao mesmo nível em crianças diferentes. Um leitor da
quarta série pode ser um matemático de sexta série” (p. 109); 2) o ensino foi planejado de
forma a permitir que as crianças avançassem de um assunto para outra a uma velocidade
ótima, contudo, não necessariamente similar e 3) os conteúdos fixos e específicos foram
trocados por conteúdos flexíveis para que as crianças não fossem obrigadas a desenvolver
as mesmas habilidades. Neste modelo educacional, o bom desempenho dos alunos deveria
substituir os comportamentos de fuga e esquiva gerados, como comentamos, pelo padrão
de ensino tradicional e favoreceria uma aprendizagem eficaz.
É fato, entretanto, que os exemplos acima citados fazem parte de uma escola
utópica, esboçada na comunidade Walden Two; e nosso leitor pode estar se perguntando
sobre a veracidade ou eficácia de uma proposta como essa. Além disso, outras perguntas
podem ser pertinentes, como por exemplo, quais elementos estariam presentes em um
modelo como este para favorecer uma “velocidade ótima" de aprendizagem? Ou mesmo,
com o procedimento sugerido por Skinner (1948/2005), como podem ser substituídos os
padrões tradicionais por um ensino mais eficaz? A questão é que Skinner de fato propôs
condições de ensino semelhantes às de Walden Two em outras de suas obras, como por
exemplo, em seu livro The Technology of Teaching (1968). Vejamos agora, então, algumas
das considerações realizadas pelo autor sobre os processos de aprendizagem e de
tecnologias de ensino, baseando-se nas noções de sua ciência do comportamento.
Para Skinner (1968), o ensino é definido como sendo o arranjo de contingências
de reforço, as quais controlam o comportamento do aluno de forma a produzir respostas
específicas e desejadas. Em contato com o ambiente, um indivíduo aprende, porém
sem ser ensinado. Isso significa dizer que, se estamos interessados em descrever
procedimentos e tecnologias de ensino, então, devemos nos concentrar nos arranjos
programados de contingências, os quais geram as respostas desejadas.
Para isso, então, como apontaram Bandini e de Rose (2006a), Skinner (1968)
afirmou que um passo essencial a ser dado pelo planejador das contingências é observar"
e analisar os três termos que as descrevem: a ocasião em que uma resposta ocorre, a
própria resposta e as conseqüências desta resposta. Mais que isso, o planejador de
ensino deve ater-se às relações estabelecidas entre um estímulo discriminativo e a resposta
e entre a resposta e sua conseqüência. Esse seria o primeiro passo para garantir o
controle do comportamento do aluno e, com isso, estabelecer a resposta final desejada.
Um outro requisito importante para Skinner (1968) para o planejamento das
contingências de ensino, também apontado por Bandini e de Rose (2006a), é o de que
este deve seguir os pressupostos do condicionamento operante para que seja, de fato,

20 Carmen Silvia Moita Bandini e Julio C. de Rose


eficiente. Como conseqüência, o planejador de ensino deve considerar três aspectos
bastante im portantes. Prim eiro, deve con sid erar que as con seq üê ncia s de um
com portam ento aum entam ou dim inuem a pro b a b ilid a d e de em issã o fu tu ra de
comportamentos de uma mesma classe. Segundo, deve trabalhar com a premissa de
que comportamentos desejados e reforçados podem ter sua probabilidade de ocorrência
aumentada, da mesma forma que comportamentos indesejados podem ser eliminados
de acordo com as leis do reforço. E. terceiro, deve considerar que os diferentes esquemas
de reforço podem tomar um comportamento forte ou fraco no repertório do aluno.
A partir desses requisitos, SKinner (1968) indicou o caminho para a elaboração de
uma tecnologia voltada para o estabelecimento de um repertório educacional. Um exemplo
desta tecnologia pode ser encontrado nas máquinas de ensinar, as quais foram definidas
pelo autor como artefatos que apresentam contingências programadas de ensino3. Qualquer
artefato que tenha esta finalidade deve ser considerado uma máquina de ensinar, contudo,
as contingências de ensino programadas e dispostas nestas máquinas, assim como as
próprias máquinas, devem possuir algumas características essenciais, apontadas por
Skinner e comentadas anteriormente por Bandini e de Rose (2006a). A primeira delas é a
de que o material utilizado deve fornecer não somente a oportunidade para que o aprendiz
responda como também propiciar o reforço imediato da resposta correta. Ao mesmo tempo,
o material deve ser planejado em um processo no qual as respostas dadas pelo aluno
dependam de suas respostas anteriores4. Por fim, a última característica indicada pelo
autor está relacionada ao fato de que o material deve permitir o uso de reforços suplementares
nos casos em que este não seja naturalmente reforçador. 5357^4
Como apontado por Bandini e de Rose (2006a), Skinner (1968) considera que
um ensino programado baseado nestes pressupostos tem muitas vantagens quando
comparado ao ensino tradicional. A primeira vantagem é que a m áquina de ensinar
deixa o aluno em atividade contínua, mantendo pelo tempo programado o intercâm bio
entre programa e o estudante e, sendo assim, eliminando a situação corriqueira no
ensino tradicional na qual o aluno fica sem qualquer tarefa. Com isso, obtém-se uma
redução dos comportamentos incompatíveis ou perturbadores dos alunos, gerados em
situações em que os alunos não têm qualquer tarefa para executar e pode reduzir o
tempo em que o atuno precisa ficar em sala de aula. A segunda vantagem é que uma
máquina de ensinar permite que um dado ponto seja completam ente entendido para
que o aluno possa prosseguir, visto que o procedimento estabelece uma espécie de
modelagem da resposta complexa final. Em decorrência, os erros dos estudantes são
minimizados, podendo até mesmo desaparecerem, se a program ação fo r adequada.
Outra vantagem é que a máquina permite reforço imediato, que modela e mantém fortes
todas as respostas desejadas, porque é capaz de reforçar toda a série de respostas
que deve ser emitida pelo aluno, desde seu início até o comportam ento complexo a ser
atingido. Além disso, a máquina permite que o aluno avance de acordo com seu próprio
ritmo, retirando da situação de ensino a característica aversiva, com um na escola
tradicional e comentada anteriormente, proveniente do fato de que alguns alunos não
conseguem acom panhar a classe como um todo. Por fim , em um en sin o assim

’ As máquinas de ensinar efetivamente construídas por Skinner eram, na maior parte das vezes, grandes aparatos que funcionavam com rolos
de fita, onde os alunos podiam escreversuas respostas e cartões perfurados. N o s dias de hoje os microcoinputadoíes permitem implementar
de maneira muito mais edequada eflexlvei as propostas de Skinner. No entanto, o computador não ensina sozinho, ete garante aspectos
importantes, mas apenas pode implementar oa programas òe ensino. Assim, os princfpios expostos por Stdnner continuam válidos para a
construção destes programas a serem implementados por compíitadores
AEste procedimento tem duss características principais: 1) assegura a redução do esforço do aluno e a minimi2açéo de seus erros, visto que
programa a aquisição de comportamentos complexos, os quais envolvem passe® muitas ve2 es bastante extensos, passo a passo e em pequenos
avanços e 2) assegura que o comportamento do aluno seja emitido sempre em direção à aquisição do comportamento complexo final.

Sobre Comportamento e Cognição


programado o aluno passa a ser a autoridade do programa, ou seja, de acordo com seu
desem penho o planejador pode id en tificar quais as etapas que provocam erros
constantes e quais as seqüências de respostas exigidas que necessitem ser ampliadas
para que o aluno possa emitir as respostas com um mínimo de erros5.
A pergunta que fica, depois desta breve exposição, é como uma Educação
assim delineada, com um controle tão rígido das respostas a serem emitidas pelo
aluno, pode ser compatível com os valores de liberdade e criatividade? Nossa tarefa,
neste momento, será a de encaminhar nossa discussão para solucionar esta questão.

2 - Educação e liberdade
Para discutirmos o argumento skínneriano de um ensino capaz de formar alunos
livres e criativos, devemos, inicialmente, entender como Skinner concebe a noção de liberdade,
ou seja, como Uberdade pode ser compatível com controle. Por este motivo, iniciaremos este
tópico discutindo brevemente alguns aspectos do conceito de liberdade na teoria skinneriana.
Para Skinner (1968; 1971/2002), o conceito tradicional de liberdade, o qual
considera que o homem é livre para fazer o que quiser e que seu comportamento não é
controlado, mascara os aspectos essenciais da verdadeira liberdade. Desde que o
com portam ento obedeça ao pressuposto determ inista de ser sem pre controlado,
liberdade não pode ser equivalente à livre arbítrio, ou melhor, à falta de controle. O que
acontece é que a literatura tradicional, na visão de Skinner (1971/2002), se equivocou ao
não distinguir entre duas formas distintas de controle do ambiente: controle aversivo e
controle positivo. Mais que isso, a literatura tradicional fez uma equivalência equivocada
entre qualquer tipo de controle e controle aversivo, colocando como ideal de liberdade a
supressão de qualquer forma de controle. Vejamos como esclarecer melhor esta questão.
Para Skinner (1971/2002), controle positivo e controle aversivo são as formas de
controle do ambiente. Quando o controle é positivo, não parece existir qualquer tipo de
questionamento em relação à liberdade do homem: não se considera sem liberdade o
homem que vai ao cinema "porque gosta de ver filmes” ou que saí para jantar com a namorada
em um bom restaurante porque “adora a comida do restaurante e a companhia da namorada".
O comportamento, nestes dois casos, ir ao cinema ou de sair com a namorada para jantar,
também é controlado, mas aparentemente está sob controle de conseqüências reforçadoras
positivas5, embora aparente ser decorrente da livre vontade do indivíduo. Ao contrário, se
tomarmos os mesmo exemplos, contudo atribuindo o comportamento do homem de ir ao
cinema a uma imposição de sua mãe, que o obriga a ser um “amante da arte”, ou o
comportamento de levar a namorada para jantar a uma imposição da namorada, que terminará
o relacionamento caso ele não saia para jantar com ela toda a semana, consideraremos o
homem como um escravo, da mãe ou da namorada, ou seja, como um indivíduo sem liberdade.
Isso porque nos últimos dois casos ele “é obrigado a fazer o que não gostaria de fazer" em um
determinado momento. A questão aqui se toma clara: a liberdade está associada ao controle
positivo do comportamento, exemplificado nos dois primeiros casos, e a falta de liberdade, ou

5Alguns textos, além dos textos skinnerianos voltados à Educação, podem ser bastante úteis para que se compreenda eaprofunde as
questões relacionadas ao ensino nos moldes da anáise do comportamento. Para isso ver Botnmé (1979), Dube (1996), Sldman e Stoddard
(1967) e Stoddard e Sidman {1967).
' A Especificação dessas oonseqüêndas não ê uma tarefa simples e as conseqüências eíelivas podem variar de indivíduo para indivíduo. Por
exemplo, os refon^dores para o oomportamento de ir jantei com a namorada estão provavelmente mladanaOos à companhia da namorada,
mas s comida pode ser também relevante. Falar em ‘companhia da namorada’ evidentemente nâo especifica os reforçadoras, apenas indica
Ôe moda geral orxJe eles podem ser enconIrados, para alguns indivíduos, por exemplo, cs relorçadofes efetivos po
deci ser quase estritamente limitados ao ato sexual, enquanto para outros podem envolver aspectos bem mais amplos da riteraçâo letiva e
social Um ponto importante a considerar é que o Irxíviduo não vai jantar com a namorada sob controle dos reforçadoras positivos que
presumivelmente obteró ao fazer isso .mas sob controle de refòrçadores positivos obtidos por comportamentos simiiaree. ou seja, da mesme
classe, ocorridos no pasâado, na sua hislória prévia.

22 Carmen Silvia Motta Bandini e Jutio C. de Rose


a escravidão, está associada ao controle aversivo, o qual pode ser fruto de contingências
punitivas, de ameaças de punição ou ainda de perda de reforçadores, como as existentes nos
dois outros casos. Em outras' palavras, a liberdade pode estar associada ao controle, sc o
controle evolvido não for aversivo ou, como veremos a seguir, se o controle não gerar
conseqüências aversivas a longo prazo.
Desta forma, Skinner (1968; 1971/2002) define, grosso modo, três form as
principais de liberdade. A primeira delas está relacionada à "libertar-se" das condições
aversivas do meio, tais como, frio ou calor intensos, seca, fome, chuva etc., ou das
agências de controle, representadas pela economia, religião, governos, etc. Nestes
casos, o indivíduo pode, por exemplo, se libertar construindo casas para abrigá-lo das
intempéries do ambiente ou pode aplicar técnicas de armazenagem de comida ou de
plantio na agricultura que evitem períodos de escassez e. consequentem ente, fome.
Em relação às agencias de controle, o indivíduo pode mudar de país, deixar de praticar
alguma religião, rebelar-se contra os modelos econômicos vigentes, etc.
A segunda forma de liberdade descrita por Skinner (1968; 1971/2002) é “libertar-
se'’ das conseqüências aversivas postergadas de alguns tipos de reforçamento positivo.
Por exemplo, fumar tem conseqüências imediatas reforçadoras como a administração
de nicotina, tornar o indivíduo parte de um grupo, etc. Contudo, a longo prazo ás
co n se q ü ê n cia s do c o m p o rta m e n to de fu m a r po de m se r a v e rs iv a s , c o m o o
desenvolvimento de alguns tipos de câncer, perda de capacidade respiratória, entre outros
problemas de saúde. O indivíduo, então, pode libertar-se deixando de fumar, substituindo
o cigarro por outro tipo de fumo não cancerígeno, fazendo atividades físicas, etc.
Por fim, a terceira forma de liberdade comentada por Skinner (1968) é a liberdade
oriunda da. dependência das coisas e não das pessoas, ou seja, da dependência das
contingências e não das regras7. Em um exemplo dado pelo próprio autor, uma criança
que depende dos pais para ir à escola,' respondendo apenas a regras do tipo “Vá ou você
perderá o ônibus" ou "É hora de ir”, não é livre porque não pode agir sozinha. Para
“libertar-se” ela precisa estar sob controle do ambiente, como, por exemplo, dos relógios,
dos calendários e de seus horários escolares (Skinner, 1968, p. 173). Ela precisa, portanto,
depender das contingências e não das regras que descrevem estas contingências.
Em suma, para Skinner (1968; 1971/2002), o homem não é livre no sentido
tradicional do termo liberdade. O sentimento de liberdade vem quando o indivíduo se
liv ra das am e a ça s da n a tu re z a , da o p re s s ã o da s a g ê n cia s de c o n tro le , d a s
conseqüências ultim am ente ave rsiva s de alguns casos de reforço p o s itiv o e da
dependência dos outros. Mas tai sentim ento é fru to desses c o m p o rta m e n to s e,
inevitavelmente, o comportamento humano continua sendo controlado.
A noção de liberdade caminha, então, na visão skinneriana, atrelada à noção de
controle. Sendo assim, não há impedimentos para que a Educação, nos moldes propostos
por Skinner (1968), resulte na formação de alunos livres. Ao contrário, para o autor, uma
boa Educação é um dos principais caminhos para a liberdade dos controles aversivos.
Para Skinner (1968; 1971/2002) as práticas educacionais podem ser favoráveis à
liberdade nos três sentidos principais, descritos acima. Em relação ao primeiro, a Educação

’Não estamos aqui afirmando que seguir regras consíitui-se um problema, mssmo porque seguir algumas regras é de extrema importância
para a sobrevivência do indivíduo. Segur a regra 'não pule da Jartela de seu apartamento, pois você morrerá’ habilita o indivíduo a não enlrar
em conta lo oom a conseqüência fatal que a regra descreve. Além disso, muito do comportamento humano é governado por regras porque
não poderíamos estabelecer o amplo repertório do homem moderno se tivéssemos que entrarem contato com todas as contingências qúe
podemos descrever. Assim, o cientista pode trabalhar basearido-se em equações e descobertas anteriores, o historiador pode recwitar urna
história sem ler eslado presente em épocas remotas, et£ O que queremos demonslrar, e o que Skinner (19Gfl) parece querer indicar nesta
passagem, é que depender em grande medida das regras e não das contingências pode fazer com que o indivíduo perca contato com muilas
conseqüências fornecidas pelo meio. as quais poderiam controlar oomportam ento útil para determinadas situações.

Sobre Comportamento e Cognição


é fundamental na ajuda ao desenvolvimento de tecnologias que reduzam a estimulação
aversiva como, por exemplo, no desenvolvimento de tecnologias físicas que permitam a
construção de um mundo que protege o homem dos estímulos aversivos naturais. Um
exemplo simples desse tipo de ensino voltado a esta tecnologia pode ser. dado pela
aprendizagem de conteúdos ligados a toda a gama de comportamentos que podem ter as
funções de eliminar os estímulos aversivos em questão, como, por exemplo, conteúdos
relacionados à matemática, à física, à engenharia, à administração, etc., englobando, inclusive,
os comportamentos preliminares e basilares necessários adquiridos na infância. Dito de
outra forma, o ensino de como construir casas (e de todos os comportamentos requisitos
para a execução desta tarefa complexa final), faz com que o homem desperdice pouco tempo
escapando dos estímulos aversivos naturais e é assim, um caminho para a liberdade.
Ainda sobre a primeira forma de liberdade abordada, a Educação, segundo Skinner
(1968; 1971/2002), ajuda na implementação de uma tecnologia cultural que permite a
libertação do homem das características aversivas provenientes das agências de controle
como a economia, a religião, etc. Um ensino planejado pode ter inúmeras funções nestes
casos, como, por exemplo, evidenciar as consequências dos comportamentos submissos
a tais agências de controle. Além disso, é possível que um ensino eficaz possa ensinar
comportamentos de busca de soluções para tais condições aversivas.
Em relação à segunda forma de liberdade descrita por Skinner (1968; 1971/2002),
a Educação pode ter o papel de ensinar técnicas que permitem que o homem possa lidar
com as características aversivas que ainda restaram no am biente, advindas das
conseqüências ultimamente aversivas do reforço positivo. Nestes casos, a Educação age
programando contingências que não tenham mais tais conseqüências aversivas. Deve,
assim, ensinar os indivíduos a identificarem as contingências perturbadoras e a solucioná-
las. Em nosso exemplo sobre o comportamento de fumar, a Educação pode atuar na
identificação dos males do cigarro, na produção de campanhas que desencorajem os
indivíduos a fumar, na obtenção de formas não lesivas de cigarro, etc. Aprender conteúdos
de biologia e ciências, por exemplo, pode favorecer o abandono do vício de fumar.
Por fim, em relação â terceira forma de liberdade, a Educação pode favorecer a
formação de um estudante, cujo comportamento independa das regras fornecidas por
pessoas e fique o máximo possível sob controle das contingências diretas do ambiente.
Este é um ponto bastante importante. Segundo Skinner (1968) o que acontece em um
ensino tradicional é que o aluno é ensinado a se comportar, na maior parte das vezes,
imitando o professor ou seguindo suas instruções. Contudo, este tipo de ensino não
favorece que o aluno consiga emitir os comportamentos que aprendeu na escola em
outras situações fora da escoia, nas quais o professor está ausente. Um passo para a
liberdade seria dado, então, se o aluno fosse ensinado a se comportar diante das coisas
do mundo. Um exemplo desta forma mais eficaz de ensino pode ser encontrado quando
um estudante de física, por exemplo, é ensinado a se comportar diante dos elementos
físicos do mundo, em vez de fazê-io baseando-se apenas no que outros disseram sobre
o mundo ou sob controle da instrução do professor de como resolver um determinado
problema. Assim, o aluno poderá ser mais eficiente tanto nas situações de sala de aula,
quanto em diferentes ambientes (Skinner, 1968, p. 174). Da mesma forma a Educação
pode favorecer o ensino de comportamentos que sejam auto-reforçadores e assim, não
dependentes dos elogios ou da atenção de outros. Se, por exemplo, um artista produz
quadros porque seu comportamento é apenas reforçador para os outros membros da
comunidade, ele não é livre porque depende dos outros em algum grau para produzir
suas obras. Contudo, se o comportamento do artista é modelado por auto-reforço e não
mais pela atenção dos outros, o artista pode, então, produzir seus quadros quase sem o

Carmen Sílvia Motta Bandmi e Julio C. de Rose


controle destes tipos de conseqüências (Skinner, 1968, p. 173). Poderá, assim, produzir
quadros em um número maior de situações e mais originais, porque não subordinados
às modas ou ao gosto do momento. Da mesma forma, um estudante que trabalha em
função dos elogios do professor, pode ser ensinado a comportar-se por auto-reforçamento.
Assim, sua atuação poderá ser livre porque não mais dependerá do professor e ele
poderá comportar-se de maneira efetiva em um maior número de ocasiões.
Diante desses argumentos, é possível que se compreenda que o controle do
comportamento, proposto por Skinner (1968), para a execução de um ensino eficiente
pode ser compatível com a noção de liberdade skinneriana. Contudo, podemos ainda
nos ver impelidos a questionar se existe de fato a possibilidade de que uma Educação,
como a proposta por Skinner (1968, 1971/2002), possa favorecer o surgimento de alunos
criativos: diante da reafirmação do controle do comportamento pode existir um caminho
para o incontrolável ou para o imprevisto? Ou seja, com um ensino como o descrito até
o momento, no qual um comportamento final é eleito e modelado, pode dar lugar para
o surgimento de comportamentos que não tenham sido planejados? Qual o elo entre
liberdade e originafidade? Para responder a estas perguntas, primeiro precisam os
entender como a análise skinneriana compreende o surgimento de com portam entos
criativos e originais. Vamos nos deter agora, então, nesta tarefa.

3 - Educação, liberdade e comportamento criativo.


Em um modelo determinista de explicação do comportamento, como o behaviorista
radical, a questão do surgimento de novos comportamentos deve ser explicada. Isso
porque, se pretendemos explicar o comportamento humano precisamos explicar sua
evolução e o conceito de evolução agrega a idéia de mudança ou de novidade. É fato que
novos comportamentos surgiram ao longo da evolução humana e continuam surgindo a
todo o momento no repertório dos indivíduos. Respostas que nunca foram emitidas podem
ocorrer em um determinado momento. Por exemplo, hoje nos comportamentos de uma
forma bem diferente da forma como nossos avós se comportavam quando tinham a nossa
idade, assim como nossos avós se comportavam de modo muito diferente dos homens da
antiguidade. Ao mesmo tempo, em nossa própria vida, percebemos que m udanças
acontecem a todo instante: somos capazes de compreender novas sentenças no jornal de
domingo, novo material verbal em um livro de nosso autor preferido, desempenhar novas
funções e trabalhos, inventar novas palavras ou novos objetos e produzir novas formas de
conhecimento. É preciso então que possamos explicar essa variabilidade comportamental.
Consideramos que, para Skinner, a chave para a compreensão do surgimento de
comportamento original está na idéia de “mutação comportamental", apresentada pelo autor
(1953/1965; 1968; 1974/1976) e. De acordo com a argumentação skinneriana, novas respostas
podem surgir no repertório dos indivíduos por meio de “mutações comportamentais", da
mesma forma que mutações genéticas podem produzir novas características de uma espécie.
Assim, contingências acidentais podem alterar o ambiente de forma a produzirem e controlarem
respostas ainda não pertencentes ao repertório de uma comunidade verbal como um todo,
de forma análoga ao fato de que mudanças no material genético de um membro da espécie
podem produzir uma característica física existente naquele membro, porém única se comparada

* Neste ponto,é importante destacar que existe uma diferença entre comportamento originá e comportamento simplesmente novo. Existem
comporta mentos que sSo nowos para o Indivíduo que os emite, contudo não sâo novos para a comunidade verbal na qual c indivfdjo está
inserido Estes podem ser denominados comportamentos nuvos Por exempta, resolver uma equação de segundo grau pode ser um
comportamento novo para o aluno do ensino médio, porém não é novo para a práeasofa que ensina este aluno ou para um aluno que íaz um
curso superior. De outro modo. existem comportamentos que sâo novos para o indrv(duo e para a comunidade verbal na qual ele estó
inserido. Estes são denominados comportamentos criativos ou comportamentos originais. Por exemplo, rescivcr a mesma equação por u m
método nunca antes uïüzado ou fabricar uma vadna para a prevenção da AIDS. Para malofes detalhes ver Bandini e de Rose, 20066.

Sobre Comportamento -c Cognição


a qualquer outro membro daquela espécie.
Compreender a emissão de novas repostas desta forma significa compreender
que, na visão skinneriana, o ambiente tem como uma de suas funções controlar e
produzir o surgimento de novas respostas, mesmo que as contingências envolvidas na
emissão dessas novas respostas sejam fortuitas ou casuais.
Uma pergunta pertinente neste momento pode ser realizada: se as contingências
são fortuitas, a Educação nada tem a ver com a emissão de novas respostas? Teríamos
que esperar que este arranjo necessário das contingências acontecesse sem, contudo,
podermos prevê-lo? Se tais arranjos não acontecessem, estaríamos fadados a formar
alunos sem criatividade, apenas ensinando-lhes conteúdos que já são conhecidos?
A resposta para estas perguntas é não. Se contingências acidentais podem
produzir novas respostas e se o controle do comportamento ainda existe nestes casos,
então poderemos propiciar ambientes que possam produzir séries de “acidentes” e
que possam, então, produzir respostas originais. Retomando a metáfora da mutação:
desde que material genético possa ser manipulado afim de que novas características
possam surgir na evolução das espécies, contingências podem ser programadas na
tentativa de produzir novas respostas. Dito de outra forma, desde que comportamento
original não possa ser, por definição, ensinado, é possível que se manipule o ambiente
a fim de tentar produzir os acidentes que dão origem a este tipo de comportamento.
Vejamos como Skinner considera que este trabalho possa ser realizado.
Uma forma de produzir acidentes, comentada por Skinner (1968) é o encorajamento
de produção de quantidade de comportamento. Segundo o autor, uma cultura conseguirá
produzir bons compositores se incentivar muitos a compor ou bons jogadores de xadrez se
incentivar que muitos joguem xadrez. Essa quantidade de comportamento também vale
para o comportamento de um indivíduo simplesmente. Se um pintor deseja um bom
quadro, muito provavelmente o conseguirá se produzir muitos quadros. Uma grande obra
de um pintor como Picasso, diz Skinner, é fruto de uma vida inteira de pinturas.
Contudo o ensino não pode se basear apenas nessa fornia de produção de acidentes
ou, simplesmente, na busca pela produção de acidentes. É necessário que os repertórios
educacionais englobem também a aprendizagem dos conteúdos conhecidos pela comunidade
verbal. Porém, como ensina-los visando à originalidade dos alunos? Skinner (1968) discute
essa questão, apontando como uma das soluções para ela o planejamento de contingências
que propiciem o estabelecimento de comportamentos que possam ser generalizáveis.
Para Skinner (1968) a transmissão do que já é sabido deve ser feita de forma especial:
quanto maior o repertório do aluno, maiores serão as chances de que ele possa explorar
adequadamente novos ambientes. Porém, o repertório deve ser ensinado de forma a não
implicar em respostas com topografias rigidamente definidas ou controladas por estímulos
muito específicos, visto que, se assim o for, dificultará que o aluno possa generalizar as
respostas rapidamente. Isso significa dizer que uma característica fundamental que deve
fazer parte do planejamento do ensino é que os comportamentos ensinados não devem ser
estritamente controlados ou rigidamente ligados a ocasiões específicas. Skinner comenta
que este é, em geral, o tipo de ensino mais difícil de ser encontrado nas escolas tradicionais,
pois o que é comumente reforçado peios professores é exatamente o comportamento do
aluno de repetir, palavra por palavra, o que disse o professor ou o que está escrito nos livros
didáticos. Em provas e outros sistemas de avaliação escolar, por exemplo, a maior parte dos
professores tende a reforçar o comportamento de reproduzir exatamente o que estava escrito
no livro. O que acontece é que estes comportamentos podem tomar-se pouco generalizáveis,
visto que dependem de estimulação muito específica.
A idéia central deste argumento é que o que deve ser ensinado no contexto

2ó Carmen Silvia Motta Bandini e Julio C.. de Rose


escolar deve prever tanto o ensino sobre o que já se sabe sobre um determinado tertia,
quanto a generalização desse conhecimento para outros e novos estímulos. O material
de ensino deve, portanto, colocar os comportamentos ensinados sob controle de uma
ampla gama de estímulos diferentes. Uma forma de fazer isso pode ser ensinar o que
já é conhecido, colocando esse conhecimento sob controle das coisas do mundo e não
unicamente das regras que descrevem as contingências em questão.
Um planejamento nestes moldes, onde obtemos comportamentos facilm ente
generalizáveis, tem uma ligação estreita com o que dissemos anteriormente sobre um
ensino voltado para a liberdade, isso porque, se ensinamos nossos alunos a dependerem
das “coisas do mundo” e não das pessoas, estaremos ensinando-os a se comportarem
em ambientes diferentes, ou seja, diante de diferentes formas de estimulação. Dito de
outra forma, agir com tal liberdade é um caminho para a originalidade: os alunos que
foram ensinados a explorar o ambiente físico, assim como o estudante de física de nosso
exemplo anterior, podem, por si próprios, se comportar de maneira original. Além disso,
como Skinner (1968) salienta, comportamento adquirido em contato com as coisas pode
ser novo por não ter sido ainda omitido por outras pessoas.
É imprescindível, portanto que o ensino compreenda também a exploração dos
ambientes. Dessa forma, o ensino toma possível que novas contingências, as contingências
fortuitas de que falamos no início deste tópico, possam surgir. Visto que o comportamento
criativo não pode ser diretamente ensinado, por razões óbvias, o aluno pode ser ensinado,
então, a arranjar o ambiente de forma a produzir “acasos". Pode também aprender a tirar
partido dos acidentes que lhe acontecem e pode, ao mesmo tempo, ser ensinado a produzir
ambientes nos quais os acidentes podem ser mais freqüentes.

4 - Conclusão
Consideramos que, após nossa apresentação, fica claro que uma tecnologia do
ensino nos moldes behavioristas tem o objetivo de colaborar para a formação de alunos livres
e criativos. Mais que isso, acreditamos que um ensino bem planejado tem, entre outras
funções, a função de tibertar o aluno das conseqüências aversivas, geralmente presentes em
situações de ensino deficiente. Isso porque, quando o aluno aprende em seu próprio ritmo,
elimina as conseqüências de ficar para trás ou de repetir o ano letivo. Quando avança em
pequenos passos, os quais guiam o comportamento até uma fonma complexa final, os erros
são diminuídos, ou desaparecem, e o aluno fica livre das conseqüências punitivas
frequentemente relacionadas ao erro como notas baixas, repreensões e etc. Além disso, um
ensino programado pode ser propício para formar alunos que explorem o ambiente de forma
eficaz, por colocar o comportamento do aluno sob oontrole facilmente generalizável. Todos
estes, segundo Skinner, são elementos importantes na formação de alunos criativos. Isso
porque, ao depender das coisas e não de outras pessoas e ao explorar o ambiente, há uma
maior probabilidade de que “contingências fortuitas'’ possam ser provocadas e, assim, novas
respostas possam surgir no repertório dos alunos. Neste sentido, um ensino bem planejado
pode ser primordial para que uma cultura tenha sua sobrevivência garantida, na medida em
que favorece o surgimento de comportamento criativo e, com isso, aumenta a chance de
resolver problemas novos ou ainda sem solução. Desde que os membros de uma cultura
estejam preparados para lidar com mudanças, ou seja, com o novo, a cultura deve ter suas
chances de sobrevivências aumentadas.

Sobre Comportamento e Cognição


Referências

Bandíni, C. S. M & de Rose, J. C. C. (2006a). Tecnologia comportamental no contexto de ensino:


favorecimento da aprendizagem e do surgimento de comportamentos criativos. Em: H. J.
Guiíhardí & Noreen C. de Aguirre (Orgs.) Sobre Comportamento e Cognição: Expondo à
variabilidade. 17, 72-80. Santo André: ESETEC
Bandini, C. S. M. & de Rose, J. C. C. (2006b). A abordagem behaviorista do comportamento novo
Santo André: ESETEC.
Botomé, S. P. (1979). Questões de estudo: uma condição para instalar discriminação de aspectos
importantes de um texto. Psicologia, 5, 1-27.
Dube, W. V. (1996). Teaching discrimination ski/ls to persons with mental retardation. Em: C. Goyos,
M. A. Almeida, & D. de Souza (Orgs). Ternas em Educação Especial. São Carlos: EDUFSCar.
Sidman, M, & Stoddard, L. T. (1987). The effectiveness of fading in programming a simultaneous form
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original publicado em 1971).
Skinner, B. F. (2005). Walden II. São Pauio: EPU. (Texto original publicado em 1948).
Stoddard, L. T., & Sidman, M. (1967). The effects of errors on children's performance of a circie-
ellipse discrimination. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 10, 261-270.

28 Carmen Sílvia Moita Bandini c julto C. de Rose


Capítulo 3
Terapia comportamental e terapia
cognitiva: divergências encontradas sob
o enfoque das manifestações de
ansiedade

Alexandre Çomes Brito1


Consultório Particular
Felipe de Carvalho Pimentel
Fabrício de Souza
UFES
Carolina Oliveira de Brito
ThaísTebaldi Carvalho
FAESA

Ao longo do percurso acadêmico, em constante contato com as bibliografias e


outras fontes de informações que consolidam a formação do psicólogo, foi percebido
que algum as abordagens terapêuticas, tais com o a terapia cognitiva e a te ra p ia
c o m p o rta m e n ta l, aparecem un id as nos m ais d iv e rs o s m eios de p u b lic a ç ã o e
exposições. Porém, estudos mais específicos dessas abordagens e ob serva ções
relatadas da prática clínica, apontam para o fato de que ambas divergem na suas
formas e concepções de perceber o homem e de descrever o seu comportamento.
O bjetivando dem arcar as diferenças entre a terapia cognitiva e a terapia
comportamental, foi elaborada uma revisão bibliográfica para que fosse possível discutir
as divergências encontradas nessas abordagens. Definida a objetividade do trabalho
de conclusão de curso, percebeu-se a necessidade de abordar essas diferenciações
utilizando como palco para as devidas discussões o modelo da ansiedade.
O enfoque na ansiedade dá-sé pelo fato de que a prática aponta que as teorias
trabalhadas são fontes de referências no tratamento dos seus distúrbios. Para a terapia
cognitiva, segundo Guimarães e Rangé (1998, p. 158), “isso se deve ao fato de que tal
tratam ento foi o primeiro a surgir e o prim eiro que m ais estudos siste m á tico s e
com provações experim entais obteve ao longo dos anos". No contexto da terap ia
compòrtàmental, a ansiedade vem sendo paulatinam ente estudada tanto na clínica
quanto ho laboratório enquanto um fenômeno comportamental qué precisa ser explicado.

1Endereço para contato: Rua Misael Pedreira da Silva, n° 70. sala 905 - Ed. Medical Center - Praia do Suâ - Vilórla, ES. CEP: 29056-920

Sobre Comportamento e Cognição 29


O método utilizado para elaboração deste trabalho é embasado na realização
de uma pesquisa bibliográfica. Esta foi feita a través, de uma revisão, cujo conteúdo
fundamenta-se exclusivamente na terapia cognitiva, terapia comportamental e no modelo
de ansiedade encontrado em ambas as concepções.
Para a compreensão da terapia cognitiva foram seíecionados texíos de autores
que seguiram, seguem e complementam os pressupostos teóricos de Aaron T. Beck.
. Estes foram selecionados por se manterem fiéis à sua concepção de descrever o
comportamento humano. Na abordagem da terapia comportamental, os mesmo critérios
de seleção adotados anteriormente foram seguidos, diferenciando do pressuposto
teórico citado, visto que, esse modelo respalda-se na teoria de B. F. Skinner.

Ansiedade na Concepção da Terapia Cognitiva


O que é ansiedade? Do latim anxietate, ansiedade tem várias definições nos
dicionários não técnicos: aflição, angústia, perturbação do espírito causada pela Incerteza,
relação com qualquer contexto de perigo, etc. (AMBAN, 2001). Vale ressaltar que nosso
corpo possui um sistema fisiológico chamado de sistema autônomo que tem como
principal função, alertar e preparar o su je ito para determ inadas situações que
eventualmente acontecem no seu dia-a-dia, preparando o indivíduo para enfrentar ou
fugir em específicos momentos de sua vida, sendo esse sistema benéfico para a pessoa.
Segundo Bovi (2004, p .131), “a ansiedade implica na ocorrência de uma
condição aversiva ou penosa, algum grau de incerteza ou dúvida e alguma forma de
impotência do organismo em uma dada conjuntura", que vem acompanhada de uma
variedade de sintomas físicos que incluem: sudorese, dor ou desconforto no peito, falta
de ar, qalafrios, náusea, sensação de aperto na garganta, tremor, medo de ficar sozinho,
medo de morrer, medo de enlouquecer, aumento do ritmo cardíaco, formigamento das
mãos, tontura entre outros sintomas.
As pessoas ansiosas distorcem a realidade dando a ela outro significado
adotando uma postura de observação continua do seu comportamento, onde qualquer
alteração no organismo ou no ambiente é um sinalizador potencial de ansiedade.
Nesta auto-observação a pessoa ansiosa acaba criando uma armadilha para
ela mesma, pois qualquer alteração é entendida como eliciadora de ansiedade, assim,
os sujeitos vivenciam a ansiedade por que suas crenças sobre elas mesmas e sobre
o seu mundo tornam-se propensas para interpretar uma variedade de situações diárias
como am eaçadoras. As principais crenças dos ansiosos estão freqüentem ente
relacionadas com a vulnerabilidade, onde a pessoa acredita em um ponto vulnerável
pelo qual ela pode se ferir, ou pode ser atacada inesperadamente (Peres, 2001).
Entendido que as distorções cognitivas provocam ansiedade, percebe-se que a
ansiedade em si e seus diversos transtornos formam-se devido à aprendizagem inadequada
de esquemas cognitivos que o sujeito teve contato, somado com o estresse cotidiano.

De acordo com o cognitivismo, os transtornos de ansiedade são estabelecidos a


partir da aprendizagem de esquema cognitivos inadequados, os quais, na presença
de eventos vitais estressantes, eiiciam pensamentos disfuncionais automáticos
(Wielenska, Araújo, Bemik, 1998, p. 109).
Nesta conjuntura, questiona-se qual é a função do psicoterapeuta cognitivo. Na
abordagem cognitiva o psicoterapeuta contribui para que seu cliente identifique seus
pensamentos automáticos e suas crenças disfuncionais. Identificando os pensamentos
autom áticos e as crenças disfuncionais, o psicoterapeuta propõe estratégias com
utilização de técnicas de reestruturação cognitiva, buscando a m odificação dos

30 Alexandre Q. Brito, Felipe de C, Pimentd, Fabrído de Soma, Carolina O. de Brito e Thais T, Carvalho
pensamentos e crenças disfuncionais dos seus clientes. O psicoterapeuta levanta
hipóteses de como surgiram as crenças centrais apontando para o cliente as suas
inferências, sugerindo a sua confirmação se as identificações específicas condizem
com a realidade vivenciada por ele. Comprovada à hipótese, inicia-se a modificação da
crença disfunçional junto com o cliente assessorando o mesmo a encontrar novas
crenças centrais que não lhe cause prejuízos na sua vida diária (Abreu, 2004).
Segundo Abreu (2004, p.282) “uma das principais características da terapia cognitiva
é seu caráter breve e focal", dessa forma o psicoterapeuta estipula a quantidade de sessões,
informa ao cliente o objetivo da terapia, relatando as possíveis práticas de potencializar
novos movimentos, identificando e diminuindo os seus sintomas ansiosos até que o mesmo
possa fazer por conta própria (Abreu, 2004). Apresentada essa informação, adverte-se para
o fato de que o tratamento implica em uma cuidadosa ponderação que contém dados
históricos importantes da vida do sujeito que serão recolhidos na entrevista estruturada. Os
dados históricos permitem ao psicoterapeuta conhecer o cliente, identificando suas
potencialidades e dificuldades começando sua intervenção.
Conhecida a história de vida do cliente, suas metas para sessão e identificando
o suposto problema que o trouxe à psicoterapia, o psicoterapeuta cognitivo direcionará
o foco do seu trabalho para o problema específico apresentado, não mais buscando
justificativas para o problema e nem fazendo questionamentos constantes sobre suas
causas, reduzindo com isso o tem po do tratam ento, tendo em vista que intervém
diretamente na queixa. Apesar do direcionamento da intervenção, o psicoterapeuta está
de prontidão para discutir outros problemas que eventualmente vierem a ocorrer na
sessão, não se restringindo apenas ao seu foco de atuação. É interessante destacar
que nas sessões são criadas agendas contendo metas com técnicas para o cliente
realizar em casa e/ou na própria sessão (Freeman & Dattilio, 1998).
Com o uso da agenda, o psicólogo deve estar atento para cumprir os objetivos
determ inados com seu cliente, pois cada meta realizada e discutid a perm itirá ao
psicoterapeuta identificar os pensamentos automáticos e os pensamentos disfuncionais,
possibilitando que o cliente tenha consciência de suas crenças para modificá-la. Pelo fato
de o psicoterapeuta apontar e discutir com o cliente suas crenças disfuncionais e os
pensamentos disfuncionais, no final de cada sessão é solicitado ao cliente que elabore
um resumo do assunto que foi abordado, pretendendo assim, que o mesmo sintetize,
reflita e reaprenda os aspectos primordiais relatados de sua vida (Abreu, 2004).
A terapia cognitiva enfatiza a importância da autonomia do cliente e desse
modo, o psicoterapeuta treina o sujeito para que o mesmo exerça novas habilidades
alterando suas crenças absolutistas. Outra função dessa abordagem é de treinar o
sujeito para possíveis recaídas que eventualmente vierem acontecer durante e após o
tratamento. Em geral, pode-se dizer que a terapia cognitiva auxilia o cliente a enfocar
seus pensamentos e crenças disfuncionais, identificando, avaliando e respondendo as
situações disfuncionais de sua vida (Abreu, 2004).
Tradicionalmente, a terapia cognitiva é reconhecida por utilizar várias técnicas
cognitivas "para mudar o pensamento, o humor e o comportamento daquele que busca
ajuda" (Abreu, 2004, p .283), tendo como alvo principal, alte rar os pensam entos
disfuncionais e as crenças disfuncionais que acompanham o sujeito no seu dia-a-dia.
Existem várias técnicas cognitivas e comportamentais para tratar o transtorno de
ansiedade, como: flecha descendente;*verificação das opções e alternativas; reatribuição;
acalma-se; descatastrofização; vantagens e desvantagem; treinamento da positivjdade;
exposição; lição de casa; relaxamento; e meditação entre outras (Freeman & Dattilio, 4998).

Sobre Comportamento e Cognição 31


Ansiedade na Concepção da Terapia Comportamental
A ansiedade é, indubitavelmente, tema palco de inúmeras questões sobre
como este sentimento influencia o cotidiano das pessoas. Ela é, de fato, muito utilizada
como uma personagem que ora discrimina problemas e ora traz sensações agradáveis,
como aquele frio na barriga que o indivíduo sente ao saber que se aproxima o momento
de encontro com a namorada. Em todo caso, a ansiedade é vista pelo senso comum
como algo maléfico que possui, assim, o poder de impedir alguns sujeitos de executarem
tarefas que lhes são extremamente corriqueiras. (Sanfanna, 2003).
Na literatura behaviorista radical, encontram-se diferentes definições sobre o termo
ansiedade, porém, estas definições mais se complementam do que divergem. Assim, elas
têm em comum: analisar funcionalmente a ansiedade enquanto respostas de componentes
públicos e encobertos a um ambiente coercitivo. É importante ressaltar que, dentro de uma
abordagem comportamental, não é cabível um procedimento padronizado para o tratamento
dos transtornos de ansiedade. O que se pode fazer é entender que contingências mais
comumente atuam e então delinear um caminho a partir das singularidades de cada cliente.
Várias manifestações de ansiedade têm como característica a descrição do
estado como sensação prazerosa. O respondente que um sujeito emite momentos
antes da chegada de uma pessoa querida que estava longe, comumente, é tido como
um sentim ento de ansiedade bem -vinda. Nossa sociedade valoriza e reforça o
comportamento de pessoas que expressam publicamente seus sentimentos. Porém,
quando o sentimento está ligado a contingências basicamente aversivas, a ansiedade
é tida como uma manifestação ruim que deve ser tratada. Zamignani e Banaco (2005,
p.78) definem a ansiedade enquanto fenômeno clínico:
(1) quando implica em um comprometimento ocupadonal do indivíduo, impedindo o
andamento de suas atividades profissionais, sociais e acadêmicas, (2) quando envolve
um grau de sofrimento considerado pelo indivíduo como significativo e (3) quando as
respostas de evitação e eliminação ocuparem um tempo considerável do dia.
A análise do comportamento explica o fenômeno da ansiedade como uma
manifestação constituída pelo sentimento que a compõe, pelo papel operante que este
sentimento exerce no meio, e pela funcionalidade da emissão desta classe de respostas.
R esum idam ente, a ansiedade pode ser entendida pela ótica a n alítico -
comportamental, como:
... um conjunto de respostas reflexas, eliciadas por um estimulo aversivo, que
interferem sobre ações operantes: suprimem operantes positivamente reforçados [o
indivíduo para de fazer o que estava fazendo] e facilitam operantes negativamente
reforçadores [pela remoção de um aversivo] (Mitienson, apud Banaco, 2001, p. 204).
A emissão de operantes negativamente reforçados é, aparentemente, o padrão
básico de emissão de respostas nas manifestações de ansiedade. A esquiva funciona
amenizando e postergando possíveis estímulos aversivos sinalizados no ambiente. Ao
entrar em contato com um estímulo aversivo condicionado (estímulo pré-aversivo), o
sujeito emite respostas que visam eliminar, postergar ou diminuir a estimulação aversiva.
Em uma crise ansiosa, vários estím ulos podem adquirir funções aversivas
juntamente com a crise. Estímulos das mais variadas espécies são pareados no
momento de uma crise de ansiedade.
Se o comportamento de fuga-esquiva emitido pelo sujeito visa o afastamento
ou a interrupção do contato com pensamentos, memórias e sentimentos, ou seja, com
toda a forma de estimulação encoberta de ansiedade, ele é classificado como uma
evitação experiencial. Neste padrão de esquiva,

32 Alexandre Q. Brilo, Felipe de C. Pimentel, Fabrícia de Souza, Carolina O. de Brito e Th ais T. Carvalho
... não apenas os eventos aversívos presentes no situação de estimulação aversiva
e as respostas emitidas na ocasião adquiriram propriedades aversivas, mas toda
a classe de estímulos privados adquiriu essa propriedade por meio de generalização
(Zamignani e Banaco, 2005, p.85)
Outra variável de riquíssima análise para entonder o processo de instalação de
com portam entos tidos como ansiosos, é a ve rifica çã o de qu ais esquem as de
reforçam ento vigentes mantém o comportamento problem a. Citando o transtorno
obsessivo compulsivo, involuntariamente a família pode exercer um papel importante
na manutenção das respostas ansiosas.
A família age de maneira inconsistente com o paciente portador do transtorno
obsessivo-compulsívo, em alguns momentos participando do ritual juntamente
com o paciente, em outros antecipando o ritual e cm outros ignorando ou mesmo
punindo o ritual. Este padrão de família tenderia a manter um quadro obsessivo-
compulsívo (Zamignai, 2001, p. 259).
Como o esquema de reforço é intermitente, o sujeito nunca sabe quando é que
suas atitudes vão contar com conseqüências de amparo e compreensão de sua família.

Comportamentos Adaptivos
A disposição das contingências de reforço raramente é colocada de maneira tão
simples quanto no modelo da supressão condicionada vivendada em laboratório, onde não
há nada que o sujeito possa fazer para evitar que o choque seja-lhe apresentado. A pessoa
geralmente tem outras saídas para evitar um aversivo; a psicoterapia é exemplo disso, “cabe
ao terapeuta demonstrar a ação dos eventos aversívos na vida do cliente e levá-lo a discriminar
como tais eventos adquiriram as funções aversivas" (Britto e Duarte, 2004, p. 166), para que
este possa então, planejar suas ações e emitir comportamentos mais adaptativos.
Comportamentos mais adaptativos são comportamentos que têm uma maior
probabilidade de obter reforços positivos. Sob esta perspectiva, não é seguro o terapeuta
simplesmente trabalhar diretamente com as respostas de fuga-esquiva características
das variadas topografias da ansiedade emitidas pelo cliente. O trabalho será constituído
de uma análise do desenvolvimento de determinados padrões de respostas, verificando
sua função atual e as contingências que o mantêm.
É devido verificar se há padrões alternativos que possam ser reforçados. Por
exemplo, se a emissão de comportamentos estereotipados da fobia social for a única
classe de respostas que recebe alguma forma de amparo social e familiar, extingui-la
de imediato poderá ser um passo arriscado no encaminhamento clínico de uma pessoa.
Pode-se então partir do pressuposto de que uma das melhores variáveis a scr
identificada estaria pairando sobre como fora desenvolvido o repertório comportamental
do sujeito, e que arranjo de contingências de reforço positivo estão mais presentes.
Os transtornos afetivos e ansiosos envolvem, em geral, dificuldades interpessoais e
de repertórios não sociais, tais como atividades na resolução de problemas, no
manejo de situações de estresse e/ou frustração (Vermes e Zamignani, 2002, p. 138).
Pode-se esperar então que, um sujeito, ao apresentar qualquer tipo de
transtorno ansioso, por responder ao ambiente de forma peculiar, receberá mais atenção
(reforço) dô familiares e amigos do que outrora. Esta situação só é reforçadora para a
pessoa, devido a uma baixa variabilidade de comportamentos que dificulta o contato do
sujeito com contingências outras, naturalmente mais reforçadoras.
A forma e intensidade que o sujeito com algum transtorno de ansiedade executará
comportamentos com função de receber afeto ou atenção dependerá diretamente das

Sobre Comportamento e Cognifão 33


operações estabelecedoras atuantes nas contingências presentes. O padrão de respostas
ligado a uma carência ou privação de reforços positivos pode inviabilizar toda uma cadeia
de comportamentos mais complexos, limitando o sujeito a efetuar basicamente uma
determinada classe de respostas, seja esta de esquiva ou até mesmo de fuga. É preciso
fazer com que o cliente saía do padrão ansioso ao se desenvolver outras classes de
respostas para que o cliente possa produzir seus próprios reforçadores positivos.
A ampliação do contato do cliente com eventos reforçadores é f .] um objetivo
importante para que as respostas alternativas às respostas ansiosas sejam
instaladas. Para isso, é necessário um levantamento cuidadoso das habilidades e
deficits pré-existentes em habilidades sociais ou no repertório do cliente no manejo
e enfrentamento de problemas (Zamignani e Banaco, 2005, p. 89).
É consenso que a instalação de novos repertórios é fundamental, mas, para que
seja possível esse tipo de procedimento na relação entre cliente-terapeuta, o terapeuta deve
tentar se auto-estabelecer como uma audiência não punitiva para o cliente, tendo todo o
cuidado com a forma ética e gradual com a qual devem-se conduzir as sessões. Delitti e
Thomaz (2004, p. 57) afirmam que “em geral, não é a relação com o terapeuta (a interação) a
variável aversiva [...], mas o assunto no qual a terapia chegou". Reavaliando o que foi proposto,
isto quer dizer que o assunto por si só já pode transform ar a terapia em um evento aversivo.

Manejo de Comportamentos Clinicamente Relevantes


A Psicoterapia Analítica Funcional (FAP), técnica terapêutica alicerçada nos
fundamentos do behaviorismo radical, tem como um de seus pressupostos básicos o
estabelecimento de relações mais íntimas entre cliente e terapeuta, pois, acredita-se
que a forma como o cliente se comporta na terapia é uma boa amostra de como se
comporta no mundo.
A FAP é defendida enquanto procedimento básico no manejo com os transtornos
de ansiedade devido ao fato de que seu trabalho parte do pressuposto da análise
funcional do comportamento, ou seja, a FAP é uma sistematização clínica da realização
de uma análise funcional. Segundo Banaco (1999, p.79):
Quando a aplicação de uma técnica deriva de uma análise funcional, exercida por
um analista do comportamento ou terapeuta comportamental, provavelmente ela
será bem aplicada e os resultados serão benéficos para quem sofreu sua aplicação.
Segundo Brandão e Silveira (2004, p.195), a vantagem do manejo clínico de
comportamentos está estabelecida da seguinte forma:
O contexto clínico apresenta muitas, senão todas, as características requeridas
para a modelagem direta de comportamentos do cliente. Isso porque o reforçamento
é mais efetivo quanto mais próximas forem as conseqüências no tempo e no
espaço sobre as respostas apresentadas peto cliente.
É na relação clínica que observa-se o palco onde o terapeuta terá acesso aos
comportamentos que devem ser manejados no sentido de serem extintos ou reforçados
e generalizados. Os comportamentos que recebem uma maior atenção enquanto base
para o d e se n ro la r do atendim ento, podem ser cham ados de C om portam entos
Clinicamente Relevantes (CRB).
O manejo dos CRB’s pode ser o ponto-chave no trabalho realizado com sucesso
nos transtornos de ansiedade. Pessoas ansiosas geralmente apresentam déficits em
habilidades sociais (Banaco, 2005; Guilhardi, 2004; Madi, 2004; Vermes e Zamignani, 2002),
sendo comum o desenvolvimento de comportamentos estereotipados como ansiosos
nessas pessoas. Uma possível abordagem clinica da FAP no transtorno obsessivo-

Alexandrc Q. Brilu, Felipe de C. Pimentel, Fabrído de Sou7a, Carolina O. de Brito e Thais T. Carvalho
compulsivo, poderia ser o desenvolvimento de uma relação terapêutica íntima, visando o
desenvolvimento das habilidades sociais, para que o cliente sinta os efeitos do reforço
positivo de uma relação social profunda e passe a generalizar isso no ambiente fora da
clínica. Como nos mostra Cabalfo (2003), não existem evidências de uma inibição fisiológica
da ansiedade a partir de um comportamento socialmente habilidoso. Entretanto, é notável
que os clientes ajam menos nervosos, ou ansiosos, quando socialmente habilidosos.
Outra proposta de terapia que se encontra radicalmente embutida na ciência da
análise comportamento é chamada de a Terapia por Contingências de Reforço (TCR). A TCR
é mais bem classificada enquanto postura clínica, pois divergindo da FAP, não fornece ao leitor
técnicas ou métodos padronizados a serem seguidos. Para esta abordagem, ao desenvolver
novos repertórios, um sujeito ansioso pode ser positivamente consequênciado em suas
respostas, essas conseqüências, então, passarão a controlar novos comportamentos, pois
exercerão o papel de seus antecedentes. Para Skinner (1989/1995, p. 13):
A posição hehaviorista ê: volte aos eventos antecedentes para explicar o que
alguém faz e, ao mesmo tempo, o que a pessoa sente enquanto fa7 alguma coisa.
Para cada estado sentido é designado pelo nome de um sentim ento,
presumivelmente existe um evento ambiental anterior do qual cstc c produto A
terapia comportamental se interessa mais pelo evento antecedente do que pelo
sentimento.
Por fim, aparentem ente na bibliog rafia pesquisada, não foi encontrado
evidencias de que existam regras ou conjunto de procedimentos exclusivos para o
encaminhamento de transtornos de ansiedade. Na verdade, como fora discutido até o
momento, qualquer procedimento psicoterápico embasado unicam ente na filosofia
behaviorista radical, desconsidera procedimentos e técnicas prontas que incidem apenas
sobre sintomas, pelo simples fato de que a seleção pelas conseqüências que acometem
as respostas de um sujeito se restringfem tão somente a ele.
Finalizando, a terapia comportamental deve, para Skinner (1989/1995, p.114) construir:
Comportamentos fortes, removendo reforçadores negativos desnecessários e
multiplicando os positivos. Independentemente de as pessoas que tiveram seus
comportamentos fortalecidos dessa maneira viverem, ou não, mais que as outras,
ao menos pode-se dizer que elas viveram bem.

Divergências encontradas
Após a realização do levantamento bibliográfico acerca das bases teórico-
conceituais que permeiam as práticas embasadas na terapia comportamental e na terapia
cognitiva, pôde-se verificar uma falta notável no que diz respeito às incongruências
encontradas entre as duas teorias. Todavia, tais divergências incidem radicalmente sobre
a forma de entendimento humano, na construção de novos conhecimentos e nos modelos
práticos que instruem os profissionais influenciados por seus devidos pressupostos.
Obviamente, essas diferentes propostas de entendimento do comportamento
humano irão acarretar em diferentes práticas quando levadas para a aplicação de
conhecimento (Banaco, 2001, p. 199).
Eventuais confusões feitas pela comunidade acadêmica sobre as diferenças
entre as duas abordagens, em geral, parecem ocorrer devido à similaridade dos nomes
empregados para descrevê-las e pela proximidade do uso dos termos explicativos. Apesar
da naturalidade como este equívoco é dado atualmente, faz-se pertinente uma demarcação
de diferenças básicas entre as bases filosóficas que atravessam cada modelo.

Sobre Comportamento e Cognição 35


Como já fora explicitado, o behaviorismo radical é considerado uma teoria
monista e funcíonalista, onde ioda manifestação do sujeito em resposta ao seu ambiente
é tida como comportamento, e, portanto, este deve ser entendido de acordo com a
função que exerce no ambiente. Por outro íado, a terapia cognitiva mantém a posição
dualista de homem ao defender a idéia de que existem estruturas internas que governam
comportamento humano. É interessante ressaltar que, devido à utilização de termos
parecidos, o behaviorismo mediacional ou cognitivo é confundido muitas vezes com o
behaviorismo radical, porém, eles se mantêm visivelmente distintos quando se analisa
o enfoque que cada teoria respalda e a atribuição de causas ao comportamento. Por
exemplo, observa-se que, na terapia cognitiva,
... a explicação [para o comportamento] surge na forma de um mimetismo monista,
já que tudo o que se fala é comportamento, cria-se a impressão de tratar-se de um
monismo comportamental, no qual comportamento [geralmente privado] causa
comportamento [geralmente público]. Supor que o pensamento é a causa dos
comportamentos, ou seja, que "as pessoas não sofrem pelos fatos da vida, mas
peto que elas pensam sobre [...] á um enunciado típico de posições cognitivas e
envolvem um equívoco conceituai fundamental" (Guílhardi, 2004, p. 22)
Este falso monismo, como todo tipo de mentalismo, fornece explicações que além
de malograr por desconsiderar a interação do sujeito-ambiente em toda sua importância,
produz jargões e conceitos que acabam tendo o risco de estigmatizar os sujeitos.
teoria cognitiva "baseia-se no pressuposto racional teórico de que o afeto e
comportamento do indivíduo são amplamente determinados pela maneira como
ele estrutura o mundo. Suas cognições (“eventos” verbais ou pictóricos em seu
fluxo de consciência) estão baseadas em atitudes ou suposições (esquemas),
desenvolvidas a partir de experiências anteriores" (Beck e Freeman, 1993, p. 241).
Ao longo da descrição da terapia cognitiva, percebemos que sua base teórica
compreende termos como, cognição, pensamentos, crenças, esquemas entre outros. Deste
modo, supostamente a somatória dessas definições forma uma estrutura intrapsíquica que
rege e governa o comportamento humano, retomando os princípios do mentalismo. Essas
diferenças de base produzem explicações totalmente antagonistas sobre as causas do
comportamento humano quando comparadas com os princípios da terapia comportamental.
Para o behaviorismo radical, se o comportamento problema é explicado através
de uma perspectiva adaptativa, pode-se afirmar que ele é necessário para o sujeito no
sentido de ter sido selecionado. Se as manifestações de fobia social foram importantes
na evitação de alguma forma de estimulação aversiva, diz-se que este comportamento
foi funcionalmente instalado. Como a proposta é basicamente funcionalista, toma-se
incompatível um delineamento diagnóstico puramente psiquiátrico, ou seja, nega-se a
noção de que a ansiedade seja basicamente uma psicopatologia. A afirmativa de que
todo comportamento é selecionado por suas conseqüências,
... leva a no mínimo, pensar que todo e qualquer comportamento seja adaptativo,
dentro das contingências que o mantém. E se for possível proceder a uma análise
funcional da situação na qual o comportamento dito *patológico’ se insere, chegar-
se-á à conclusão de que aquele seria o único comportamento que poderia acontecer,
dadas aquelas contingências. No entanto [...] apesar de serem adaptativos no sentido
de terem sido selecionados, alguns comportamentos causam sofrimentos às pessoas
que os emitem ou àquelas que estão ás suas voltas (Banaco, 2001, p.85).
O objetivo desta argumentação não é desconsiderar a importância da utilização
de diagnósticos como uma forma facilitadora de comunicação entre os profissionais da

36 Alexandre Q. Brito, Felipe tie C. Pimentel, Fabricio de Souza, Carolina O. de Brito e Thais T. Carvalho
área da saúde. 0 que encontra-se sob ressalva é o cuidado que se deve ter para não
esquecer que estas divisões de conceitos são especificações didáticas para ilustrar,
genericamente, formas comuns de arranjos de contingências coercitivas,
... esses sistemas dassificatóríos são no máximo uma descrição de topografias
de respostas e de freqüências com as quais elas se apresentam na vida da pessoa
(Banaco, 2001, p. 76).
Em sentido oposto ao que foi dito, na terapia cognitiva é encontrada grande
ênfase sobre o “tratam ento” dos sintomas gerados pelos pensam entos e crenças
disfuricionais, ou seja, objetiva-se a eliminação destas respostas, como se fossem
simples patologias que precisam ser erradicadas. Exclui-se a análise funcional das
condições ambientais que resultaram em tais pensam entos. O com portam ento é
explicado por uma abordagem determinista, intemalista e não contextuai. Traba!ha-se
exclusivamente com suas manifestações, logo, o trabalho limita-se a realização de
uma modificação cognitiva, Há uma busca por:
... critérios de normaüdade para definir doenças, transtornos ou stndromes
com portam entais bem como ocasiões e d escrições to p og rá fica s do
comportamento sobre os quais se deve aplicar a técnica (Banaco, 2001, p. 201).
Dentro do arcabouço teórico da terapia cognitiva fora possível verificar este tipo
de especificação metodológica. O processo psicoterápico é previamente delimitado de
acordo com o diagnóstico que fora realizado. Por exemplo, se for diagnosticado um
determinado transtorno de ansiedade, o terapeuta cognitivista irá procurar dentro de
seu arcabouço teórico, técnicas que melhor atuem na eliminação dos sintomas.
Essa limitação não só está referida às técnicas utilizadas como também à
duração do processo terapêutico; para esta abordagem, tentar limitar a terapia a um
número determinado de sessões tem o efeito de manter o terapeuta honesto. Com
isso, diz-se que o terapeuta deve estar ativamente envolvido em apressar o passo da
terapia, em vez de ficar sentado, permitindo que a terapia se desenvolva em alguma
direção vaga (Freeman & Dattilio, 1998).
Esta postura é completamente incompatível com a realização de uma análise
funcional. Para a terapia comporta mental, cada cliente é único em todos os aspectos devido
ao fato de que a complexidade encontrada na ontogênese nunca se repete. O papel do
terapeuta refere-se a aumentar o autoconhecimento do cliente no sentido de ensiná-lo a
discriminar as contingências que governam seu comportamento, desenvolver repertório
comportamental para o enfrentamento da situação apresentada e tomá-lo terapeuta de si
mesmo. O tempo necessário para a realização deste trabalho e as técnicas utilizadas não
podem ser previamente especificadas nesta abordagem, pois isso dependerá diretamente
de vários fatores como; a relação terapêutica, o papel da família, a limitação do repertório
apresentado inicialmente e etc. O que existe neste modelo é o estudo e o planejamento do
que será abordado na relação com o cliente. Neste enfoque os sintomas só recebem
atenção enquanto hipóteses para entendimento das contingências que estão operando.
Entretanto, na terapia cognitiva, o enfoque dos sintom as resulta em um
afastamento do estudo da história de vida da pessoa. Todavia, terapeuta e pesquisadores
cognitivistas se dão por satisfeitos com as explicações vernaculares e mentalistas.
Para Skinner (1990), o modelo cognitivista só tem tido tamanha aceitação na atualidade
devido a sua similaridade com a linguagem cotidiana. Por mais que seja observado na
descrição da filosofia cognitiva o enfoque inicial do terapeuta na história de vida do
sujeito, essas informações parecem ser descritas sim plesm ente para preencher o
prontuário do cliente. Segundo o material consultado, após a coleta de dados, o

/
Sobre Comportamento e Cognição 37
psicoterapeuta busca apenas novas formas de o sujeito reinterpretar seus pensamentos,
crenças e valores, não se importando com sua história de reforça mento, punição, fuga
e esquiva que selecionou os padrões de respostas ansiosas.
Um exemplo do cuidado que deve-se ter ao assumir uma postura terapêutica que
trabalha prioritariamente com sintomas pode ser dado no contexto da técnica de prevenção
de respostas. Esta técnica é utilizada tanto por terapeutas comportamentais como por
terapeutas cognitivistas. Ela tem em sua constituição a aversividade do estímulo que o
sujeito evita. O que diferencia a forma como cada abordagem trabalha este procedimento
repousa sobre sua influência filosófica. Se o terapeuta aplica a técnica pura e simplesmente
para eliminar sintomas (terapia cognitiva), sem reforçar outros comportamentos mais
adaptativos, ele estará desconsiderando o fato de que estes comportamentos ansiosos se
mantêm por estarem evitando as aversividades que a pessoa está em contato; neste
contexto, a técnica será mais uma forma de coerção a qua! o sujeito será submetido.
Não seria útil, portanto, agir unicamente sobre a resposta de esquiva se não for
desenvolvido um repertório eficaz que permita ao indivíduo eliminar ou esquivar-
se com sucesso da(s) fonte(s) de ansiedade, pois o comportamento problema,
neste caso, tenderá a ocorrer novamente, talvez em outra topografía (Zamignani e
Banaco, 2005, P.87).
Ao atuar com qualquer tipo de sintom as, o terapeuta coerente com os
pressupostos do behaviorismo radical deve ter discriminado quais contingências de
reforço mantém as respostas ansiosas. Se a utilização de um procedimento que visa à
exposição do sujeito aos estímulos aversivos for necessária, o psicólogo 7deve fazê-la
da forma mais funcional possível. Pode ser interessante que se faça este procedimento
com o intuito de fortalecer outras respostas que produzam reforçadores positivos, Vermes
e Zamignani (2002, p. 140) exemplificam da seguinte maneira:
Um adolescente que goste de futebol e que apresente obsessões de contaminação,
provavelmente seria mais motivado a se envolver [na técnica] usando bola em um
campo de futebol - inevitavelmente sujo - do que a passar a mão na sola dos
sapatos e não lavá-la depois.
Nesse contexto, é oferecida a este sujeito a oportunidade de entrar em contato
com contingências naturalmente reforçadoras, fortalecendo as respostas que este
produziu e enfraquecendo as respostas de fuga e esquiva.
Outro ponto de intensa contraste entre as duas teorias pode ser descrito no
quesito da variabilidade comportamental. O terapeuta behaviorista radical, por acordar
com a seleção por conseqüências, encara a amplitude de variação de comportamentos
como um dado fundamental para o desenrolar do processo psicoterápico. Segundo
este modelo, quanto mais variado for o repertório comportamental de uma pessoa,
maior a probabilidade dela exercer comportamentos funcionalmente mais adaptativos.
Deve-se trabalhar juntamente com o cliente o planejamento de instalação de um repertório
mais variado e que produza um maior número de reforçadores positivos. Uma pessoa
“vivida” tem mais chances de suportar as transformações do ambiente do que uma
pessoa extremamente protegida. Como ela foi reforçada em contingências variadas,
tenderá a se adaptar melhor do que a segunda.
Este ponto de divergência deve ser cuidadosamente trabalhado. Como, nos
artigos consultados, não fora possível encontrar na terapia cognitivista ênfase aos
aspectos da história de vida do sujeito, ela não parece ser capaz de planejar e alterar a
forma como este sujeito se relaciona com o mundo ao produzir seus reforços negativos
(padrão da ansiedade). Alterar a forma com que Luciana encara a sua ansiedade (por

38 Alexandre Q. Brito, Felipe de C. Pimentel, Fabrício de Souza, Carolina O. de Brito e Thais T. Carvalho
exemplo, aplicando-se técnica ACALME-SE) não é condizente ao dizer que se planejou
alterar a relação que ela tem com seu chefe extremamente coercitivo, ou seja, a ênfase
está na resposta, e não na contingência que a produziu. Logo, se a relação aversiva que
ela tem com seu chefe não for alterada, não deixará de ser sensível às punições advindas
do mesmo, por mais que ela exerça o “controle" de sua ansiedade. Neste ponto forma-
se um problem a fundam ental: se Luciana passa a controlar sim plesm ente suas
respostas topográficas de ansiedade, ela terá de apresentar outras formas de lidar com
a relação de trabalho para minimizar as fontes de aversivos provindas deste ambiente;
como não fora trabalhado um padrão de respostas alternativo, é possível que Luciana
continue mantendo a função de suas respostas, ou seja, ela não pode mais ficar ansiosa
no trabalho (topografia), mas pode passar a apresentar obsessão por organização.
Neste aspecto, não foi encontrado na literatura pesquisada referente à terapia
cognitiva, indicação, tópico ou suposição da importância de trabalhar com o cliente os
aspectos de sua variabilidade comporta mental. Além de negligenciar a importância do
trabalho relacionado com o aumento da variabilidade comportamental, não foi encontrado
na terapia cognitiva um enfoque significativo sobre a influência das contingências de
reforçamento positivo na modelagem de novos com portam entos com o intuito de
possibilitar ao sujeito, adquirir repertórios alternativos que visem a extinção dos
com portam entos que lhe causam ansiedade. Para esta concepção, o modelo da
ansiedade é formado pela interpretação errônea que o sujeito faz dos acontecimentos
habituais, logo, a modificação do comportamento dar-se-á por novas interpretações
dos estímulos e não na busca de novos reforçadores.
...ter uma habilidade adequada para prevenir uma ocorrência desagradável não
traz uma possibilidade de sucesso pois essa habilidade pode flutuar de acordo
com o grau de perigo antecipado (e imaginado) das situações, como: “Eu não
posso fazer nada errado, sfe o fizer será uma catástrofe" (Savoia, 2004, p.336).
Para a terapia comportamental, devem-se alterar não as respostas operantes e
respondentes que caracterizam a ansiedade, mas sim a relação de coerção à qual o sujeito
está embutido na atualidade. Se Joaquina tem sofrido devido aos seus estados de ansiedade,
procurar-se-á alterar as relações que produzem este tipo de padrão, reforçando inicialmente
padrões de fuga-esquiva alternativos e posteriormente padrões de reforçamento positivo.
Fica evidente outra diferenciação encontrada na terapia cognitiva em relação à
terapia comportamental, pois essa concepção enfatiza que a ansiedade é evocada
quando a pessoa ansiosa distorce seu pensamento atribuindo significados do seu
contexto não condizente com a sua realidade.
Por exemplo, se um paciente começar a sentir uma pequena pontada em seu
estômago justo antes de começar um discurso e imediatamente pensar "não posso
sentir nenhuma ansiedade", então este pensamento sozinho è suficientemente
capaz de aumentar sua ansiedade (Range e Bernik, 2004, p. 175).
Percebe-se então que, para a terapia cognitiva, as variáveis ambientais que
eliciam respondentes e discriminam operantes não recebem uma atenção especial.

Conclusão
A partir do que foi discutido, fica evidente o fato de que existem diferenças significativas
no tangente à concepção de homem sobre as duas práticas psicoterápicas apresentadas.
Trata-se de abordagens nitidamente divergentes desde suas raízes filosóficas até a extensão
de sua aplicação clínica. A ansiedade foi incluída a esta análise propositalmente enquanto
personagem que está em voga no cotidiano, ou seja, pôde-se ilustrar através deste modelo

t
Sobre Comportamento e Cognição 39
as formas de entendimento do comportamento humano exercida pelos diferentes paradigmas.
O levantamento das divergências encontradas no encaminhamento dado as
m anifestações de ansiedade, mostrou que o entendim ento destas duas terapias
enquanto compatíveis e complementares em suas formas de atuação demonstra uma
notável "incoerência teórica que só pode ser explicada pela ausência de familiaridade
com os pressupostos de uma ou outra orientação” (Costa, 2002, p. 44). Quando existem
pontos em comum nas duas abordagens (especialmente no caso de aplicação de
algumas técnicas), estes não se mostram suficientemente próxim os para justificar
uma igualação con ceitu ai. Enquanto o terapeuta com p o rta m e n ta l embasa sua
intervenção sobre os comportamentos do cliente e suas devidas funções (intervenção
externalista), o terapeuta cognitivista atua deforma consideravelmente diferente, focando
atenção sobre os conteúdos cognitivos ( intervenção in te rn a lis ta ) e as variáveis
encobertas. É importante demarcar a cautela que se deve ter ao atuar de acordo com
uma abordagem internalista, pois, segundo Zamignani e Banaco (2005, p.80),
... a atenção privilegiada que este tipo de estratégia dispensa às variáveis de
natureza encoberta (ansiedade, obsessões) pode ocultar o papel de outras variáveis
ambientais relevantes.
Contudo, apesar destas diferenças teórico-conceituais, viu-se também que
existe grande integração entre as duas abordagens tanto no cenário acadêmico quanto
no contexto clínico. Pode-se dizer que compreender o motivo de tamanha aproximação
entre elas é um fato um tanto quanto curioso, visto que o behaviorismo radical adota
uma postura enfática contra as explicações mentalistas.
A título de conclusão, vale ressaltar que de maneira alguma é objetivo deste
artig o d e sco n sid e ra r a re levâ ncia de nenhum a das p ro p o s ta s p sicoterá pica s
apresentadas, apenas propiciar novos debates que promovam um solo mais consistente
e coerente para ambas as teorias.

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Sobre Comportamento c Cognição 41


Capítulo 4
Controle aversivo do comportamento:
das definições operacionais aos
subprodutos indesejáveis e
desejáveis

leda Maria Bertola Mazzo1


Maura Alves Nunes CJongora*
VEL

Na Análise do Comportamento, o controle aversivo tem sido definido como o controle


do comportamento estabelecido por contingências de punição e de reforço negativo. Embora
existam outras denominações empregadas para o estudo desse tipo de controle, todas se
referem à análise desses dois tipos de contingências. Por exemplo, Sidman (1989/1995),
um dos principais pesquisadores da área, examina os efeitos comportamentais das
contingências de punição e de reforço negativo sob o título “Coerção" (p.51). Millenson
(1967/1975), ao descrever operacionalmente essas contingências, emprega a terminologia
“Contingências Aversivas’’ (p.383). Por outro lado, Catânia (1991/1999, p. 108) e Skinner
(1972/1975, p. 91) preferem a denominação “Controle Aversivo”, a qual também será adotada
neste capítulo, uma vez que se trata da denominação mais utilizada, quando estudado o
controle comportamental estabelecido pelas contingências de punição e de reforço negativo.
Na bibliografia de princípios básicos de Análise do Comportamento, em geral, a
parte dedicada ao controle aversivo indui descrições detalhadas das definições operacionais
das contingências que o constituem, bem como a análise, em separado, dos seus subprodutos.
Já nos textos que tratam da aplicação de princípios básicos, principalmente na área clínica e
educacional, os autores tendem a enfatizar os subprodutos do controle aversivo. No campo
aplicado há uma grande preocupação com os subprodutos indesejáveis das contingências
aversivas, especialmente da punição. Embora a literatura comportamental também apresente
subprodutos desejáveis do controle aversivo, em geral, eles são bem menos enfatizados.
Nas discussões acerca da aplicação do controle aversivo, Hineline (1984) e Sidman
(1989/1995) afirmam que os efeitos mais importantes para sua análise referem-se aos

' Mestre em Análise do Comportamento pela UEL-Universldade Estadual de Londrina. E-maü' iedabertola@botmail.coni
’ Docente do programa de mestrado em Análise do Comportamento da UEL-Universidaòe Estadual de Londrina. E-ma3: maur8@uel.br Texto
referente a curso ministrado no XV Encontro da ABPMC corn o Ululo Avanços nas análises dos efeitos comportamentais daa contingências
aversivas. Trabalho financiado pela Capes

42 lecta Maria Bertola Mazzo e Maura Alves Nunes Qongora


seus subprodutos ou efeitos indiretos. Hineline (1894) e Michael (1975) afirmam que as
anáiises dos efeitos produzidos sobre a probabilidade do comportamento, descrita nas
definições operacionais, tratam apenas dos efeitos diretos produzidos pelas contingências
aversivas. O fato é que, estudar os efeitos diretos é pertinente para se distinguir os diferentes
tipos de contingências que controlam o comportamento humano. Assim, apesar de
pertinentes, os efeitos mais relevantes das contingências aversivas, especialmente no
campo aplicado, não se referem ao resultado sobre a probabilidade do comportamento,
mas sim aos efeitos produzidos de maneira concomitante ou posterior ao aumento (reforço
negativo) ou à redução (punição) na probabilidade do comportamento ocorrer. Esses efeitos
têm sido denominados indiretos, colaterais ou subprodutos (Hineline, 1984; Martinez, 2005;
Michael, 1975; Perone, 2003; Sidman, 1989/1995; Skinner, 1972/1975, 1971/1977, 1953/
2000; Todorov, 2001). Desse modo, parece haver nessa área uma espécie de descompasso
entre aquilo que se contempla nas definições operacionais - os efeitos diretos do controle
aversivo - e o que é considerado nas discussões sobre interdição ou recomendabilidade
deste controle - os seus efeitos indiretos.
Observa-se, ainda, nos estudos sobre o controle aversivo, que ao enfocar os
subprodutos há uma predominância de análises e de debates a respeito dos prejuízos ou
efeitos indesejáveis deste controle. Neste ensaio, pretende-se ampliar o foco de análise
dos efeitos indiretos do controle aversivo com a inclusão da análise de seus benefícios, ou
seja, de seus efeitos desejáveis, especialmente, aqueles que beneficiam a aprendizagem
de comportamentos importantes tanto para o próprio indivíduo quanto para o seu grupo. Na
tentativa de viabilizar essa ampliação do foco de análise, procura-se revisar as definições
operacionais das contingências aversivas para demonstrar, a partir delas, como podem ser
explicados seus subprodutos ou efeitos indiretos, sejam eles indesejáveis ou desejáveis.

1. Sobre as definições operacionais de reforço negativo e de punição


Segundo Skinner (1953/2000), um organismo age sobre o ambiente que o cerca
modificando-o; parte dessas modificações ambientais retroage ao organismo afetando a
probabilidade do comportamento que as produziu voltar a ocorrer, podendo assim fortalecê-lo
ou enfraquecê-lo. O aumento na probabilidade do comportamento voltar a ocorrer é caracterizado
como o efeito fortalecedor, enquanto enfraquecer refere-se à diminuição na probabilidade de
ocorrência do comportamento. Skinner (1953/2000) explica as contingências de reforço negativo
descrevendo o seu efeito fortalecedor (reforçador) e as contingências de punição com a
descrição do seu efeito enfraquecedor, de reduzir ou de suprimir a probabilidade de ocorrência
do comportamento. Portanto, o conceito de controle aversivo refere-se a contingências que
produzem dois efeitos comportamentais distintos; fortalecimento do comportamento nas
contingências de reforço negativo e enfraquecimento nas contingências de punição.

1.1 Contingências de reforço negativo


As contingências que tomam a ocorrência do comportamento mais provável podem
ser de dois tipos: contingências de reforço positivo e de reforço negativo. Apesar de a
contingência de reforço positivo não compor o conceito de controle aversivo, é preciso recorrer
a ela para melhor explicar as contingências de reforço negativo e também de punição.
Quando um dado comportamento é seguido por determinadas conseqüências
e, posteriormente, observa-se um aumento na freqüência do comportamento, infere-se
que as conseqüências produzidas pelo comportamento aumentaram a probabilidade de
sua ocorrência, fortalecendo-o. Essas conseqüências são definidas como reforçadoras

t Sobre Comportamento e Cognição 43


e podem ser positivas, quando a conseqüência reforçadora do comportamento consistir
na apresentação (acréscimo) de estímulos, ou negativas, quando o aumento na freqüência
do comportamento for determinado pefa remoção de estímulos. Essa distinção entre as
conseqüências reforçadoras é explicada por Skinner (1953/2000) da seguinte maneira:
Os eventos que se verifica serem reforçadores são de dois tipos Alguns reforços
consistem na apresentação de estímulos, no acréscimo de alguma coisa, por exemplo,
alimento, água, ou contato sexual - à situação. Estes são denominados reforçadores
positivos. Outros consistem na remoção de alguma coisa - por exemplo, de muito
barulho, de uma luz muito brilhosa, de calor ou frio extremo ou de um choque elétrico
- da situação. Estes se denominam reforçadores negativos. Em ambos os casos o
efeito do reforço é o mesmo: a probabilidade da resposta será aumentada (p. 81).
O leitor fam iliarizado com os estudos de laboratório pode lem brar que o
comportamento do rato de pressão à barra é, em geral, modelado por contingência de
reforço positivo. Nesta contingência, o comportamento de pressão à barra acrescenta
algo à situação experimenta! - por exemplo, uma pelota de alimento, que supostamente
aumenta a probabilidade do rato voltar a pressionar a barra. Na contingência de reforço
positivo importa pontuar que o comportamento toma-se mais provável quando seguido
pela apresentação de estímulos.
De acordo com Millenson (1967/1975), na contingência de reforço negativo, há a
necessidade de um pouco mais do que observação casual para se detectar que "sob
certas circunstâncias apropriadas, a remoção de certos eventos ambientais exerce efeitos
comportamentais poderosos” (p. 383). Para ilustrar, o autor cita um experimento realizado
por Dinsmoor e Winigrad em 1958, no qual ratos aprenderam a pressionar uma barra
quando este era o único comportamento que desligava choques elétricos, que eram liberados
através das grades do piso do compartimento experimental. O comportamento do animai
de pressionar a barra produzia uma mudança em seu ambiente - o término do choque.
Posteriormente, em uma situação similar, o rato voltou a pressionar a barra e novamente o
choque foi encerrado. O comportamento de pressionar a barra se repetiu na presença do
choque, temninando-o mais uma vez. Neste experimento, a modificação comportamental
observada também demonstrou aumento na freqüência do comportamento de pressão à
barra. Porém, a conseqüência que seguiu o comportamento do animal de pressionar a
barra, ao invés de acrescentar, removeu algo da situação - o choque. Neste caso, infere-se
que a conseqüência do comportamento, provavelmente, funcionou como um reforçador
negativo, uma vez que o comportamento de pressionar a barra removeu algo da situação
experimental - o choque, que possivelmente aumentou a probabilidade do rato voltar a
pressionar a barra. Este fato ocorreu em função da remoção do choque, ocorrida no passado.
Na visão de Millenson (1967/1975) e de Skinner (1953/2000) seria um equívoco
supor que, no segundo exemplo, o comportamento do rato de pressão à barra foi reforçado
positivamente por produzir “alívio" do choque, uma vez que o que realmente se observa
e prevalece é uma mudança da situação anterior para a posterior após a ocorrência do
comportamento de pressão à barra. Antes havia a presença do choque e depois seu
término. Assim, em termos operacionais, são as mudanças no ambiente que definem
o tipo de contingência que está operando, como atestado pelos referidos autores:
As respostas podem ser fortalecidas ou pela produção de reforçadores positivos
ou pela terminação de reforçadores negativos. A última variante é que a resposta
conduz o organismo de uma situação aversiva, para uma diferente, menos aversiva
(Millenson, 1967/1975, p.385).

Atenuamos um ruído colocando os dedos nos ouvidos, afastando-nos da fonte de


emissão, cerrando portas e janelas intervenientes, eliminando a fonte, e assim por

44 leda Maria Bertola Mazzo e Maura Atves Nunes Qongora


diante. Semelhantemente, fugimos de uma luz brilhante fechando os olhos, voltando
- a cabeça, ou desligando a luz. Não podemos dizer que essas respostas são
. positivamente reforçadas com o “alívio” do ruído, da luz, etc., pois o que é eficaz é
a mudança dc uma situação para outra, e isto é a redução de uma condição que
prevalecia antes do reforço (Skinner, 1953/2000, p. 188).
Para complementar a explicação sobre a contingência de reforço negativo, é relevante
pontuar que reforçadores negativos também são denominados estímulos aversivos.
Segundo Martinez (1995) e Milienson (1967/1975), o termo aversivo é adotado referíndo-se
à função que esses eventos ambientais apresentam na relação com o comportamento.
Os reforçadores negativos induem os eventos que, no linguajar comum, são chamados
de “irritantes", ‘'desconfortáveis", “dolorosos", ‘desagradáveis", "nocivos" e assim por
diante. A mgiona desses termos envolve um domínio de referência não comportamental
que, provavelmente, não será adequado para uma análise funcional. Como um sinônimo
para reforçador negativo, o termo *aversivo” é mais neutro que qualquer um desses
adjetivos e tem a vantagem de sugerir a noção apropriada de ‘evitar” "mover-se para
longe“ ou “fugir do" uma situação (Milienson, 1967/1975, p. 383-384).

Assim, denomina-se aversivo ao evento cuja remoção ou prevenção é contingente


à manutenção de um comportamento (o caso do reforço negativo) ou se a sua
apresentação é contingente à redução na probabilidade de um comportamento ou
á sua supressão temporária (no caso da punição Tipo 1) (Martinez, 2005, p. 11).
Portanto, na contingência de reforço negativo, a expressão “estímulos aversivos"
indica a possibilidade de comportamentos serem reforçados, quando seguidos pela
remoção desses estímulos. Esses comportamentos podem ser denominados como
comportamentos de fuga ou como comportamentos de esquiva.
De acordo com Catânia (1991/1999), o comportamento de fuga é o exemplo mais
simples de reforço negativo, uma vez que se trata de comportamento do organismo reforçado
pela remoção de estímulos aversivos, geralmente incondicionados. O comportamento é
reforçado pela remoção de estím ulos aversivos presentes na situação, portanto,
comportamento de fuga refere-se ao comportamento que reduz, remove ou termina com uma
fonte de estimulação aversiva, a qual poderia afetar diretamente o organismo, se não eliminada
ou pelo menos diminuída. Como observado no exemplo do comportamento do rato de pressão
à barra que terminava o choque, a estimulação choque se não terminada pelo pressionar a
barra poderia afetar diretamente o organismo do rato. Neste caso, fugir implica a remoção de
estímulos aversivos presentes na situação, os quais normalmente são incondicionados.
O comportamento de esquiva refere-se ao comportamento reforçado pela rem oção
de estímulos já condicionados à estimulação aversiva. Neste caso, com a remoção do estimulo
aversivo, o ambiente é alterado de modo que não ocorre a estimulação aversiva incondidonada.
Assim, no comportamento de esquiva, a estimulação reduzida ou terminada por um dado
comportamento impede a ocorrência da estimulação aversiva, que poderia afetar diretamente
o organismo. Isto é, o rato executa um comportamento que no passado impediu a ocorrência
da estimulação que poderia afetá-lo diretamente. Catânia (1991/1999) explica as diferenças
entre os comportamentos de fuga e de esquiva da seguinte forma:
Os procedimentos de fuga são os exemplos mais simples de reforço negativo; a
resposta de um organismo suspende um estímulo aversivo. Os procedimentos de
fuga diferem dos procedimentos de esquiva, nos quais uma resposta evita ou
atrasa um estímulo aversivo. Essa terminologia é consistente com o uso Cotidiano:
fugim os de circunstâncias a versivas presentes, mas nos esquivam os de
circunstâncias potencialmente aversivas que ainda não ocorreram. Por exemplo,
podemos sair de uma festa para fugir de uma companhia que já está ati ou para nos
esquivarmos de alguém que estaria para chegar mais tarde (p. 117).

Sobre Comportamento e Cognição 45


Para mais uma ilustração, imagine um compartimento experimental, cujo piso
apresenta dois níveis de altura, um mais alto e outro mais baixo. A barra da caixa experimental
localiza-se no piso baixo. Quando o rato está no piso baixo, ocorre um choque, o qual é
terminado pela pressão à barra. Em situação posterior, quando ocorre o choque, o animal
pressiona a barra novamente e o choque termina. Neste ponto, quando ocorre o choque, o
comportamento de pressionar a barra pode ser interpretado como um comportamento de
fuga, uma vez que o choque refere-se a um estímulo aversivo incondicionado, cuja remoção
supostamente aumentou a probabilidade do comportamento de pressionar a barra.
Nessa situação, quando ocorre o choque, possivelmente outros estímulos presentes
podem ser condicionados, como o piso baixo do compartimento experimental, por exemplo.
Neste caso, o estímulo "piso baíxoMpode funcionar como um estímulo aversivo condicionado.
Assim, qualquer comportamento do rato, que remova as condições para ocorrência do contato
com o estímulo aversivo condicionado ‘'piso baixo'7, pode ser reforçado negativamente. Por
exemplo, não há liberação de choque se o animai tocar apenas o piso alto do compartimento
experimenta). Dessa maneira, a resposta de pressionar a barra também não ocorre. Em
situações posteriores, observa-se que, quando há dois níveis de piso, o animal toca apenas
o piso alto do compartimento, inferindo-se que se trata de um comportamento de esquiva,
fortalecido pela remoção do estímulo aversivo condicionado “piso baixo’’.
Observa-se que o estímulo aversivo condicionado funciona também como
estímulo discriminativo para o comportamento de pressão à barra, ou seja, o estímulo
condicionado piso baixo é a ocasião para a ocorrência do comportamento de pressão à
barra, o qual é fortalecido pela remoção do choque. Assim, o estímulo condicionado “piso
baixo” pode exercer duas funções: estímulo discriminativo para o comportamento de fuga
{pressionar a barra) e reforçador negativo para o comportamento de esquiva (tocar o piso
alto). O comportamento de esquiva (tocar o piso alto) ocorre quando há o estímulo aversivo
condicionado piso baixo, portanto, ao saltar do baixo para o alto, mesmo sem o choque
estar ligado, o animal muda a situação que favorece a ocorrência da resposta de pressionar
a barra. O comportamento de esquiva refere-se a um comportamento que está sob controle
de estímulos discriminativos, como explicado por Skinner (1953/2000):
Um objeto que se aproxima rapidamente precede o contato doloroso. O chiado do
foguete precede o estouro dos fogos de artificio. O som da broca do dentista
precede a estimulação dolorosa do dente. O intervalo entre os dois estímulos pode
definitivamente ser fixo, ou pode variar enormemente. Em qualquer caso, o indivíduo
vem a executar o comportamento que previne a ocorrência ou reduz a magnitude
do segundo es í/m u/o. Desvia-se do objeto, coloca os dedos nos ouvidos para
diminuir o som da explosão e afasta a cabeça úa broca. Por quê? Quando os
estímulos ocorrem nessa ordem, o primeiro estímulo torna-se um reforçador
negativo condicionado, e por isso qualquer ação que o reduza é reforçada através
de condicionamento operante. Quando evitamos a estimulação dolorosa do dente,
meramente escapamos do som da broca (p. 193).
Assim, contingência de reforço negativo pode produzir tanto comportamentos
de fuga quanto de esquiva, os quais se diferenciam pelo fato deste último ser controlado
por reforçadores negativos condicionados, também denominados estímulos aversivos
condicionados. Para Millenson (1967/1975), o que ocorre é sempre um comportamento
de fuga, seja fuga do estimulo choque (estímulo aversivo incondicionado), seja da
ocasião em que o choque é mais provável (estímulo aversivo condicionado). Para o
autor, o comportamento de esquiva pode ser também denominado - fuga secundária.
Resumindo, contingência de reforço negativo aumenta a probabilidade de
ocorrência do comportamento quando este é seguido pela redução ou pelo término de
estimulação aversiva, sendo que os comportamentos produzidos podem ser de fuga,

4ó leda Maria Bertola Mazzo e Maura Alves Nunes Qortgora


quando controlados por estímulos aversivos incondicionados ou de esquiva (fuga
secundária), quando os estímulos aversivos removidos são condicionados.
1.2 Contingências de punição
De acordo com Skinner (1953/2000), a contingência de punição descreve a
interação do organismo com o ambiente, na qual o comportamento do organismo sobre
o ambiente produz modificações ambientais (estimulação), que reduzem a probabilidade
do comportamento ocorrer em situações similares, podendo suprimir ou diminuir sua
freqüência, temporariamente. O enfraquecimento do comportamento pode se dar de
duas maneiras: pela apresentação de estímulos aversivos (reforçadores negativos) e
pela remoção de um reforçador positivo, como indicado nessa asserção: “A diferença
entre os dois casos será mais clara quando considerarmos a a p re se n ta çã o d e um
reforço negativo ou a rem oção de um positivo que são conseqüências que d e n om inam os
p unição" (Skinner, 1953/2000, p.81, ênfase acrescentada).
Segundo Catânia (1991/1999), quando a freqüência do comportamento é diminuída
pefa apresentação de estímulos aversivos, define-se a contingência de punição como positiva,
no sentido do comportamento ser seguido pelo acréscimo de algo à situação. Quando este
efeito ocorre pela remoção de reforçadores positivos disponíveis, diz-se que a contingência
de punição é negativa, pois ocone a remoção ou a supressão de estímulos da situação.
Na contingência de punição negativa, ocorre a remoção de estímulos que apresentam
função reforçadora. Por exemplo, uma criança guarda em uma caixa alguns brinquedos
preferidos, presentes de datas especiais (aniversário, Natal...). Supõe-se que esses brinquedos
apresentam função reforçadora, uma vez que é bem alta a freqüência do comportamento da
criança de brincar com eles. Um dia, os pais da criança percebem que ela está gritando muito
em situações nas quais o grito é desnecessário. Por exemplo, grita ao pedir para ir à casa de
um amiguinho, grita quando a mãe não o atende imediatamente, grita para pedir água. Diante
disso, os pais estabelecem a.seguinte contingência. Toda vez que a criança gritar para pedir
algo, ela perderá, por uma semana, um brinquedo da caixa, ou seja, o comportamento de
gritar será consequenciado pela retirada de um reforçador positivo (brinquedo preferido).
Observa-se que, após algumas repetições desse procedimento, a criança vai deixando de
gritar. Provavelmente, a retirada de brinquedos preferidos puniu o comportamento da criança
de fazer pedidos gritando. Assim, os pais aplicaram um procedimento fundamentado na
contingência de punição negativa. Neste exemplo, é importante pontuar que os reforçadores
positivos (brinquedos) estavam disponíveis para a criança por diferentes motivos, não
relacionados especificamente com a resposta de fazer pedidos de maneira adequada. A
relação entre essa resposta e o acesso aos brinquedos da caixa foi estabelecida pelos pais.
Dessa maneira, a resposta de gritar (inadequada) passou a ser controlada pela retirada
desses reforçadores até então disponíveis para a criança.
Na contingência de punição positiva, ao invés da remoção de estímulos, é a
apresentação de estímulos que pode resultar no enfraquecimento do comportamento.
Exemplificando: o comportamento do rato de pressionar a barra é seguido por choque
e, com isso, observa-se que a freqüência do comportamento de pressão à barra diminui.
P rovavelm ente, o choque fun cion e com o um e stím u lo aversivo, pois após sua
apresentação ocorreu redução da freqüência do comportamento de pressão à barra.
Resumindo: do exposto, verifica-se que o conceito de controle aversivo envolve
dois tipos de contingências que afetam de maneira distinta a probabilidade de ocorrência
do comportamento:
A. Contingência de reforço negativo na qual ocorre aumento na probabilidade do
comportamento ocorrer pela remoção de estímulos aversivos. Essa contingência pode

Sobre Comportamento e Cognição


p ro d u zir dois tipos de com p ortam e ntos re fo rça d o s nega tivam en te. Quando o
comportamento for seguido pela remoção de estímuJos aversivos incondicionados,
denomina-se comportamento de fuga. Quando o comportamento for seguido pela remoção
de estímulos aversivos condicionados, denomina-se comportamento de esquiva.
B. Contingência de punição na qual ocorre diminuição na probabilidade de ocorrência do
comportamento de duas formas: pela apresentação de estímulos aversivos (punição positiva)
e, também, pela remoção de reforçadores positivos disponíveis (punição negativa).
Contudo, as definições operacionais das contingências apresentadas são
insuficientes para se compreender a amplitude dos efeitos comportamentais do controle
aversivo, pois eías perm item apenas a análise dos efeitos produzidos sobre a
probabilidade de ocorrência do comportamento - efeitos diretos. A fim de ampliar a
análise do controle aversivo, nas próxim as seções, serão apresentados alguns
subprodutos das contingências de punição e de reforço negativo que, apesar de não
serem descritos nas definições operacionais, são de suma im portância para se
compreender os efeitos deste tipo de controle do comportamento.

2. Subprodutos das Contingências de Punição e de Reforço Negativo


As reações emocionais e o processo de condicionamento de estímulos neutros
consistem nos efeitos comportamentais indiretos ou subprodutos da estimulação aversiva
mais debatidos entre analistas do comportamento. Apesar de serem denominados
“indiretos”, ‘'subprodutos" ou “colaterais" (Sidman, 1989/1995; Skinner, 1953/2000), eles
assumem um papel central na análise do controle aversivo, principalmente por sustentarem
argumentos para a interdição ou para a recomendabilidade de procedimentos de
intervenção comportamental, fundamentados nesse tipo de controle (Hineline, 1984;
Martinez, 2005; Michael, 1975; Perone, 2003; Todorov, 2001).
Em geral, subprodutos do controle aversivo são entendidos como indesejáveis por
autores como Catânia (1991/1999), Sidman (1989/1995) e Skinner (1953/2000) entre tantos
outros. Entendê-los como indesejáveis tomou-se tão comum que freqüentemente o termo
"subproduto" parece ser usado como sinônimo de “indesejável". Entretanto, antes de
descrever tais subprodutos é preciso fazer alguns esclarecimentos. Primeiro, que reações
emocionais e condicionamento de estímulos neutros não são efeitos exclusivos do controle
aversivo, eles também ocorrem no controle positivo do comportamento. Em segundo lugar,
que os subprodutos são efeitos considerados indiretos por serem concomitantes ou
posteriores ao efeito sobre o comportamento (aumento ou redução da freqüência de
ocorrência - efeitos que determinam o tipo de contingência). Mas, isso não lhes retira a
importância enquanto parte dos processos comportamentais envolvidos no controle aversivo.
Finalmente, que os subprodutos ou efeitos indiretos do comportamento podem ser
considerados tanto indesejáveis quanto desejáveis, conforme procura-se demonstrar mais
adiante. Por isso, nesta seção, pretende-se descrever dois processos comportamentais,
entendidos como subprodutos das contingências aversivas, contudo, sem qualificá-los.

2. 1 Reações emocionais
De acordo com Skinner (1953/2000), na contingência de punição, quando um organismo
apresenta uma resposta seguida por estimulação (conseqüência), cujo efeito suprima ou
reduza temporariamente a probabilidade de ocorrência do comportamento, ele normalmente,
também, pode reagir à estimulação de maneira respondente, ou seja, pode apresentar reações
emocionais que interferem na ocorrência do comportamento, cessando-o.

48 leda Maria Bertota Mazio c Maura Alves Nunes C/ortgora


Millenson (1967/1975) afirma que a estimulação aversiva é uma condição capaz
de evocar reações em ocionais concom itantes ao efeito sobre a proba bilida de do
com portárriento ocorrer. D e ssa form a, co m p o rta m e n to s p u n id o s tè n d e m a se r
acompanhados por reações emocionais incompatíveis com o comportamento em curso
e, por isso, o comportamento cessa temporariamente, como ilustrado por Skinner (1953/
2000): “Quando fazemos uma criança parar de rir na igreja beliscando-a severam ente,
o be/iscão e lida respondentes que são incompatíveis com o riso e poderosos o suficiente
para suprimi-lo” (pp. 202-203, ênfase acrescentada).
Na contingência de punição negativa, apesar de não o co rre r e s tim u la ç ã o
aversiva, Skinner (1953/200.0) elucida que a remoção de reforçadores positivos produz
um efeito equiva/ente ao efeito da apresentação de estímulos aversivos (punição positiva)
e, dessa maneira, a remoção de reforçadores positivos também pode ser a co m p a n h a d a
por reações emocionais incompatíveis com o comportamento punido.
Millenson (1967/1975) afirma que nas contingências de punição, possivelmente,
ocorra uma sobreposição de efeitos produzidos por processo operante e por p rocesso
respondente. A redução na freqüência do comportamento refere-se ao efeito operante e
o aumento das reações em ocionais é o efeito respondente (elicia çào de r e a ç õ e s
emocionais). Assim, a estimulação, que segue o comportamento nas c o n tin g ê n cia s d«
punição, pode funcionar como conseqüência operante ao afetar a probabilidade do
comportamento e como estímulo eliciador, pelo fato de evocar respostas e m o cio n a is
incompatíveis com a ocorrência do comportamento.
A sobreposição dos efeitos operantes e resp on den tes tam bé m po de s e r
analisada nas contingências de reforço negativo. A remoção de estim ulação aversiva
condicionada ou in condiciona da (comportamento de esquiva e de fuga, respectivam ente)
também pode se r acom panhada pelo aum ento das reações em ocionais, antes da
remoção dos estím ulos aversivos. Quando isto ocorre, a intensidade das re a ç õ e s
emocionais tende a diminuir após a remoção desses estímulos (Millenson, 1967/1975)
Em uma situação experimental, por exemplo, o período que antecede a resposta de
pressão à barra pode ser acompanhado por fortes reações emocionais (o animal pode se
morder, defecar, etc); após a ocorrência da resposta de pressão ã barra, o choque é encerrado
e as reações emocionais tendem a diminuir. No comportamento de fuga, as fortes reações
em ocionais são evocadas inicialm ente pelo con tato com a e stim u la çã o ave rsiva
incondidonada e, no comportamento de esquiva, elas são elidadas pela estimulação aversivf»
condicionada. Ou seja, os estímulos discriminativos para a possibilidade de ocorrer punição
também podem evocar fortes reações emocionais (Millenson, 1967/1975).
De acordo com Millenson (1967/1975) e com Skinner (1953/2000), o término ou a
suspensão da estimulação aversiva diminui a intensidade das reações emocionais, mas
esse efeito, normalmente, provoca interpretações equivocadas acerca do processo de
reforçamento. Essa diminuição, na maioria das vezes, é descrita como “sensação de alívio ,
a qual erroneamente pode ter sua função inferida como sendo de reforçador positivo, c o m o
apontado anteriormente. Segundo os autores, a “sensação de alívio” acompanha a mudança
ocorrida na situação ambiental (presença e retirada de estímulos), mas não determina,
diretamente, o aumento na probabilidade do comportamento voltar a ocorrer, em situações
similares. Pois, esta “sensação de alívio” também é produto da mudança ocorrida ha
situação ambiental, não consistindo em uma condição mantenedora do comportamento
que termina o choque. Portanto, o comportamento é reforçado negativamente pela remoção
de estimulação aversiva condicionada ou incondidonada e, concomitante, ao eferto sobre a
probabilidade de ocorrência do comportamento, pode haver redução nas fortes re a ç õ e s
emodonais eliciadas antes da remoção da estimulação aversiva.

Sobre Comportamento c Cognição


Da anáfise das reações emocionais das contingências de punição e de reforço
negativo, destaca-se principalm ente a sobreposição de efeitos com portam entais
determinados por dois processos: operante e respondente, os quais também são
observados no próximo subproduto ou efeito indireto dessas contingências.

2.2 Condicionamento de estímulos neutros à estimulação aversiva.


Segundo Baum (1994/1999), estímulos neutros referem-se aos estímulos que
não exercem controle sobre o comportamento, ou seja, não implicam mudanças na
probabilidade do comportamento ocorrer. No entanto, se estímulos neutros forem
emparelhados a estímulos que funcionalmente controlam o comportamento, então eles,
possivelmente, deixam de ser neutros e passam a exercer controle comportamental. Quando
esse processo ocorre, os estímulos são definidos como estímulos condicionados. Assim,
estímulos neutros se emparelhados à estimulação aversiva podem passar a funcionar
como estímulos aversívos condicionados, aumentando a freqüência do comportamento
quando removidos (no reforço negativo) e reduzindo-a, se apresentados (na punição).
Sidman (1989/1995) enfatiza que o condicionamento de estímulos neutros à
e stim u la çã o ave rsiva am plia de m an eira s ig n ific a tiv a o c o n tro le ave rsivo do
comportamento. Na situação em que ocorre a punição, estímulos neutros podem ser
facilmente condicionados à estimulação aversiva. Assim, a função de enfraquecer um
comportamento pode passar a ser exercida por estímulos aversivos condicionados, os
quais anteriormente não afetavam a probabilidade de ocorrência desse comportamento
e que após o condicionamento, além de cessar ou reduziras chances do comportamento
voltar a ocorrer, também passam a gerar reações emocionais.
Esse mesmo processo também pode ser observado na situação em que o
comportamento foi punido pela remoção de reforçadores positivos (punição negativa).
Skinner (1953/2000) esclarece que qualquer estímulo que preceda sistematicamente a
retirada de um reforçador positivo pode funcionar como um reforçador negativo
condicionado (estím ulo aversivo condicionado). Então, estím ulos neutros, quando
condicionados à remoção de reforçadores positivos disponíveis, passam a funcionar
como estímulos aversivos condicionados, uma vez que a apresentação desses estímulos
pode reduzir a freqüência do comportamento e, provavelmente, também eliciar reações
emocionais. Dessa forma, para as duas contingências de punição, após o processo de
condicionamento de estímulos neutros na situação em que tiver ocorrido punição (positiva
ou negativa), a probabilidade do com portam ento passa a d im inu ir apenas pela
apresentação de estímulos aversivos condicionados. Ou seja, o comportamento passa
a ser enfraquecido quando for seguido pela apresentação de estím ulos aversivos
condicionados e, ainda, toma-se menos provável na presença desses estímulos.
Além dos estímulos presentes na situação que ocorre punição (negativa ou
positiva), S kin ne r (1953/2000) salienta que estím ulos, produzidos pelo próprio
comportamento punido, podem ser condicionados aos efeitos das contingências de
. punição (reduzir a probabilidade e eliciar reações emocionais). As respostas emocionais
do organism o podem produzir estím ulos que possivelm ente estejam sujeitos ao
condicionamento por pareamento com a estimulação aversiva incondicionada. Caso
isto ocorra, a estimulação corporal pode passar a funcionar como estímulos aversivos
condicionados. O autor ilustra esse processo com os seguintes exemplos:
\Zimos um caso paralelo com adultos, no uso de drogas que induzem náusea ou
outras condições aversivas como conseqüência da ingestão de bebidas alcoólicas.
Como resultado, mais tarde o beber gera estímulos condicionados aversivos, os
quais evocam respostas incompatíveis com o beber mais. Como efeito da severa

50 leda Maria Bertola Ma 2 zo e Maura Aives Nunes Çongora


punição do comportamento sexual, os primeiros estágios desse comportamento
geram estímulos condicionados que dão origem às respostas emocionais que
interferem na consumação do comportamento (Skinner, 1953/2000. p. 204).
Com isso, além do condicionamento de estímulos neutros, presentes na situação
em que ocorre a punição, o próprio comportamento punido (nos exemplos, o beber e o
comportamento sexual) pode tomar-se fonte de estimulação aversiva condicionada.
Ao analisar o comportamento de esquiva, Sidman (1989/1995) e Skinner (1953/
2000) demonstram que qualquer estímulo neutro presente na situação em que ocorre
estimulação aversiva pode passar a funcionar como um estímulo discriminativo para a
possibilidade de punição. Nesse sentido, com portam entos que removam estím ulos
discriminativos (estímulos aversivos condicionados) podem ser fortalecidos Além disso,
a remoção de estím ulos aversivos condicionados tam bém pode ser acom panhada
pela elevação na intensidade das rea çõe s em o cio nais, antes da o co rrê n cia do
comportamento de esquiva e pela redução dessas reações, após sua ocorrência.
Sidman (1989/1995) e Skinner (1953/2000) frisam que quanto maior o número
de estímulos condicionados à estimulação das contingências aversivas, possivelmente,
maior também pode ser o período em que o indivíduo, cotidianamente, pode perm anecer
em itindo com portam entos de esquiva. Assim , o processo de condicionam ento de
estímulos neutros à estimulação aversiva possibilita que um número cada vez maior de
estím ulos passe a controlar o com portam ento de m aneira aversiva, p u nindo -o ou
reforçando-o negativamente, ou seja, o indivíduo pode tornar-se sensível a estímuíos
que antes não afetavam a ocorrência de seus comportamentos.
Cabe ressaltar que nos casos em que o emparelhamento de estímulos neutros
com a estimulação aversiva não se repita sistem aticam ente, seja provável que se
estabeleça um processo de extinção. Ou seja, estímulos aversivos condicionados se
não pareados, eventualmente, com a estimulação aversiva incondicionada podem deixar
de controlar o com portam ento aversivam ente. O processo de extinção favo re ce a
dessensibilização do organismo aos estímulos aversivos condicionados, neste caso, o
organismo gradualmente deixa de responder à estimulação aversiva.
As reações emocionais e o processo de condicionamento de estímulos neutros
são os subprodutos das contingências de punição e de reforço negativo mais analisados
nos estudos sobre o controle aversivo, principalmente, em relação aos problemas que
podem interferir na aprendizagem com porta mental. Contudo, não se pode considerar
que tais subprodutos sejam naturalmente prejudiciais ao indivíduo que se comporta.
Pelo contrário, supõe-se que o processo de reforço negativo evoluiu justamente por favorecer
a sobrevivência do organismo. Através desse processo o organismo tanto pode fugir
quanto aprender a se esquivar de estímulos aversivos perigosos (Skinner, 1981; 1984).
Por outro lado, quando esses subprodutos apresentam -se in d e se já ve is à
aprendizagem comporta mental, normalmente, verifica-se que isto ocorre na presença de
variáveis particulares das contingências de punição e de reforço negativo. Descrevem-se
a seguir algumas condições que favorecem a ocorrência de subprodutos indesejáveis,
especialmente, os que interferem na aprendizagem de comportamento eficaz.

3. Subprodutos Indesejáveis das Contingências de Punição e de


Reforço Negativo
Os subprodutos indesejáveis de maior debate na área do controle aversivo e que
orientam a interdição de procedimentos fundamentados neste tipo de controle, referem-

Sobre Comportamento e Cognição


se principalmente a reações emocionais perturbadoras, aos padrões de fuga-esquiva e
a dificuldades do indivíduo em apresentar comportamentos alternativos (reforçados
positivamente). Para analisá-los, faz-se necessário considerar algumas variáveis das
contingências de punição e de reforço negativo que podem favorecer a sua ocorrência.
Normalmente observa-se que, nas descrições dos efeitos comportamentais
indesejáveis, variáveis particulares da estimulação aversiva são enfatizadas pelos
autores, destacando-se a intensidade da estimulação aversiva, a duração e a freqüência
de contato do indivíduo com tal estimulação, além de salientarem também a forma
como ocorre a apresentação da estimulação aversiva (Banaco, 2004; Carvalho Neto,
Rico, Tobias, Gouveia e Angeraní, 2005; Hünziker, 1997; Sídman, 1989/1995; Skinner,
1953/2000; Todorov, 2001).
Sidm an (1 9 8 9 /1 9 9 5 ) e S kin ne r (1 9 5 3 /2 0 0 0 ) de screve m sub pro duto s
indesejáveis do controle aversivo, indicando que a forte intensidade da estimulação
aversiva e a elevada freqüência de contado do indivíduo com tal estimulação sào
condições que favorecem a ocorrência desses subprodutos. De maneira geral, em
suas análises, apesar de não haver distinção quanto aos efeitos de cada uma dessas
condições, pode-se observar um destaque maior à intensidade da estimulação aversiva,
porém sem exclusão da freqüência de contato do indivíduo com essa estimulação.
Ambas as condições são referidas de maneira conjunta e indicadas por Skinner (1953/
2000) como estimulação aversiva severa ou punição severa.
Quando o comportamento foi severam ente punido, seja por uma agência
controladora seja pelo ambiente físico, o indivíduo pode vir a dar respostas
discriminativas deficientes ou inexatas (Skinner, p. 398, ênfase acrescentada).
Fortes predisposições emocionais são também vividas pelos primeiros passos
de um comportamento severamente punido. Elas são o principal ingrediente daquilo
que chamamos de culpa, vergonha ou sentimento de pecado (Skinner, p. 204,
ênfase acrescentada).
A indicação de Sidman (1989/1995) sobre a intensidade da estimulação aversiva
pode ser observada nesta asserção:
Suponhamos, por exemplo, que nosso sujeito recebesse choques mais fortes.
Com punição mais e mais forte descobriríamos que o animal pára de pressionar a
barra por períodos cada vez mais longos. A intensidade do choque demonstra ter
um efeito poderoso, (p. 88, ênfase acrescentada),
Banaco (2004); Carvalho Neto et al. (2005) e Hünziker (1997) complementam
as análises sobre a intensidade e a freqüência da estimulação aversiva ao destacarem
que a maneira como a apresentação dessa estimulação ocorre, também é de suma
importância para a análise dos subprodutos indesejáveis. Segundo esses autores,
quando a apresentação da estimulação aversiva (de elevada intensidade) ocorre de
maneira incontrolável pelo indivíduo, possivelmente, nestas circunstâncias, maiores
são as chances do indivíduo deixar de responder ao meio ambiente, podendo apresentar-
se paralisado (passivo) por um período prolongado de tempo. A incontrolabilidade da
estimulação aversiva é analisada da seguinte forma:
A mera apresentação de um evento aversivo parece não ser condição suficiente
para induzir a ocorrência das respostas emocionais. A natureza, a intensidade e,
no presente estudo, a forma como esse evento é apresentado parecem ser relevantes.
Os dados sustentariam que a aversividade, entendida como a freqüência de
respostas emocionais geradas por um esfirmWo avers/Vo, seria maior em uma
condição incontrolável (não contingente) do que na situação controlável
(contingente). (Carvalho Neto et al, 2005, p.406, ênfase acrescentada).

52 leda Maria Bertola Mazzo e Maura Alves Nunes Çongora


A incorrtrolabilidade refere-se à ineficácia de qualquer resposta do organismo
em prevenfr ou terminar com a ocorrência da punição e está relacionada diretamente
com uma .história in dividu al de aprendizagem d e sfa vo rá ve l à a p re s e n ta ç ã o de
comportamentos alternativos e a condições ambientais atuais que não favoreçam a
apresentação desses comportamentos.
Verifica-se que a estimulação aversiva severa é compreendida, ao menos, a
partir de três.condições: 1) elevada intensidade da estimulação; 2) alta freqüência de
contado do indivíduo com a estim ulação e 3) incontrolabilidade das situações nas
quais ocorre o contato do indivíduo com a estimulação aversiva. Neste ensaio, a definição
de Skinner (1953/2000) sobre estimulação aversiva severa foi complementada, ao se
acrescentar à análise a estimulação aversiva incontrolável pelo indivíduo.
G e ra lm e n te , re a çõ e s e m o c io n a is são c o n s id e ra d a s p e rtu rb a d o ra s e
indesejáveis por envolverem um alto custo de resposta para o organismo. Lipp (2006),
nos estudos sobre o estresse crônico, afirma que um organismo mobilizado por reações
emocionais perturbadoras apresenta um custo de resposta significativam ente m aior
ao reagir às adversidades que vivência, quando comparado ao de um outro organismo
que responde de maneira semelhante ao meio ambiente, porém sem a presença de
reações emocionais perturbadoras.
Banaco (2004) também afirma que, além do elevado custo de resposta, reações
emocionais são perturbadoras e indesejáveis por interferirem na ap rese ntaçã o de
comportamentos apropriados, ou seja, reações emocionais intensas podem desarticular
comportamentos em curso, os quais ocorreriam normalmente sem a interferência de efeitos
respondentes. Para Skinner (1953/2000), reações emocionais perturbadoras podem interferir
tanto na apresentação de comportamentos reforçados pela remoção da estimulação aversiva
(comportamentos negativamente reforçados), bem como na emissão de comportamentos
que não estejam relacionados com a estimulação aversiva (comportamentos positivamente
reforçados). Para o autor, isto dificulta a aprendizagem de novos com portam entos,
aumentando a possibilidade de serem observados déficits comportamentais, uma vez que
se restringe a variedade de comportamentos passíveis de serem apresentados.
Sobre os com portam entos negativam ente reforçados, S kinner (1953/2000)
afirma que qualquer comportamento, que reduza ou termine com a estim ulação aversiva
pode ser imediatamente fortalecido. Mas, salienta que a rem oção da estim ulação
aversiva severa, pela apresentação de com portamentos de fuga ou de esquiva, não
impede que reações em ocionais perturbadoras sejam produzidas. “M esm o que a
estim ulação assim gerada seja be m -suce did a na p re ve n çã o de um a o co rrê n cia
completa da punição, também são evocados reflexos característicos de medo, ansiedade
e outras emoções” (Skinner, 1953/2000, p. 208, ênfase acrescentada).
Além disso, para Skinner (1953/2000), nem sempre a remoção de estimulação
aversiva é um indício de com portamentos apropriados para o indivíduo ou para seu
grupo, uma vez que muitos comportamentos reforçados negativamente podem não ser
úteis nas situações em que não ocorra estimulação aversiva severa'. Assim, um dado
comportamento (mesmo que inadequado para outras ocasiões) pode ser fortalecido
se remover ou reduzir uma fonte particular de estimulação aversiva. Segundo Skinner
(1972/1975),, nem sempre o comportamento que elimina a estimulação aversiva favorece
outras áreas de interação do indivíduo, podendo prejudicá-lo em outros momentos ou
mesmo prejudicar o grupo do qual o indivíduo faça parte.
Então, o efeito mais importante da punição é o estabelecimento de condições aversivas
que são evitadas por qualquer comportamento de “fazer alguma outra coisa". É

Sobfe Comportamento e Cognição 53


importante por razões tanto práticas quanto teóricas - especificar esse comportamento.
Não é suficiente dizer que o que é reforçado é simplesmente o oposto. Algumas
vezes é meramente “não fazer nada" sob a forma de permanecer ativamente imóvel.
Outras vezes é um comportamento apropriado a outras variáveis concomitantes que
não são, entretanto, suficientes para explicar o nível de probabilidade de
comportamentos sem supor que o indivíduo também está agindo 'para estar seguro
de evitar complicações’ (Skinner, 1953/2000, p. 206. ênfase acrescentada).
Segundo Michael ( "í975), comportamentos negativamente reforçados podem
indfcar que o indivíduo simplesmente remove a estimulação aversiva severa por não
fazer nada, Isto é, por permanecer ativamente imóvel. Sidman (1989/1995) considera
que o “não fazer nada” indica que o controle aversivo não favorece a aprendizagem de
comportamentos produtivos ou úteis para o indivíduo: em ocasiões posteriores nas
quais não ocorra estimulação aversiva. Assim, comportamentos de fuga e de esquiva,
em muitos casos, não são avaliados como comportamentos produtivos. Michael (1975)
denomina estes comportamentos de esquiva passiva, uma ve^ que a estimulação
aversiva é removida pefo fato do indivíduo permanecer “ativamente imóvel”, referindo-se
ao estado de apatia que o indivíduo pode apresentar diante dessa estimulação.
Para Skinner (1953/2000), esse tipo de comportamento apresenta maiores
possibilidades de ocorrer quando estímulos aversivos condicionados são produzidos
pelo próprio comportamento punido, por estarem reiacionados a efeitos respondentes,
produzidos pela estimulação aversiva severa. Esse autor elucida que, nas condições em
que os estímulos aversivos condicionados são produzidos pelo próprio comportamento
punido, dificilmente a estimulação aversiva é eliminada por outro comportamento, a não
ser com o parar de se comportar, ou seja, a solução resume-se em não apresentar o
comportamento que produz respostas emocionais que geram a estimulação aversiva
condicionada. Nesta situação, “não fazer nada” apresenta-se como o comportamento
mais apropriado para a eliminação da fonte de estimulação aversiva severa.
No entanto, subprodutos do controle aversivo ainda podem ser indesejáveis,
mesmo nas condições em que as respostas, que removem a estimulação aversiva,
sejam diferentes daquelas que caracterizam a esquiva passiva. Segundo Sidman (1989/
1995), quando a remoção da fonte de estimulação aversiva é bem-sucedida, o controle
do com portam ento, estabelecido por estim ulação aversiva severa, gera padrões
comportamentais de fuga-esquiva estáveis, difíceis de serem alterados enquanto houver
qualquer sinalização daquela estimulação.
Para Sidman (1989/1995), padrões de fuga-esquiva são difíceis de serem alterados,
pelo fato de o condicionamento de estímulos neutros a estimulação aversiva ampliar a
possibilidade do indivíduo entrar em contato com tal estimulação, dificultando ao indivíduo
se comportar em função de outras variáveis ambientais, por exemplo, reforçadores positivos.
Para este autor, comportamentos de fuga-esquiva generalizados limitam as possibilidades
de o indivíduo aprender diferentes formas de interação, além daquelas estabelecidas pelo
controle aversivo. Isso tende a ocorrer, principalmente, quando o próprio comportamento
punido ou reforçado negativamente passa a gerar estimulação aversiva. Com isso, uma vez
estabelecido, nessas circunstâncias, o controle aversivo é difícil de ser enfraquecido.
Do exposto, pode-se verificar que, sob estimulação aversiva severa, qualquer
sinal ambiental que indicar a possibilidade de punição pode controlar o comportamento
do organismo, mantendo-o em um constante “estado de alerta”. Isso quer dizer que a
simples ameaça de punição controlaria o comportamento do organismo aversivamente
e, com isso, o custo das respostas para manter afastada tal possibilidade tenderia a
ser alto, pois reações emocionais perturbadoras ainda seriam produzidas. Em virtude

54 leda Maria Bertola Mazzo e Maura Alves Nunes Qongora


disso, o organismo que se comporta predominantemente em fu n ção da eliminação ou
da evitação de estimuJação aversiva; com o tempo, pode deixar de responder não só a
esse tipo de estimulação, mas também a outras fontes dc e s tim u la ç ã o , como as
estabelecidas por contingências de reforço positivo e de extinção (Sidman, 1989/1995).
Banaco (2004) e Hünziker (1997) salientam que um dos agravantes dos
subprodutos indesejáveis do controle aversivo é a alta probabilidade de se observar um
estado de desamparo apreendido, o qual se caracteriza por um estado generalizado de
abatimento do organismo, em relação à estimulação ambiental. Banaco (2004) afirma
que a continua presença de sinalização de que a punição é possivol e sem qualquer
previsão de quando isto ocorrerá, pode levar o organism o a parar de responder a
diferentes situações, além de torná-lo incapaz de aprender novas respostas.
Nas considerações acima procurou-se demonstrar algumas variáveis pelas quais o
controle aversivo pode produzir efeitos indesejáveis. O processo pode ser assim resumido: a
estimulação aversiva severa produz reações emocionais perturbadoras, que interferem na
ocorrência de comportamentos operantes de fuga e de esquiva, que possivelmente eliminariam
a fonte de estimuJação aversiva severa. As reações emocionais dificultam também a
aprendizagem de comportamentos relacionados com outras fontes de estimulação - não
aversivas. Além disso, o condicionamento de estímulos neutros à estimulação aversiva contribui
para que uma parcela cada vez maior do ambiente controle aversivamente o comportamento,
principalmente por fortalecer padrões de fuga-esquiva. Desse processo, pode ser observada
uma redução gradual do responder do indivíduo ao ambiente podendo produzir um estado
prolongado de paralisação que reduz, significativamente, a possibilidade de o indivíduo entrar
em contato com possíveis reforçadores positivos.
Na perspectiva do modelo operante de análise comportamental, é preciso não
se esquecer que, as variáveis descritas da estimulação aversiva severa tendem a produzir
prejuízos à aprendizagem comportamental, quando o indivíduo apresenta uma história
desfavorável à apresentação de comportamentos concorrentes ou quando há condições
ambientais atuais, que não favoreçam a'apresentação desses com portam entos. Em
outros termos, a severidade da estimulação aversiva também é determinada na relação
do indivíduo com asa dve rsida de s que enfrenta, ou seja, alta intensidade, elevada
freqüência e incontrolabilidade de contato com a estimulação aversiva tendem a ser
prejudiciais quando o indívíduo não apresenta repertório comportamental concorrente
ou quando as condições atuais não favorecem a apresentação destes comportamentos.
Nas considerações sobre os subprodutos indesejáveis, verificou-se que as
reações em ocionais e o pro cesso de co n d icio n a m e n to de e stím u lo s n e u tro s à
estimulação aversiva podem participar efetivamente de problemas com portam entais,
por exemplo, desamparo aprendido, padrões de fuga-esquiva fortemente estabelecidos,
reações emocionais perturbadoras, entre outros. Diante desses efeitos, procedimentos
fundam entados nesses dois tipos de contingências são am plam ente critica do s e
evitados por analistas do com portam ento, qu ando em pregados em in te rven ções
comportamentais. No entanto, frente às descrições das variáveis favorecedoras dos
sub pro duto s in d e se já ve is pode -se q u e s tio n a r se em c irc u n s tâ n c ia s de m en or
intensidade, menor freqüência e de apresentação controlável da estimulação aversiva
(distinta da estimulação aversiva severa) subprodutos indesejáveis não ocorreriam .
Além disso, parece pertinente perguntar se em contextos diferentes dos acima descritos,
o controle aversivo poderia pro d u zir sub pro duto s de sejáveis ou e sp e cia lm e n te

sRepertóriocfcazfvxle ser entendítio otxtto a probabilidade, relativamente alta, de comportamentos de i*m indivíduo prodiizlrtento
possibilidades cie reforço para comportamentos do pniprio indivíduo, quanto originar condições que aumentem as chances de sobrevivência
dc práticas culturais relevantes para a solução de problemas sociais (Skinner, 1972/1975; 1971/1577]

Sobre Comportamento e Cognição 55


favorecedores da aprendizagem de comportamentos eficazes, ou melhor, de repertório
eficaz3. O que vem a seguir é uma tentativa de demonstrar tal possibilidade.

4. Aíguns subprodutos desejáveis do controle aversivo


Respostas emocionais e condicionamento de estímulos neutros à estimulação
aversiva também podem favorecer a aprendizagem de comportamentos importantes,
aumentando as chances de um dado indivíduo lidar melhor com as adversidades de seu
ambiente. Nesse sentido, esses efeitos indiretos produzidos por contingências de punição e
de reforço negativo podem ser entendidos como desejáveis. Essa posição tem sido defendida
por importantes autores da área, conforme pontuado em estudo conduzido por Mazzo (2007).
A exp osição a contingências aversivas favorece o estabelecim ento de
comportamentos de enfrentamento, de acordo com a intensidade tolerável da estimulação
aversiva (Lipp, 2006; Hayes, 1987; Malott, 2004; Kohienberg & Tsai, 2001; Lerman &
Vomdran, 2002). A função discriminativa que estímulos aversivos condicionados podem
exercer permite que danos (ao indivíduo e ao seu grupo) sejam amenizados quando
comportamentos de seguir regras são controlados por este tipo de estímulos (Skinner,
1966/1969). Condicionamento de estímulos e reforçamento negativo constituem processos
relevantes na aprendizagem de comportamentos complexos, entre eles a resolução de
problemas e o autocontrole. Além disso, contribuem com a variabilidade comportamentai
(Hünziker, 2006, Malott, 2004; Skinner, 1966/1969, 1953/2000). Sentimentos pertinentes
na aprendizagem de comportamento moral também estão necessariamente relacionados
às respostas emocionais produzidas pelo controle aversivo (Malott, 2004; Abib, 2000). No
entanto, para compreender melhor como os efeitos indiretos do controle aversivo podem
apresentar implicações positivas à aprendizagem de comportamentos eficazes do tipo
acima, é importante esclarecer algumas condições particulares das contingências de
punição e de reforço negativo que possibilitam esses resultados desejáveis.
Um primeiro aspecto a ser pontuado na análise de efeitos desejáveis do controle
aversivo, é que a estimulação aversiva, envolvida nas contingências de punição e de
reforço negativo, aqui consideradas, não atendem aos critérios, já descritos, de estimulação
considerada severa. Para Skinner (1948/1975), o planejamento de contingências de
punição e de reforço negativo deve garantir que a intensidade da estimulação aversiva
não seja excessivamente elevada e que o contato com tal estimulação também não seja
excessivamente freqüente de forma que paralise o responder do organismo. Para o autor,
é necessário que essas propriedades das variáveis que constituem a estimulação aversiva
favoreçam que tal estimulação seja compatível com a capacidade ou repertório do indivíduo
para enfrentá-la. Além disso, considera-se que a apresentação sinalizada da estimulação
aversiva (previsibilidade) e as chances do indivíduo apresentar comportamentos que
combatam tal estimulação (controlabilidade), também contribuam para que a estimulação
aversiva seja compatível com a capacidade do indivíduo de enfrentá-la. Não se pode
esquecer, contudo, que esses parâmetros são gerais, no sentido de serem relativos para
cada indivíduo em função de sua história particular de aprendizagem e de condições
ambientais atuais com as quais interage.
Ê verdade que, em geral, com relação ao comportamento humano, é difícil
mensurar como a estimulação aversiva pode ser considerada compatível. Para tanto,
considera-se que o indivíduo não deve ficar paralisado diante de uma dada adversidade
e sim, que ele deve conseguir de alguma maneira minimizar ou adiar o contato com a
fonte de estimulação aversiva que lhe cause dano. Enfim, que ele deve permanecer
ativo. Assim, o próprio modo como o indivíduo se comporta frente às contingências
aversivas pode indicar a severidade relativa da estimulação envolvida.

5ô leda Maria Bertola Mazzo c Maura Alves Nunes Qongora


Isto posto, pode-se examinar em que medida subprodutos do controle aversivo
estão implicados na modelagem de reperíório eficaz. Para tanto, serão apresentados
alguns comportamentos humanos complexos, considerados parte de repertório eficaz.
Serão descritos, a título de ilustração, os comportamentos de: esquiva ativa,
enfrentamento, resolução de problemas, autocontrole e seguir regras. Apesar das
denominações distintas, elas não implicam, necessariam ente, processos
comportamentais diferentes. Esses comportamentos foram escolhidos porque os
autores que os estudam consideram que são estabelecidos com a participação do
controle aversivo, seja. em seus efeitos diretos ou indiretos.

4.1 Comportamento de esquiva ativa


De acordo com Malott (2004), há dois tipos de comportamentos de esquiva que
podem ser apresentados quando existe estimulação aversiva atuando: esquiva passiva e
esquiva ativa. Na esquiva passiva, a remoção da estimulação aversiva condicionada ocorre
em conseqüência do indivíduo permanecer imobilizado, ou seja, o indivíduo permanece
“ativamente imóvel" e a estimulação aversiva deixa de ocorrer. Normalmente, isso ocorre
quando a estimulação aversiva é severa. Por outro lado, quando o indivíduo comporta-se
ativamente, ele apresenta diferentes respostas que podem remover a estimulação aversiva
condicionada. Neste caso, considera-se que tal estimulação aversiva é compatível com a
capacidade do indivíduo de enfrentá-ía. Pelo fato da estimulação aversiva condicionada ser
compatível, sugere-se que, se ocorrer reações emocionais, elas possivelmente sejam
toleráveis e passageiras. Com isso, o custo de resposta para o organismo não seria elevado.
Comportamento de esquiva ativa implica que o indivíduo se mantenha em suficiente
mobilização, interagindo com diferentes contextos, garantindo uma variedade de respostas.
Skinner (1966/1969) considera que a variedade de respostas, que um dado indivíduo
apresenta diante de uma situação aversiva, favorece diretamente o processo de resolução
de problemas. Parece, então, que a diversidade de respostas apresentadas para remover
estimulação aversiva condicionada (ou não) aumenta as chances do indivíduo ser bem-
sucedido diante de adversidades. Malott (2004) afirma que isso aumenta as possibilidades
de relações comportamentais, positivamente reforçadoras, serem estabelecidas, o que
pode manter o indivíduo ativo em relação ao seu ambiente. Verifica-se, neste caso, uma
continuidade entre processos comportamentais sob o controle aversivo e positivo.
Muitos autores, entre eles Malott (2004), Michael (1975) e Todorov (2001),
sugerem que a diversidade de contato com a estimulação aversiva compatível pode
produzir variabilidade de comportamentos, um processo que pode entrar na explicação
do comportamento criativo. Para Hünziker (2006), comportamentos de esquiva, que
produzem variedade de respostas, levantam questionamentos sobre a participação do
controle aversivo na promoção de comportamento criativo.
Será que contingências aversivas também podem aumentar a probabilidade de
comportamentos variáveis (e criativos)? Nas artes, no esporte, na ciência, na
resolução de problemas, enfim, em iodas as atividades onde variar ou repetir podem
ser comportamentos funcionais, podemos identificar que contingências aversivas
estão presentes. Por exemplo, para um piloto de avião, variar os procedimentos de
comando da aeronave, fora dos limites impostos pelos manuais de vôo, pode ter
conseqüências fatais, contudo, em determinadas circunstâncias de vôo, é possível
que um certo grau de variabilidade seja necessário para que o piloto enfrente
situações inusitadas, evitando acidentes. Esse comportamento discriminativo, de
varíar ou repetir de acordo com as contingências aversivas fazem parte do cotidiano,
controlando maior ou menor variabilidade do comportamento (p. 163).

r Sobre Çomportamçnto e Cognição 57


Importante verificar, neste exemplo, que o piloto precisa tolerar a estimulação
aversiva. “Tolerar” é um termo, aqui utiJizado, para descrever o comportamento de
permanecer em condições aversivas para removê-las ou amenizá-las, ou seja, para
possibilitar a esquiva ativa.

4. 2 Comportamento de enfrentamento
Para Lipp (2006), o comportamento de esquiva é, em princípio, extremamente
adaptativo. Porém, para ele ocorra, se faz necessário algum contato com estimulação aversiva.
Lipp (2006) afirma que comportamentos de esquiva favorecem a aprendizagem de
comportamentos de enfrentamento, imprescindíveis no dia-a-dia das sociedades modernas.
Hayes (1987) e Kohlenberg & Tsai (2001) defendem que a exposição do indivíduo a certas
contingências aversivas é necessária, para que o indivíduo aprenda a tolerar e a enfrentar
situações variadas da vida diária, nas quais a estimulação aversiva é inexorável. Assim, para
esses autores, os efeitos indiretos do controle aversivo não podem, necessariamente, ser
evitados, uma vez que a aprendizagem de comportamentos de enfrentamento depende,
necessariamente, de um mínimo de contato com a estimulação aversiva. Para os autores, a
estimulação aversiva tem como uma de suas funções principais mobilizar o organismo para
a ação, sendo isto extremamente adaptativo para o organismo e imprescindível para se
ensinar comportamentos clinicamente relevantes, como, por exemplo, resolver problemas.

4. 3 Resolução de problemas
Para Skinner (1966/1969; 1953/2000), um indivíduo apresenta um problema
quando está motivado (seja por privação ou pela presença de estimulação aversiva) para
responder de determinada maneira, mas em função das variáveis ambientais com as
quais se defronta, seu responder está impossibilitado. Gongora (2003) afirma que a
resolução de problema pode incluir muitas respostas que deveriam ser emitidas para
produzirem a condição necessária para a emissão da resposta final, a qual solucionaria
o problema. Desse modo, o comportamento de resolver problemas implica a manipulação
do ambiente peto indivíduo de modo a produzir as condições necessárias para a
apresentação da resposta final. Portanto, o contato com a situação problema pode ser
interpretado como um contato com estimulação aversiva e as respostas de manipular o
ambiente podem consistir em respostas de esquiva, pois eliminam a fonte de estimulação
aversiva (situação problema). Essa interpretação do com portam ento de solucionar
problemas, como um processo de esquiva, parece pertinente, uma vez que as respostas
que alteram o ambiente, "removem” os obstáculos que impossibilitam a ocorrência da
resposta final. De acordo com Skinner (1972/1975), comportamentos de esquiva podem
garantir uma variedade de respostas, que tende a favorecer a solução de problemas.
Cabe enfatizar, porém, que este contato não pode paralisar o indivíduo, uma vez
que, se isto ocorresse, o problema não poderia ser solucionado. Neste caso, deve
haver, ao mesmo tempo, tolerância e apresentação de respostas diversas para que
pelo menos uma delas remova a estimulação aversiva, a saber, a situação problema.
Pode-se considerar, ainda, que uma vez removidos os obstáculos, a apresentação da
resposta final, anteriormente inviável, produz reforçadores positivos.

4.4 Comportamento de autocontrole


De a co rd o com S kinner (1 9 5 3 /2 0 0 0 ), co n tin g ê n c ia s de p u nição são
imprescindíveis para o estabelecimento de autocontrole, uma vez que se trata de um

58 leda Marid Bertola Mazzo c Maura Alves Nunes Çongora


comportamento originado por situações de conflito, nas quais necessariam ente há
estimulação aversiva. O autor esclarece que, uma situação é deiiominada conflitante
quando contingências, que produzem efeitos distintos sobre um dado comportamento,
são igualmente fortes no seu controle. Assim, o conflito se refere à situação que apresenta
tanto a possibilidade de ocorrer o fortalecimento, bem como o enfraquecimento de uma
dada resposta. O autocontrole é um comportamento produzido pela competição entre
contingências de reforço (fortalecimento) e de punição (enfraquecimento).
No texto selecionado, S kin ne r (19 53 /2 00 0), por meio da d e s c riç ã o do
comportamento de ingerir bebidas alcoólicas, explica como a situação, que origina o
comportamento de autocontrole, pode ser estabelecida:
Ingerir bebidas alcoólicas, por exemplo, muitas vezes ó seguido por uma condição
de confiança inusitada, na qual se é mais bem-sucedido socialmente e pela qual
se esquecem responsabilidades, ansiedades, p. outros males. Como isso é
positivamente reforçador, aumenta a probabilidade de que o beber aconteça em
ocasiões futuras. Mas há outras conseqüências - a “ressaca" e os efeitos
possivelmente desastrosos do comportamento excessivamente confiante ou
irresponsável, os quais são reforçadores negativos e, quando contingente ao
comportamento, representam uma forma de punição, (p. 252).
Apesar do primeiro efeito, produzido pela ingestão de bebidas alcoólicas, ser
reforçador (desinibição, relaxamento muscular), outras condições ambientais também
produzidas por este comportamento, a longo prazo, podem produzir outras conseqüências
que inibam ou enfraqueçam sua ocorrência, funcionando como punição (dor de cabeça,
esquecimento, afastamento dos amigos, perda de emprego, etc). As conseqüências
negativas e atrasadas do comportamento de beber, se experienciadas, com o tempo têm
seus efeitos aversivos condicionados a estímulos neutros, presentes na situação onde
ocorre punição. Quando isso ocorre, a resposta de beber, ao mosmo tempo em que produz
estimulação reforçadora, passa a produzir também a estimulação aversiva condicionada.
Com essa descrição, Skinner (19-53/2000) afirma que, no autocontrole, as
d ife re n te s co n tin g ê n c ia s que e s ta b e le c e m o c o n flito são d e te rm in a d a s p o r
conseqüências ambientais distintas, produzidas por uma dada resposta. Para esclarecer,
este autor complementa, ressaltando que um indivíduo precisa autocontrolar-se quando
as conseqüências, produzidas por uma dada resposta, provocam conflito, ou seja,
quando esta resposta pode produzir tanto conseqüências positivas quanto negativas.
O autocontrole é estabelecido quando o indivíduo age no seu ambiente, alterando
as variáveis ambientais das quais parte de seu próprio comportamento é função (aquela
parte que produz reforço imediato). Com isso, torna menos provável a ocorrência de
respostas puníveis que geram o conflito. Dessa forma, o autocontrole é um comportamento
reforçado negativamente, uma vez que o comportamento de manipular variáveis ambientais
é fortalecido pela remoção de estímulos discriminativos, que consistem na ocasião que
aumenta a probabilidade de ocorrência da resposta punível. No exem plo acima, o
autocontrole implica a manipulação de variáveis que alterem o ambiente, de tal modo que
a resposta de beber torne-se pouco provável de ocorrer.

4.5 Comportamento de seguir regras


Segundo Ba um (1994/1999), “dizer que um comportamento é controlado por uma
regra é dizer que está sob controle do estímulo regra, e-qüe á regra é um certo tipo de estímulo
discriminativo verbal” (p.155). Se o estímulo que controla o comportamento de seguir regra é
um estimulo verbal, então este comportamento está sujeito aos efeitos ambientais produzidos
pelo comportamento de outros, visto que estímulos verbais são construídos socialmente.

t Sobre Comportamento e Cognição 59


Skinner (1966/1969) ressalta que regras são efetivas no trato com o mundo,
uma vez que sinalizam as possibilidades ou chances do comportamento ser reforçado
ou punido, tanto em relação ao mundo físico quanto ao mundo social. A descrição a
seguir ilustra como regras podem estar relacionadas com a eficácia do comportamento.
A regra deve ter sido descoberta por alguém particularmente sensível a seus
efeitos sobre os outros, mas uma vez estabelecida, deve ter provado ser geralmente
útil. ... Finalmente, ao formulá-las. os homens aprenderam a se comportarem mais
eficientemente uns em relação aos outros - possivelmente sem exposição direta
às contingências. (Skinner, 1966/1969, p. 278, ênfase acrescentada).
Para Skinner (1966/1969), o comportamento de seguir regras deve ter-se tornado
eficiente por restringir as possibilidades de contado do índivíduo com eventos danosos. Isto
quer dizer que, se o comportamento de seguir regras é eficiente por não haver necessidade
do indivíduo se expor às contingências (principalmente punitivas), pode-se entender que
seguir regras implica um eficiente comportamento de esquiva, quando a contingência envolvida
é aversiva. Desse modo, o comportamento de seguir regras pode ser reforçado negativamente.
Além disso, o comportamento de seguir regras pode ser um exemplo particularmente importante
da participação do controle aversivo na aprendizagem de comportamento eficaz, porque
possibilita o seguimento de regras morais relevantes ao convívio sodal.
Diante da apresentação desses comportamentos ilustrativos, pode-se observar
que os subprodutos do controle aversivo podem, efetivamente, contribuir para a
aprendizagem de comportamentos que tendem a aumentar as chances do indivíduo lidar
de maneira adequada com bs adversidades de seu contexto. Portanto, subprodutos do
controle aversivo podem ser considerados desejáveis à aprendizagem comportamental.
Para tanto, conforme afirma Skinner (1948/1975), a estimulação aversiva deve ser
compatível com a capacidade do indivíduo em enfrentá-la. Se a estimulação for apresentada
gradualmente, sem freqüência e intensidade elevadas e, ainda, se o indivíduo puder
apresentar comportamentos de enfrentamento e se a apresentação da estimulação for
sinalizada, os efeitos comportamentais tendem a ser mobilizadores e não paralisantes.
A esta altura, cabe pontuar que nos processos de estabelecim ento de
comportamentos complexos do tipo ilustrado acima, verifica-se uma continuidade entre o
controle aversivo e o positivo. Ou seja, ao final dessas cadeias comportamentais são produzidos
reforçadores positivos poderosos, e com eles, sentimentos positivos, considerados
subprodutos desejáveis das contingências operantes. Esta análise indica que, ao tratar do
comportamento complexo, especialmente no campo da análise comportamental aplicada, a
análise de cadeias comportamentais relativamente amplas permite explicar o comportamento
humano integrando diferentes princípios comportamentais. Se integrados a outros princípios,
o controle aversivo pode ter seus subprodutos analisados de outras maneiras.

5. Considerações finais
Com o objetivo de ampliar a análise sobre o controle aversivo do comportamento,
neste ensaio, procurou-se demonstrar que seu estudo pode “ ir além” das definições
operacionais (do reforço negativo e da punição) e dos seus subprodutos indesejáveis
predominantemente examinados na literatura da área. Com a apresentação das definições
operacionais das contingências aversivas procurou-se demonstrar a necessidade da análise
do controle aversivo não se limitar apenas à compreensão dos seus efeitos diretos, uma
vez que as principais críticas e questionamentos são direcionados aos seus subprodutos.
Os aspectos analisados indicam que os subprodutos do controle aversivo podem
ser, não só indesejáveis, mas, em certas circunstâncias, desejáveis. Estudar tais

60 leda Maria Bertola Mazzo e Maura Alves Nunes Qongora


s u b p ro d u to s de fo rm a n ã o v a lo ra tiv a p e rm ite p rim e iro id e n tific a r o s p ro c e s s o s
responsáveis pela produção de efeitos indiretos do controle aversivo e, só posteriorm ente,
descrever as condições especiais nas quais etes podem ser distintam ente a va lia d o s
com o in d e se já ve is ou desejáveis. E spera-se que a s a n á lise s d e s e n v o lv id a s se ja m
s u fic ie n te s para d e m o n stra r que os s u b p ro d u to s do c o n tro le a v e rs iv o p o d e m se r
d esejáveis para a aprendizagem de com portam entos eficazes e que a o co rrê n cia de
seus prejuízos devam ser analisadas de m aneira contextualizada. Isto p o deria d e sfa ze r
posturas cristalizadas acerca dos efeitos indiretos das contingências aversivas. E spera-
se, ainda, que tal forma de análise possa despertar novos interesses de pesquisa, na
tentativa de produzir avanços no entendim ento da com plexidade envolvida no controle
aversivo do com portam ento humano. ■5 3 S /J J

Referências
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02 leda Maria Bertola Mazzo c Maura Alves Nunes CJongora


— Capítulo 5
Introdução ao Coaching
Comportamental
W ander C. M . Pereira da Silva
UC B

O Coaching {treinamento, em português) é uma prática profissional que vem


crescendo no mundo todo. Só para se ter uma idéia, a International Coach Federation
(www.coachfederation.org), uma das principais organizações internacionais de coach,
possui doze mil afiliados em mais de oitenta países, e cinqüenta e um cha pters
espalhados por quarenta e cinco países.
Mesmo sendo uma prática de mercado e com visibilidade recente podemos
afirmar que o termo coach possui uma longeva referência na literatura cientifica. O
trabalho de Grant (2003) evidencia esse fato. Ele realizou uma pesquisa sobre trabalhos
que faziam referências ao termo coach em duas bases eletrônicas de pesquisas
(Psychlnfo e Dissertation Abstracts International) e encontrou citações que vão desde os
anos 30 (Gorby, 1937) passando pelas primeiras citações do termo no título dos trabalhos
em Mahler (1964) e Frohman & Kotter (1977). Notou ainda uma curva crescente no que
diz respeito ao número de trabalhos sobre o tema em anos recentes.
Nos anos sessenta e setenta do século passado nos Estados Unidos surgiram
os prim eiros programas de aprendizagem para adultos baseados em processos de
treinamento e atenção individualizada, estas práticas foram identificadas como coaching.
Mas a prática do coaching na área organizacional teve seu boom na década de oitenta com
a derivação de princípios de treinamento desportivo ao desenvolvimento de habilidades de
liderança e gestão de equipes nas organizações. Em meados dos anos oitenta à prática
profissional de treinadores, especialmente no basquete americano, chamou a atenção de
profissionais ligados à administração de empresas, por causa da forma com que estes
lidavam com as equipes e com os atletas individualmente (Zeus & Skiffington, 2002).
No,mundo dos esportes o coach (treinador, em português) é aquele profissional
que treina, desenvolve habilidades, orienta e dá ordens táticas e técnicas aos seus jogadores
para que estes alcancem os resultados desejados. Este “modelo" de atuação foi transposto
para o mundo dos negócios e a palavra coach passou a designar aquele profissional capaz
de conduzir as pessoas ao seu melhor desempenho dentro das organizações.
Existem várias modalidades de Coaching e vários tipos de Coach. E, em anos
mais recentes, a prática vem sendo aplicada ao mais diversificados âmbitos da vida das
pessoas, sob orientação das mais diferentes abordagens teóricas. O próprio levantamento
de Grant (2003, pág. 05) identifica o uso em grande escala da prática de coaching para os
mais diversos problemas: para o treinamento de indivíduos que se fingem doentes em

1 Sobre Comportamento e Cognição


testes psicológicos (Suhr & Gunstad, 2000), para treinamento em ajustes educacionais
(Scarnati, Kent, & M acK enzie, 1993), no trein a m e n to cognitivo p ara dificuldades de
aprendizagem e nas inabilidades (Dalton, Marrocos, Tivnan, & Mead, 1997), para resolver
dificuldades de relacionamento (Jacobson, 1977), para lidar com a infertilidade de casais
(Scharf & Weinshel, 2000), na ejaculação precoce (Maurer, Solamon, & Troxtel, 1998),
orientação de carreira (Scandura, 1992), para ajudar indivíduos a conseguire reter emprego
(Davis, Bates. & Cuvo, 1983), melhorar o desempenho em entrevistas (Maurer et ai.,
1998), treinamento de executivos (Tobias, 1996) no desempenho de vendas (Rico, 1998).
Dessa forma, a prática do coaching tem sido reconhecida por ser altamente focada
e direcionada para a identificação e resolução das dificuldades do indivíduo, a fim de melhorar
seus desempenhos diante das situações pessoais e profissionais. Quando conduzida de
forma adequada pode produzir mudanças comportamentais positivas e duradouras.

O que é o Coaching?
O coaching é um tipo de prática profissional que envolve diferentes abordagens
teóricas, conceitos, estruturas, processos, ferramentas de trabalho e instrumentos de
medição de resultados. Recentemente, o termo também tem sido usado para designar
um estilo de liderança nas organizações.
Existem muitas definições de co a ch in g na literatura, por exemplo, a descrita
por Killburg (2002) onde afirma que o coaching é um relacionamento de auxílio formado
entre um cliente, com autoridade e responsabilidades gerenciais dentro de uma
organização, e um consultor. A encontrada em publicação da HBSP (2004) onde o coaching
é visto como um processo interativo utilizado por gerentes e supervisores com o objetivo
de solucionar problemas de desempenho ou desenvolver competências profissionais
(HBSP, 2004), e a de Ting e Scisco (2006) que afirmam que o coaching diz respeito à
facilitação da aprendizagem, da mudança e do crescimento.
Definido de um modo genérico o coaching é um processo de aprendizagem e
crescimento, individual ou grupai, onde o coach, de forma confidencial e ética, oferece
ao(s) cliente(s)1 uma oportunidade única de descobrir(em) suas limitações e maneiras
de superá-las. O coach é o condutor de todo esse processo, mas o cliente é o alvo e a
razão das suas intervenções.
Existem também muito modelos e formas de coaching , dentre os mais conhecidos
estão o modelo GROW, o transformacional, o de auto-desempenho, o do jogo interior; o
modelo Achieve; GCP (o Processo de Coaching Goldsmith), o ontológico, o executivo, o
coaching baseado em evidências, o construtivista e o coaching comportamental (Krauz,
2007; Serey, 2004; Minerva, 2004; Grant, 2003 e Zeus & Skiffington, 2002).
O que há de comum entre todos esses modelos é que no processo de coaching
se busca compreender os estágios atuais do indivíduo ou da equipe, dos estágios que
deseja alcançar, trançando-se ob je tivos pontuais a serem atingidos através de
estratégias e possibilidades definidas conjuntamente com o(s) cliente(s).

Quem é o Coach?
O termo coach cfesigna o profissional que, oriundo das mais diferentes áreas de
conhecimento, como a psicologia, a educação, a administração, a economia, a medicina, e
até mesmo áreas de engenharia e tecnológicas, busca formação teórico-conceitual-Zeus, P;

1Também tem sido utilizado o termo c o a d tm e coochado para designar aquele que recebe o treinamento.

64 Wander C. M , Pereira da Silva


metodológica e ética para dar conta das demandas desenvolvimento e crescimento de
gestores, líderes, executivos, empresários e organizações dos mais diversos ramos de negócio.
Corrió não existe m odelo hegem ônico òs a p o rte s e p is te m o ló g ic o s , os
fram ew orks teóricos e conceituais, bem como as opções ontológicas e metodológicas
que orientam o trabalho do coach não seguem nenhuma orientação consagrada na
área. A variabilidade é a palavra chave que melhor expressa o estado da arte e da prática
no processo de coaching. Existe uma profusão de teorias, conceitos e práticas que vão
desde o senso comum até o ecletismo.
Neste ponto, nos parece conveniente trazer a distinção feita por Grant (2003) entre
“o profissional de coaching’' e “a profissão de coaching'. Segundo ele, não se pode falar na
profissão de coaching, pois esta não existe. Só se pode falar no coaching profissional. Grant
(2003) aponta algumas razões para a conclusão de que coaching não é uma profissão:
primeiro, não existe um corpo de conhecimentos maduros e sistematizados para se pleitear
a formação do coach em nível universitário. Segundo, não existe um marco regulatório
capaz de certificar, disciplinar e punir membros, um código de ética forte, ou alguma forma
legal de licenciamento e regulação da atividade profissional. Para ele, a afirmação de que
existe uma profissão de coaching mascara a verdadeira realidade da situação e desacredita
o coaching diante daqueles que conhecem o estado real da prática.
P or ou tro lado, apesar de tom ar essa po siçã o o a u to r não d e s c a rta a
possibilidade de um dia o coahcing se tornar uma profissão. Só que para isso, reconhece
ele, há um longo caminho e seria de extrema importância unir o co a ch in g às bases de
conhecimento mais amplas das ciências comportamentais, dos negócios e da econom ia
e da educação de adultos, dentre outras. Além disso, recomenda uma preocupação
maior em conduzir pesquisas cientificas que pudessem dar credibilidade para a área.
O coaching profissional por sua vez existe e é realizado, como foi fito acima, por
profissionais advindos de diversas áreas.

O processo de coaching
Enquanto processo, o coaching tem começo m eio e fim. Tudo começa com o
"convite” do cliente, equipe ou da empresa e o aceite do coach. A partir daí se estabelece
um v in c u lo profissional, onde o coach presta o serviço de “treinam ento” ao(s) seu(s)
cliente(s). O desenvolvimento do trabalho se dá por meio de encontros ou sessões, que
são previamente acertadas entre as partes. As sessões podem ser individuais ou em
grupo (dependendo da demanda) e são realizadas em local apropriado. Pode ser na
em presa, e s c ritó rio ou sala e sp e cia l para este fim , o im p o rta n te é g a ra n tir a
confidencialidade, segurança e ética durante o encontro. Dependendo das condições
de contato entre as partes também se lança mão de modalidades de coaching por meio
virtual, vídeo ou web conference, Internet (e-mail, Chat, programa de conversas tipo
M essenger, goo gle talk, S kyp e , ICQ, etc.) e por telefone.
O número de encontros, e a duração dos mesmos, pode variar para cada
objetivo estabelecido. Aconselhamos algo em tom o de uma a duas horas de encontro,
para indivíduos quanto e de três a quatro horas para grupos e equipes. Normalmente,
os encontros são sem anais, mas tam bém podem ser q u in zena is ou m en sais. O
importante é estabelecer regras bem claras e aceitas pelas partes.
Apesar da diversidade de modelos é técnicas, o processo tradicional de co a ch in g
segue mais ou menos um formato padrão (ver quadro 01). O ciclo de cada sessão
cumpre etapas que se repetem no processo como um todo. Por isso, é importante que
as sessões comecem e term inem com definições claras de possibilidades, m etas,

Sobre Comportamento e Cognição 65


caminhos e possíveis resultados. Chamando a atenção para o fato de que são etapas
mais ou menos comuns, mas que não podem enrijecer ou engessar demais a relação.
Não existe um guia ou regra, existem apenas parâmetros para o coaching.

ESTÁGIO FOCO
1. Eslabelecer a Construção de confiança.
relação coach- Para isso, escute, rrie empatia e espfilfie de volta para o cliente o que está
clienlc percebendo. Busque entender o cliente e suas necessidades.
2. Formular o Definição do que faz e do que não faz parte do acordo.
acordo de Estabeleça e formalize as expectativas mútuas em relação ao processo.
Coaching
3. Focar na visão Focalrzação no futuro que o cliente almeja.
de futuro e não no Descubra o propósito e as qualidades do cenário que o diente deseja construir.
problema NBo dê ênfase ao que não está funcionando, construa s visio fu lu ra
4. Constmir um Desenvolvi monto de plano ou planos estratégicos voltados para o futuro.
cenário de Crie metas centradas no cliente e os passos a serem seguidos de acordo com a
mudança escala detempo definida peloeliente.
5. Resistência à Diminuição de resistência.
mudança Quando as metas tornam-se mais próximas de ser alcançadas é oomum que o
díente lenha dificuldades de continuar e cnconlre vários obstáculos. Náo é
papel do coach remover os obstáculos, mas estimular o cliente a fazer isto e a
tornar-se responsável pelas ações que conduzem ao alcance da meta. A
palavra chave aqui ó cooperação.
6. Desafiar, Associação de senso de propósito com a visão do resultado esperado.
investigar e Explore possibilidades e oportunidades. Desafie as zonas de conforto.
confrontar
7. Detalhar o novo Detalhes, tempo, pnoridades, integração e revisão.
cenário e Vaíide, reveja, revise e amplie o plano osfratégico.
aprofundar
relacionamento
9. Finalizar o CelcbíO os resultados atingidos pela interação.
relacionamento Valide e fortaleça o cliente pelo resultado atingido.
formal e iniciar a
fase de
acompanhamento

Quadro 1 - Desenvolvimento do relacionamento de Coaching. Adaptado de Hudson (1999)

O coaching comportamental
Existe um modelo de coaching autodenominado de Coaching Comportamental
proposto pelo Behavioral Coaching fnstitute, empresa sediada nos estados unidos.
Mas este modelo não tem nenhuma ligação com a Análise do Comportamento e sua
fundamentação filosófica e epistemológica, o behaviorismo radical.
Na definição deste instituto Behavior based Coaching seria uma abordagem
científica através da qual a prática profissional é capaz de ser justificada em termos de
evidências baseadas na metodologia clinica e pesquisa organizacional, avaliação e
utilização de achados sistemáticos de pesquisas para apoiar as decisões acerca da
prática (Zeus & Skiffington, 2002 e 2004). Ainda segundo estes autores o termo coaching
comportamental é utilizado para distinguir a prática baseada em provas cientificas de
outras, que segundo eles são baseados em “achismos" e crenças.
No que diz respeito às premissas do coacnhing comportamental concordamos
com o pessoal do BCI, por exemplo, quando defendem que as ciências comportamentais
aplicadas se baseiam em mais de meio século de pesquisas e fornecem um método
confiável para entender e intervir no comportamento de profissionais. Mas suas opções
conceituais e epistemológicas diferem frontalmente daqueles defendidos pela análise
do comportamento e o behaviorismo radical.
Para Zeus & Skiffmgton (op. cit) principais defensores e divulgadores do “coaching
com portam ental" o com portamento equivale às ações das pessoas as quais são

66 Vvàrtder C, M P ere ira da S ilv a


controladas pela soma de seus pensamentos, crenças e sentimentos acerca de idéias
espec/fícas, situações ou outras pessoas. Como vemos esta proposta não tem nenhuma
relação com a verdadeira ciência do comportamento que é a análise do comportamento.
Além desta proposta citada, na literatura de coaching. existem muitas referências ao
comportamento como um objeto de interesse, mas essas citações, em geral, tratam o
comportamento a partir de uma interpretação cognitivista, às vezes eclética e/ou “senso
comum". Comportamento é a ação, a atitude, expressa um tipo de personalidade, é confundido
com o conceito de competências e assim por diante. Infelizmente, ainda não existe literatura
na área um modelo de coaching baseado em princípios de análise do comportamento.
Nos últimos anos temos trabalho no desenvolvimento de um modelo de coaching
que realmente se alinhe com os princípios da Análise do Comportamento e que utilize
premissas baseadas no Behaviorismo Radical. Por esta razão o Coaching Comportamental
que estamos propondo se distingue dos outros por adotar preceitos epistemológícos da
teoria comportamental e seus comprovados métodos de intervenção prática.

O coaching comportamental de orientação behaviorista radical


Antes de qualquer form ulação sobre o m odelo de coaching convém uma
a p re se n ta çã o resu m ida da filo s o fia e dos p rin c ip a is c o n c e ito s da C iê n c ia do
Comportamento do qual estamos falando.
Uma primeira consideração é que o behaviorismo metodológico de W atson e
o behaviorismo radical de Skinner são as modalidades mais amplamente divulgadas
de “behaviorismos”. O primeiro representando a proposta inicial e o segundo o modelo
hegemônico entre os atuais seguidores do behaviorismo.
A história do behaviorismo, propriamente dita, começa a ser desenhada na
segunda metade do século XIX, quando havia nos meios acadêmicos e científicos uma
intensa preocupação com o fenômeno da experiência subjetiva da consciência, tais como
percepção, razão e conhecimento. A primeira proposição de psicologia científica surgiu
com W undt em 1879 e tinha como objeto as experiências mentais subjetivas, como
método a auto-observação e como dado o auto-relato verbal dos sujeitos. O modelo de
ciência da época, dominado pelo positivismo, considerava que a ciência deveria investigar
empiricamente eventos físicos, portanto, logo a psicologia de W undt sofreu criticas. O
critério aceito convencionalmente para se estabelecer que um determinado fenôm eno
fosse um objeto de estudo da ciência é de que ele deveria ser físico e publicamente
observável, a experiência mental, subjetiva e consciente não poderia ser publicamente
observada, e não poderia ser mensurada ou registrada pelos mesmos modos habituais
de outras ciências mais desenvolvidas como a química ou a física, também não poderia
ser manipulada diretamente, togo não pode ser objeto de estudo cientifico.
Mesmo assim, o Estmturalismo, como ficou conhecida a proposta de Wundt,
consolidou-se como uma forma legítima de ciência psicológica,no entanto, com o afirma
T u rn e r (1967), as cobranças por m aiores co n trib u iç õ e s p rá tic a s da p s ic o lo g ia
estruturalista e uma desconfiança pública sobre a natureza e o seu status de ciência,
especialmente sobre a validade e a confiabilidade de seu método (introspecção) contribui
para o surgim ento e vigor inicial da proposta behaviorista. O clima positivista que
influenciou fortemente a psicologia do inicio do século XX, a cobrança por mais, rigor e
objetividade também contribuíram para o surgimento do behaviorismo.
O primeiro “documento" behaviorista surgiu em 1913, no periódico Psychological
Record, sob o título de Psychology as the behaviorist point views it, por John Broadus

1 Sobre Comportamento e Cognição 67


Watson. Neste manifesto ele apresentou alguns pontos basilares de sua proposta:
defendia que a psicologia deveria ser um ramo puramente objetivo e experimental da
ciência natural, tendo como objetivos a predição e o controle do comportamento, e
exortava uma mudança de rumos para a psicologia. Dizia ele: “Chegou a hora da
psicologia descartar qualquer referência à consciência. Ela não precisa mais se iludir
em pensar que está fazendo d os estados mentais o seu objeto de observação" (Watson,
1913, pág. 258). O que W atson estava propondo é que a psicologia tomasse o
comportamento por ele mesmo como objeto de estudo.
Só que sua definição de comportamento envolvia uma noção muito básica da
relação organismo-ambiente. o comportamento reflexo. Para ele o paradigma S-R era
suficiente para explicar a vasta possibilidade de comportamentos de um organismo.
Watson considerava que para a psicologia, para satisfazer as exigências por rigor e
objetividade, deveria ou se restringir ao estudo dos estímulos publicamente observáveis
e as respectivas respostas também passíveis de observação.
O behaviorismo clássico ou metodológico, de certo modo aceitava a existência
de eventos mentais, mas, contraditoriamente os rejeitava, pois não eram passíveis de
observação direta. Watson, que por um lado criticava o subjetivismo reinante na psicologia
de sua época, não conseguiu romper com a dicotomia m ente-corpo. Negligenciou
aspectos importantes da atividade humana (como por exemplo, o pensamento) pelo
fato de não poderem ser observados publicamente, mas, ao mesmo tempo, não os
negava como fenômenos. Matos (1993) considera que Watson foi muito influenciado
pelo paradigma de causa e efeito da física newtoniana, quando buscou fatores externos
antecedentes para explicar o comportamento. O raciocínio era simples: já que a mente
não cumpria um dos principais critérios da ciência positivista, que é o da observação
pública, a causa deveria ser buscada no ambiente externo ao organismo.
Para Skinner (1982/1974) o behaviorismo metodológico de Watson foi bem
sucedido em relação a seus próprios objetivos. Descartou-se de muitos problemas
suscitados pelas explicações metafísicas, ficando livre para trabalhar em seus próprios
projetos, sem digressões filosóficas. Ao se interessar sobre os antecedentes genéticos
e ambientais conseguiu contrabalancear uma injustificada concentração na vida interior.
“Libertou-nos para o estudo do com portam ento das espécies inferiores, onde a
introspecção (então encarada como exclusivamente humana) não era exeqüível, e para
a exploração das semelhanças e diferenças entre o homem e as outras espécies.
Alguns conceitos anteriorm ente associados com acontecim entos privados foram
formulados de outras maneiras" (Skinner, 1982/1974, pág. 18).
Após a saída da cena acadêmica de Watson, no final dos anos vinte do século
passado, varias propostas surgiram como formas de expandir e/ou continuar o behaviorismo.
Uma das mais vigorosas é o behaviorismo radical de Skinner. Micheletto (1994) relaciona
seis aspectos da proposta de Skinner que permaneceram inalterados em toda a sua obra,
são eles: 1) o comportamento como objeto de estudo, 2) o comportamento como
determinado, 3) o interesse em uma análise científica do comportamento, como ciência
natural, 4) ênfase no dado empírico, 5) negação e combate à metafísica e ao mentalismo e
6) previsão e controle como objetivos da ciência do comportamento.
Chiesa (1994) caracteriza o sistema skinneriano da seguinte forma: (a) seu
objeto de estudo é a relação mútua entre o comportamento e o ambiente, enfatizando o
papel das conseqüências na modelagem e manutenção do comportamento; (b) o seu
sistema não é mecanicista e não apela pra eventos mediadores tais como as cognições
ou o sistema nervoso; (c) o comportamento complexo é uma função de contingências
complexas, ao invés de uma função de estados internos do organismo, ou personalidade;

68 Wander C. M . Pereira 4a Silva


(d) o sistem a rejeita as interpretações dualistas dos acontecim entos privados,
argumentando que a nossa consciência dos acontecimentos privados é um produto da
interação social, isto é, da modelagem dos termos lingüísticos peia comunidade verbal.
Aiém dessas caracterizações nós consideramos que a obra de Skinner inclui
um propostas que podem ser assim subdividas: (1) um programa de pesquisa, delineado
principalmente nos primeiros anos de sua produção científica, chamado de análise
experimental de comportamento (AEC). Esse programa se consolidou com as publicações
do Journal of Experimental Analysis of the Behavior, fundado em 1958. (2) um modelo de
intervenção, impulsionado a partir da publicação de Ciência e Comportamento Humano,
em 1953, e Tecnologia do Ensino, em 1968, e pela fundação do Journal of Applied Behavior
Analysis (1968),que consiste na aplicação sistemática da tecnologia e dos princípios
comportamentais ria vida prática e foi. Atualmente, esse modelo está em expansão, com
a ampliação dos contextos, como na medicina, instituições/organizações, educação,
programas comunitários, esportes, marketing e agora no coaching. E, (3) finalmente, se
trata de uma compreensão filosófica peculiar do comportamento, explicitada inicialmente
no artigo The operationa!analysis o f thc psyc.oloyicui terms, publicada em 1945, e reafirmada
em 1974 no livro intitulado Abouí Behaviorism.
Segundo declaração do próprio Skinner (1982/1974), seu behaviorismo é uma
proposta intermediária entre o ambientalismo de Watson e o introspeccionismo de Wundt.
No artigo “The operational analysis of the psycological terms" (1945), Skinner reconhece
que o passo histórico dado por Watson na direção de uma ciência do comportamento foi
suficiente apenas para formular a crítica ao modelo wundtiano de ciência psicológica,
mas insuficiente para dar conta do fenômeno comportamental em si. A aceitação, embora
implícita, de que eventos mentais são de natureza diferente de eventos físicos, impedia a
nova ciência de se interessar por temas como o pensamento, consciência, dentre outros.
S kinner estabeleceu a distinçã o entre o seu b e ha viorism o e os outros
principalmente a partir da ruptura com as bases conceituais e epistemológicas aceitas
até então. Embora ainda seja comum apresentar o behaviorismo de Skinner como uma
continuidade da psicologia estim ulo - resposta (S-R), em piricista, associacionista,
reflexologista, mecanicista, positivista etc., o exame mais detalhado das propostas
skinnerianas revela, obviamente, algumas semelhanças, mais também, diferenças
marcantes que o distanciam de outros behaviorism os anteriores tanto quanto dc
psicanalistas, hum anistas etc. Alguns autores (ver Chiesa, 1994) defendem que o
behaviorism o radical representa uma descontinuidade com alguns com prom issos
epistemológicos assumidos pela psicologia behaviorista de então.
O behaviorismo de Skinner é uma revolução, no mesmo sentido que a proposta
de Watson o foi, embora, talvez, muito menos alardeada, mas com implicações bem
mais importantes para um estudo mais abrangente do comportamento. A peculiaridade
da proposta skinneriana talvez resida na sua abrangência e capacidade de se relacionar
com tantas outras influências teóricas, preservando sua identidade,
PO exemplo, sobre o critério de verdade, o behaviorismo radical abre mão do
critério positivista-lógico de correspondência: “O Behaviorismo Radical (...) não insiste
na verdade por consenso e pode, por isso, considerar os acontecimentos ocorridos no
mundo privado dentro da pele. Não considera tais acontecimentos inobserváveis e não
os descarta como subjetivos” (Skinner, 1982/1974, pág. 19). Com essa premissa o
behaviorismo radical se habilita a dar um tratamento efetivo aos eventos privados.
O crité rio adotado pelo be ha viorism o ra d ica l é o de in stru m en ta ção e
funcionalidade: “O critério último de um bom conceito não é se duas pessoas são
levadas a concordar, mas se o cientista que o usa pode operar com sucesso sobre seu

Sobre Comportamento e Cognição 69


material - sozinho, se precisar” (Skinner, 1945, p. 383). A adoção desse critério afasta
Skinner do positivismo de Comte e de suas versões, e o aproxima do pragmatismo na
versão de William James. O pragmatismo de James não desce ao nível das coisas em
sí mesmo, portanto, também não toma a observação como instrumento, enfatiza apenas
que o bom uso das palavras tem implicações práticas sobre uma dada realidade.
Nesse sentido, tanto o behaviorismo radical quanto o pragmatismo de James
trabalham com a idéia de que um conceito é um instrumento que permite a quem o usa
modificar a realidade. Segundo James (1989), “as teorias, assim, tomam-se instrumentos, e
não respostas aos enigmas, sobre as quais podemos descansar” (p. 20). É essa noção de
instmmentalidade que está por trás da definição dos conceitos contidos na análise skinneriana.
Sobre a definição de comportamento, Skinner, livre da obrigação de que os
conceitos sempre fizessem referência a eventos publicamente observáveis, propôs
uma definição de comportamento como uma relação entre o organismo e ambiente. "O
termo comportamento deve incluir a atividade total do organismo - o funcionamento de
todas as suas partes” (Skinner, 1961, pág. 337).
Ao contrário dos behaviorístas metodológicos, S kinner considera o
comportamento não como uma “coisa” em si mesma, mas como uma relação entre
eventos. Coerente com seu pragmatismo Skinner entende o comportamento como
uma ferramenta conceituai para organizar e compreender a realidade. O comportamento
só pode ser definido partir da compreensão de pelo menos três eventos: os estímulos
antecedentes, as classes de respostas e as conseqüências que se seguem às
respostas. Portanto, aquilo que uma pessoa faz é apenas uma parte de uma relação
que envolve eventos antecedentes e conseqüentes.
Assim, um comportamento do tipo reflexo (ou respondente, como chamava
Skinner) inclui todas as respostas dos muitos organismos, que são eliciadas (‘produzidas
automaticamente’) por modificações especiais de estímulos ambientais que antecedem
a resposta. É a especificação de um tipo de interação organismo-ambiente, onde a
variável determinante para a ocorrência de uma resposta é o estímulo antecedente,
sendo o reflexo um caso típico deste tipo de interação.
Por outro lado, aquilo que é chamado de comportamento “voluntário”
(comportamento operante na definição de Skinner) tem sua ocorrência relacionada às
conseqüências produzidas pelo responder em um determinado contexto. As conseqüências
são variáveis determinantes para a probabilidade de sua ocorrência futura. Conforme
apontado por Skinner (1978), “Os homens agem sobre o mundo, modificam-no e, por sua
vez são modificados pelas conseqüências de sua ação" (p. 15). O comportamento operante
é entendido como unidade de análise da relação organismo-ambiente que especifica pelo
menos três eventos: (1) eventos antecedentes, que estão relacionados com (2) uma resposta
e (3) os eventos conseqüentes, produzidos pela emissão da resposta.
A especificação das regras que determinam a relação entre esses eventos é
denominada de contingência, quando estamos analisando o comportamento individual
e metacontingência (glenn, 1986) quando analisamos o comportamento dç grupos ou
cultura, Contingência é um termo descritivo que facilita a compreensão das relações
contínuas entre um organismo vivo e seu ambiente.
Skinner ainda considera que o comportamento tem múltiplas causas, portanto
ele será sempre um evento complexo e multideterminado e que seus determinantes
últimos devem ser encontrados na história filogenética (evolução das espécies),
ontogenética (história do individuo) e cultural (evolução da cultura).

70 Wander C. M . Pereira da Silva


Coaching Comportamental baseado no behaviorismo radical
Feita esta pequena apresentação do behaviorismo, passaremos a tratar das
principais características de um processo de coaching comportamental baseado no
behaviorismo radical:
1) Abordagem Relacional - o problema não está nem dentro nem fora do indivíduo, mas
na sua relação com o mundo;
2) Abordagem Monista - o organismo é um todo organizado, não existe a dicotomia
mente-corpo. Trata pensamentos, sensações e crenças como produto de interações
do organismo com seu ambiente;
3) Abordagem cientifica - adotar critérios e formas de investigação reconhecidos
cientificamente (observar, mensurar, registrar, manipular variáveis, etc.);
4) Seu instrumento é a Análise Funcional - análise das “causas” do comportamento:
‘ condições externas das quais o comportamento é função” (Skinner, 1982/1974);
5) Metodologia de diagnóstico, intervenção e mudança levados a cabo ao mesmo tempo
(Linha de base, intervenção, critérios, resultados);
6) Identificação de padrões comportamentais e suas variáveis controladoras no passado
(inferido) e presente (inferido, observado, confirmado, rejeitado) e variáveis do processo
de coaching. Tarefa conjunta;
7) O foco da intervenção deve ser o mais abrangente possível - Analisar os efeitos do
coaching tanto sobre cliente quanto sobre o próprio coach;
8) Ensinar o cliente a cuidar de si mesmo e resolver seus problemas- Autonomia é a
palavra chave da intervenção;
9) O objetivo é o “improvement” - entendido como melhora e mudança positiva.
10) Busca integração com modelos de base Cíentífico-experimental - existem outras
contribuições a serem incorporadas ao trabalho do coaching comportamental, mas
elas devem ser baseadas em procedimento científicos.
O modelo de aprendizagem operante é a base da análise do coaching
comportamental. Esse modelo pressupõe que as ações (classes de respostas)
produzem conseqüências (resultados) e que esses resultados retroagem sobre as
ações alterando sua freqüência e sobre a função do contexto (estímulos que antecederam
a emissão das respostas). De forma bastante resumida as contingências mais simples
que selecionam ações aprendidas, alterando sua freqüência futura e a função do contexto
onde elas ocorrem podem ser apresentadas de acordo com o quadro abaixo:

Pr ocesso Procedim ento Resultado sobre a resoosts


Reforça mento Apresentação de uma Aumento na freqüência futura da resposta que
positivo conseqüência reforça Cor a ocasionou a apresentação do reforçador

Reforço Retirada de um estimulo aversivo Aumento na freqüência futura da resposta que


negativo ocasionou a retirada do estimula aversivo
Pu ração positiva Apresentação de um estímulo Diminuição na freqüência futura da resposta
aversivo que ocasionou a apresentação do estimulo
aversivo
Punição Retirada de um estímulo reforçador Diminuição na freqüência futura da resposta
negativa que ocasionou a retirada òo reforçador positivo.
Extinção Quebra na relação resposta- Aumento inicial na freqüência da resposta;
consequencia, pela suspensão do variabilidade de respostas; reações emocionais
reforçado r. e diminuição nafreaüência futura da resposta.
Time-out Suspensão da continqênda Diminuição na freqüência futura da resposta

Quadro 2 - Descrição de padrões comportamentais em relações contingentes

Sobre Comportamento e Cognição


Os efeitos de contingências ambientais sobre o comportamento dos indivíduos
não se restringem a esses descritos no quadro acima. Obviamente, que a Análise do
Comportamento possui mais conhecimento acumulado sobre o tema, mas para uma
introdução ao modelo de coaching comportamental as contingências descritas até
aqui são suficientes.

Conclusões: proposta de um modelo de coaching comportamental


A seguir apresentamos um passo-a-passo de um modelo de intervenção do
coaching comportam ental, com suas etapas, indicadores e procedimentos.
Ressaltamos que mesmo sendo um modelo baseado em boas práticas, se trata ainda
de uma descrição genérica de quais são as etapas principais de um coaching, neste
sentido nos ajuda não só a organizar um primeiro encontro de coaching, mas também
toda a intervenção e seus momentos. Além disso a dinâmica "natural” do processo de
coaching não pode ser deixada de lado em favor do cumprimento rígido dessas etapas.
Apesar dessas contribuições nos parece óbvio que ainda necessite de aperfeiçoamento
e estudos científicos sobre suas possibilidades e limites.
Etapa 1 - Acolhim ento - preparação (1) preparar o am biente para o encontro;
e nível de atenção aos níveis de (2) preparar-se para o encontro; (3)
com prom etim ento ansiedade e desconforto solicitar que o cliente se coloque na
apresentados pelo cliente no posição m ais confortável para ele; (4)
início do encontro. intervir para relaxam ento; (5) realizarum
- Decisão se aceita o coaching. relaxamento m uscular da m aneira que
Estabelecim ento de mais lhe agrade; (6) Solicitar que se
compromisso com a m udança e prepare para falar sobre os seus
aprenrtizagem problemas, relaxando e organizando
- Ouvir sem punir. melhor suas idéias; (7) inform ar sobre o
acolhim ento do pedido; (8) explicitar as
garantias éticas e (9) possibilitar que o
cliente expresse de m aneira livre suas
m otivações para o cpachina: (10)
estabelecer com prom isso com a
m udança e a aprendizagem .
Etapa 2 - Identificação - Avaliação da postura geral do (1) observar e registrar, postura, trejeitos,
das dificuldades ou cliente. movim entos do cliente; (2) registrar
lim itações no trabalho, - Avaliação das m anifestações informações sobre a expressão facial e
profissão ou carreira emocionais do cliente. jeito de olhar; (3) registrar entonação,
do cliente ao nível do - Avaliação da fala doclien te. freqüência de palavras (positivas e
com portamento; - Direção da fala do cliente para negativas, tatos e m andos, autoctiticos,
seus prohlfimas e tc ); (4) p e rg u n ta r qual (is) sua (s)
Colocação das prim eiras principal(is) lim itação(ões) ou
im pressões do coach drfieuidade(s) profissional(is) atualmente?
com po rB mental. O que vocé já tentou fazer para resolvê-
los? O que eslava acontecendo na sua
vida, quando você tentou resolver o
problema? Qual foi o resultado? Se você
mudasse sua carreira o que a mudança
provocaria em você nas outras
áreas/pessoas? (5) talar sobre suas
prim eiras im pressões sobre o cliente.
Etapa 3 - Construção - Conhecimento de como está a ( 1 ) O que está bom e o que está ruim na
da Linha de Base vida do ciente. sua carreira ou profissão? (2) que você
- Incentiva-lo a falar do que lhe precisa mudar? (3) quais suas principais
aflige e possíveis causas. com petências, habilidades, qualidades e
com portam entos que estão relacionados
com suas metas? (4) existem situações
(ou algo que vocé faça) onds suas
lim Itações vira m qualidad es e «ce -
versa? (5) você já viveu situações
parecidas no passado? superou outros
problemas? Com o foi? O que vocé fez?
Etapa 4 - • Categorlzação de problemas. (1) descrever e classiffcar os relatos e
Levantamento de Definição de metas e observações; (2) construir uma escala de
problemas, m etas e resultados prioridade na resolução de problemas e
escala de prioridades; - Hierarquização de metas. metas.
- Construção de uma escala de
prioridades.

72 Wander C, M . Pereira da Silva


Etapa 5 Análise -P ro p o s iç ã o da análise funcicnai (1) a n a lisa r funcionalm ente os dados
Funcic nal (em dos dados coletados. recolh idos até a elapa 4; (2) checa r
conj unto); c o nco rdâ ncia do cliente; (3J preparar
para oferecer a analisa ao c lie n te ,
enfatizar que se traia de um pon to de
vista, existem outros, (3) abertura para
ouvir o cliente; <4) caso nece ssário,
refaze r aná lise fu nciona I
Etapa 6 - O ferta de - Levar o cliente a fazer suas (1) perguntas para a análise funcio nal do
S ugestões para próprias aná lise s funcionais cliente- O seu modo de agir já produziu
solucionar os ("auto-conhecim ento"}. algum ganho para você ou para os
problem as prrorÍ 2ados - O ferecim ento d e alternativas de outros (exernplo;;)? Evitou algum a perda
ação a o alcance do cliente. ou enfrentam entos? Corno e em que o
- ped ido de validação p o r parte seu m odo de atuar lhe p re ju dica? (custo
do cliente. de respostas/sofrim ento) O que
realm ente lhe motiva na vida? O que
vor.è faz (ou pensa em fazer) m uitn
atualm en te? Quem teria in te re s s e na sua
m u d a n ç a ? Quem não teria? A lguém tem
te ajud a d o ou ajudou a m udar? C om o
foi? Por q u ê 9, (2) cfereoer suas análise
para o cliente, (3) defin ir lin h a de
intervenção; (2) s e le c io n a r técnica s e
procedim e ntos a serem u tiliz a d a s ; (4)
confirm ar a com preensão do cliente
sobre o que será realizado.
Etapa 7 - Acordos - E s tabeleam enlo de acordo fina! (1) desenhar e fechar a c o rd o ; (2)
Planos de Ação; sobre o que foi discutido. planejar ações a serem re a liz a d a s pelo
- Definição de planos de ação. c liente, (3) d efin ir niveis d e cohrança por
resultado s do acordo.
Etapa 8 - Exercícios; Treinam entos, tarefas (1) in fo rm a r, treinar e c e rtific a r
tarefas e procedim entos a serem e ntendim ento sobre o s p ro c e d im e n to s e
m onitoram ento, executados pelo cliente técnicas mais apropriadas para a lc a n ç a r
Balizadores do os resultados propostos
acom panham ento
fctapa 9 - Avaliação e Reafirm ação do com prom isso (1) ava lia i (jru g re s s o s e d iscrep ância s no
feedback (linha de com a m udança e ap ren dizage m m anejo da relaçã o, (2) des e n h a r relação
base dois} aberta e bi-dire ciona l; (3 ) o fe re c e r
feedbacks para o cliente.
O cuach não precisa dizer tudo p a ra o
Clten le, n em tentar provar q u e está certo.
Cabe ao Cl tente aceitar ou não a
a v a lia ç ã o .
O que deve ser evitado d u ra n te o
processo de Feedhack
- afirm ações vagas e subjetivas “ isso faz
parte de seu conflito pessoal", -você não
a credita em você m esm o '
- ex p re s s õ e s do tipo "parece q u e ..." ,
“m ais ou menos ..."
- co m e n tá rio s que com prom e tam sua
credibilidade “ Não tenho m uita c erte za
sobre esse tra ta m e n to ...',
- lingua gem e s p e cializada e técnica.
“isso é contra-co ntrole"
fctap a TTT - Preparaçao para o encerram ento ( 1 ) ch e c a r "corno o cliente es ta se
Fecha mento do do en conlro ou d esliga m ento. s entindo no processo; (2) e v ita r a b n r
en oo ntro novos contextos, principalm ente
desligam ento. em ocionais; (3) c uidar p a ra q u e o
desliga m en to ocorra a p a rtir da
co nso lid ação da m udança e resultado s
a lcançados e satisfação das m e ta s do
cliente.

Quadro 3 - Etapas, indicadores e procedimentos do çoaching comportamental

Por fim, algumas recomendações sobre o trabalho do coaching comportamental:


cada etapa do processo requer um conhecimento aprofundado da teoria comportamental,
da filosofia behaviorista radical, dos principio científicos de análise do comportamento e
das ferramentas, métodos e técnicas disponíveis na literatura da análise comportamental
aplicada. É muito importante analisar o aspecto motivacional do ciente ou equipe para a

Sobre C om portam ento t C ognição 73


mudança, pois muitas vezes o processo de coaching gera um nível de estimulação aversiva
que impede a mudança efetiva de comportamento. Motivação na Análise do Comportamento,
ao contrário do senso comum, não é algo que vem de “dentro” do indivíduo, mas está íígada
a uma visão extemalísta, onde um “evento ambiental, operação, ou condição de estímulo
afeta um organismo alterando momentaneamente (1) a efetividade de reforçamento de
outro evento e (2) a força daquela parte do repertório do organismo que foi reforçada por
esse outro evento" (Míchael, 1987, p. 30). Isto significa que a motivação é a parte da relação
do indivíduo com seu ambiente que faz com que aumente seu interesse momentâneo
sobre certos eventos (chamados de reforçadores) e de seus comportamentos para alcançar
estes eventos. Este efeito é momentâneo e depende da relação entre a privação e a saciação
comportamental. Na área negócios, realização profissional e gestão nas organizações as
operações de motivação estão muito ligadas a reforçadores sociais (aprendidos) e
generalizados (dão acesso a outros reforçadores), além de serem muito sensíveis a variáveis
culturais e a aprendizagem por modelos, por esse motivo é muito importante trabalhar para
que a mudança de comportamento do cliente seja produto de condições as mais estáveis
possíveis de motivação. Por outro lado, as mudanças dc comportamento devem ser
acompanhadas de uma análise da disponibilidade de reforçadores realmente duradouros
na vida do cliente, pois não adianta muita coisa se essas mudanças e aprendizagens
alcançadas com o coaching forem passageiras.
Outra recomendação é analisar o papel da linguagem como uma forma de
comportamento importante na obtenção dos resultados. O pensamento também é uma
forma de comportamento e está ligado a linguagem e as contingências sociais da
história do cliente. Portanto o que ele diz ou pensa exerce influencia sobre outros
comportamentos e sobre as premissas que governam boa parte de suas ações (as
chamadas regras ou instruções). A linguagem e o pensamento são formas especiais
de comportamento, pois não alteram mecânica e diretamente o mundo a nossa volta.
Isto só se faz possível se houver a mediação de outras pessoas. Costumo dizer que o
objetivo do coaching comportamental é a autonomia de comportamentos que alteram
diretamente o mundo, depois a linguagem e por último o pensamento, pois o
pensamento é capaz de mudar o próprio individuo e não o mundo ou a outras pessoas,
a linguagem é capaz de afetar o individuo e as outras pessoas e só então o mundo, já
o comportamento direto sobre o mundo, altera o comportamento do individuo de modo
global, incluindo o que ele pensa e como fala.
Mais uma recomendação: todo encontro de coaching comportamental deve ter um
fim em si mesma, ou seja, o cliente tem que sair do encontro com uma meta, tarefa ou
resultado a buscar na sua vida. Estes devem estar articulados com os resultados mais
gerais que queremos alcançar com o processo de coaching. Desse modo, é necessário
que o coaching possua objetivos claros. Alguns exemplos de objetivos individuais: aumento
na produtividade e satisfação com o trabalho, a profissão e a carreira; mudanças positivas
no comportamento em geral (público e privado, verbal e não-verbal); variabilidade de repertório
de solução de problemas (experimentar e tentar coisas novas); aprender a reavaliar como
gasta seu tempo; estabelecer metas e objetivos plausíveis; tratar todas as pessoas utilizando
reforçadores positivos e não punição; identificar e rever regras e conceitos inadequados
para a mudança de comportamento; ser assertivo; eliciar menos respondentes em situações
de trabalho; ter mais reforçadores e menos punidores acessíveis ao seu comportamento;
desenvolver repertório de enfrentamento e, estabelecer padrões de excelência e
impecabilidade para seu comportamento. Objetivos de equipes: aprender a rever ações e
premissas; mudança no clima organizacional; estabelecer objetivos e metas organizacionais
alinhadas às metas pessoais; estabelecer uma nova forma de se relacionar mais saudável,
baseados em reforçamento positivo; desenvolvimento de novas habilidades sociais e de

74 Wander C. M . Pereira da Silva


resolução de problemas; maximização de suas competências e produtividade e aumentar
os padrões de excelência e impecabilidade para o sucesso e alcance de metas específicas.
Para terminar, espero que este texto ajude a divulgar e a orientar aqueles
interessados em coaching. Infelizmente não temos espaço para apresentar a proposta
como gostaríamos, mas estaremos publicando em breve um livro com uma abordagem
mais aprofundada do coaching comportamental que, no nosso entendimento, tem tudo
para se tornar uma das mais efetivas da área.

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Sobre Comportamento e Cognição


Análises conceituais
em behaviorismo,
análise do
comportamento e
teoria sócío-cognítiva
Capítulo 6
Análise do comportamento e socilogía:
um diálogo a partir das
proposições de Skinner e Weber

Cyro Augusto Qomes de Alm eida1


Frederico Batista Pereira
UFMQ

Desde a década de 80 as questões sociais têm ganhado mais espaço nas


publicações da análise do comportamento (Todorov, Martone e Moreira, 2005), abordagem da
psicologia pautada na filosofia behaviorista radical. Três áreas de produção do conhecimento,
interrelacionadas e interdependentes, constituem a análise do comportamento: trabalhos
conceituais, pesquisas empíricas e trabalhos de intervenção (Tourinho, 1999).
Em 1986, Sigrid Glenn cunhou o conceito de metacontingência, o que ampliou o
escopo de estudo da análise do comportamento para as questões sociais. Metacontingência
pode ser descrita como um instrumento conceituai (Vich, 2005; Martone e Todorov, 2005)
que permite a identificação de conseqüências a longo prazo que selecionam relações
entrelaçadas entre os indivíduos (Glenn e Mallot, 2005; Andery, Micheletto e Sério, 2005).
O conceito de metacontingência instrumentalizou os analistas do comportamento
para o estudo de temas que são chamados genericamente por eles como práticas
culturais. Entre as práticas estudadas através do conceito de metacontingência podemos
encontrar: organizações, sistemas políticos e econômicos, sistemas penitenciários,
sistemas de saúde, educação, influência da mídia no mundo contemporâneo e
movimento feminista (Martone e Banaco, 2005). Estes, no entanto, são temas que já
foram (e são) amplamente discutidos pela sociologia.
Embora o conceito de metacontingência tenha sido cunhado utilizando-se das
análises sociológicas de Thorstein Veblen2 (1857-1929) e Clarence Ayres (1891-1872)
(Glenn, 2005), é quase nulo o uso da sociologia como uma fonte de conceitos e teorias para
os analistas do comportamento3. A direçáo contrária não sé faz diferente. Diversas escolas
1E-mail: irnagopresto@yshoocom.br
2Glenn (2005) fez uso dos conceitos de processo cerimonial e processo tecnológico descritos por Veblen em sua obra A Teoria da Classe
Ooosa(1899). 0 autorjá havia sldodtado por Skmrterem Walden f/( 1Ô4S). Apesar de nos referimos a uma anâlse sociológica, Veblen
possuía forniaçSo em Floaofe e Eoonamia.
Para uma exceção encontrada neste caso, cf. TOURINHO (2006), codeo autorfaz uso das análses sociológicas de Richard Sennette Norbert Elias.

Sobre Comportamento e.Cognição


nas ciências sociais costumam fazer referências constantes aos estudos clássicos de
vários campos da psicologia, e muitas vezes chegam a se apropriar dos quadros analíticos
elaborados nesta área. Uma tradição sociológica de grande ressonância no século XX, o
interacionismo simbólico, cujos nomes mais conhecidos são Erving Goffman e Herbert
Blummer, é considerada uma área de pesquisa muito próxima ao campo da psicologia
social, uma vez que ambas são fortemente influenciadas pelo pensamento de George
Herbert Mead. Nas obras de alguns estudiosos considerados clássicos nas ciências sociais,
como Claude Lévi-Strauss (antropologia) e Norbert Elias (sociologia), não são incomuns as
referências e apropriações de conceitos oriundos da psicanálise de Freud. Também vale
lembrar a forte influência do pensamento de Jacques Lacan nas análises do marxista Louis
Alfbusser. Entretanto, no que diz respeito a possíveis apropriações de quadros conceituais
ou a meras referências à análise do comportamento, as ciências sociais em geral, e não
apenas a sociologia, se mostram fechadas a quaisquer possibilidades de diálogo1'.
O presente trabalho tem por objetivo explorar algumas possibilidades de
interlocução, especialmente no que diz respeito ao intercâmbio de esquemas conceituais,
entre a análise do comportamento e a sociologia, e para isso partiremos de uma breve
análise de algumas proposições de dois autores tidos como centrais nessas disciplinas,
a saber, B.F. Skinner (1904-1990), na primeira, e Max Weber (1864-1920), na segunda.
Skinner seria não apenas um autor central na análise do comportamento, mas o fundador
da filosofia dessa ciência, o behaviorismo radical. Weber é um expoente não apenas na
sociologia, tendo em vista que é estudado por todos que se pretendem filósofos,
historiadores, economistas, cientistas políticos, entre outros.
Uma análise comparativa justifica-se pelo fato de a análise do comportamento e a
sociologia serem entendidas, pelos autores trabalhados, como parte integrante de campos
distintos das ciências em geral - a primeira no âmbito das ciências naturais e a segunda no
campo das ciências humanas - sendo ambas interessadas em fenômenos do
comportamento social humano. Além disso, acreditamos que a partir de um breve panorama
geral das proposições desses autores seja possível vislumbrar as principais potencialidades
e limitações das disciplinas que representam, e com isso propormos diálogos tanto teóricos
quanto institucionais entre a sociologia e a análise do comportamento.

Ciências naturais e ciências humanas


No livro Ciência e Comportamento Humano, publicado em 1953, Skinner faz
um esboço sobre as características da ciência, e sua descrição deixa claro que pretende
trabalhar sua disciplina no âmbito das ciências naturais, que, segundo ele, descrevem
leis e se preocupam com previsão e controle. As variáveis que controlam o comportamento
"possuem um status físico" (Skinner, 2003, p.33) e, desta maneira, é possível estudar o
comportamento nos moldes de outras ciências que estudam objetos igualmente físicos.
Em contrapartida, podemos afirmar que Weber enquadra sua proposta no âmbito
das ciências humanas, mas não pretende ser o fundador de nenhuma sub-disciplina
da área, sendo muitas vezes difícil, senão impossível, definir se sua obra poderia ser
incluída em apenas uma disciplina como história, sociologia, política ou economia.
Para Skinner, a descrição de relações entre a variável dependente e as independentes
são as leis de uma ciência. Uma ciência do comportamento deveria estudar as relações entre
a ação do indivíduo e as variáveis que a controlam, descrevendo assim as leis envolvidas no
comportamento humano. Para Weber, a realidade histórico-cultural não pode ser reduzida a
um sistema de leis. Sobre o simples tratamento causal dessa realidade, o autor declara:
* Psra o leitor interessado em conhecer algumas exceções, ef. FREEDMAN (1976), HOMANS (1961).

80 Cyro Augusto Qomes de Almeida e Frederico Batista Pereira


"Esseprocedimento leva, indiscutivelmente, a um afastamento contínuo e cresconte
da realidade empírica e concreta que, p o r toda parte, existe apenas cnm
características de individualidade e particularidade.'’ (Weber, 1992, p.4).
Segundo Weber, a explicação causal não seria eficiente numa ciência da
realidade histórico-cultural porque seus parâmetros não se aplicariam numa eventual,
e muito comum, mudança de valores, o que faria o sistema de leis fracassar. Para o
autor, a apreensão dos significados, dos traços particulares de uma realidade, deve
anteceder a explicação causal, que não deixa de ser indispensável também às ciências
culturais. Mas a causalidade descrita, nesse caso, é sobre o particular, e não geral.
Concordando com Weber, Skinner enquadraria seu objeto, o comportamento,
como parte de uma realidade histórico-cultural. Uma ciência do comportamento é
necessariamente histórica, pois o comportamento é transformado e também transforma.
No entanto, Skinner não vê nessa categoria um impedimento para a descrição de leis.
Até mesmo os fenômenos sociais devem ser estudados dentro das fronteiras de uma
ciência natural. Sobre isso tem a dizer;
“Os intercâmbios com o grupo e o efeito realçado do grupo sobre o ambiente
podem ser estudados dentro do esquema de referência de uma ciência natural.
Precisam ser mais explorados antes de aceitarmos a proposição de que são
unidades sociais, forças e leis que requeiram métodos científicos de um tipo
fundamentalmente diferente. " (Skinner, 2003, p.341).

Objetos de estudo
Skinner, no livro Ciência e Comportamento Humano (2003), apresenta o
comportamento como seu objeto de estudo. É importante ressaltar que, para Skinner,
comportamento não é aquilo que o organismo faz, mas a relação entre a ação do
organismo e o seu ambiente (físico e social). O comportamento será o objeto de estudo
na medida em que o entendamos como relação. Na Análise do Comportamento, as
relações estudadas se darão entre a ação do indivíduo, o contexto em que a ação ocorre
e suas conseqüências. A interação entre esses três elementos forma a unidade de
investigação postulada por Skinner: a contingência de reforçamento.
Para sua interpretação da realidade histórica, Weber utiliza o conceito
fundamental de ação social. Para Weber, a ação é ligada a um sentido - uma significação
subjetiva - e se dirige a e!e. Assim, entre as ações com sentido está a ação social.
Weber definiria uma ação social como:
“(...) uma ação na qual o sentido sugerido pelo sujeito ou sujeitos refere-se ao
com portam ento de o u tro s e se orien ta nela na que d iz re sp e ito ao seu
desenvolvimento.’' (1992, p.400).
Para Skinner (2003), comportamento social é comportamento de duas ou mais
pessoas uma com a outra ou em relação a um ambiente comum. Critica as teorias que
dizem de “forças sociais” ou “pensamentos do grupo”, argumentando que é sempre o
indivíduo que se comporta e que o comportamento do indivíduo explica o fenômeno do
grupo. Isso nos deixa claro que Skinner e Weber concordam com o recorte que deve ser
feito ao estudar a sociedade. Em Weber o objeto de estudo não é definido como o grupo
social, força social, ou qualquer outra referência coletiva, mas o ponto de partida da
análise da sociologia é dado pela ação orientada a outros. Da mesma forma, Skinner
defende que para estudar o episódio social, devemos analisar o comportamento do
indivíduo que é controlado pelo outro.

Sobre Comportamento e C ognição 81


Metodologias
A partir da formulação do conceito de ação social, Weber propõe um método de
abordagem da realidade histórica que possui dois eixos centrais. Um, a ser tratado
aqui5, se refere à construção de tipos-ideais, que seriam representações ideais do real,
enfatizando os afastamentos da realidade com respeito ao modelo ideado. Utilizando a
construção de típos-ideais, o sociólogo não procurará construir um modelo que reflete a
realidade, mas uma representação ideal daquilo que está estudando, como, por exemplo,
a burocracia ou a dominação. Partindo da elaboração de formas mais racionais que a
realidade poderia assumir, o típo-ideal pode-se fazer comparar com a realidade empírica
que se examina. Assim, a sociologia busca, distanciando-se da realidade, compreender
os fenômenos que envolvem a ação social.
Ao contrário de Weber, e sua construção dejipos-ideais, Skinner partirá para sua
investigação voltando-se diretamente para a realidade empírica e, como é próprio das
ciências naturais, fará uso dos estudos em laboratório e do método experimental. Estes
são descritos em Ciência e Comportamento Humano (2003) como fontes de material
extremamente útil e como instrumentos que melhoram o contato com o objeto a ser estudado.
Mas Skinner pretende estudar apenas os princípios básicos do comportamento,
passiveis de investigação em laboratório? A resposta é não. Quando se fala em
comportamento como produto do ambiente está se falando principalmente do produto
do ambiente social. Em se tratando dos seres humanos, a relação com o outro possui
uma particularidade: o comportamento verbal. Na medida em que o comportamento
verbal é investigado estendem-se as possibilidades de estudo em níveis ainda mais
complexos da ação humana, como os eventos privados, a moral, o pensamento, a
consciência, a alienação e a própria ciência (Micheletto, 1997).
O que podemos perceber é que, nesse nível de análise, Skinner deixa de ser
um defensor do rigor experimental, e passa a usar da interpretação dos fenômenos.
Essa interpretação tem como base os princípios descritos em laboratório (reforço,
discriminação, generalização, etc.), mas não consegue ser, ela mesma, experimentai.
No primeiro capítulo de O Comportamento Verbal (1978, p.27) Skinner declara:
“(...) pouco uso se fará de resultados experimentais específicos. (...) A ênfase
será dada a um conjunto de fatos bem conhecidos, de acordo com a formulação do
comportamento derivada de uma análise experimental mais rigorosa, A atual
extensão ao comportamento verbal ê assim um exercício de interpretação, mais
do que uma extrapolação quantitativa de resultados experimentais rigorosos
(grifo nosso).
Segundo Tourinho (2003, p.32), a abordagem científica dos eventos privados,
sob uma perspectiva skinneriana, pode lançar mão de métodos não observacionais.
“(...) a interpretação ê postulada por Skinner como método legitimo, desde aue
orientada oelos conceitos iá comprovados como eficazes na interpretação de
fenômenos menos complexos e regulada pela eficácia em promover uma melhor
interação do cientista com aqueles eventos/ (grifo nosso).
De acordo com Dittrich (2004), a posição de Skinner em 1938 (ano de publicação
de seu primeiro livro, O Comportamento dos Organismos) era menos flexível com relação
à interpretação, pois a definição das propriedades de um comportamento operante deveria
.ocorrer sempre através do método experimental. Entretanto, quando Skinner propõe um
terceiro nível de seleção por conseqüências (a cultura), a análise de práticas culturais se

10 outro eixo de sua metodologia, que não será abortado, é a causaçào

8 2 Cyro Augusto Qomes de Almeida e Frederico Batista Pereira


íoma uma categoria mais ampla, não sendo reduzida ao nível do comportamento operante,
mesmo sendo (as práticas culturais) constituídas por operantes.
“A análise das culturas continuará sendo sempre, em alguma medida, uma prática
interpretatíva —não porque não seja possivét tratar experimentalmente os operantes
culturais, mas porque a interpretação das culturas inevitavelmente ultrapassa os
limites traçados pelo conhecimento experimental. Esta è, exatamente, a função da
interpretação cientifica: estender a compreensão dos fenômenos atém do que
permite a experimentação, mas usando os próprios dados experimentais como
guias do movimento interpretativo.’ (Dittrich, 2004, p. 132, nota 69) (grifo nosso).
Assim sendo, percebemos que, no que tange aos estudos sobre comportamento
verbal, eventos privados e cultura, Skinner faz o caminho inverso ao de Max Weber. Skinner
utiliza os resultados empíricos para compreender aqueles objetos que a experimentação
não alcança, enquanto Weber parte dos tipos-ideais para entender a realidade empírica.

A singularidade das disciplinas


A diferença mais acentuada entre a sociologia de Weber e a análise do
comportamento encontra-se no tratamento da causalidade. Weber via dificuldades na descrição
de leis para os fenômenos sociais e, desta maneira, a explicação em sua sociologia é
sempre a respeito do particular, utilizando categorias gerais abstratas, formuladas a priori.
Mesmo Skinner considerando que o comportamento de um indivíduo é único (pois foi modelado
por contingências únicas), sua ênfase não recai sobre esse aspecto, mas sobre aquilo que
é geral no comportamento de todos os organismos - as relações de sua ação com o contexto
em que ocorre e as conseqüências, ou seja, as leis gerais do comportamento.
Esse distanciam ento, no entanto, se torna sa lu ta r para uma m elhor
compreensão do comportamento social humano. A proposta de Skinner sobre
causalidade6, como advinda das contingências ambientais (ao invés de estados de
espírito, traços de caráter, propósitos e intenções), permite-lhe obter uma vantagem de
ordem prática: a modificação do comportamento através da mudança no ambiente do
indivíduo. Weber nos deixa clara a necessidade que via de captar o sentido da ação, ou
seja, os valores, categorias de pensamento vigentes para o indivíduo, para, só depois
disso, elaborar explicações causais. Essa premissa concederia à sociologia aquilo
que ela possui de mais peculiar: a capacidade de pensar a diferença.
Destacamos assim um ponto em especial nas propostas de B. F. Skinner e Max
Weber. Skinner busca, em sua ciência do comportamento, descrever elementos gerais, as
leis do comportamento, que estão presentes em todos os indivíduos e todas as sociedades.
Weber, na sua sociologia compreensiva, fará uso do tipo-ideal, visando identificar não o que
está em comum, mas as particularidades do indivíduo e de cada sociedade.

Necessidades e possibilidades de interlocução


Encontramos vantagens e limitações em cada uma das disciplinas.
A análise do comportamento é um campo privilegiado no que se refere às
possibilidades de intervenção. A ênfase da análise do comportamento está na transformação.
Segundo Skinner, descrevendo leis que governam partes do mundo ao nosso redor,
poderemos lidar de maneira mais eficaz com essa parte do mundo. Skinner (1977) propôs o
advento de uma tecnologia comportamental. Sua proposta se refere ao uso dos princípios da

" O termo 'causalidade* não seria o mais Indicado para òescrewer a proposta skinneriana, mas foge aos objetivos desse trabalho nos
debruçarmos numa análise mais aprofundada. Para máores delalhes sobre o assunto, cf. LAURENTI (2006).

Sobre Comportamento e Cognição


análise do comportamento a fim de que se intensifiquem as relações que geram atitudes
para o bem alheio, contribuindo para a melhoria da vida do ser humano e para sua sobrevivência.
Essa disciplina, porém, enfrenta dificuldade em trabalhar alguns temas complexos do
comportamento humano pelo fato de, muitas vezes, se prender (e prender sua identidade) ao
método experimental7. Para o caso da pesquisa num nível macro, ou seja, a sociedade, a
análise do comportamento precisa conhecer aque/as variáveis que são fundamentais no
comportamento dos indivíduos em sociedade. A dificuldade em conhecer de antemão essas
variáveis não poderia ser suprida em seu método experimental, pois, afinal de contas, trata-se
de um tema eticamente problemático e é operacionalmente complicado realizar experimentos
envolvendo grandes contingentes de pessoas. Talvez um caminho mais curto a ser percorrido
pelos analistas do comportamento no intuito de conhecer os determinantes do comportamento
humano em sociedades poderia ser a busca de trabalhos sociológicos que abordem os
processos sociais e levantem algumas hipóteses relevantes sobre as possíveis variáveis
que determinam as bases sociais do comportamento humano.
A sociologia, por sua vez, já possuindo um arcabouço teórico que busca levantar
as principais variáveis sociais relevantes, como dissemos acima, apresenta justamente
o problema oposto ao da análise do comportamento. Apesar de possuírem grandes
estudos de caráter mais geral e abstrato, as diversas áreas da sociologia estão
constantemente em busca de modelos conceituais que as possibilitem testar suas
hipóteses em estudos empíricos com maior rigidez e controle, justamente aquilo que
Skinner procurou estabelecer em sua disciplina. Como também já apontado
anteriormente, a sociologia já dialogou com diversas áreas do conhecimento em busca
desse esquema conceituar, muito embora tenha se mostrado desinteressada na análise
do comportamento. O que nos parece claro é que uma interlocução entre a sociologia e
a análise do comportamento poderá ser muito fértil, uma vez que a análise do
comportamento pode contribuir para suprir essa carência da sociologia.
Consideramos legitimo e importante a existência de dois lugares de investigação
das práticas sociais. Um, o das ciências naturais, marcadas pela descrição de leis, e o outro,
o das ciências humanas com seu caráter qualitativo. No entanto, as disciplinas enquadradas
nesses lugares, como a análise do comportamento e a sociologia, não precisam se "engessar
em suas áreas de produção do conhecimento, limitando-se por seus próprios métodos de
investigação. O que nos parece promissor é que a sociologia apanhe na análise do
comportamento aquilo que caracteriza esta como uma ciência natural, ou seja, o esquema
conceituai que visa controle e que a permite operadonalizar as pesquisas. Já para a análise
do comportamento sugerimos a busca daquilo que caracteriza a sociologia como ciência
humana, a saber, a compreensão dos fenômenos que envolvem grupos e a identificação
daquilo que se toma relevante em cada contexto. Percebemos que já havia uma tentativa de
resolver essas limitações nas obras dos pioneiros dessas disciplinas. Skinner postulou
como legítimo o método interpretativo e em sua obra a partir dos anos 50 predomina esse tipo
de trabalho (Tourinho, 1999), ao passo que encontramos em Weber recorrentes prescrições
metodológicas, como a elaboração rigorosa do tipo-ideat, evidenciando uma forte preocupação
com a coerência a ser obtida por suas proposições acerca da sociedade.

1Como destacamos, os analistas Do comportamento usam a interpelação enquanto recurso pera o estudo da sociedade. Entrelanto, pelo fato
deesla Interpretação ter de estar necessariamente atrelada aos princípios estudados em laboratório, è raro o uso, por parte dos analistas do
comportamento, de Interpretações pruvindas de métodos de pesquisa quditativos.
* A estatística e a economia talvez possam ser consideradas as principais lomeoedoras" de métodos de pesquisa para a sociologia. A
evidência disso è o crescente aumerrlo dos estudos de caréter quantitativo em dândas sodals, principalmentefazendo uso de íécnicss de
pesquisa estatísticas. No que diz respeito à econotnia, vale ressaltar o fato de que, na sociologia e na ciência política, um método de
investigação que tem ganliado muito espaço í a teoria doa Jogos, que iomeoe modelos matemáticos de grande utiídade para a
operacionalização de certos estudos nas ciências sociais. Acreditamos que um Intercâmbio semelhante poderia ser feito envolvendo a análise
do comportamento, gerando resultados tão significativos quanto os que têm proporcionado 6 estatística e a economia

84 Cyro Augusto Çom es de Almeida e Frederico Batista Pereira


A tentativa de remediar esses problemas aponta para o que consideramos ser
um caminho mais efetivo para a compreensão e a transformação do comportamento
humano e da sociedade: a interdisciplinaridado - parceria entre uma ciência social
jnterpretativa, que avalie as diferenças entre culturas, e uma ciência natural do
comportamento, que identifique as regularidades nos fenômenos comportamentais.
Juntas, elas produziram uma tecnologia do comportamento mais contextualizada, e
assim, melhor preparada para intervir0 nas mais diferentes sociedades.
Segundo Dittrich (2004, p.464), embora os analistas do comportamento possam
argumentar que possuem uma tecnologia comportamentai mais eficiente, “vários grupos
sociais defendem metas potencialm ente benéficas às culturas (m uitas delas
semelhantes às do behaviorismo radical). Diante disso, a conjunção de forças mostra-
se uma alternativa política promissora’’. Se as metas são semelhantes, disciplinas
interessadas nas práticas sociais não deveriam se isolar por diferenças metodológicas.
Um trabalho conjunto entre a análise do comportamento e a sociologia agiria
como catalisador para a compreensão e a transformação do comportamento social humano.

Referências
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1É importante ressaltar que, para Weber, o posiaonamenlo do cienlista (rente aos resultados do sua pesquisa, dizendo o que poderia ser
feilo a partir deles em prol do desenvolvimento sodal. ê desaconselhável da ponto de vista ético Esse empreendimento pode ser assumido
enquanto tarefa de um agente político, mas não do cfenüstó Quando o dentista sodal organiza urna ação que pretende apícar o
conhecimento produzido, deixa de ser cientista e passa a ser político. Skinner nào via maiores barreiras para o envolvimento da cientista em
taretas de interwnçâo e afirma {1977, p . 8 ) : ) precisamos alterar considerável mente o comporta mento h umano’ Essa é uma polêmica que
mereoe ser melhor discutida

Sobre Com portam ento e C ognição 85


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86 Cyro Augusto Qomes de A lm eida e Frederico Batista Pereira


Capítulo 7
O conceito de cultura e de liberdade na
teoria de B.F.Skinner:
implicações do controle do
comportamento humano no
fortalecimento da cultura1

Camila Muchon de Melo'


Júlio C. de R ose 1
UFSCar

Ao tratarmos do modelo causal de seleção pelas conseqüénáas proposto por B. F.


Skinner, uma distinção importante deve ser realizada entre as contingências de reforço e as
contingências culturais. É neste contexto que se inicia o estudo sobre os “fenômenos sociais’
baseado na filosofia do Behaviorismo Radical skinneriano, ou seja, a caracterização da evolução
das culturas como um terceiro nível de processos de variação e seleção pelas conseqüências.
Portanto, ao conceituar a cultura como um terceiro nível seletivo, três aspectos são centrais
para esse empreendimento: a definição da variação no terceiro nível - a definição de práticas
culturais; a caracterização das conseqüências culturais e o valor de sobrevivência para este
nível seletivo - o bem da cultura. Além disso, a análise do conceito de liberdade pode nos
fornecer algumas diretrizes para um planejamento de contingências que favoreça o
fortalecimento da cultura. No âmbito do conceito de liberdade a questão recai sobre o controle
do comportamento humano. A partir dessa perspectiva, a liberdade pode ser entendida como
ausência de controle aversivo gerado pelo ambiente natural ou pelo ambiente social, e, além
disso, presença de controle positivo que não possa gerar conseqüências aversivas
postergadas para o comportamento do indivíduo ou que não possa produzir conseqüências
culturais postergadas desfavoráveis ao fortalecimento da cultura. Este ensaio apresenta uma
análise teórica do conceito de cultura e de liberdade e suas implicações para um planejamento
cultural de acordo com uma perspectiva skinneriana: o planejamento para o fortalecimento da
Cultura. Essa investigação é baseada no Behaviorismo Radical de Skinner tomando-se como
cerne o texto de 1971: Beyond Freedom and Dignity.

' Trabalho financiado pela Fapesp como parte da elaboração do projeto temático, processo n°. 0309928-4 e através de bolsa de doutoramento
pela mesma agência de fomento processo n904/05480-1.
! Psicóloga e Doutoranda no Programa de Pós-gradue<^la em Filosofia do Departamento de Filosofia e Metodologia das Ciências ds
Universidade Federal de São Cartos - UFSCar. Endereço para correspondência: camuchon@hotmaif.com
’ Professor do departamento de Psicologia da Universidade Federal de Sào Carkjs - UFSCar. Endereço para correspondência
jakxxterose@yahoa.com.br

Sobre C om portam ento e C ognição 87


1. O terceiro nível de variação e seleção: o conceito de cultura
O modelo causal de seleção pelas conseqüências proposto por B. F. Skinner
(1981) defende que o comportamento humano é o produto da interação de três níveis de
variação e sefeção pelas conseqüências: a filogênese (história evolutiva da espécie -
n/veI í), a ontogênese (história do indivíduo - nível II) e a cultura (nível lil). Todos os três
níveis pressupõem a existência de variações que podem ser selecionadas pelas
contingências. Sendo assim, se um terceiro nível de seleção pode ser sinalizado, então
há variações, há contingências seletivas e há também um valor de sobrevivência.
Ao tratarmos do conceito de cultura na obra de Skinner devemos investigá-lo no
âmbito do terceiro nível de seleção pelas conseqüências. Assim, o itinerário a ser tomado
neste ensaio consiste na identificação das variações, das conseqüências seletivas e
do valor de sobrevivência para esse nível de seleção. Esse percurso permite-nos
compreender afguns aspectos do conceito de cultura na obra do autor.

1.1. A variação no terceiro níveJ dos processos de variação e seleção.


A variação no terceiro nível de seleção refere-se às práticas culturais, ou seja, são as
práticas culturais que constituem as unidades sujeitas à seleção. Segundo Skinner (1971/
2002; 1981), as práticas de uma cultura compreendem a maneira como um povo cuida de
suas crianças, cultiva seus alimentos, produz seu tipo de habitação ou vestuário, como se
diverte, como forma seu governo, sua religião, suas instituições, como seus membros tratam
uns aos outros, entre outras características. Portanto, de certo modo, a cultura pode ser
entendida como os costumes de um grupo de indivíduos, e costumes ou práticas culturais
são, em uma iinguagem skinneriana, comportamentos de indivíduos em grupo.
Quando Skinner (1953; 1957; 1971; 1971/2002) discorre sobre as práticas culturais
ele deixa claro que a cultura não é algo que está além do comportamento dos indivíduos (em
um nivel diferente de observação), mas ao mesmo tempo as práticas culturais, de alguma
forma, são distintas do comportamento individual. O comportamento social, principalmente o
verbal, compreende os comportamentos observados quando as pessoas estão em um
gmpo. Esses comportamentos parecem ser aqueles com os quais podemos descrever uma
prática cultural. Entretanto, podemos descrever e explicar esses comportamentos baseando-
nos no controle das contingências de reforço. Neste momento, a questão consiste em identificar
na proposta skinneriana quais são os aspectos que diferenciam as contingências culturais
das contingências de reforço para podermos identificar uma prática cultura).
Dittrich (2004) aponta três aspectos importantes na definição de uma prática
cultural. Primeiro - uma prática cultural pode ser definida como um conjunto de operantes
reforçados pelos membros de uma cultura. Segundo - para que se tornem práticas
culturais os operantes devem ser transmitidos como parte de um ambiente social.
Terceiro - para que um conjunto de operantes possa ser caracterizado como práticas
culturais, a transmissão entre diferentes gerações deve ser assegurada. Isto ocorre
quando os membros de uma cultura são ensinados a “praticar a prática’1e, além disso,
“ensinados a ensinar’’ a prática. Dittrich (2004) ainda destaca que é a transmissão
intergeracional de operantes a marca principal do processo de variação e seleção no
terceiro nível, o que nos permite falar em evolução cultural propriamente dita.
Segundo Dittrich (2004, p. 135): A conjunção dessas características permite
atribuir a um terceiro nível seletivo a configuração das culturas. Além disso, esse autor
salienta que freqüentemente práticas culturais são executadas de forma coletiva; governar,
educar, promover a saúde dos indivíduos, produzir bens de consumo, bens artísticos ou
bens científicos. Essas atividades podem constituir as práticas culturais e, sendo assim,
têm conseqüências sobre a força das culturas: podem ou não fortalecê-las.

88 Camila M uchon de M elo cJúlio C. dc Rose


Ditírich (2004) ainda safienta que é nos operantes que encontramos a “matéria
prima” para a formação de práticas cuíturais. Assim como para o nível ontogenético as
respostas indiferenciadas dos organismos são uma das “fontes" na constituição dos operantes,
nas práticas culturais os operantes estabelecidos em uma cultura tomam-se as “fontes" para
a constituição das práticas cultura/s. Portanto, os operantes são as "primeiras ocorrências" de
práticas culturais. Entretanto, apenas aqueles operantes que forem transmitidos entre gerações
podem, por fim, constituir as práticas de uma cultura. Ao se constituir como práticas culturais
tomam-se então unidades seletivas para o terceiro nível. Deste modo, práticas culturais
surgem primeiramente de operantes, mas não são esses operantes que são selecionados
na evolução cultural e sim as práticas já constituídas que são as unidades de seleção para o
terceiro nível seletivo. Ou seja, os operantes explicam a fonte primária de variação das práticas
culturais, mas sobre operantes vigoram contingências de reforço, enquanto, por outro lado.
somente sobre as práticas culturais operam as contingências culturais:
as contingências de sobrevivência de práticas culturais entre çeracões.
Isso é verdadeiro por definição, pois operantes transmitidos entre aeracões passam
a ser práticas culturais íembora não deixem de ser operantes - isto é. embora não
deixem de ser controlados também d or contingências ontoaenética) (DUtrich,
2004, p. 140).
Outro aspecto tratado por Skinner {1971/2002) sobre a variação no terceiro nível
consiste na hipótese de que as práticas culturais podem surgir por acidentes. O autor
faz um paralelo da evolução natural com a evolução cultural em que salienta que as
variações das práticas culturais podem emergir acidentalmente como ocorre com as
mutações no nível filogenético. Nesse caso, cabe ressaltar que como na evolução
natural, onde as variações ocorrem através de mutações e são acidentais, na evolução
cultural, novas práticas podem também ocorrer por “acidentes" e não favorecer o
fortalecimento da cultura, ou seja, nem todas as práticas de uma cultura são "adaptativas".
Isso ocorre porque as variações não estão necessariamente relacionadas com as
contingências seletivas em todos os três níveis de seleção. Essa é a terceira imperfeição
apontada por Skinner (1990, p. 1207) nos processos de variação e de seleção pelas
conseqüências, ou seja: As variações são randômicas e as contingências de seleção
são acidentais. Obviamente, algumas variações podem ser modeladas por essas
contingências o que contribui com o surgim ento de traços ou p rá tica s mais
desenvolvidas ou evoluídas, na evolução natural ou na evolução cultural, respectivamente.
Práticas são originadas, e podem ou não favorecer a sobrevivência das culturas.
Algumas práticas que, por exemplo, levem ao consumo desnecessário de recursos ou
que prejudiquem a saúde de seus membros podem contribuir para a extinção da cultura
em questão. Segundo Dittrich (2004), quando algumas práticas culturais contribuem com
a extinção de uma cultura nós podemos dizer que tais práticas possuem valor de
sobrevivência negativo. Entretanto, práticas que favoreçam a produção e o não desperdício
de recursos ou que promovam medidas eficazes para a aquisição da saúde de seus
membros podem fortalecer a cultura e contribuir para a sua sobrevivência. Nesses casos,
poderíamos dizer que essas práticas teriam valor de sobrevivência positivo.
Entretanto, não há em nenhuma prática cultural valor de sobrevivência intrínseco.
Dizer que uma prática cultural possui valor de sobrevivência positivo ou negativo é resultado
de uma avaliação de acordo com cada cultura e em cada momento histórico dessa cultura.

1.2. As conseqüências culturais.


Uma prática cultural envolve contingências entrelaçadas entre os comportamentos
operantes de indivíduos quando se comportam em grupo; assim produzem conseqüências

Sobre Comportamento e Cognição


de reforço para o comportamento de cada indivíduo.4Além disso, uma prática cultural produz
efeitos agregados como produtos que terão efeitos sobre o fortalecimento ou não de uma
cultura (Glenn, 1988). Seriam as consequências no terceiro nívei, ou seja, as conseqüências
culturais, e sendo assim estamos tratando de um terceiro nível de seleção.
Deste modo, a conseqüência cultural ou, segundo Glenn (1988), o produto
agregado, produz um efeito sobre o comportamento grupai, ou seja, sobre as
contingências entrelaçadas de reforço. Como salientou Skinner (1981) é o efeito no
grupo e não as conseqüências reforçadoras para membros individuais que é responsável
pela evolução das culturas. Segundo Glenn e Malagodi (1991), a conseqüência de uma
prática cultural produz mudanças ambientais que podem (imediatamente, gradualmente
ou em longo prazo) fortalecer ou enfraquecer as contingências entrelaçadas de reforço
(que envolvem necessariamente comportamento em conjunto, ou seja, comportamento
social) e, neste sentido, o produto agregado pode selecionar as práticas culturais.
Para analisar as conseqüências no terceiro nível seletivo cabe ressaltar uma
importante distinção: quando estamos tratando de operantes estamos falando de uma classe
de respostas e é essa dasse que pode ser selecionada pelas conseqüências de reforço -
trata-se de contingências de reforço; já quando estamos tratando de práticas culturais estamos
falando de contingências entrelaçadas que envolvem o comportamento de pessoas em
grupo e produzem conseqüências culturais; as conseqüências de tais práticas podem ter
efeito seletivo sobre as mesmas - entramos no campo das contingências culturais.
Ao introduzir o conceito de metacontingências como uma unidade de análise Glenn
(1988) faz uma distinção importante: o produto agregado (as conseqüências de práticas
culturais) de uma prática cultural pode tanto selecionar tal prática e ser uma conseqüência
seledonadora dos comportamentos operantes que participam das contingências entrelaçadas
(que envolvem comportamento de pessoas em grupo), ou o produto agregado pode ser
diferente das conseqüências que selecionam os comportamentos dos indivíduos nas
contingências entrelaçadas. Entendemos que essa é uma questão próxima à que Skinner
(1971, 1971/2002) discorre sobre as conseqüências de longo prazo e as conseqüências
imediatas do comportamento. Ao voltarmos à linguagem mais propriamente skinneriana,
pensamos que o comportamento operante dos indivíduos (compreendendo os diversos
operantes para a constituição de uma prática cultural) pode produzir vários reforçadores
individuais e conseqüências que têm efeitos para o fortalecimento da cultura. Esses efeitos,
como conseqüências culturais, podem retroagir sobre o comportamento do indivíduo
selecionando operantes ou pode nunca retroagir e, assim, a conseqüência seria tão longínqua
que ultrapassaria o tempo de vida do organismo. Vejamos Skinner (1971/2002, p. 135 - 136):
Em um plano qüinqüenal ou um programa de austeridade, induzem-se as pessoas
ao trabalho árduo e a renuncia a certos tioos de reforços em troca de promessas
de outros reforçadores posteriormente... As honras concedidas aos heróis
sobrevivem a eles sob a forma de monumentos. A ríaueza e o conhecimento
acumulados sobrevivem a auem os acumula... O indivíduo não é. .naturalmente.
direiamente afetado oor tais coisas: .ele apenas se beneficia dos reforços
condicionados utilizados pelos demais membros de sua cultura aue a ele sobrevivem
e são oor eles diretamente afetados.

“Contingências entrelaçadas de reforço envolvem o comportamento considerado sodaL Nesse caso o comportamento de um indivíduo pode
passar a tef a função de estímulo discriminativo ou de consequência para o comportamento de outro indivíduo e vice-versa. A partir da
definição de comportamento social de Skinner (1953), Glenn (19Ô8.1991) defende que em contingências entrelaçadas de reforçoo
comportamento do Indivíduo teria tanto o papel de ação. como o de ambiente (para o comportamento de outros). Esse ‘duplo papefque o
comportamento dc cada Indfviduo desempenha nos processos sociais define as “contingências entrelaçadas de reforçamento".
sA metaconíngêncJa ê uma unidade de análise que envolve uma prática cultural em suas infinitas variações e os produtos agregados òe tais
variações (Glenn. 1988).

90 Camila Muchon de M e lo e jú lio C . de Rose


1.3. O valor de sobrevivência no terceiro nível seletivo.
Segundo Melo (2005), outra diferença importante para identificarmos o terceiro
nível de'seleção consiste no fato de que o "valor de sobrevivência” que está em questão
nesse nível não é a sobrevivência do indivíduo e sim a sobrevivência da cultura.
O que está em questão na filogênese é a sobrevivência da espécie e na
ontogênese é a efetividade dos operantes adquiridos durante o tempo de vida de um
organismo, já na evolução cultural o que está em questão é o efeito no grupo e não
apenas em membros individuais. Portanto, as práticas culturais que produzem o bem da
cultura são aquelas que favorecem a sobrevivência da cultura que pratica tais práticas6.
Em relação à questão do valor de sobrevivência no terceiro nível cabe ressaltar
dois aspectos na obra skinneriana. Primeiro: Skinner (1971/2002) elege o bem da
cultura como valor primordial aq qual os outros valores de sua filosofia moral devem ser
subordinados. Portanto, o bem da cultura como um valor primordial indica o critério de
avaliação para a inserção ou manutenção de práticas culturais em um planejamento
cultural. Segundo: depois de eleger o bem da cultura como valor primordial e como
critério de avaliação para o planejamento cultural, podemos interpretar que a obra de
Skinner sugere que além de planejarmos um mundo que favoreça a sobrevivência da
cultura, devemos planejar um mundo em que o equilíbrio entre o bem do indivíduo e o
bem da cultura seja assegurado (Melo & de Rose, 2006). Passando a palavra ao autor:
Uma cultura bem planejada é um conjunto de contingências de reforço, sob o aual
os membros se comportam de acordo com os procedimentos que mantêm a cultura.
caoacitam-na a enfrentar emergências, e modificam-na de modo a realizar essas
mesmas coisas mais eficientemente no futuro. Sacrifícios, pessoais oodem ser
exemplos dramáticos do conflito de interesse entre o arupo e seus membros, mas
são produtos de um mau olaneiam ento. Sob m elhores co n tin g ê n cia s, o
comportamento que fortalece uma cultura oode ser altamente reforcador (Skinner,
1969, p. 41) (Nossos grifos).
A partir dessas questões passamos neste momento para o conceito de liberdade
e suas implicações em um planejamento cultural de acordo com a perspectiva skinneriana.

2. O conceito de liberdade e suas implicações para o fortalecimento


da cultura
Em 1971, o conceito de liberdade é tratado principalmente sobre o prisma do
controle do comportamento humano. O autor inicia seus questionamentos com a crítica
ao conceito tradicional de liberdade, que se refere à concepção de que o comportamento
humano pode ser indeterminado, no sentido de que pode ser “não controlado". Skinner
(1971/2002) enfatiza que a literatura tradicional da liberdade sugere que o controle do
comportamento humano não produz liberdade, mas o tipo de controle ao qual essa
literatura se refere é freqüentemente o controle gerado por contingências aversivas.
Essa literatura, quando trata das condições pelas quais considera que o ser humano
pode ser livre, não leva em consideração que mesmo nesse caso há controle, embora
seja um controle não coercitivo. Além disso, essa literatura generaliza tais fatos e defende
que toda espécie de controle é “ruim”, opondo-se, portanto, ào planejamento cultural.

“ Em seu sistema étioo Skinner (1971 /20Q2) defende que o oomporfamenfo humano pode produzir três tipos de "bens' ou de valores: c *bem*do
>icfr.' (duo, o "bem" dos outras e o 'bem’ da cultura. Esses bens estão relacionados oom as conseqüências do comportamento. Simpllflcadamenle,
bens pessoais sáa aqueles que reforçam positivamente o comportamento de quem os produe. O comportamento que produz o "bem" dos outros
é aquele que produz conseqüências reforçadoras para as outraspesáoas, ou rémove retorçadores negativos relacionados ao comportamento de
outras pessoas, esse comportanento émantido por relações de reforçamento recíproco. Os comportamentos <JJeproduzem o bem da cütura
são aqueles que ao constituírem uma prática cultura fortalecem a cultura no sentido de tomá-la mais apta a restiver seus problemas. Assim, o
bem da cultura pode ser identificado com o fortalecimento e a sobrevivência da cultura em questão

Sobre Comportamento e Cognição 91


Uma concepção filosófica behaviorista radical sustenta que o comportamento é
determinado tanto por contingências reforçadoras quanto por contingências aversivas.
Portanto, podemos investigar o conceito de liberdade nessa obra como: ausência de
controle aversivo gerado pelo ambiente natural ou pelo ambiente sociaf, e, além disso, presença
de controle positivo, mas que não possa gerar conseqüências aversivas postergadas para o
comportamento do indivíduo ou que não produza conseqüências culturais postergadas que
desfavoreçam o fortalecimento da cultura. É nesse aspecto que o conceito de liberdade pode
nos fornecer direções para o planejamento que visa o fortalecimento da cultura.

2,1, Liberdade como ausência de controle aversivo.


Um dos primeiros sentidos do uso do conceito de liberdade refere-se à liberdade
do controle aversivo. Neste caso, Skinner (1953, 1971/2002) salienta que há dois tipos
principais de controles aversivos: um relacionado ao ambiente “físico" e outro ao ambiente
social. Nesses exemplos a liberdade tem o sentido de "libertar-se" do controle aversivo.
Libertar-se dos controlos aversivos gerados pelo ambiente físico significa
comportar-se de forma a evitar estímulos aversivos (que podem ser prejudiciais para os
organismos) ou engajar-se em comportamentos de fuga desses estímulos. O
organismo pode fazer isso através de comportamentos respondentes ou de
comportamentos operantes. Por exemplo: a resposta de espirrar (como um respondente
filogeneticamente selecionado) pode “livrar" o organismo de substâncias irritantes às
vias respiratórias. Quando aprisionado um indivíduo pode lutar vigorosamente (um
operante que pode ter a função de fuga e/ou esquiva da situação aversiva gerada pelo
aprisionamento). Segundo Skinner (1971/2002), a tendência a se comportar dessas
formas pode ter uma origem filogenética, uma vez que essa tendência deve ter favorecido
à sobrevivência da espécie. O autor salienta que grande parte do desenvolvimento da
tecnologia física moderna destinou-se a produzir um mundo “livre” dessas condições
aversivas aos indivíduos. Assim, produzimos um mundo onde é possível livrar-nos de
extremos de temperatura, fontes de infecção, escassez de alimentos e etc.
Outro sentido do “libertar-se” de controles aversivos relaciona-se ao controle
aversivo gerado pelo comportamento de outras pessoas ou gerado por agências de
controle como a religião, o governo, a educação e etc., ou seja, 'libertar-se’1do controle
aversivo gerado pelo ambiente social (Skinner, 1953; 1971/2002). Para libertar-se desse
tipo de controle o indivíduo pode fugir de sistemas escravistas, emigrar, tornar-se
“descrente” de religiões, faltar às aulas, fugir de uma cultura tomando-se um ermitão ou
um hippie. Esses são aiguns dos inumeráveis exemplos de “libertar-se" do controle
aversivo exercido pelo ambiente social.
Skinner (1971/2002) salienta que a literatura tradicional da liberdade tem trabalhado
no sentido de induzir as pessoas a escapar ou a atacar aqueles que tentam controlá-las
aversivamente; nesse sentido, essa literatura contribuiu para a eliminação de muitas
práticas culturais aversivas oriundas do governo, da religião, da educação, da vida familiar
entre outros. Entretanto, o autor enfatiza que essa literatura enfocou a ausência de controle
aversivo e a maneira como essa condição se faz sentir. Além disso, identificou ausência
de controle aversivo com ausência de controle, de qualquer controle. Para o Behaviorismo
Radical, o comportamento humano é determinado por contingências aversivas e
contingências positivas, sendo assim, a literatura tradicional da liberdade deixou de discutir
a liberdade no campo do controle positivo. Ao enfocar o sentimento de liberdade em vez
das contingências que produzem esse sentimento, essa literatura “negligenciou” outros
campos do controle do comportamento humano. Segundo Skinner (1971/2002, p. 37): A

92 Camila Muchon dc M elo e Júlio C. de Rose


Uberdade é uma questão de contingências de reforçgmento, e nao de sentimentos que as
contingências geraram. Passem os a essas questões.

2.2. Liberdade como presença de controle positivo, sem controle aversivo


postergado.
Técnicas não aversivas têm sido utilizadas em vários campos para o controle
do comportamento humano, mas o problema do uso do controle positivo decorre do fato
que em algumas vezes esse controle implica condições aversivas postergadas. Nesse
caso, muitas vezes as pessoas sentem-se ‘ livres", entretanto não identificam as
condições aversivas que podem ser geradas posteriormente. Skinner (1971/2002)
argumentou que a literatura tradicional da liberdade não foi eficaz para lidar com técnicas
de controle que não resultam em revolta ou fuga, ou seja, técnicas não aversivas que
produzem em última instância consequências aversivas.
Os esquemas de reforço (como os de intervalo variável ou os de razão variável)
podem nos fornecer inúmeros exemplos desse tipo. Os jogos de azar exemplificam um
esquema de razão variável, em que algumas respostas são reforçadas de acordo com
um número variável de tentativas e como resultado o comportamento pode se manter
com muita força. Entretanto, o número médio de respostas necessárias para produzir o
reforço (freqüentemente dinheiro) pode ser cada vez maior. Sendo assim, o indivíduo
encontra-se em um esquema em que as contingências foram dispostas inicialmente de
formas não aversivas, todavia o comportamento “vigoroso’’ do indivíduo pode nos sugerir
uma espécie de “escravidão" ou o que chamamos de vício por jogar (Skinner, 1971/2002).
No caso desse tipo de controle empregado em uma cultura o autor levanta uma
questão importante; é melhor um escravo consciente do que um escravo feliz? Ou seja,
o escravo feliz pode representar o controle do comportamento por técnicas inicialmente
não coercitivas, mas geradoras de algum tipo de exploração (sugerida pela palavra
escravo). Skinner (1971/2002, p. 40) destacou que: A literatura da liberdade tem sido
designada a tornar o homem “consciente" do controle aversivo, mas na escolha de seus
métodos ela tem falhado em resgatar o escravo feliz-
Portanto, ao investigarmos a questão da liberdade de acordo com a teoria
skinneriana devemos investigar todas as formas de controle, não apenas aquelas que
sugerem controle aversivo. Assim, a liberdade pode ser entendida como “libertai o homem
de certos tipos de controle, como os que descrevemos anteriormente, uma vez quç, como
enfatizou Skinner (1971/2002, p. 42): Embora, a tecnologia tenha libertado o homem de
certos aspectos aversivos do ambiente, não o libertou do ambiente. Portanto, o planejamento
cultural de acordo com uma perspectiva skinneriana deve ater-se a todas as formas de
controle do comportamento. A literatura tradicional da liberdade, ao defender que o controle
aversivo deve ser evitado e derivar dessa proposição que todo tipo de controle é ruim, deixou
de analisar efetivamente muitas das práticas culturais essenciais para o bem estar dos
indivíduos e para a cultura, práticas que envolvem o controle do comportamento humano.
Ou seja, terminou por não produzir um planejamento cultural efetivo.

2.3 A liberdade das “ pessoas” .


Skinner (1968) também trata a liberdade no sentido de libertar-se das pessoas, o
que implica em produzir comportamentos que estejam sob o controle das coisas. Nesse
caso a tecnologia da educação baseada em uma perspectiva skinneriana pode contribuir
com a liberdade das “pessoas” quando proporciona um repertório vasto e eficiente, quando
ensina os estudantes a desenvolverem tarefas sem o auxílio constante do professor, assim

<>obre Comportamento e Cognição 93


ela produz um comportamento “livre" das pessoas. Portanto, quando o comportamento do
indivíduo é modelado e mantido por seus aspectos idiossincráticos e não por aprovação,
admiração ou atenção o que temos é a liberdade em relação às “pessoas" e um
comportamento mais sob o controle das coisas. Além disso, o comportamento adquirido
em contato com as coisas pode ser caracterizado como comportamento original em dois
sentidos, primeiro porque não foi aprendido com outras pessoas, e sendo assim, não se
apresentaria como um comportamento ímitativo e segundo porque no contato com as
coisas o indivíduo poderá descobrir características originais e variáveis das coisas.
Uma cultura que proporcione a liberdade “em relação às pessoas" e o
comportamento mantido sob o controfe das coisas é uma cultura que produz a Liberdade
em seu sentido mais amplo de acordo com uma visão skrnneriana.

3. Considerações finais
Propor um planejamento cultural baseado na teoria skinneriana implica em
compreender o processo de evolução cultural e, dentro disso, compreender como as
práticas culturais surgem e evoluem e que tipo de conseqüências elas produzem. Um
planejamento de acordo com essa perspectiva visa à sobrevivência da cultura, ou seja,
tem como critério de avaliação para a implementação ou manutenção de práticas o valor
primordial da filosofia moral de Skinner: o bem da cultura. Além disso, defendemos que
esse planejamento visa o equilíbrio entre o bem estar dos indivíduos e o bem da cultura.
Questões referentes ao conceito de liberdade tratadas pela teoria de Skinner
sugerem que para que uma cultura seja forte (no sentido skinneriano) seu planejamento
não busca apenas a “liberdade" de controles aversivos, nem a “liberdade" do controle
positivo com conseqüências aversivas postergadas, O planejamento cultural visa
primeiro, a identificação de todas as formas de controle do comportamento humano e,
posteriormente, o planejamento de contingências que controlem o comportamento dos
indivíduos de forma a favorecer o bem do indivíduo concomitante com o bem da cultura.
Deve-se pesquisar, portanto, que tipo de conseqüências os operantes, que constituem
as práticas de uma cultura, estão produzindo. Essas conseqüências devem favorecer o
fortalecimento da cuitura sem implicar sacrifícios ao indivíduo.
Uma cultura de “liberdade’' nos moldes skinnerianos vai “além da liberdade” (no
sentido tradicional): Que não será o de libertar os homens do controle, mas analisar e modificar
os diversos tipos de controle a que eles encontram-se submetidos (Skinner, 1971/2002, p, 42).

Referências

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cultura: uma análise conceituai de trechos da obra de B. F. Skinner. In: H. J. Guilhardi & N. C.
Aguirre (Org.). Sobre o Comportamento e Cognição: Expondo a Variabilidade, v. 17 (pp 41-
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publicado em 1971).

t Sobre Comportamento c C ognição 95


Capítulo 8
O conceito de estímulo no behaviorismo
radical: esboço de uma
interpretação pragmatista

Carlos Eduardo Lopes1


VFMS-CPAR

No livro Science and Human Behavior, Skinner (1953) justifica a continuidade


do uso do termo ‘resposta’ dizendo que, embora não seja inteiramente adequado, ete
“está tão bem estabelecido que continuaremos usando-o em discussões posteriores”
(p. 64). Talvez algo parecido possa ser dito em relação ao termo ‘estímulo’. Assim como
‘resposta’, ‘estímulo’ traz consigo uma pesada herança filosófica, sendo que grande
parte dela parece incompatível com as pretensões do Behaviorismo Radical. No entanto,
uma vez que se trata de um conceito presente desde as primeiras versões de
Behaviorismo, não parece possivel, atualmente, recomendar seu abandono.
A saída parece ser, então, discutir tanto a herança filosófica trazida pelo conceito
de estímulo, quanto o posicionamento do Behaviorismo Radical frente a essa herança.
0 objetivo deste ensaio é justamente discutir o posicionamento do Behaviorismo Radical
em relação a uma das mais canônicas concepções de estímulo: a fisicalista. Como
veremos adiante, embora canônica, a concepção fisicalista de estímulo parece não se
ajustar às pretensões do Behaviorismo Radical. Com isso, abre-se caminho para uma
interpretação alternativa do conceito de estímulo, apontando algumas afinidades entre
a filosofia da ciência do comportamento skinneriana e o Pragmatismo.

Crítica ao conceito fisicalista de estímulo


No capítulo I do livro Contingencies of Reinforcement, Skinner (1969) afirma que
na concepção por ele defendida “um estímulo já não é mais o mero início ou término
conspícuo de uma troca de energia, como na fisiologia do reflexo; ele é qualquer parte
da ocasião na qual uma resposta é emitida e reforçada” (p. 10).
A primeira constatação que pode ser extraída desse trecho é o repúdio do Behaviorismo
Radical ao conceito de estímulo adotado pela fisiologia do reflexo. O próprio Skinner (1969) diz

1Endereço para correspondência' Universidade Federei de Mato Grosso do Sul, Curso de Graduação em Psicologia. Av. Durval Rodngues
Lopes, n° 500. Centra, CEP TO500-000, ParanaibaA^S. Endereça eletrônico. caelopcs@te(ra com.br

96 Carlos Eduardo Lopes


qual é o conceito de estímulo defendido pela fisiologia do reflexo e, consequentemente, pela
Psicologia Estímulo-Resposta: “o mero início ou término conspícuo de uma troca de energia"
(p. 10). Trata-se de uma concepção fisicalista, que afirma que estímulo deve ser entendido
como “algo” de natureza física, que causa ou produz o comportamento; em outras palavras, é
uma concepção que se harmoniza com o conceito de estímulo defendido pelas ciências
naturais, mais especificamente pela Física2. Não é por acaso que o manifesto de Watson
(1913/1994) começa afirmando que “A psicologia como o behaviorista a vê é um ramo
puramente objetivo e experimentai da ciência natural" (p. 248).
Dessa forma, Skinner (1969)3 recusa a filiação do Behaviorismo Radical à Psicologia
Estímulo-Resposta e, conseqüentemente ao Fisicalismo. Isso quer dizer que, para o
Behaviorismo Radical, o conceito de estímuio não deve ser interpretado do ponto de vista
físico, como uma energia de natureza física, que existe de maneira independente do
comportamento. Vale ressaltar que essa anterioridade do estímulo físico (ele existe antes do
comportamento) aproxima o Fisicalismo do Reaíismo. Em outras palavras, a defesa de um
conceito fisicalista de estímulo (que o estímulo é uma “coisa" física), geralmente, culmina na
defesa do Realismo (que essa “coisa" tem uma existência independente do comportamento).
O complemento desse repúdio à interpretação fisicalista de estimulo pode ser
encontrado na segunda parte do trecho citado acima, quando Skinner (1969) fornece o
que parece ser uma interpretação funcionaI de estímulo, dizendo que tal conceito diz
respeito à “parte da ocasião na qual uma resposta é emitida e reforçada" (p. 10). Em
outras palavras, um estímulo é definido pela relação comportamental da qual ele participa.
Ora, é justamente essa interpretação que encontraremos no final do mesmo parágrafo:
“Em outras palavras, já não olhamos mais para comportamento e ambiente como
coisas ou eventos separados, mas para as inter-relações entre eles” (p. 10).

Behaviorismo Radicai e Pragmatismo: Conceito reiacional-funcíonal


de estímulo
Com essa concepção funcional de estímulo, o Behaviorismo Radical parece
aproximar-se do Pragmatismo de John Dewey (1859-1952). Segundo esse autor, ‘estímulo’
é um conceito inteiramente funcional e relacional, o que equivale dizer que a função de um
estímulo (que é estabelecida na relação comportamental) esgota o conceito de estímulo
(Dewey, 1896/1981). Em outras palavras, se retirarmos a função do estímulo não sobra nadai
Dessa maneira, com uma definição funcional de estimulo o Behaviorismo
Radical filia -se a uma filosofia re la c io n a i que define os termos da relação
comportamental dentro da própria relação. Isso quer dizer que estímulos e respostas
são conceitos que só podem ser definidos a partir do comportamento.
Essa aproximação entre Pragmatismo e Behaviorismo Radical nos remete a dois
pontos:
1) Em primeiro lugar, só podemos defender uma concepção relacional e funcional de
estímulo se abandonarmos, na Psicologia, o modelo clássico de ciência natural.

2O terTTX)'fisicalisnKi' é empregado neste ensaio mais ou menoa no mesmo sentido proposto por Carnap (1932-33/1959), ooeno uma defesa da
pnondade da linguagem da Fisica no estudo dos fenómenos da natureza, irtduindo os fenômenos psicológicos No entanto, enquanto Carnap
tenta manter-se no nível eslrilamente eplstemotógco, argumentaremos, aqui, que é possível estender a concepção fisicalista até o òomlrlo
ontológico, defendendo, assim, que tudoé de natureza fisica. “ '
1Vale ressaltar que em alguns momentos de sua obra. Skinrwr parece defender ume concepção fisicalista de estímuto (d. nota 3). No
entarlo, isso não desiegitima a presente interpretação, uma vez que não estamos em busca da 'interpretação verdaderá, mas apenas de uma
interpretação plausivel. Nesse sentido, admrte-se
que tanto o interpretação fisicalista, quanto a pragmatista sSo plausiveis e a escolha por uma delas deve pautar-se petas oonseqüèndas
produzidas pela adoçáo de cada uma. (Para unta discussão sobre interpretação verdadeira versus interpretação
plausivei vw Lopes (2005))

Sobre Comportam ento e Cognição


Portanto, estímulo não pode mais ser entendido como evento físico que, em algum
momento, entra em relação com o comportamento, adquirindo assim uma função.
Temos que partir da relação (e, conseqüentemente da função), o que equivale dizer que
"fora” dessa relação não existem estímulos.
Dessa maneira, ou admitimos que o conceito de estímulo adotado pelo Behaviorismo
Radical é diferente do conceito adotado pela Física - e, então, temos que nos perguntar
como eles podem se relacionar ou deveríamos questionar o conceito de estímuío
físico a partir de uma concepção relacional e funcional de estímuío.
2) Em segundo lugar, a discussão do conceito de estímulo rompe os limites de uma
investigação puramente epistemológíca. Em outras palavras, o campo epistemológico
é insuficiente para nos dar uma resposta satisfatória sobre o conceito de estímulo:
temos que partir em direção à construção de uma ontologia. Dessa maneira, para
analisar as possíveis relações entre Fisicalismo e Behaviorismo Radical (bem como
entre Física e Análise do Comportamento) temos que responder à questão sobre a
existência última das coisas (no caso, dos estímulos).
Parando no nível epistemológico, temos de admitir que não somos capazes de
falar sobre a “real” existência das coisas; no que concerne à nossa discussão, não seremos
capazes de dizer qual é a natureza dos estímulos. Isso mostra que mesmo um conceito
científico, como é o caso de estimulo, não se exime de um comprometimento ontológico.

Ontologia, epistemologia e conceito de estímulo


Se dissermos que o estímulo é conhecido na relação com porta mental, mas
existe de maneira independente, estaremos nos filiando a uma metafísica transcendente.
Em outras palavras, estaremos aceitando a dicotomia 'aparência versus essência'. Tal
aceitação tem como conseqüência uma hierarquização entre ontologia e epistemologia,
de modo que se estivermos interessados no que o estímulo “realmente é”, não podemos
mais ficar na mera aparência, temos que partir para uma investigação da sua essência.
Isso é o mesmo que dizer que a epistemologia está subordinada à ontologia.
Essa concepção tornar-se-á ameaçadora para a Psicologia quando o Fisicalismo
aparecer reivindicando o status de essência do estímulo. Isso equivale a dizer que,
embora do ponto de vista epistemológico (do que é conhecido, da aparência), o estímulo
seja funcional e relacional, do ponto de vista ontológico (do que ele é, da essência), ele
é físico. Conseqüentemente, toda discussão psicológica está, em última instância,
subjugada à Física. De certa maneira, é esse tipo de concepção que está por detrás da
aceitação do Realismo, ou seja, embora só possamos conhecer o estímulo em uma
relação comportamental, ele existe como um evento físico mesmo antes dessa relação.
Por outro lado, se levarmos às últimas conseqüências o posicionamento
relacional, ou seja, se considerarmos que a relação não delimita apenas o campo
epistemológico, mas também o ontológico, o panorama que se pinta é bastante diferente.
Na medida em que não aceitamos a dicotomia ‘essência versus aparência’,
nos afastamos de uma concepção transcendente, ao mesmo tempo em que nos filiamos
a uma metafísica imanente, que não vê uma discrepância fundamental entre ontologia
e epistemologia. O estimulo, agora, é um conceito inteiramente relacional-funcional.
Isso quer dizer que antes de ter uma função em uma relação comportamental os
estímulos simplesmente não existem. Conseqüentemente, a partir dessa concepção o
Realismo torna-se inviável.

98 Carlos Eduardo Lopes


É claro que o problema maior colocado pela defesa de tal posicionamento é a
relação entre Física e Análise do Comportamento. Uma coisa já sabemos: a Física não
pode mais ser considerada como a ciência que trata das essências, enquanto que a
Psicologia (entendida como Análise do Comportamento) trata apenas da aparência.
Aliás, parece que essa não é sequer a pretensão da Física. Essa defesa parece partir
mais de psicólogoá do que de físicos4. Talvez a raiz da crença de que a Física estuda a
essência das coisas, esteja no fato de a Psicologia tentar se filiar às ciências naturais.
Como o modelo de ciência natural é a Física - uma ciência antiga e, portanto,
razoavelmente consolidada a Psicologia, como sinal de “respeito aos mais velhos”
(admitindo sua inferioridade em relação à Física), acaba considerando a Física não só
um modelo epistemológico, mas um modelo ontológico.
Dessa maneira, quem dá à Física um status ontológico é a própria Psicologia:
há uma confusão entre epistemologia e ontologia fisicalista, o que poderia ser evitado
se a Psicologia tivesse, desde o início, a ambição de construir uma ontologia.

Conclusão
A discussão apresentada sobre o conceito de estímulo nos leva a concluir que,
pelo menos em relação a esse assunto, um posicionamento satisfatório pede uma
discussão ontológica (sobre o que existe, e sobre a natureza dos entes). Como
conseqüência, podemos dizer que diferentes posicionamentos ontológicos conduzem
a investigações epistemológicas distintas.
No caso da Psicologia, o Fisicalismo, entendido como um posicionamento
ontológico, conduz à defesa de uma epistemologia ''fraca”5, o que quer dizer que uma
investigação comportamental é incapaz de falar sobre a verdadeira natureza dos fenômenos
psicológicos, ficando essa tarefa destinada a ciências naturais mais “maduras”. Isso culmina
em uma perspectiva reducionista, que defende que o comportamento deve ser compreendido
como mero “sintoma" do funcionamento físico do organismo (o que, geralmente, é
identificado com o funcionamento do sistema nervoso). Dessa forma, se alcançarmos uma
investigação física, ou nesse caso fisiológica, suficientemente desenvolvida, ela substituirá,
sem nenhum prejuízo, qualquer explicação comportamental.
Já o relacionismo, admite que o campo da investigação epistemológica
harmoniza-se com a ontologia (imanentismo). Dessa maneira, passamos a defender
uma epistemologia “forte", pois quando estudamos o comportamento, não estamos
lidando apenas com a aparência dos fenômenos psicológicos; os fenômenos
psicológicos são de natureza comportamental. Conseqüentemente, o reducionismo
fisicalista não pode ser defendido: não importa quão a Fisica ou a Fisiologia avancem,
suas explicações nunca poderão substituir uma análise funcional.

Referências

Abib, J. A. D. (1996). Epistemologia, transdisciplinaridade e método. Psicologia: Teoria e Pesquisa,


12 (03), 219-229.

4O prôpno Skinner (1953), cm alguns momentos, parece fiRar-se a essa vtsão; ’ Qual é a esüutura òo mundo que vemos, ouvimos, tocamos,
cheiramos e degustam os7 Não devemos pré-julgar esses eventos a partir de seus efertos sobre o organismo, Eles devem ser descritos nos
termos usuais da fisica da luz e do som, da química dos odores ou das substâncias com goslo, e assim por diante‘ (p. 130).
* As expressões 'epistemotogia fraca' e ’forte' são definidas, aqui. em relação à ontologia. Portanto, o presente emprego nâo deve s p r
confundido com outros usos
encontradas na filosofia da dêocia (Para discussão de um outro tipo de uso desses termos ver AMb (1996).)

Sobre Comportamento c Cognição 99


Carnap, R. (1959). Psychology in physical language. (G. Schick. Trad.). Em A. J. Ayer (Org.), Logical
positivism (pp. 165-198). New York: The Free Press, (Original publicado em 1932-33)
Dewey, J. (1981) The reflex arc concept in psychology. Em J. J. McDermott (Org.), The philosophy
o f John Dewey. Chicago: The University of Chicago Press. (Originalmente publicado em
1896)
Lopes, C. E (2005). Uma crítica ao papel da teoria de eventos privados no estudo da subjetividade.
Em GuiJhardí, H. J. & Aguirre, N. C. (Orgs.), Sobre comportamento e cognição: Expondo a
variabilidade, vol. 15 (pp. 126-132). Santo André: ESETec.
Skinner, B. F. (1953). Science and human behavior. New York: McMillan.
Skinner, B. F. (1969). Contingencies o f reinforcement: A theoretical analysis. New York: Appleton-
Century-Crofts
Watson, J B. (1994). Psychology as the behaviorist views it. Psychological Review, 101 (02), 248-
253. (Originalmente publicado em 1913).

100 Carlos fcduardo Lopes


Capítulo 9
l/m diálogo entre B.F.Skínner e Proteu:
construindo uma leitura
pragmatista da teoria científica
no behaviorismo radical

Carolina Laurenti1
UFSCar

O objetivo deste texto é tecer algumas considerações sobre a função que a


teoria científica desempenha no sistema explicativo behaviorista radical. O que sugere,
de imediato, uma investigação das relações entre teoria e realidade. Mas antes, convém
um breve comentário. Afirmar que o foco das atenções será as relações entre teoria e
realidade não significa que investigaremos o estofo dessa realidade, pois isso é da
alçada da ontologia. O que nos preocupa aqui são as possíveis relações entre teoria e
realidade no nível epistemológico, o que nos restringe a discutir questões do tipo: qual
o objetivo da teoria científica, como se dá o seu modo de validação, e assim por diante.
O exame de tais relações nos conduz a duas concepções bastante distintas de
teoria científica: o realismo, e o instrumentalismo-pragmatista2. Há várias maneiras de
descrever essas duas interpretações de teoria científica. Aqui, nos valeremos de um
modo inusitado de apresentar o realismo e o instrumentalismo, que pretende tornar
mais conspícuas as diferenças entre eles. Recorreremos, aqui, à mitologia grega,
especificamente ao demônio dos mares, Proteu3. Segundo reza a lenda, Proteu, filho de
Fênice e Netuno, tinha o dom de prever o futuro. Por isso, muitos o procuravam na

1bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Pauto (FAPESP); endereço eletrônico' carolinapsicokxja@hotmsH.corn
JInstrumentalismo é considerado uma versão do pragmatismo elaborada por John Dewey. Como um pragmatismo, o instrumentalismo
compartilha da concepção instrumental de verdade jamesiana. Por outra lado, apresenta Igumas
diferenças. Por exemplo. James enfatiza o aspecto moral da teoria: "ele [JamesLcansiderou ooncepções e teorias puramente como
instrumentos que podem servir para constituir fatos futuras de uma maneira especifica. Mas James dedicou-se, primariamente, aos aspectos
morais da teoria (. ..). Ele nunca tenlou desenvolver uma teoria completa das formas ou "estruturas" ou das operações lógicas que são
fundadas sob sua concepção" (Dewey, l922/19S1.p 51) Por outro tado, o instrumentalismo de Dewey destaca o aspecto lógico: “0
instrumentalismo é uma tentativa de estabelecer uma teona lógica dos conceitos, de julgamentos e inferências em suas várias formas, ao
considerar, primariamente, como o pensamento funciona nas determinações experimentas das conseqüências futuras” (p 51).
3Metáfora sugerida por Cacioppo. Semin & Bemlson (2001, p. 214).

Sobre Comportamento e Cognição 101


tentativa de conseguir o oráculo. Mas conseguir uma previsão de Proteu não era uma
tarefa nada fácil, pois ele possuía a notável capacidade de modificar sua aparência do
modo que desejasse. Com isso, Proteu despistava aqueles que o procuravam, evitando,
assim, de fazer as predições. Embora trapaceiro em suas várias aparências, um
investigador arguto poderia ser capaz de descobrir a ‘Verdadeira'’ identidade do demônio
dos mares, conseguindo, desse modo, uma predição.
A metáfora de Proteu é notadamente realista, po/s, segundo o realismo, a função
de uma teoria científica é refletir, capturar, ou corresponder a uma realidade final e
imutável (Cacroppo, Semin, & Berntson, 2004; Nagel, 1961). Na perspectiva realista,
uma teoria científica é verdadeira se ela for um retrato fiel da realidade; ou falsa, se uma
correspondência com essa realidade não for estabelecida. Podemos dizer, então, que
o valor de verdade de uma teoria científica é decidido, na ótica do realismo, através de
sua correspondência com a realidade.
Em vista dessas características, podemos dizer que o objetivo de uma teoria realista
é descobrira verdade absoluta, ou, metaforicamente, desvelar a real identidade de Proteu. No
diálogo com Proteu, as diversas identidades que ele poderia assumir, na tentativa de ludibriar
os seus inquiridores, podem ser encaradas, do ponto de vista realista, como mera aparência,
ou acidentes da essência de Proteu (a sua verdadeira identidade). Assim, a descoberta da
real identidade de Proteu, ou de uma verdade absoluta, é o fim da pesquisa. Essa meta
permanece mesmo admitindo que nossas teorias possam ser insuficientes ou limitadas
para alcançarmos essa realidade; ou, como diria Popper (1970/1985), mesmo que nossas
teorias sejam nada mais que meras conjecturas sobre a realidade. Com efeito, podemos
dizer que a crença nessa realidade ultima desempenha um papel “motivacionar na ciência,
encorajando o pesquisador a buscar incessantemente novas teorias e técnicas, avançando,
desse modo, o conhecimento científico'’. Isso pode nos levar a pensar (equivocadamente)
que sem a crença na realidade última a empresa científica seria pouco entusiástica e tenaz.
Ainda que a metáfora de Proteu seja mais fiel aos pressupostos do realismo,
empregá-la-emos também para caracterizar o instrumentalismo-pragmatista. De acordo
com o instrumentalismo, as teorias científicas são vistas como instrumentos conceituais
que têm o objetivo de orientar o pesquisador no contexto científico, promovendo a
compreensão e predição adequada do fenômeno de interesse, ajudando a resolver
problemas em algum domínio específico (Cacioppo, Semin, & Berntson, 2004; Nagel,
1961). Como um instrumento conceituai, as teorias não representam g. realidade, assim
como um serrote não representa os objetos que produz, como uma mesa ou porta.
Diferente da idéia de teoria como representação da realidade, as teorias, como ferramentas
intelectuais, também constroem a realidade, no sentido de que constroem relações entre
os dados de observação que não seriam estabelecidas, se não fossem organizadas por
uma teoria. Em tese, o instrumentalismo não lida com a realidade, mas com realidades.
Como conseqüência disso, podemos dizer que o instrumentalismo também
não lida com a verdade, mas com verdades. Embora essa afirmação possa soar como
um compromisso com o relativismo, o instrumentalismo adota um critério ou pedra de
toque para aferir a verdade ou falsidade de uma teoria cientifica. Todavia, esse critério
não é o acordo ou correspondência com a realidade. A “verdade" de uma teoria é medida
peia sua capacidade de produzir conseqüências úteis, sejam elas intelectuais ou
práticas. Isso significa que se uma teoria promover a compreensão de um dado
fenômeno, ou se ajudar o cientista a fazer predições bem-sucedidas, tal teoria é

4Isso tea ciaro no seguinte comentario de Poppet (1970M98S) sobre sentido òa realismo aeritífioo 'n pror^imonto quA adotamos pode nos
levar ao sucesso, no sentido de que teorias conjecturais tercem progressivamente a nos aproximar da verdade, isto è, a descrições
verdadeiras de certos fatos, ou aspectos da reaüdsóa *(p 222).

1 0 2 Carolina Laurenti
considerada verdadeira. Se não cumprir essas tarefas, declara-se a falsidade da teoria
Em termos metafóricos, podemos dizer que uma inquisição judiciosa de Proteu
é valorosa, ou verdadeira, não porque ela revela a suposta essência de Proteu (uma
verdade absoluta), mas porque produz conhecimento que ajuda a resolver os problemas
dos seus inquiridores. Em vista disso, as múltiplas identidades que Proteu poderia
assumir não podem mais ser encaradas como mera aparência. Pelo contrário, cada
identidade é considerada como uma identidade verdadeira, se as conseqüências de
assumir tal identidade forem úteis. Nesse sentido, para o instrumentalismo, a descoberta
de uma suposta identidade verdadeira é o meio para alcançar determinados objetivos,
e nunca um fim em si mesmo. Em última análise, podemos dizer que o avanço científico
não depende de uma realidade última, mas das conseqüências de sc fazer ciência.
Seguindo a metáfora, podemos examinar algumas relações entre teoria e realidade,
em uma perspectiva behaviorista radica!, indagando: com que objetivo Skinner iniciaria um
diálogo com Proteu? Seria com o propósito de revelar a real identidade do demônio dos
mares? Ou Skinner manteria uma conversa acalorada com Proteu simplesmente porque
tal diálogo o ajudaria a resolver algum problema específico? Em suma, qual é a concepção
de teoria adotada pelo behaviorismo radical? Não é fácil encontrar respostas prontas e
definitivas para essas questões, uma vez que o texto skinneriarto abre o flanco para inúmeras
interpretações controversas. A despeito de eventuais ambigüidades do texto skinneriano,
que contribuem inclusive para sustentar interpretações realistas de alguns conceitos da
análise do comportamento (cf. Tonneau, 2005), argumentaremos, nesse texto, a favor de
uma concepção instrumentalista de teoria científica, na perspectiva behaviorista radical.

S obre a p la u s ib ilid a d e de uma in te rp re ta ç ã o in s tru m e n ta lis ta -


pragmatista da teoria científica
Nesta seção indicaremos alguns aspectos da filosofia da ciência skinneriana
que parecem ser compatíveis com uma interpretação instrumentalista-pragmatista de
teoria científica. Nesse percurso, um tratamento um pouco mais detalhado do
instrumentalismo científico será necessário.

O behaviorismo radical não compactua com a noção de verdade absoluta


O instrumentalismo-pragmatista não reivindica princípios e conhecimentos absolutos:
“toda proposição concernente a verdades é, em última análise, hipotética e provisória” (Dewey,
1922/1981, p. 49). Skinner (1974/1976) também parece não ser solidário à visão de uma
verdade absoluta, como podemos perceber nesse longo, mas esclarecedor, trecho:
A verdade de um enunciado de fato é limitada pelas fontes do comportamento do
falante, pelo controle exercido pelo cenário atual, pelos efeitos de cenários
semelhantes no passado, e pelos efeitos sobre o ouvinte, que conduzem à precisão
ou ao exagero, ou à falsificação, e assim por diante. Não há como uma descrição
verbal de um cenário se r absolutam ente verdadeira. Uma le i cie n tífica é
possivelmente derivada de muitos episódios desse tipo, mas é igualmente limitada
pelo repertório dos cientistas envolvidos. A comunidade verbai dos cientistas
mantém sanções especiais, no esforço de garantir a validade e objetividade, mas,
novamente, não pode haver um absoluto (p. 150).
Em vista disso, podemos dizer que a verdade, do ponto de vista behaviorista
radical, é contingente aos contextos individuais, sociais e históricos específicos, o
que aproxim a essa filo s o fia da ciê n cia do in stru m e n ta lis m o , a fa s ta n d o -a ,
conseqüentemente, do realismo científico.

Sobre Comportamento e Cognição 103


A dissolução da dicotomia aparência versus essência
Tal como o instrum entalism o-pragm atista, Skinner (1953, 1974/1976)
desconstrói a dualidade aparência-realidade. A realidade não se refere à existência de
entidades subjacentes imutáveis e universais, nem a aparência corresponde ao que é
mutável, perecível e relativo. Podemos ver, por exemplo, um dado objeto no céu como
plano, e logo depois vê-lo como uma ave. O objeto plano não é mera aparência, e a ave
a realidade: "as discrepâncias não estão na correspondência entre experiência e
realidade, mas no controle de estímulos’1{Skinner, 1974/1976, p. 89). O que está em
jogo, aqui, são relações distintas entre comportamento e ambiente; e não aparência em
um caso e realidade em outro. Assim, através da noção de controle de estímulos,
Skinner parece implodir a dicotomia aparência versus essência.

O critério pragmático verdade: efetividade


Como já mencionamos, para o instrumentalísmo o objetivo de uma teoria não é
retratar a maneira como o mundo funciona, mas ajudar o cientista a compreender e prever o
seu objeto de estudo. Com respeito a esse ponto, afirma-se que o critério de verdade de uma
teoria cientifica, na perspectiva instmmentalista-pragmatista, é a efetividade - diferente do
mordaz critério de correspondência com a realidade, afirmado pelo realismo científico. Nesse
caso, um dado conceito, proposição ou explicação é considerada verdadeira se ajudar o
cientista a fazer predições bem-sucedidas, por exemplo. Por outro lado, tais conjecturas são
consideradas falsas ou inúteis se fracassarem no cumprimento dessa tarefa.
Skinner (1974/1976) ecoa a afirmação pragmatista de que verdade é efetividade,
quando declara: “uma proposição é “verdadeira” na medida em que ajuda o ouvinte
responder efetivamente a situações que ele descreve” (p. 259). Ou ainda: “há um sentido
especial em que ele [o conhecimento científico] poderia ser “verdadeiro” se ele produzisse
a ação mais eficaz possível” (p. 259). O pragmatismo também repercute em outros trechos.
Skinner (1969) não parece defender a concepção realista de teoria científica ao afirmar
que enunciados teóricos não são descrições da realidade física, mas sim, um conjunto
de regras para uma ação efetiva. E o caso das leis científicas, que são vistas como regras
que descrevem o comportamento de prever de maneira bem-sucedida eventos naturais:
“[as leis científicas], não são, é claro, obedecidas pela natureza, mas petos homens que
lidam efetivamente com a natureza" (Skinner, 1969, p. 141). Exemplificando com a lei da
queda dos corpos, Skinner afirma que ela "não governa o comportamento da queda dos
corpos; ela governa o comportamento daqueles que corretamente predizem a posição da
queda dos corpos em determinado momento” (p. 141).

A importância das conseqüências intelectuais no processo de validação da


teoria científica
As conseqüências que uma dada teoria produz não se restringem a
conseqüências de caráter "prático”, como a previsão, controle ou manipulação do fenômeno
de interesse. Mencionamos também que elas podem ser de interesse eminentemente
intelectual, como promover a compreensão de um dado fenômeno, ou promover uma
organização conceituai do mundo. Desse modo, podemos dizer que a validação de um
dado conceito ou explicação pode ser feita exclusivamente com relação às conseqüências
intelectuais que produz. Esse aspecto rebate, de imediato, críticas comumente
endereçadas ao pragmatismo, de que essa filosofia despreza questões teóricas, em
detrimento da ação, que passa a ser considerada um fim em si mesmo. Dewey (1922/
1981) esclarece o ponto dizendo que o pragmatismo, de fato, insiste sobre a necessidade

104 Carolina Laurenti


da conduta humana e da realização de algum objetivo para clarificar o pensamento. Mas
de modo algum isso significa que o pragmatismo subordina o pensamento e a atividade
racional a interesses, particulares pecuniários. Nesse sentido, o pragmatismo não
compartilha de alguns princípios do estilo de vida amcrioano: “ela [teoria pragmatista de
Peirce6] desaprova aqueles aspectos da vida americana que fazem da ação um fim em si
mesmo, e que concebem os fins de maneira muito estreita e muito "prática"0 (p. 44).
Dizer que o pragmatismo se ocupa apenas do que é “prático” é um equívoco que
talvez tenha relação com o próprio termo pragmatismo. Equivoco semelhante é cometido
em relação ao instrumentalismo: "quando um crítico americano diz que o instrumentalismo
considera idéias como meros servos que resultam em sucesso na vida, ele somente
reage, sem reflexão, às associações verbais ordinárias da palavra "instrumental", como
muitos outros têm reagido da mesma maneira ao uso da palavra "prático"" (Dewey, 1922/
1981, p. 57). Mas contra essa associação supostamente indevida, James afirma que
“prático” diz respeito a conseqüências concretas, individuais, particulares e efetivas, em
oposição ao que é abstrato, geral e inerte (Dewey). E talvez numa tentativa de dissolver a
dicotomia ‘prático-teórico’ , James arremata: "conseqüências particulares podem
perfeitamente ser de natureza teórica" (James, citado por Dewey, p. 45).
Skinner parece dar importância às conseqüências intelectuais de uma dada
teoria científica, quando afirma, por exemplo, “eu estou preocupado com a interpretação
ao invés da predição e controle" (Skinner, 1974/1976, p. 21). Ou quando declara: “o
psicólogo experimental está fundamentalmente interessado em estudar (accounfing) o
comportamento, explicar (explaining) o comportamento ou, em um sentido mais amplo,
em entender (understanding) o comportamento” (Skinner, 1947/1961, pp. 228-229). O
interesse “teórico" ganha contornos mais rígidos nos ácidos comentários que Skinner
faz sobre os psicológicos experimentais, que supostamente estariam preocupados
apenas com previsão e controle do comportamento: “Psicólogos experimentais gostem
ou não, a psicologia experimental está adequada e inevitavelmente comprometida com
a construção de uma teoria do comportamento” (Skinner, 1947/1961, p. 230).
Ainda que Skinner (1953) tenha enfatizado predição e controle como objetivos da
ciência do comportamento, eles não parecem ser o único interesse da análise do
comportamento: Esses trechos mostram que explicação, compreensão ou interpretação do
comportamento também são interesses legítimos da ciência skinneriana'. “uma ciência do
comportamento tem como seu objetivo a previsão, controle e interpretação do comportamento
dos organismos vivos" (Skinner, 1961, p. 279, grifos meus). Em vista disso, já não é mais
possível compactuar com interpretações de que a análise do comportamento estaria
preocupada somente com previsão e controle, ignorando a importância da atividade teórica.

O critério de efetividade não é tudo


Mas não basta dizer que a validação de uma dada proposição, que se pretende
verdadeira, se dá através do exame de suas conseqüências intelectuais e práticas.
Segundo o pragmatismo, essa proposição deve ser aferida em relação a um “sistema
de referência", ou conjunto de suposições, que foram previamente estabelecidas como
válidas. Nesse caso, o critério pragmático de verdade não se restringe ao critério de
efetividade, que demarca o contexto específico em que aferimos os efeitos de
determinadas proposições sobre a ação efetiva. O fato de que o processo de validação
de uma proposição deve passar primeiramente pelo crivo da coerência com os
pressupostos básicos de um dado sistema teórico mostra indícios de uma teoria de

! Charles Sandefspierceé considerado ofundador do Pragmatismo (Dewey, 1922/B1,p 41)

Sobre Comportamento e Cognifão ,1 0 5


coerência da verdade no pragmatismo (Tourinho & Neno, 2003).
Isso significa, como bem destacaram Tourinho & Neno (2003), que o critério pragmático
de efetividade de uma teoria está subordinado ao critério de coerência com o sistema de
referência. Desse modo, antes que uma dada explicação passe pelo exame meticuloso das
conseqüências práticas (o critério de efetividade), é necessário que ela se mostre coerente
com o conjunto de princípios prévios. Daí a importância de se explicitar esses princípios, ou
de, pelos menos, começar a delimitá-los, quando não é possível listá-los sem controvérsia.
A aplicação não combinada do critério de efetividade com o critério de coerência
leva a flagrante inconsistência na explicação do comportamento, dando margem a
interpretações equivocadas do behaviorismo radical, e da ciência que essa filosofia
fundamenta. Por exemplo, sob a lógica do “trabalho bem-sucedido", “explicações” que
enfatizam a topografia do comportamento, como aquelas encontradas em manuais do tipo
DSM (Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais), são consideradas
válidas se ajudarem o analista do comportamento a modificar ou prever o comportamento
do indivíduo. Isso abre o flanco para interpretações do behaviorismo radical que afirmam
que para essa filosofia qualquer explicação ou intervenção do comportamento é válida,
desde que culmine em modificação ou previsão do comportamento. Nesse caso, o critério
de efetividade foi aplicado de maneira independente do critério de coerência com um dos
pressupostos basilares do behaviorismo skinneriano, que enfatiza o aspecto relacional e
funcional das relações entre organismo e ambiente (Tourinho & Neno, 2003).
A subsunção aos pressupostos prévios também vale para conseqüências
intelectuais de um dado conceito ou explicação. Skinner dá um belo exemplo que mostra,
a um só tempo, que a validação de um dado conceito pode dar-se mediante o exame de
suas conseqüências intelectuais; e que tal conceito é acolhido no corpo teórico do
behaviorismo radical com base na coerência com os núcleos básicos dessa filosofia. É
o caso do conceito de modelagem filogenética do comportamento. Skinner (1978)
empregou esse conceito para explicar o desenvolvimento de comportamentos liberados
complexos, como o comportamento migratório das tartarugas. Tal conceito não parece
ser apropriadamente aferido com respeito a conseqüências práticas, como manipulação
ou controle. Não obstante, ele pode ser validado conforme as conseqüências intelectuais
que produz, como a interpretação de um tipo de comportamento cuja origem e
manutenção não pode ser explicada através de contingências manipuláveis de reforço.
Mas antes que tal conceito seja inserido no sistema explicativo behaviorista radical
com base nas notáveis conseqüências intelectuais que produz, ele deve passar pelo crivo
da coerência com princípios da teoria skinneriana. Ora, o conceito de modelagem filogenética
não parece ferir a concepção relacional do comportamento, tal como defendida pelo
behaviorismo radical, uma vez que interpreta a origem do comportamento liberado complexo
com base exclusivamente nas relações entre organismo e ambiente. Não transgride,
portanto, o princípio behaviorista radical de que o comportamento é um objeto de estudo
autônomo, não apelando a entidades ou constructos que ultrapassam o campo
comportamental. Pelo fato de ter sido coerente com pressupostos behavioristas (concepção
relacional e autonomia do comportamento como objeto de estudo), e pelo fato de ter produzido
conseqüências intelectuais úteis (como a interpretação de comportamentos liberados
complexos), o conceito de modelagem filogenética do comportamento pode ser considerado
verdadeiro, e, portanto, apto a ser incorporado no sistema explicativo behaviorista radical.
Em suma, podemos dizer que para o instrumentalismo-pragmatista, uma teoria
é considerada verdadeira se produz conseqüências intelectuais úteis (compreensão
ou interpretação) e/ou conseqüências práticas (por exemplo, previsão), que sejam
coerentes com suposições prévias.

106 Carolina Laurenti


O caráter mutável da realidade
Na perspectiva realista, os fatos vêm primeiro, e depois as teorias; isto é, os fatos
independem das teorias. Em termos mais específicos, a teoria científica, segundo a ótica do
realismo, seria nada mais do que um resumo ou coleção de enunciados sobre fatos. Diferente
do realismo, a visão instrumentalista não privilegia a realidade (os fatos) em detrimento das
teorias: a teoria, como uma ferramenta conceituai, constitui os fatos da ciência. Consistente
com essa visão instrumentalista, Skinner (1947/1961.) afirma que a própria delimitação do
que é um fato já foi orientada previamente por uma teoria: "Não há figura mais patética na
psicologia hoje do que o mero colecionador de fatos, que opera, ou pensa que opera, sem
nenhuma base para selecionar um fato em detrimento de outro" (p. 229). Uma conseqüência
imediata dessa assenção é que o behaviorismo radical não é compatível com a noção de
observação pura ou dados brutos, que se dá independentemente das pressuposições teóricas.
O conceito de contingência de reforço é emblemático para essa discussão. Através
dessa noção Skinner (1969) afirma “já não vemos mais comportamento e ambiente
como coisas ou eventos separados, mas as inter-relações entre eles” (p 10.). Isso significa
que, por meio do conceito de contingências reforço, nós “vemos" as relações funcionais
entre organismo e ambiente. Mais especificamente, podemos “ver", por exemplo, um
operante, isto é, as relações funcionais entre respostas e conseqüências reforçadoras,
que se dão na presença de dados estímulos antecedentes. Dessa forma, podemos dizer
que o operante só é um fato da anáfise do comportamento, em um contexto constituído
por uma teoria ou conceito. Nessa situação, o papel da teoria como instrumento conceituai
fica mais conspícuo: o conceito de contingência, como um instrumento ou ferramenta
intelectual, constrói os dados de observação do analista do comportamento.
Assim, como não há uma verdade absoluta para o in stru m e n ta lism o -
pragmatista, também não há uma realidade existindo independentemente de nossa
atividade (inclusive a atividade teórica) com respeito a ela. Como a atividade muda
individualmente e coletivamente, a realidade muda. Em outras palavras, “a realidade”
sofre uma revisão constante. Desse modo, não temos um fato “duro”, objetivo em si
mesmo. As mudanças em nossos sistemas teóricos envolvem mudanças nos próprios
fatos; e a mudança nos fatos impõe novos desafios à teoria científica, de sorte que não
parece haver demarcações muito rígidas entre fatos e teorias.

Conclusão
Tendo indicado alguns aspectos da filosofia dà ciência skinneriana que sugerem
uma compatibilidade entre sua concepção de teoria científica e a interpretação
instrumentalista-pragmatista, voltemos a mitologia grega. Consideremos que o oráculo
seja o objetivo da ciência (conseguir uma explicação verdadeira, uma predição, ou algo
do gênero), Proteu a natureza ou realidade, e o interlocutor o pesquisador ou cientista.
Do ponto de vista da interpretação realista das teorias científicas, o oráculo só será
obtido mediante a descoberta da rea! ou verdadeira identidade de Proteu. No contexto
cientifico, isso significa que uma explicação ou teoria verdadeira só será alcançada
quando descobrirmos ou desvelarmos uma realidade imutável e absoluta. Lembremos
que, na perspectiva realista, verdade é correspondência com a realidade.
A meta de desvelar a real identidade do demônio dos mares certamente tomaria
o diálogo com Proteu fervoroso e entusiástico, pois nos encorajaria a aperfeiçoar nossas
técnicas de argumentação, nos tornando interlocutores perspicazes. Da mesma
maneira, supõe-se que a crença na realidade última estimularia o pesquisador a réfinar
cada vez mais suas teorias, métodos e técnicas de cálculo, incentivando o cientista a

Sobre Comportamento c Cognição 107


jamais esmorecer diante de possíveis faihas na pesquisa científica. Aliás, essas faíhas
devem ser eliminadas no processo de produção do conhecimento, pois uma teoria
verdadeira que pretende espelhar o real não deve variar, mudar. Dito de outro modo,
uma teoria verdadeira não poderia ser alvo de mudanças, variações ou contra-exemplos,
pois são vistos como acidentes ou erros (mera aparência) de uma realidade final e
imutável; daí a necessidade de eliminá-los do conhecimento científico.
O aperfeiçoamento de teorias e técnicas e a eliminação dos erros, possivelmente,
nos aproximariam cada vez mais do dia em que descobriremos a verdadeira identidade do
demônio dos mares. Ou melhor, nos aproximaria cada vez mais da Verdade. A desperto desse
quadro aparentemente encorajador, é inevitável pensar que uma vez descoberta a real
identidade de Proteu, a nossa conversa, outrora tão acalorada, chegaria a um fim ~ tal situação
tem a sua contraparte na filosofia da dêncía com a visão do fim da dêncía por culminação.
Mas vislum brem os uma conversa com Proteu em uma perspectiva
instrumentalista-pragmatista fazendo a seguinte questão: que atitudes ou posturas
uma concepção instrumentalista-pragmatista encorajaria? Assim como o realista, o
instrumentalista também visa conseguir o oráculo através do diálogo como Proteu, mas
diferente do primeiro, o oráculo não é obtido mediante a descoberta da real identidade
do demônio dos mares. O instrumentalista está preocupado somente com qualquer
identidade que o permita resolver um determinado problema. (Com efeito, não há o
Proteu, mas Proteus.) Nesse sentido, o oráculo (uma explicação verdadeira, por exemplo)
é conseguido toda vez que o diálogo com a identidade de Proteu em questão, ou uma
dada relação com a natureza, nos permite fazer predições bem-sucedidas, modificar
uma dada situação, ou promover a compreensão do fenômeno de interesse.
Recordemos que, para o instrumentalismo-pragmatista, verdade é efetividade e
coerência como os núcleos básicos de um dado sistema científico.
A concepção de que não há uma verdade absoluta, e de que a verdade é
contingente a contextos históricos, sociais e individuais específicos, exige do
instrumentalista um diálogo constante com as comunidades científicas, na tentativa de
delimitar critérios que sirvam de pedra de toque para avaliar interpretações e explicações
do fenômeno de interesse. Como os critérios são contingentes, é necessário sempre
explicitá-los para que se garanta uma comunicação efetiva entre os cientistas. Mesmo
não admitindo a noção de verdade absoluta, uma teoria considerada verdadeira, conforme
esses critérios, tem um estatuto epistêmico legítimo, já que não é tratada simplesmente
como uma aparência ou acidente de uma realidade mais fundamental. Isso propícia
certa segurança e vigor para o pesquisador conduzir o trabalho científico.
Por outro lado, a verdade conseguida até então é provisória, o que não paralisa o
avanço cientifico, porque a realidade, assim como a verdade, não é imutável e absoluta.
Como a realidade sofre revisão constante, uma teoria que outrora foi considerada verdadeira
pode ser considerada falsa em outro momento, pois já não produz conseqüências práticas
e intelectuais úteis para lidar como essa nova realidade (ou com a nova identidade de
Proteu). Desse modo, as variações ou “anomalias" dessa teoria não r>ão vistas como
acidentes que devem ser extirpados - o que difere radicalmente do tratamento da variação
sob a ótica de uma realidade última ou absoluta. Em uma perspectiva instrumentalista,
as variações que uma suposta teoria verdadeira pode sofrer adquirem um estatuto
epistêmico legítimo, podendo culminar na mudança da teoria, e, no limite, no seu abandono,
isso exige humildade e honestidade intelectual do pesquisador, já que deve reconhecer
os limites de uma dada teoria e avançar para o seu aperfeiçoamento ou renúncia.
Mas a importância das variações, em uma perspectiva instrumentalista, não
está apenas no fato de que elas QãQ são vistas como meros acidentes, mas no fato de

108 C arolina L aurenti


que elas devem agora ser produzidas para que as teorias avancem. Isso significa a
legitimação do novo,-, da inovação, da criatividade no seio do próprio pensamento
científico. (Incita-se, pois, que Proteu varie apresentando novas identidades, novas
facetas de sorte que uma delas seja selecionada pelas conseqüências úteis que produz)
Diálogo constante, revisão da realidade, honestidade intelectual, criatividade não
são aspectos que tornam a relação com Proteu circunspecta e ao mesmo tempo dinâmica?
Mesmo não assumindo uma verdade imutável ou absoluta, uma conversa com Proteu
não parece ser menos entusiasmada e acalorada em uma perspectiva instrumentalista.
Em suma, podemos dizer que a visão instrumérttalista-pragmatista de teoria científica
também exerce uma função “motivacionar na ciência, com a diferença de que as variações
ou anomalias tèm um estatuto epistêmico legítimo, o que torna a criatividade científica, ao
lado do rigor, uma característica definidora e indispensável do empreendimento científico.
Resta, então, a pergunta: como seria a conversa entre Skinner e Protou?

Referências

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Sobre Comportamento e Cognição 109


Capítulo 10

Podemos analisar procrastinação sem


falar em autocontrole?

Rachel Rodrigues Kerbauy


VSP

Essas duas palavras, autocontrole e procrastinação foram empregados por


analistas de comportamento, desde os anos cinquenta, apesar de serem utilizadas pelo
senso comum. Fazendo as ressalvas devidas, ao utilizar esses termos, a análise conceituai
e de comportamento, encontram-se com as contingências, com conseqüências imediatas
e tardias, bem como as regras, comportamento verbai poderoso, embora nem sempre
incluído na análise. Se a análise for sobre habito de estudo, sobre um comportamento
clinico ou alguma interferência na vida diária, as variáveis consideradas mudam, pelas
condições existentes, o tipo de tarefa e a história pessoal. É essa sutileza que observamos,
tanto na atuação profissional, como em pesquisa e, portanto há exigência de um respaldo
conceituai e não simplesmente a prescrição de técnicas.
O interesse pelo tema procrastinação, adiamento de tarefas, tem ganhado
espaço na mídia, sendo diagnosticado por leigos, sem cuidados necessários,
possibilitando equívocos muitas vezes perniciosos. Neste estudo, pretendemos analisar
algumas variáveis identificadas em nosso trabalho clinico e de pesquisa, bem como
destaques da literatura internacional e sua justificativa. Serão descritas e exemplificadas,
variáveis relevantes para análise de um fenômeno comportamental e seu processo, em
uma cultura especifica, tanto no autocontrole como na procrastinação,

Variáveis estudadas para explicar autocontrole.


Escolha - Quando os escritos sobre autocontrole se iniciaram, com um capitulo
de livro, Skinner (1953), as variáveis mencionadas por ele não eram todas estudadas
com pesquisa. Algumas faziam parte da analise do comportamento e posteriormente
foram objeto de estudos constantes. É o caso da escolha, que passou quase a substituir
a denominação de autocontrole. Não considero que escolher seja suficiente para explicar
um comportamento complexo. Essa procura de substituir a denominação faz parte de
uma época, e momentos vividos, especialmente nos Estados Unidos.
De fato, o escolher está incluído no se auto-controlar e muitas vezes se usavam
técnicas denominadas solução de problemas. Consistiam em explicitar os pros e contras

110 Rachel Rodrigues Kerbauy


de um problema e depois atribuir uma nota a cada um e discutir, até que o problema
fosse claro, e a escolha da solução também. Evidentemente estou pensando em termos
clínicos, e o que se falava sobre os pros e contras eram pontos relevantes. Portanto não
é só saber o quanto custa para a pessoa a decisão, mas também o quanto vai investir
e o que tem que fazer para mudar.
Escolha implica, pois, em reforçadores atuais, em contraposição aos tardios
ou atrasados. Esse problema foi objeto de estudos experimentais que permitiam ao
animal escolher o reforçador menor no momento e o atrasado maior a longo prazo.
Havia uma resposta para determinar essa escolha e depois de iniciada não poderia ser
interrompida, quando a escolha era pelo atrasado. Mischel e seus colaboradores, nos
anos sessenta esgotaram as variáveis do que determina a escolha pelo atrasado e
maior, em crianças. Analisavam os comportamentos durante a espera pelo reforçador
maior. Kerbauy (1981), Kerbauy e Buzzo (1991) empregaram esse procedimento em
estudos, (números estudos, não publicados - o que hoje considero lamentável, mas as
condições eram outras - alguns apresentados em congresso, com resumo publicado,
foram realizados por alunos no curso de autocontrole na pós-graduação USP, verificando
que o procedimento auxilia um treino de esperar pela recompensa maior. Quando os
participantes eram chamados outras vezes, verbalizavam que iriam esperar e planejavam
como distribuir a recompensa. Em dissertação de mestrado, Buzzo (1986) demonstra
que a maior parte das crianças aprendia a esperar, mas havia 25% que preferiam o
imediato. A recompensa era três ou seis balas. Kerbauy fez essa escolha por variação
na quantidade ao verificar com seus alunos, que escolha por um reforçador em um dia
podia mudar dois ou três dias após., independente da idade das crianças.
O procedimento empregado por Mischel é semelhante a descrição de Skinner
(1949) em Walden Two, quando ensina falas para as crianças preencherem a espera
pelo prato de sopa a sua frente. Essa e outras variáveis foram estudadas por Mischel,
como por exemplo, esconder a recompensa preferida, durante a espera. Também está
descrita no capitulo quatorze de Walden Two. De qualquer maneira, Mischel fez estudos
experimentais sistemáticos para demonstrar variáveis da espera por recompensa,
criando uma metodologia que inspirou outros pesquisadores.
O problema da escolha, bastante estudado com os esquemas concorrentes, é
variável relevante para autocontrole e tem implicações na construção de programas de
autocontrole. Mesmo não nomeada dessa forma, foi sempre considerada em clinica,
muitas vezes na rubrica definição dos objetivos.
Tempo - É considerado, por m uitos autores como fu n dam ental para
autocontrole. Determinar o antes e depois bem como, resultados a curto e longo prazo
são fatores na realização do comportamento.
Nossa avaliação subjetiva de uma recompensa é diferente quando estamos
próximas a ela ou distantes. Também a percepção do tempo varia com a distancia. É mais
fácil assumir um compromisso como possível, quando ele está distante e o trabalho envolvido
não é bem delineado. As contingências que controlarão cada minuto do tempo disponível
não são dimensionadas. Posso assumir o compromisso de escrever um artigo para daí a
cinco meses, mas a não ser que exista uma história clara de organizar os compromissos
e realizá-los com antecedência, o ultimo minuto é que determinará a execução. As pessoas
produtivas e treinadas trabalham dentro de um padrão e podem realizar vários projetos ao
mesmo tempo e não são tão perturbadas por interrupções. Toleram também as imprecisões.
Parece não ser o caso de quem não aprendeu essa organização do tempo.
Um outro problema com o tempo é como avalia-lo. Há pessoas que consideram
que será suficiente para varias ações e não prevêem que o tempo gasto em cada uma
delas, pode ser o dobro do planejado.

Sobre Comportamento e Cognição 111


Tamanho e função da conseqüência
Na realidade, esse t/tufo é adequado para o estudo dos fatores que influem na eficácia
dos reforçadores. Quando um reforçador reforça. Sendo a conseqüência um reforçador que
mantém o comportamento e o aumenta de freqüência é necessário determinar quanto é poderoso.
Considero nesse sentido, uma fascinante descoberta de Premack (1959), que
se uma atividade ocorre mais frequentemente que outra, ela será um reforçador eficaz
para a atividade de menor freqüência. Ele se preocupava com comportamentos
reforçadores, e não com reforçadores universais. Em cada momento é preciso investigar
quai a resposta a ser reforçada para especificara atividade reforçadora. Neste momento,
escrever o texto é mais reforçador e está ocorrendo com freqüência maior, para mim.
Pequenos resultados, mas que se acumulam, foi a defesa de Mallott (1989)
para estabelecer a conseqüência que controlam comportamento. Analisando as regras,
parece que ultrapassou as primeiras respostas behavioristas de porque regras são
seguidas Saindo das respostas conhecidas “devido a teoria do reforçamento" ou “segui-
las é reforçador" começou a fazer uma análise teórica e empírica. Parece ir em direção
a resposta dada por Skinner (1977), segundo a qual os alunos estudam para evitar as
conseqüências aversivas deste fato. Mallott inicia sua análise com exemplos corriqueiros
de que adiamos tarefas porque temos problemas como ao usar fio dental. Considera
esses comportamentos operantes e afirma que sua probabilidade deveria aumentar ou
decrescer em função dos resultados. Questiona que para serem eficazes, esses
resultados devom ser imediatos, prováveis e mensuráveis.
Para poder colocar sua argumentação, divide as contingências comportamentais
em duas classes, de acordo com a relação entre resultado e a resposta. Há uma classe
de contingências que age diretamente e cujos resultados funcionam como uma
conseqüência comportamental para a classe de respostas. Por exemplo; colocar a mão
sobre o fogão quente, produz o resultado de queimá-la e pune a resposta de tocar o fogão.
Uma outra contingência é aquela que não atua diretamente e envolve resultados que não
são função de conseqüências comportamentais efetivas para as respostas causais.
Malott argumenta que esses resultados são ineficazes por serem atrasados, improváveis
e pequenos. O que esses resultados possuem a mais é que são acumulativos.
Malott (1989, p. 273) define “regra é uma descrição verbal das conseqüências
comportamentais’’. Considera que sua definição é uma ligeira extensão de Skinner (1969)
que discute regra como “contingência que especifica os estímulos”. Afirma que regras
possibilitam um mecanismo comportamental para compreender como pensamentos e
quais falas consigo próprio podem controlar o comportamento orientado para um objetivo.
Após analisar varias explicações possíveis e rejeita-las, inteira ou parcialmente,
Malott conclui que os resultados atrasados não controlam o comportamento humano, não
funcionam como conseqüências comportamentais, embora os sujeitos humanos aperfeiçoem
esses resultados atrasados. Considera que é através das regras e instruções que especificam
os resultados do comportamento, que esses últimos são mais diretamente controlados.
Os resultados estão muito distantes para controlar o comportamento , portanto
é viável que o comportamento humano seja controlado por regras ou instruções que
especifiquem o resultado de varias ações. Não é exatamente o que está especificado
na regra que determina a ação, mas a conseqüência funcional pode ser um reforçador
negativo pois seguir a regra termina com a culpa, a ansiedade ou outro evento privado.

112 Rachel Rodrigues Kerbauy


Lembrar autores de contribuição fundamental
Skinner indiscutivelmente, em Ciência e comportamento humano (1953) mostrou
como os princípios do comportamento descritos em Behavior of organisms (1938) podiam
ser utilizados com pessoas. O capitulo sobre autocontrole foi o primeiro capitulo dc livro
sobre o assunto. É imprescindível até hoje, para as pessoas que vão atuar em área clinica
pois ele delineia praticamente um roteiro de atuação. É no Capitulo 15 que mostra como
o individuo pode controlar seu próprio comportamento. Pode controlaras variáveis externas
e fazer algo sobre as variáveis que o afetam. Essas são palavras textuais do autor. E
continua, “o individuo escolhe cursos de ação alternativa." Controla-se precisamente como
controlaria o comportamento de qualquer outro, através da manipulação de variáveis das
quais o comportamento é função.Ao fazer isso seú comportamento é um objeto próprio de
análise e consequentemente deve ser explicado por variáveis que se situam fora do
próprio individuo". Seguiria citando , ou mélhor transcrevendo esse capitulo tão inspirador
O autor continua a analise dc autocontrole e descreve técnicas de controle não sc
esquivando de falar cm manipulação de condições emocionais, e que até as induzimos
com propósitos de controle. O auto-reforço é descrito como o individuo podendo obter
reforço não o faz até a emissão de uma resposta escolhida.
Depois desse capitulo e do detalhamento que havia feito em Walden Two (1948),
para desenvolver autocontrole em crianças, o caminho estava aberto para as aplicações
e pesquisas. Considero que o impacto do capitulo XIV de Walden Two foi menor por ser
um livro de ficção que aplicou os princípios operantes em uma comunidade, mas a meu
ver deu o procedimento de pesquisa seguido por Mischel em seus estudos. Skinner
havia treinado crianças a esperar polo reforço e a pergunta continua, apesar dos estudos
realizados, quando foi parcialmente respondida.
Ferster em 1962, deixou claro quando se pode falar que um comportamento é de
autocontrole, qual o contexto e seqüências de comportamentos que necessitam ser analisadas.
Em 1962, suas aplicações dos procedimentos de análise do comportamento alimentar deram
oportunidade ao desenvolvimento dessa área com procedimentos de autocontrole. Até hoje
os trabalhos realizados, tem poucas modificações e apresentam as análises e sugestões
comporta mentais propostas por Ferster sem mencionar seu rome. Suponho que alguns
nem mesmo tenha lido seu artigo clássico ou saiba de sua existência e talvez por isso não
dêem o crédito.Nenhum comportamento foi tão bem analisado e contribuiu tanto para o
trabalho dinico, espedalmente nos anos sessenta, quando tudo se inidava. Não eram técnicas,
eram análises e alternativas e maneiras de implementar essas análises. Continuou seu
trabalho e contribuiu novamente para a analise do comportamento, com o livro em colaboração
que ensina a fazer análises comportamentais, propõe exercidos e leituras.
Em 1965, Goldiamond também escreveu um artigo singelo no qual deu ênfase
ao controle de estímulos como procedimento fundamental. Descreveu vários casos
clínicos, tratados por ele com sucesso nos quais a alteração das condições e portanto
dos SDs para os comportamentos fazia a diferença. Atualmente alguns terapeutas podem
iniciar seu trabalho clinico com arranjos comportamentais, modificando SDs, mas
certamente introduzem outras técnicas e dão ênfase ao comportamento verbal e as
descrições de emoções e comportamentos ou situações que as provocam.
Malott (1984,1989) procurou ir além e empregou intencionalmente um estilo
informal, em casos com humanos, sintetizados de experimentos ou atuações descritas
em Congressos. Esta preocupação com aplicação e tornar accessível o conhecimento
de análise do comportamento aos estudantes universitários, pois os estudos se referem
a vida cotidiana das pessoas, torna esse livro importante fonte de informação.

Sobre Comportamento e Cognição 113


Para autocontrole, como área de estudo, foi inspirador o trabalho de Mahoney
(1977), o cientista pessoal, seja seu próprio cientista e trate de seu comportamento como
se estivesse fazendo experimento consigo. Seguir os mesmos procedimentos: observar o
comportamento na linha de base, introduzir modificações e medir o resultado.
Rachiin, fez inúmeras pesquisas com pombos , analisando o autocontrole , com
ênfase em escolha do imediato e atrasado, Publicou um livro (2000) sobre suas conclusões
e considera que os problemas de autocontrole na vida diária advém de sua ambivalência
complexa. Considera que o reforço atrasado é abstrato, distribuído no tempo enquanto o
menor é claro, e sempre preferido como um componente do maior. Na ambivalência simples,
os períodos em que sè prefere uma alternativa são claros e podem ser previsíveis.Na
complexa, a pessoa é continuamente tentada , mesmo após ter escolhido. O compromisso
pode resolver a ambivalência simples, mas dificilmente resolve a complexa. O compromisso
é eficaz quando iniciado imediatamente e mantido indefinidamente. Portanto, estudando o
contexto e a história de vida é possível verificar qual reforçador tem um valor maior ou menor
e como é sua distribuição no tempo e as varáveis que intervém, para traçar um plano de
ação. Ver autocontrole como uma ciência e procurar entende-lo torra esse livro atual.
Os procedimentos de autocontrole foram empregados primordialmente no
comportamento alimentar, como já descrevemos. A área se expandiu e foi considerada
“resolvida” pelos procedimentos comportamentais. Não é exatamente o caso, mas
realmente programas conhecidos empregam princípios comportamentais e tem, muitas
vezes, orientadas dessa linha teórica.
Os hábitos de estudo também tiveram influencia das pesquisas em autocontrole
salientando o planejamento de situações e comportamentos, bem como escolhas ao
iniciar uma tarefa, como no estudo de Fox (1962), para iniciar outro período de estudo era
preciso decidir para terminar. Iniciou com períodos curto de aproximadamente dez minutos.
Atualmente a área que foi influenciada e segue princípios comportamentais é a
de procrastinação, adiar tarefas. Provavelmente por ser clara a relação com o agora e
depois e o reforçamento atrasado nem sempre bem dimensionado.Há também a variável
planejamento de atividades e a certeza de tê-las executado em tempo previsto. Esses
comportamentos são essenciais na produção em grandes empresas e por isso cursos
sobre procrastinação são usuais em cursos sobre psicologia organizacional.

Procrastinação como problema de autocontrole


Os problemas de autocontrole implicam escolha entre fazer agora ou depois.
Também aparecem quando as regras são fluidas ou inexistentes. Portanto é um
fenômeno central do comportamento e necessário para entender o nosso cotidiano e
problemas de relevância social.
As descrições clinicas sobre procrastinação e os conselhos de como proceder
para resolver o problema se iniciaram com os clínicos e suas descrições. Nesse sentido
o livro de Ellis (1977) foi provavelmente um dos pioneiros.Artigos e nomeação do
problema, como parte de outros quadros de desajustamento, existiram também.
Posteriormente as pesquisas aumentaram pois o problema saiu da clinica por
mostrar as perdas econômicas que representava. , como alguns autores haviam
destacado, sem o impacto atual. Também na escola o problema era nomeado (Bijou,
Morris e Parsons (1976) e soluções buscadas para evitar pausas longas em cursos
programados, pois a própria característica de aceitar e trabalhar com a pessoa, podia
favorecer problemas, se o curso não atentasse para eles.

114 Rachel Rodrigues Kerbauy


O que aparece nas queixas sobre procrastinação? Mal estar por não ter feito no
tempo devido e a dificuldade em fazer que geralmente aumenta e o trabalho não sai melhor.O
dinheiro gasto com as multas que nem por isso resolvem e terminam o probiema. O mal
estar social , especialmente com atrasos que são notados e assinalados. As famílias
desanimadas com os conselhos para os filhos, que não são seguidos e, as vezes, interferem
no relacionamento, levando os pais a se sobrecarregarem ao fazer tarefas, para evitar
danos que consideram maiores, para si e seus filhos. Queixas sobre a necessidade de
perfeição nos trabalhos e a falta de critérios claros para terminar no pra^o. Um sistema
deficitário de auto-reforça mento e conseqüente não acreditar na própria capacidade. Falta
de planejar atividades diárias ou semanais e pensar, mesmo de forma rudimentar, uma
organização diária. Paradoxalmente, relato de atividades para fazer, dia sobrecarregado,
especialmente em conversas sociais, e falta de interesse em assuntos culturais. Frases
repetidas como se fossem regras de conduta e que não são seguidas; como deixar uma
cousa tão fácil sem fazer, eu devia ter capacidade para ler as cousas mais rapidamente,
aprendi..., se eu continuar assim provavelmente não encontrarei trabalho ou não poderei
mantê-lo e até orgulho ao rotular-se de procrastinador e achar drfícil mudar.
Essa diversidade é que provavelmente facilitou a classificação como
comportamento neurótico. Observa-se um comportamento que descreve as condições
aversivas, muitas vezes relata as conseqüências aversivas enfrentadas, demonstra sofrimento
emocional decorrente e desamparo e especialmente percepção da incapacidade.
Hoje, com os estudos de análise do comportamento, tanto em clinica como em
pesquisa básica sobre escolha ou mesmo autocontrole e procrastinação, é possível
estabelecer algumas variáveis como padrões de comportamento, fatores que facilitam
o atrasar gratificação imediata por melhores recompensas, escolha de atos mais
gratificantes e aprendizagem de reforçadores, de maneiras de preencher o espaço que
auxilia a atravessar momentos de tentação.
Apesar de ter realizado inúmeras pesquisas com procrastinação, algumas em
colaboração com Sonia Enumo, da Universidade Federal de Vitória,publicadas nesta
Coleção Comportamento e Cognição e na revista Brasileira de terapia comportamental
e cognitiva, da A8PMC, entre outras, vou me ater a apresentar maneiras que descobrimos
em pesquisa e clinica para trabalhar com procrastinação.
Parece claro que não vale a pena nos comportarmos bem e fazer um esforço
necessário, para mudança, se não acreditarmos ser ela possível, propiciar vida melhor
e fé no futuro. Esse discurso, sem ser apresentado, parece estar norteando os trabalhos
nessa área. Nenhum dos itens que se seguem tem uma seqüência pré- estabelecida,
dependerá do que a pessoa ou o grupo trouxer para a sessão e de seu comportamento
de entrada, de acordo com uma linha de base.pequena , só do intervalo da primeira
sessão e segunda , dos relatos das sessões e da realização de tarefas solicitadas e
desculpas ou dificuldades apresentadas.
Um exemplo de falas que aparecem e dão pistas podem ser "Essas leituras são
exageradas. O professor dá muita leitura. É injusto, não é só a matéria dele". Neste
emprego eles exigem muito da gente". “A casa dá muito trabalho, quando sujar tudo, lavo”
cada uma dessas falas permite analise de conceitos que podem ser discutidos e
confrontados e analisados pela conseqüência que estão provocando. Dessas discussões
surgirão análises de distribuição de tempo e prioridades e conceitos arraigados.
Mesmo sem falar em personalidade, é possível determinar um padrão de
esquiva de tarefas. Pessoas que são ansiosas, que se esquivam, podem ser auxiliadas
por técnicas de relaxamento e outras de redução de ansiedade além da verificação de
que condições provocam ansiedade e o que ela diz para si própria. E freqüente esse

Sobre Comportamento e Cognição 115


tipo de comportamento estar junto com padrões impulsivos, portanto além da redução
de ansiedade, discutir objetivos e, como se orientar por eles.
Geralmente, com essa discussão de objetivos e prioridades de acordo com
objetivos imediatos e o futuro planejado além da demanda da situação encontra-se a
respeito da tarefa do momento falas como “farei melhor se descansar agora’’. Na realidade
há uma super-estimativa da motivação futura. Novamente convém lidar com ela explicando
conceitos de planejamento do ambiente para condições adequadas. Costumo pedir como
tarefa listagem das obrigações da semana, de acordo com o dia - segunda, terça, etc.- e
uma nota da atratividade da tarefa. Antes de realizá-la, quando faz a lista e depois de feita.
Dá para comparar e geralmente a nota aumenta depois de realizar a tarefa.
No caso da pessoa dizer não ser capaz de fazer a lista das principais cousas dos
dias (pode acrescentar depois outras) utilizo um registro de pelo menos um período do
dia,com colunas de hora,situação e função. Corto uma ficha pequena em duas para dar
dica que é para não escrever muito. Ex: 11,30, conversa, não ter o que fazer. Com a análise
das atividades e situação e função é possível discutir planejamento e prazer por atividades.
Esse assunto, motivação e gostar de fazer, é recorrente. O terapeuta precisa se
precaver para não ditar uma norma atrás da outra e voltar a questão para o cliente.
Geralmente acaba em super estimativa do tempo para realizar uma tarefa ou então não
deixar o tempo necessário. Muitas vezes a discussão termina em achar que se fizer algo
sem vontade, acaba mal feito e demora mais.Também há conceitos sobre como fazer
na ultima hora, com a pressão, faz mais rápido e acaba melhor.
Para as pessoas que costumam esquivar de tarefas é comum apontar
necessidade de relaxar, descansar, variar atividades, horário,para que faça melhor.
Estratégias para trabalhar com essas afirmações estão muito ligadas a desafiá-las,
fazendo reestruturação desses pensamentos e questionando condições que favoreceram
sua invenção. Propostas de horários para atividades menos reforçadoras também podem
ser utilizadas, embora possa ser esperado objeções. As conseqüências para a realização
da tarefa no horário previsto devem ser tangíveis, mas especialmente detalhamento do
bem estar conseguido .é uma auto-fala sobre o que foi conseguido e a seqüência,
aprovando-a ou propondo alterações para melhorar o desempenho: “observei que estava
mais concentrada e gostei mais do texto", “pensei que demorasse mais, marquei no
relógio e o tempo foi metade do previsto" estou me sentindo super bem e eficiente”.
Esses procedimentos não excluem horários planejados para relaxamento,
cochilo, mas após a realização da atividade.Estamos vendo aqui a presença de Premack.
Costuma dar, e será interessante que o cliente observe as emoções relatadas.
Quando se trata de trabalhos acadêmicos os problemas são maiores pois as
contingências são imprecisas. É muito produtivo o registro de horas de estudo semanais,
com começo e fim de cada período, as interrupções e os pensamentos enquanto estuda.
Uma folha ao lado dos trabalhos permite registrar confortavelmente. Se houver um
planejamento anterior é possível comparar o que foi realizado com o planejamento. Se houver
provas no período, ele pode ser atípico, mas pode dar pistas de se o interesse por matérias
aumentou com o conhecimento. Essa dica permitirá incrementar programas e talvez mostre
necessidade de programa paralelo sobre o conhecimento. Nem por isso está excluída a
regra de realizar as tarefas necessárias no tempo previsto, independente de gostar
Em todas as atividades diárias, tenho ressaltado um horário previsto e a
construção de rotina. Por ex: fazer a cama depois do café e verificar que o quarto fica em
ordem e a atividade já foi resolvida , acaba como rotina e não precisa estar na agenda.
Mas agendar as atividades principais e olhar a agenda riscando as terminadas é

116 Rachel Rodrigues Kerbauy


reforçador para a maior parte das pessoas e necessário no inicio dos programas. No
entanto é necessário insistir no melhor horário para consultar a agenda. De manhã
antes dç sair, ou a noite, tem sido os períodos escolhidos. É com essa agenda e as
dificuldadçs que aparecem, os problemas, alguns relatados outros não que se verifica
que o planejamento é irreal, não alocando tempo suficiente para as atividades, ou não
supondo imprevistos por ex: tempo de transito, telefonemas em lugar seguro (podem
tentar roubar seu celular nas ruas, é pena mas uma realidade).
Acontece com freqüência um relato de culpa, por adiar ou não fazer, resolvida
com punições auto infringidas. Geralmente punições externas ou auto-infringidas servem
simplesmente para aliviar a culpa ou ansiedade associada com o comportamento. È
uma maneira de continuar a fazer repetindo o comportamento que diz querer mudar. A
aceitação do comportamento e suas conseqüências e as vezes o desvendar de uma
história infantil de punições, pode abrir perspectivas para um futuro, através do fazer
diferente e obter resultado , atuais.
Convêm que todos os objetivos e tarefas sejam observáveis. Ver o que faz é
condição para pensamentos e emoções, Estamos falando em ações. Sendo concretas
é possível verificar que terminaram: duas horas para arrumar minha escrivaninha com
pastas para banco, xérox de artigos, livros no lugar devido, e jogar fora o que examinei e
considerei desnecessário. Quando terminar o período ver o que realizou e reforçar-se.
Caso não tenha terminado o trabalho, agendar para outro dia, ou se quiser, decidir ficar
arrumando mais X tempo, que será obedecido. Mas a primeira atividade foi terminada e
portanto merece reforço. É outra escolha parar ou continuar.
Esse ponto remete aos pequenos passos. Todo o objetivo deve prever pequenos
passos. Independente do tamanho do objetivo é necessário dividi-lo em pequenos
passos pois grandes demais, provocam desistência, Também não treinam maneiras
de perceber a organização e resultados obtidos e dificulta reforçar e trabalhar com
pensamentos depreciativos, embora como salientamos a ênfase seja em ações
observáveis. As vezes planejamos pequenos passos e não prevemos o que se verifica
a medida que se inicia. Isto acontece com relatórios, redação de estudos pois fazer um
planejamento de capítulos pode mostrar as dificuldades imprevistas: não tinha a idéia
clara, precisaria ler mais e rever pesquisas.
De fato os projetos de alterar procrastinação precisam no inicio ser de tempo curto,
uma semana, por exemplo. É preciso saber se é uma questão de adiar ou não saber fazer
e precisar aprender cousas básicas ou planejar locais mais adequados. Estudar no grêmio
ou no banco do parque ou em lugar de passagens de pedestres, negativo. Lugar quieto e
sem interrupções,sim, Se não sabe bem inglês, ler um texto e não compreendê-lo é esperado.
Parece que a regra mais simples a ser instalada é :não faça julgamentos,
apenas faça as cousas necessárias. Em vez de reclamar, resolva. Sempre reforce o que
fez. Discutir regras que vieram de conversas familiares ou com amigos ou da própria
análise de contingências demanda tempo e as vezes o resultado é inócuo. Por isso
salientei ações. Saliento também que não faça propaganda de que adia tarefas. É
assunto seu. Quando você mudar muitas pessoas ainda dirão que você sempre atrasa...
e você que criou a situação. Não é legal, é desrespeito com você e com os outros e não
adianta arranjar desculpas culturais. Veja como pregar é para pregador e não para
psicólogos. É começara fazer algo, com cousas simples pois não há soluções mágicas.
Terminando, diria que dá para obter bons resultados iniciais em oito semanas,
com tarefas para cada sessão e resultados discutidos. Começar a sessão discutindo
resultado da tarefa e só depois salientar o novo conceito ou o que será feito para
prosseguir nos objetivos. A primeira semana é sempre registro de linha de base e deve

Çobre Comportamento e. Cognição 117


ser salientada a dificuldade. A segunda para mim, tem sido agendar e olhar agenda, e
assim por diante, de acordo com os problemas de cada um.
Em caso de você se interessar por pesquisa, as questões iniciais são o que é
procrastinação e o que você faz para resolvê-la e quais os problemas que encontra.
Após isto é necessário escofher o que estudar. Talvez as cousas que distraem um
procrastinador e o não procrastinador. Qual o papel das falas que diz a si próprio ao
iniciar ou adiar um trabalho, pode ser outro e assim por diante. É uma área fascinante
mas com poucas pesquisas de laboratório, talvez pela dificuldade. Talvez as pesquisas
com sujeito único possam responder questões e serem mais adequadas ao tema.

Referências

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reducing student procrastination. Journal o f Personalized Instruction, 1,36-40.
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Maria Ignez Roche e Silva, Maria Alice Rodrigues e Maria Benedita Lima Pardo) São Paulo:
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apresenta. Boletim de Psicologia, XXXIII, 52-57.
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Ctáudio Todorov). São Paulo: Editora Martins Fontes.
Skinner, B, F.( 1949/1972) Walden Two (Tradução: Raquel Moreno e Nelson Raul Saraiva) São Paulo:

118 Rachel Rodrigues Kerbauy


Capítulo 11
O papel das crenças no ciúme romântico:
uma abordagem sócio-cognitiva

Lucas de Francisco Carvalho


Presbiteriana Mackenzie

Não é raro que pesquisadores e teóricos da psicologia se deparem com


fenômenos humanos subjetivos, e, portanto, de difícil observação, o que pode se
caracterizar como um importante obstáculo para o estudo destes fenômenos. Talvez por
isso, alguns destes construtos da psicologia sejam pouco estudados, como é o caso
do ciúme romântico. O ciúme romântico é aquele ciúme que se manifesta entre parceiros
que formam um casal, ou seja, em relacionamentos amorosos (Harris, 2005).
A partir da literatura, encontra-se diversos os conceitos propostos para o ciúme
romântico, contudo, em sua maioria, são conceitos pouco operacionais e obscuros
(Sagarin & Guadagno, 2004). Segundo diversos autores (Kingham & Gordon, 2004;
Costa, 2005), o ciúme romântico pode ser entendido como uma reação frente à ameaça
de um rival, real ou não, a um relacionamento amoroso considerado importante. Assim,
pode-se entender que o ciúme romântico é uma reação possível sempre que a
estabilidade do relacionamento amoroso for ameaçada por alguém considerado como
um rival (Torres, Ramos-Cerqueira & Dias, 1999).
O ciúme romântico é apontado na literatura como um fenômeno extremamente
comum, chegando a ser considerado como universal (Kingham & Gordon, 2004; Mullen
& Martin, 1994). A despeito de ser considerado por alguns teóricos como uma “emoção
negativa” (ou seja, uma reação humana de difícil controle e indesejada), Buss (2001)
sugere que o ciúme em relacionamentos amorosos funciona como um mecanismo de
função sinalizadora para possíveis ocorrências de infidelidade.
Dada a escassez de trabalhos, teóricos ou empíricos, para o tema do ciúme
romântico, e a importância clínica (Costa, 2005; Leite, 2001) e até mesmo o papel
desencadeador que parece exercer em casos de violência doméstica e homicídios
(Pillai & Kraya, 2000; Soyka, Naber & Võlcker, 1991), o presente estudo tem como objetivo
abordar o tema do ciúme romântico a partir de um dos modelos cognitivos encontrados
na literatura, de modo a apresentar resultados encontrados em um estudo inédito que
verifica a função das crenças neste fenômeno.

Sobre Comportamento e Cognijão


A Abordagem Sócio-Cognitiva do Ciúme Romântico
Uma das correntes teóricas freqüentemente encontradas na literatura no estudo
do ciúme romântico é a Social Cognitive Theory of Jealousy (SCTJ), ou, Teoria Sócio-
Cognitiva do Ciúme (Harris, 2003). Este modelo teórico se baseia, sobretudo, na
importância do processamento cognitivo, ou seja, nas crenças que estão subjacentes
às reações humanas (comportamentos, emoções, etc.), e também se foca na
aprendizagem enquanto variável influenciadora no desenvolvimento destas crenças
(Harris, 2003; Harris, 2005). Portanto, a ênfase desta teoria está na relevância das
experiências e nas crenças desenvolvidas ao longo da vida do indivíduo.
Harris (2005) aponta que entre os distintos fatores de influência no
desenvolvimento e manifestação do ciúme romântico, dois fatores são fundamentais;
as crenças sobre relacionamentos amorosos, e as representações que o indivíduo faz
de si próprio. O primeiro fator diz respeito às crenças desenvolvidas pelo indivíduo com
relação a relacionamentos amorosos, sobretudo, crenças relacionadas a possibilidade
de infidelidade do parceiro amoroso. E, o segundo fator, refere-se às diferentes
dimensões do auto-conhecimento, como o auto-conceito, a auto-estima, e outras
representações de si que podem ser desafiadas por um rival, e assim, atuam como
importantes variáveis que influenciam na manifestação do ciúme romântico.
A partir da SCTJ, entende-se que a avaliação e interpretação do indivíduo, a
respeito da possibilidade de ameaça de um ou mais rivais ao relacionamento amoroso,
são aspectos fundamentais para a investigação no estudo do ciúme romântico, uma
vez que a interpretação dos eventos permite que o indivíduo reaja de maneiras distintas
(Harris, 2003; Harris & Chtistenfeld, 1996).
DeSteno e Salovey (1996), teóricos do modelo Sócio-Cognitivo, partindo de
uma investigação das crenças sociais entre homens e mulheres acerca do ciúme
romântico, propuseram a teoria da “double-shof. Segundo esta proposta, homens e
mulheres apresentam freqüentemente reações diferentes de ciúme romântico uma vez
que desenvolvem crenças distintas sobre o fenômeno do ciúme romântico e da
infidelidade a partir de influências sócio-culturais.
Assim, segundo o modelo da SCTJ e a proposta "double-sho(\ o ciúme romântico
se constitui ao longo da vida de cada indivíduo, se diferenciando em sua manifestação
(topografia dos comportamentos exibidos), mas não em sua função sinalizadora, de acordo
com a interpretação realizada pelo indivíduo de acordo com as experiências vivenciadas,
resultando em crenças que determinam as reações que caracterizam o ciúme romântico.

Um Estudo Sobre as Crenças no Ciúme Romântico


Foi realizado um estudo por Carvalho e Kebleris (2006) que, entre outros
objetivos, objetivava investigar o papel das crenças nas reações de ciúme romântico.
Para tanto, foi desenvolvido um instrumento de auto-relato contendo 60 itens que
representavam situações de ciúme romântico. Este instrumento foi elaborado a partir
de uma extensa revisão na literatura a foram verificadas evidências de propriedades
psicométricas adequadas (tais como validade e precisão).
Para o estudo, participaram 577 universitários, de ambos os sexos, que variaram
entre 18 e 35 anos de idade. Os itens foram respondidos a partir de uma escala do tipo likert
de 5 pontos, na qual 1 significava “nada característico” e 5 significava “totalmente característico”.
Os dados encontrados com a aplicação do instrumento foram submetidos a diversas análises
estatísticas, dentre estas, a análise fatorial exploratória. Segundo Artes (1998), a análise

1 2 0 Lucas dc Francisco Carvalho


fatorial é uma técnica estatística que permite a criação de um conjunto menor de variáveis
{chamados de fatores) obtidos como função das variáveis originais (que são os itens).
Deste modo, foram encontrados quatro fatores que correspondiam a diferentes
dimensões do ciúme romântico (Não Contato e Contato, Auto-Estima, Comportamentos
de Investigação, e Não-Agressão). G primeiro fator, Não Contato e Contato, se refere a
itens que expressam situações nas quais ou o indivíduo não consegue estabelecer
contato com o parceiro, ou, o parceiro tem aJgum tipo de. contato com outra pessoa
(abraçar, conversar pelo telefone, entre outros).
No segunda fator, Auto-Estima, os itens representavam situações nas quais o
indivíduo se considerava responsável ou culpado pela possibilidade de infidelidade, do
pareeiro, no relacionamento amoroso. O terceiro fator. Comportamentos de Investigação,
os itens visavam expressar situações nas quais o indivíduo manifestava comportamentos
de investigação (como, por exemplo, entrar no e-mail do parceiro) a partir da dúvida
acerca da fidelidade do parceiro. R E G
No quarto e último fator, Não-Agressão, os itens representavam situações nas
quais o indivíduo não manifestava qualquer tipo de comportamento violento ou agressivo
(por exemplo, "nunca tive vontade de agredir fisicamente meu parceiro por problemas no
relacionamento'1). Deste modo, os itens deste fator eram inversos, ou seja, quanto mais
baixa a resposta do participante, mais a resposta sugeria comportamentos agressivos.
A partir da obtenção destes quatro fatores, foi possível realizar uma análise de
possíveis crenças subjacentes nas diferentes dimensões que compõem o ciúme
romântico. De fato, em todos os fatores encontrados, parece que está subjacente às
manifestações comportamentais ou até mesmo aos pensamentos automáticos (que
surgem autonomamente, sem controle), um tipo de categoria de crenças que pode ser
nomeada de “crenças de controle". As crenças de controle em relacionamentos amorosos,
e mais especificamente no que diz respeito ao ciúme romântico, são crenças que têm em
comum a necessidade de ter um controle mínimo sobre as atividades realizadas pelo
parceiro, o local em que este parceiro se encontra e com quem o parceiro está.
Assim, uma vez que a necessidade de controle do indivíduo, com relação ao
parceiro amoroso, não é atingida, parece que a ativação das crenças de controle permitem
o desencadeamento das reações de ciúme romântico. Certamente, como aponta Harris
(2003, 2005), o desenvolvimento destas crenças relacionadas a infidelidade do parceiro
amoroso, vai depender essencialmente das interpretações que o indivíduo faz dos eventos
experienciados ao longo de sua vida. Portanto, tanto a necessidade de controlar as variáveis
relacionadas ao parceiro, quanto a ativação das crenças de controle no ciúme romântico,
vão depender de experiências e interpretações prévias do indivíduo, principalmente em
situações de relacionamentos amorosos (Harris, & Chtistenfeld, 1996).

Considerações Finais
O ciúme romântico é um fenômeno extremamente comum (Mullen & Martin, 1994),
contudo, ainda pouco estudado, a despeito de sua importância clínica (Costa, 2005; Leite,
2001). O presente trabalho teve como objetivo abordar o tema do ciúme romântico a partir de
um dos modelos cognitivos encontrados na literatura, de modo a apresentar resultados
encontrados em um estudo inédito que verifica a função das crenças neste fenômeno.
Deste modo, foi apresentado um estudo realizado por Carvalho e Kebleris, que
entre outros objetivos, visou realizar uma análise de crenças nos fatores de ciúme romântico.
Os resultados indicaram que o ciúme romântico parece estar relacionado com “crenças de

Sobre Comportamento e Cognição 1 21


controle" em relacionamentos amorosos, que se referem a uma necessidade de controle
do indivíduo acerca das atividades realizadas pelo parceiro, com quem e onde.
Entretanto, não foram encontrados na literatura outros estudos com o mesmo
objetivo, seja no Brasil ou em outros países. Por ser um único trabalho, apresenta diversas
limitações que devem ser expandidas com a realização de outros estudos com objetivos
semelhantes. O estudo das crenças subjacentes as reações observáveis do ciúme romântico
torna-se importante na medida em que possibilita ao clínico e pesquisador um acesso
mais direto a funcionalidade do dúme romântico naquele indivíduo especificamente, e,
portanto, a possibilidade de determinar intervenções específicas para o caso.

Referências

Artes, R. (1998). Aspectos Estatísticos da Análise Fatorial de Escalas de Avaliação. Revista de


Psiquiatria Clínica, 25, 5.
Buss, D. M. (2001). Cognitive Biases and Emotional Wisdom in the Evolution of Conflict Between the
Sexes. Current Directions in Psychological Science, 6, 219-253.
Carvalho, L. F. C. & Kebleris, F. (2006) Investigação de uma Estrutura para o Ciúme Romântico e Sua
Manifestação Patológica. Monografia não publicada, São Paulo, Universidade Presbiteriana
Mackenzie.
Costa, N. (2005). Contribuições da psicologia evolutiva e da análise do comportamento acerca do
dúme. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, VII, 1, 005-013.
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and Social Psychology Review, 7(2), 102-128.
Harris, C. R. & Chtistenfeld, N. (1996). Gender, jealousy, and reason. Psychological Science, 7 (6),
364-366.
Harris, C. R. (2005).Male and female jealousy, still more similar than different: Replay to Sagarin
(2005). Personality and Social Psychology Review, 9 (1), 76-86.
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3, 207-215.
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comportamento e cognição questionando e ampliando a teoria e as intervenções clínicas
e em outros contextos, Vol. 6. (pp. 70-73). Santo André: ESETec Editores Associados.
Mullen, P. E. & Martin, J. (1994). Jealousy: A community study. British Journal o f Psychiatry, 164, 35-
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Sagarin, B. J. & Guadagno, R. E. (2004). Sex differences in the contexts of extreme jealousy.
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Soyka, M., Naber, G. & Vòlcker, A. (1991). Prevalence of Delusional Jealousy in Different Psychiatric
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Torres, A. R., Ramos-Cerqueira, A. T. A. & Dias, R. S. (1999). O ciúme enquanto sintoma do transtorno
obsessivo-compulsivo. Revista Brasileira de Psiquiatria, 21, 3.

122 Lucas de Francisco Carvalho


Capítulo 12
O que é farmacologia comportamental? 1

André Amaral Bravin


José Eduardo Pandossío
Alessandra Rocha de Albuquerque
VCB

Quando Skinner desenvolveu a técnica de condicionamento operante, na década


de 30, sua contribuição para o estudo do efeito de drogas foi rapidamente reconhecida.
Como exemplo cita-se um de seus trabalhos que avaliava o efeito da cafeína e da benzedrina
sobre o comportamento operante dos animais quanto expostos a um dado esquema de
reforçamento ou à extinção (Heron & Skinner, 1937). Para alguns, esse foi o marco inicial da
farmacologia comportamental, em função de ter sido um dos primeiros (se não o primeiro)
estudo envolvendo avaliação do efeito de fármacos por meio do uso de técnicas de
condicionamento operante. Apesar da discórdia entre autores sobre a "paternidade" da
disciplina da farmacologia comportamental (alguns atribuem o princípio da disciplina a
Dews, 1955), essa comunhão entre princípios da análise experimental do comportamento
e farmacologia (farmacologia comportamental) tem fornecido vários achados empíricos
que demonstraram resultados significativos para o desenvolvimento de ambas as ciências.
O presente trabalho tem por objetivo apresentar ao público que inicia os estudos
em análise do comportamento essa área de investigação empírica pouco difundida no
Brasil, a farmacologia comportamental. De fato, o texto visa apresentar ao público um
breve panorama dessa disciplina, haja vista a carência de trabalhos disponíveis na língua
portuguesa. Nesses termos, o escrito não apresenta nada de novo acerca do tema, não
apresenta dados empíricos de alguma pesquisa realizada, nem tampouco pretende ser
uma exaustiva revisão. Por outro lado, o presente trabalho preocupa-se em apresentar
alguns aspectos históricos que favoreceram o surgimento da disciplina da farmacologia
comportamental, algumas possíveis áreas de estudo e investigação dessa área, bem
como um breve panorama sobre algumas intervenções ou contribuições práticas desses
estudos para os psicólogos analistas do comportamento. Por fim, ao preocupar-se em
fazer um breve apontamento histórico, o escrito primou também por apontar alguns
possíveis rumos que a disciplina tem tomado, ou poderia tomar.

Algum as notas históricas


Década de 50
A década de 50 é considerada por Barrett (2002) como a década de ouro daquilo
que hoje conhecemos por “psicofarmacologia" ou “neuropsícofarmacologia". O que
' Trabal ho apresentado durante o XV Encontro Brasileiro de Psicoterapia e Mediei na Comportam enlal realizado em Brasília efitre os d es 14
e 17 de setembro de 2006. Esse texto compõe parte do Trabalho de Coodusão de Curso de graduação em psicologia cio primeira sutor, sob
orientação dos outros dois autores Endereço eletrônico para correspondência: andrebravin@yahoo oom

Sobre Comportamento e Cognição 123


gerou essa alcunha aos anos 50 é o fato de, nessa década, vários achados apontarem
para a possibilidade de se tratar "enfermidades mentais" por meio do uso de
medicamentos. De fato, esse foi o período onde foi atestada a eficácia dos primeiros
antipsícóticos e, a partir daí, passou-se a avaliar a eficácia de outros fármacos como os
antídepressívos, ansiolfticos, etc., o que trouxe como conseguinte a descoberta de vários
novos medicamentos para utilização clínica (Barrett, 2002).
Pode-se dizer que essa "psiquiatria baseada em evidência", isto é, esse contexto
de descobertas práticas (clínicas) da eficácia do tratamento farmacológico para "doenças
mentais” motivou o estudo dos mecanismos subjacentes à ação dos fármacos. Por
conseguinte, esse período passou a ser de grande investimento para a pesquisa de
novos agentes farmacotógicos, bem como o desenvolvimento de aparatos experimentais
sensíveis a essas drogas, a fim de se testar sua eficácia em animais (modelos
experimentais de transtornos do comportamento) antes dessas drogas serem utilizadas
em humanos. Assim, houve um grande investimento intelectual e financeiro para se
descobrir as bases biológicas das “psícopatologías”, afinal, uma vez que uma droga atua
no organismo, é possível supor que os sintomas apresentados pela mais ampla gama
de transtornos psiquiátricos derivaria de alterações no funcionamento do sistema biológico.
Iníciou-se assim o estudo das bases bioquímicas das “psícopatologías'’ (Barrett, 2002).
Embora se tenha iniciado investimentos em pesquisas a fim de se avaliar as
bases bioquímicas das “psícopatologías", o que se apresentava como principal hipótese
que justificava a ação das medicações psicotrópicas naquele momento era a noção de
que esses fármacos atuavam nos estados emocionais que, presumivelmente, subjaziam
diferentes manifestações comportamentais (Barrett, 2002). Tome o exemplo de um inibidor
de apetite. Ainda hoje é comum a afirmação de que sua ação terapêutica ocorre devido ao
fato de esse medicamento diminuir o apetite ou a fome, isto é, sua ação derivaria de uma
atuação nesse estado emocional subjacente ao comportamento de ingestão de alimento
(i.e.: fome). Nesses mesmos moldes, creditava-se a atuação dos ansiolfticos ao fato
dessas drogas atuarem sobre esse construto emocional hipoteticamente presumido a
partir das manifestações comportamentais. O caráter terapêutico de um determinado
ansiolítico (p. ex.: clordiazepóxido, o primeiro benzodiazepínico sintetizado e utilizado
clinicamente no final da década de 50) era atribuído ao fato desse fármaco diminuir ou
quebrar (lise, do grego, lysis: quebra ou destruição; ansiolítico: quebra da ansiedade) a
ansiedade; atualmente, contudo, sabe-se que esse medicamento pode ter esse tipo de
prescrição em função do seu mecanismo de ação: o agonismo gabaérgico e o conseqüente
efeito inibitório provocado por esse neurotransmissor em neurônios que funcionam como
plataforma biológica (Starling, 2000) para a manifestação de alguns comportamentos
descritos pela comunidade verbal como “comportamentos ansiosos”.
De fato, alguns achados empíricos abriam a possibilidade para a interpretação de
que o mecanismo de ação dos fármacos derivavam da atuação em estados emocionais
subjacentes. O fato de algumas drogas afetarem de uma determinada forma a taxa de
resposta de animais mantidos em esquemas de reforçamento positivo, e o fato de o mesmo
fármaco atuar de maneira oposta em animais mantidos em esquemas de reforçamento
negativo, abria a possibilidade interpretativa que os estados emocionais subjacentes aos
comportamentos mantidos por reforçamento positivo eram distintos dos estados emocionais
subjacentes aos comportamentos mantidos por reforçamento negativo. Daí (dos estados
emocionais) derivaria a diferença na resposta farmacológica dos animais (Barrett, 2002).
Contudo, essa mesma evidência empírica supracitada sugeria um outro achado,
o de que o contexto comportamental poderia ser tema de investigação laboratorial, dado
o fato de que alguns estudos apontavam uma influência significativa do ambiente no
efeito comportamental de ação dos psicotrópicos. Assim, o estudo do contexto

124 André Amaral Bravin, José Eduardo Pandossío e Alessandra Rocha dí Albuquerque
comportamentaí passou a ser um interesse de investigação empírica de um grupo de
pesquisadores no laboratório de psicobiologia de Harvard. Essa foi uma das principais
contribuições de Peter B. Dews, Roger T. Kelleher e William H. Morse, autores que
traçaram os principais alicerces dessa nova disciplina (Barrett, 2002).
Em 1955, Dews publica um trabalho considerado por muitos (Barrett, 2002, 1984;
Blackman & Pellon, 1993; Branch, 2006, 1991, 1984) como o marco histórico da
farmacologia comportamenjal. Esse trabalho consistiu em avaliar a ação de diferentes
doses de um mesmo agente farmacológico em um mesmo sujeito experimental que era
submetido a diferentes esqúerriáè de, reforçamento conseqüenciados pela apresentação
de alimento. Nesses termos, D'ew_s (1955) avaliava a hipótese explicativa de que fármacos
atuavam sobre estados emocionais subjacentes aos comportamentos. Uma vez que
escolheu esquemas de reforçamento distintos, porém com o uso de alimento como
reforço, presumivelmente a diferença dos estados emocionais subjacentes ao
comportamento não era uma variável do estudo (essa permanecia constante) e sim, o
esquema de apresentação do reforço. Ou seja, se ocorressem diferenças na resposta do
animal dada a administração de um fármaco, essa diferença só poderia ser atribuída ao
esquema de reforçamento ou a taxa de resposta que dele derivava.
Para tanto, Dews (1955) treinou pombos privados de alimento a bicarem um
disco que funcionava em um esquema FR2 50 ou FP 15 min. de apresentação de
comida, os quais geravam respectivamente alta e baixa taxa de resposta. Uma vez
atingido o desempenho estável nesse esquema, foram feitas sessões de teste, onde a
injeção intramuscular de diferentes doses (0,25; 0,5; 1,0; 2,0; 4,0 e 5,6) de pentobarbital
ou salina eram realizadas. Os resultados de Dews (1955) apontaram mudanças no
responder em comparação à linha de base (que constituiu na medida da taxa de resposta
do animal sob efeito da administração de salina) após a injeção do pentobarbital
(principalmente nas doses de 1,0 e 2,0 mg/kg). Sob efeito dessas doses, o responder
no esquema de Fl (esquema que produz naturalmente baixa taxa em estado estável)
teve sua taxa reduzida, ao passo que durante o esquema FR (esquema que produz
naturalmente aita taxa em estado estável) teve sua taxa aumentada. Uma vez que o
efeito das mesmas doses de uma mesma droga promoveram (em um mesmo
comportamento de um mesmo animal, mantido pelas mesmas conseqüências)
alterações diferenciadas em função de como os reforçamentos foram esquematizados,
conclui-se que variáveis ambientais poderiam modificar a forma como a droga influencia
topográfica ou funcionalmente o comportamento. Esse trabalho é amplam ente
reconhecido como o pioneiro na demonstração do efeito esquema-dependente de
drogas (Barrett, 2002, 1984; Blackman & Pellon, 1993: Branch, 2006, 1991, 1984).
De fato, o trabalho de Dews (1955) marca o inicio da farmacologia comportamentaí
dada a metodologia utilizada por ele, bem como o achado empírico decorrente desse trabalho.

3Esquema de Razão Fixa (Ftxed Rabo- FR): Esse esquema especifica o número de resposlas que deve ser emitida para um reforçamento
ser apresentado, desde a úHima entrega do estímulo reforçador Exempk): em um esquema de razão fixa de cinqüenta respostas (FR 50). a
próxima apresentação do eslirnukj reforçador soroenle ocorrerá após a qíiinqüagésirna pressão à barra efetuada por esse animal. Mudanças
induzidas na taxa de resposta produzirão grandes mudanças no número de reforços entregues, uma vez que os reforços existem em *jnçáo
do número de pressões executadas pelos animais. Logo. o r»'nnero rte re.ítvçfis a &Rf entregue nesse contexto depende exclusivamente da
performance do sujeito (Catênia, 1999).
’ Esquema de Intervalo Fixo {Fixed tnve/val- Fl): Esse esquema especifica que o reforço será
apresentado seguindo a primeira resposta emitida após um dado período de tempo que permanece fixo (constante). Exemplo: em um
esquema de intervalo fixo de quinze minutos (Fl 15 min), a próxima pressào a barra desse animal somente será seguida de reforço, desde
que tenham se passado quinze minutos. Qualqiter mudança induzida na taxa de resposta n&o produzirá grandes modanças no número de
reforços entregues, uma vez que os reforços requerem uma única resposta apó&.urn intervalo de tempo especificado ter s t passado, ou seja,
o número de reforços a ser entregue nesse contexto depende - somente em certa medida - da performance do sujeito; basta uma única
resposta no momento certo, para se t£r acesso ao reforçamento (Catânia 1999)

Sobre Comportamento c Cognição 125


Assim, aponta-se que Dews (1955), ao empregar a metodologia de sujeito único4 (típica da
análise do comportamento) para o estudo da ação de fármacos, consegue eliminar possíveis
vieses biológicos que poderiam afetar a metabolízação da droga, e gerar grande variabilidade
nos resultados, o que é bastante comum em metodologias de grupo. O experimentador,
utilizando a mesma dose, da mesma droga, no mesmo animal, quando avaliava um mesmo
comportamento mantido pela mesma consequência, conseguiu isolar uma infinidade de
variáveis e foi eficaz em apontar diferenças na responsividade ao fármaco, derivado de fatores
ambientais. De fato, o seu delineamento e seu achado apontaram que a interpretação do
efeito comportamenta! de uma droga poderiam derivar de fatores ambientais observáveis e
mensuráveis (p. ex.: esquemas de reforçamento), fatores esses que podem ser diretamente
manipulados e controlados em uma avaliação experimental. Assim, o achado de Dews (1955)
assume grande impacto, pois sua implicação é que não seria necessário fazer apelo a
especulações sobre estados emocionais para se justificar a diferente responsividade
farmacológica; essas poderiam derivar de questões ambientais (Barrett, 2002).

Farmacologia Comportamental: Seu Conceito


Embora a definição e os objetivos da disciplina farmacologia comportamental
só tenham sido propostos em 1968, por Travis Thompson e Charles Schuster, no primeiro
livro- texto que sistematizava os conhecimentos produzidos por essa área até então, o
Behavioral Pharmacology6, parece oportuno fazer esse corte histórico e apresentar a
definição da farmacologia comportamental nesse instante, haja visto que vários autores
atribuem o primórdio da farmacologia comportamental ao trabalho de Reter Dews (Barrett,
2002, 1984; Blackman & Pellon, 1993; Branch, 2006,1991, 1984), Thompson e Schuster
(1968) definem a farmacologia comportamental como:
“Um ramo das ciências biológicas que utiliza as ferramentas e conceitos da
psicologia experimental e da farmacologia para explorar a ação comportamental
de drogas. As ferramentas da psicologia experimentai podem ser, para o presente
propósito, caracterizados pela frase ‘técnicas de controle comportamental'. As
principais 'ferramentas' da farmacologia são as drogas. Portanto, quando alguém
estiver interessado no controle comportamental para delinear a ação de uma
droga, ou estiver utilizando drogas para analisar processos comportamentais, a
análise repousa no reino da farmacologia comportamental*(p. 1-2).

Década de 60
Tomou-se claro que o efeito de qualquer dose de droga depende da natureza
do comportamento que, por sua vez, depende do esquema de reforçamento que o
mantém (Blackman & Pellon, 1993). O conceito de uma curva dose-resposta taxa -
dependente traz princípios da análise do comportamento e da farmacologia,
desacreditando a possibilidade de prever o efeito da droga baseado meramente em
sua linha de base ou dose, mas apenas no contexto de interação destas duas grandes

* Essa metodologia traz atgumas pecuiiardades que são aportadas como vantajosas pera o estudo da farmacologia coniportamenlal Além
de possibilitar o estudo em um número reduzido de animais e propiciar o registro automático do comportamento, contingências de
reforçamento restringem a vartablidade e apenas um animal, tento em uma única sessão, quanto ao longo de várias sessões Essa linha de
base funciona como o controle na metodologia de sujeito único. O animal como controle de si mesmo exdul a veriabiRdade intra-sujerto
aumentando a sensibilidade do experimento inclusive a variáveis farmacológicas (Blackman & Pellon. 1993. Todorov, 1981) Para aprofundar
sobre metodologia de sujdto únioo ver Sidman (1960). Johnston e Pannypacker (1993).
4 Farmacologia Comportamental
6T-1
s brancfi of biological science that uses the tools and concepts o f experimentalpsycMogy and pharmacology to explore the behaviors! actions
o f drugs. The kxstsofexperimBatat psychology can, forpmsgntpurposas.becharzcterizedbyffiephrBSe "behj-tKxv!conirvt techniques'. The
principal toots'ofpharmacology ara drugs Thus, whether one a interostdd in controlling be/iavror lo de/inaats a cinjg's action or in using
drugs to analyze behavioral processes, the analysis falls in io the realm o f behavioral pharmacology" (pp 1-2)

1 26 André Amaral Bravln, José Eduardo Pandossio e Alessandra Rocha de Albuquerque


variáveis. Assim, para se prever como uma droga afeíaria um dado comportamento, não
seria suficiente saber a respeito das características do comportamento, nem tampouco
sobre as características das drogas exclusivamente. Este dado levanta a questão relativa
à importância de se conhecer o ambiente prévio e atual no qual o comportamento está
inserido, bem como a atuação de fármacos, para que previsões a respeito da ocorrência
de um comportamento sob efeito de uma determinada droga possam ser realizadas
(Barrett, 1984; Blackman & Pellon, 1993; Branch, 1984, 1991; Todorov, 1981).
A partir do esludo de Dews (1955), procurou-se sistematizar os dados que
explicassem como o ambiente atual e passado poderiam afetar a ação de um fármaco.
Além disso, acompanhando a proposta metodológica de seu estudo, houve um aumento
nas pesquisas usando técnicas derivadas da Análise Experimental do Comportamento, as
quais permitiram gerar dados consistentes e reproduzíveis e iniciaram uma análise
sistemática da ação comportamental de drogas (Branch, 1984). A análise de pesquisas
posteriores (p. ex.: Barrei, 1976; Kelleher & Morse, 1964), e na mesma direção da de Dews,
apontou para uma forma de sistematização dos dados que enfatizava a relação entre a
droga e o desempenho da linha de base do sujeito. Essa maneira de sistematizar os
achados empíricos foi conhecida como a explicação taxa - dependente do efeito de fármacos.
A proposta da taxa-dependência afirma que se dois esquemas produzem uma
taxa de resposta equivalente, a droga irá produzir um efeito similar em ambas as
condições, independente dos outros fatores da contingência (tipos de estímulos, natureza
do reforçamento, etc.). Nesse sentido, os trabalhos preocupavam-se em avaliar as
taxas de respostas dos animais em uma determinada contingência quando esses
animais estavam sob efeito da droga ou salina, supondo assim que o efeito da droga no
responder dependeria de sua linha de base. Ou seja, o estabelecimento de um
comportamento, com taxas estáveis de ocorrência, era feito apenas no sentido de se
estabelecer uma linha de base sobre a qual o efeito do fármaco seria observado. Assumiu-
se, portanto, que as variáveis independentes das quais o comportamento eram função
(privação, estímulos discriminativos, esquemas de reforçamento, natureza do reforço -
i.e.: se os comportamentos eram mantidos por reforçadores condicionados ou
incondicionados, positivos ou negativos, etc.) eram importantes apenas para determinar
a taxa de resposta a qual sofreria influência do fármaco (Branch, 1984).
Um claro exemplo dessa proposta é apontado por Kelleher e Morse (1964) que,
objetivando avaliar a proposta da taxa-dependência, delinearam um experimento onde
animais eram mantidos em um mesmo esquema (portanto mesma taxa de resposta) de
apresentação de diferentes tipos de reforçamento. Esses autores estudaram macacos sob
esquema múltiplo7 F110 min - FR 30. Assim, para um grupo, a presença de um determinado
SdB sinalizava que a primeira resposta após 10 minutos terminava o Sd e um choque
elétrico, e na presença de outro Sd, 30 respostas terminavam com a luz e um choque
(nesse caso, respostas reforçadas negativamente). Para outro grupo, as condições
experimentais eram as mesmas, com a diferença que completar a exigência do esquema
gerava apresentação de comida (nesse caso, respostas reforçadas positivamente). Portanto,
foi feita a comparação de desempenhos similares (ou seja, a mesma taxa de resposta)
mantidos por reforçamento positivo ou negativo. Os resultados apontaram que o efeito da
droga (d-anfetamina) foi mais influenciado pela taxa de resposta do que propriamente a
conseqüência do responder. A dose de 0,3 mg/kg de d-anfetamina fez com que a performance
dos animais mantidos em esquema de alta taxa (FR) fosse deprimida, ao passo que a
T Esquema múltiplo é composto por dote ou mais esquemas simples de reforçam&nto de maneira tal que um estírrtuío discriminativo sinafiza
cada um dos esquemas simples que estão operando naquete momento. A apresentação dos estímulos di&cnrni reativos (c cm consequência,
seus respectivos esquemas de retorça mento) pode ocorrer de forma randomizada ou não (Catânla,1999),
t Estímulo Discriminativo

■Sobre Comportamento c Cognição


performance dos animais mantidos em esquema que gerava baixa taxa (Fl) fosse
aumentada, independentemente se a conseqüência do responder era a apresentação de
comida ou esquiva de choque. Assim, tem-se um exemplo de que o padrão de
comportamento sob efeito da droga era mais claramente afetado pelas taxas de resposta
produzidas pelos diferentes esquemas de reforçamento do que por outros fatores da
contingência. Esse estudo teve grande mérito pois, a exemplo do estudo de Dews (1955),
refutava a hipótese explicativa das drogas atuando sobre estados emocionais, ao mesmo
tempo em que fortalecia a noção taxa - dependente de que o determinante na ação do
íármaco era a taxa de resposta a que o animal vinha sendo mantido.
Já no final da década de 60 ocorre a publicação do primeiro livro-texto sobre
farmacologia comportamentaí. Os autores, Thompson e Schuster (1968), além de definirem
e apontarem o escopo e os objetivos desse emergente campo de estudo, e além de
sistematizarem grandes achados empíricos até o momento, enfatizaram a necessidade de
se estudar os ditos mecanismos comportamentais de ação5, isto é, as variáveis
independentes que controlam os comportamentos. Nesse caso, a preocupação existente
ena de elucidar como a droga interage com fatores que normalmente têm responsabilidade
no controle do comportamento sob estudo. Nesse sentido, supõe-se que o efeito da droga
taxa - dependente só denunciava a necessidade de se explicar as variáveis de controle da
taxa de resposta, isto é, só apontava que essa taxa de resposta deveria ser mantida por
alguns tipos específicos de arranjos de contingências. Caberia, portanto, a farmacologia
comportamentaí descrever como a droga interagiria com cada uma dessas variáveis para,
então, supor alterações na resposta do organismo em função da atuação da droga com
essas variáveis, tais como: privação, estímulos discriminativos, a natureza do reforço
(condicionados ou incondicionados, positivo ou negativo), o atraso no reforço, etc. Elucidar
o mecanismo comportamentaí de ação de uma droga que afeta o comportamento envolveria
o exame de como a droga interage com esses fatores e, para isso, é necessário antes
saber como o comportamento é controlado na ausência da droga (e a análise experimental
do comportamento tem provido metodologia de estudo para tal) (Branch, 1984). Como
efeito, tem-se que a farmacologia comportamentaí preocupa-se no estabelecimento de
relações entre droga e comportamento. Para isso é necessário, primeiro, investigar
intensivamente o comportamento com a finalidade de identificar variáveis específicas que o
controlam. Portanto, deve-se pesquisar para cada droga qual é a variável comportamentaí
afetada, a fim de se determinar qual variável, ou combinação de variáveis, muda seu modo
de controle sobre o comportamento. A taxa padrão de resposta e a forma de um
comportamento operante corrente são determinadas por certos fatores antecedentes, as
condições correntes do estímulo e as conseqüências mantenedoras do comportamento.
Drogas podem interagir com qualquer ou todas essas classes de fatores para determinar
a conseqüência comportamentaí particular. Estabelece-se, assim, um outro enfoque na
farmacologia comportamentaí, a saber, que a preocupação dessa disciplina está na
descoberta da importância de diferentes variáveis de contexto na determinação do efeito
comportamentaí das substâncias. Deriva dos estudos em farmacologia comportamentaí,
principalmente após alguns achados envolvendo os mecanismos comportamentais de
ação, a premissa que supõe que uma draga não pode servir de causa, em um sistema
biológico, para que este responda de uma forma qualitativamente nova. Segundo esse
suposto, a droga deve aumentar ou diminuir valores de variáveis dependentes, mas não
causar uma mudança fundamental na operação do sistema biológico. Como conseqüência,
deve-se perguntar: “com qual destes sistemas existentes que regulam o comportamento a
droga está interagindo para produzir a mudança comportamentaí observada?", ou “com

*Betía«ora/ mecfianlsms of atikx)

1 2 8 André Am aral Bravin, José Eduardo Partdossio c Alessandra Rocha de Albuquerque


qual desses fatores que controlam o comportamento a droga interagiu?". A droga alterou o
estado de privação (uma variável antecedente), o controle dc estímulos (uma variável de
estímulos correntes), a topografia de resposta (uma propriedade da resposta), ou controle
peio esquema de reforçamento (uma variável conseqüente)?
A maioria dos dados envolvendo o efeito de drogas em comportamentos
controlados por esquemas.eram consistentes com a proposta taxa - dependente. Branch
(1984), porém, critica a proposta da dependência da taxa de resposta, apontando que
pouca atenção foi dada ao fato de que essas taxas de respostas derivavam de algumas
variáveis independentes que controlavam o comportamento o que, levado ao extremo,
sugere serem irrelevantes as variáveis independentes que controlam cada uma das
taxas de resposta para se avaliar o efeito do fármaco. A proposta da taxa-dependência
propunha que a droga iria afetar de forma idêntica o comportamento de animais mantidos
em contingências distintas, mas que produziam taxas do resposta equivalentes. Essa
evidência, a despeito das variáveis de controle serem diferentes, implica que a
investigação a respeito do efeito da droga, em interação com m ecanism os
comportamentais, tais como o controle de estímulo, tipos de reforçamento, etc., é
desnecessária e que a droga não interage independentemente com esses mecanismos.
Visto que esquemas de Fl e FR geravam diferentes taxas de reposta, um pequeno
salto foi necessário para se assumir que a diferença na ação farmacológica dependia
da taxa de resposta da linha de base (Dews, 1955; Kelleher & Morse, 1964). De fato,
essa sistematização foi bastante difundida após a publicação de uma influente revisão
de Kelleher e Morse (1968), onde os autores aplicaram, de forma bem sucedida, o
suposto da taxa-dependência para uma gama de procedimentos experimentais em
farmacologia comportamental, provendo a essa disciplina seu primeiro principio
unificador: a proposta da taxa-dependência.
A ascensão da proposta taxa - dependente se deveu ao fato de ter sido a primeira
explicação generalizável sobre farmacologia comportamental e mais difundida do que a
proposição publicada por Thompson e Schuster (1968), que propunham atenção ao
mecanismo comportamental de ação. De fato, ambas as propostas foram publicadas
no mesmo ano. Entretanto, a preocupação sobre os mecanismos comportamentais de
ação ainda careciam de evidências empíricas e de uma sistematização dos achados, o
que fez da explicação de Kelleher e Morse (1968) a mais abrangente, generalizável e,
portanto, mais difundida.

Década de 70
A partir da segunda metade da década de 1970 houve um aumento das
publicações envolvendo os mecanismos comportamentais de ação e esses estudos
mostravam os limites da proposta taxa - dependente. Como exemplo, tem-se um
difundido estudo de Barrett (1976), onde o autor ensinou macacos privados de alimento
a responderem a um esquema múltiplo Fl 5 min de apresentação de comida ou esquiva
de choque. Seu experimento, portanto, mantinha equivalente o número de respostas
dos animais, só alterando a conseqüência para o responder. Ao delinear o experimento
dessa maneira, o autor mantinha a taxa de resposta equivalente para os animais de
maneira tal que essa não poderia ser entendida como uma variável no estudo; a taxa de
resposta mantinha-se constante em todas as condições experimentais. Portanto, se
alguma alteração no comportamento ocorresse, essa alteração não poderia ser atribuída
à taxa de resposta, e sim a variável manipulada, a saber, a conseqüência da resposta.
Segundo o pressuposto da taxa-dependência, uma vez que o experimentador mantinha
a taxa de resposta constante nos animais e que essa taxa de resposta era equiparável

Sobre Comportamento e Cognição 129


a despeito da conseqüência da resposta, o mesmo padrão de alterações no
comportamento deveria ser observado quando feita a administração de uma dose de
um determinado fármaco. Porém, não foi isso o observado. Barrett (1976) avaliou que
animais submetidos a administração intramuscular de pentobarbítal aumentavam a
freqüência da resposta quando a conseqüência do responder era alimento e diminuíam
quando a conseqüência era choque, sobretudo nas doses de 5,6 e 10,0 mg/kg. Esse
achado, junto com os resultados de outras drogas (álcool, clordiazepóxido e cocaína)
avaliadas no mesmo estudo, sugeriram que o tipo de conseqüência que mantém o
comportamento operante pode modificar o efeito da droga, em claro contraste com o
que vinha sendo apregoado pelo pressuposto da taxa-dependência.
A proposta da taxa-dependência deixou vários dados sem análise no que diz respeito
aos mecanismos comportamentais da ação como, por exemplo, a avaliação não só da taxa
de resposta, mas de sua topografia, da diferença nos tempos das respostas, a natureza
dos reforços, dentre outras. Saber como cada droga interage com cada uma dessas variáveis
supostamente permitiria prever o efeito da droga através de uma ampla gama de
procedimentos, dada a avaliação de cada uma dessas variáveis isoladamente. Enquanto
outros dados empíricos emergiam e apontavam as limitações e inadequações da proposta
taxa - dependente, mudanças correspondentes enfocando os mecanismos
comportamentais de ação não ocorreram. Estudos isolando cada uma dessas variáveis
foram feitos, entretanto, sem apresentarem qualquer sistematização ou generalização
robusta, tal como ocorrera com os resultados observados em estudos onde discutia-se o
efeito taxa - dependente dos fármacos. A carência de um princípio unificador dos dados
acabou fazendo da taxa-dependência a melhor sistematização dos achados empíricos,
muito embora se reconhecesse que essa não se aplicava a todos os casos. Alguns autores
(Branch, 1984; Thompson & Schuster, 1968), porém, apontam que ambas as proposições
não são necessariamente incompatíveis. Esses assumem que a ocorrência de uma alta
ou baixa taxa de resposta poderia fornecer dicas dos mecanismos comportamentais da
contingência envolvidos para a manutenção daquela determinada taxa.
Nesse meio tempo, a disciplina da farmacologia também desenvolvia-se em termos
metodológicos e tecnológicos. O desenvolvimento de técnicas de binding™ em
neurofarmacologia foi uma dessas evoluções e que trouxe profundas mudanças nos estudos
de farmacologia comportamental (Branch. 1984). A técnica de binding promoveu um amplo
avanço sobre o estudo de receptores de drogas no Sistema Nervoso Central (SNC) mas,
além disso, uma grande contribuição dessa técnica em termos teóricos e conceituais foi o
desenvolvimento de uma estruturação teórica de fácil organização dos dados de pesquisa.
Segundo esse novo parâmetro interpretativo, a ação comportamental de uma dada droga
se dava devido ao fato de essa droga ligar-se a um determinado tipo de receptor. A aplicação
da teoria dos receptores na interpretação do efeito comportamental das drogas foi bem
sucedida em termos de prever com boa confiabilidade o efeito comportamental de uma
determinada droga tomando por base somente a sensibilidade dessa droga ao seu receptor
alvo, istoé, seu receptor de ação. Assim, a tendência do pentobarbital, álcool ou clordiazepóxido
de aumentarem repertórios mantidos em alta taxa, ou diminuírem repertórios mantidos em
baixa taxa derivava, segundo essa explicação, pelo seu agonismo gabaérgico11. Mais que
isso, esse suposto previa que toda e qualquer outra droga com mecanismo de ação similar
(p. ex.: benzodiazepínicos, outra classe de agonistas gabaérgicos) promoveriam o mesmo
efeito. De fato, essas previsões tendiam a ser bem acuradas.

' • A técnica de b/nding, ou lécnlca do Sgartte marcado, conjisle em um prooedlmento de auto- radiografia onde expõe-se faias do teddo oerebral
a uma solução contendo ligantes radoativos para um receptor específico. Posteriormente, lavam-se essas fatias de meneira que as únicas
substâncias radioativas que permanecem nesse preparo são das maíèctias dos Itgsntes marcados radloafivamentB em seus respectwos
receptores. Feito isso, utiliza-se o processo de suto-radografia para localizar os ligantes radioativos e, assim, seus receptores (Carison, 2002).
11 Agonista é Ioda droga que contribui com a ação de um determinado neorotransmissor. O GABA (áddo ^ama-amino^xitlrico) é um
neurotransmisaor que possui, em grande parte, funções inibitórias sobre oélulas neurals (isto é, efeito hiperpdarizante devido a maior parte
dos seus receptores serem inibitórios). Agonismo gabaérgico, portanto, refere-se a drogas que promovem uma ladílaçá
o ra ação do GABA.

130 André Amaral Bravin, José Eduardo Pandossio c Alessandra Rocha de Albuquerque
Com o sucesso desse nòvo paradigma para a explicação do efeito comportamentaí
das drogas, muitos pesquisadores desviaram sua atenção nas pesquisas das variáveis
comportamentais e passaram a avaliar substratos neurais subjacentes que poderiam
estar envolvidos tanto na manifestação do comportamento, quanto na sensibilidade de
ação de um determinado fármaco. Pouquíssimas áreas de investigação em farmacologia
comportamentaí resistiram a essa mudança. Uma delas seria a auto-administraçâo de
drogas (a droga como conseqüência para o responder). De fato, esses estudos enfati/am
os fatores comportamentais no estabelecimento e manutenção da auto-administração dc
drogas de maneira tal que os princípios farmacológicos não provinham uma base teórica
completa para a interpretação desses dados (Branch, 1984). Outra limitação desse
paradigma emergente para a interpretação pode derivar dos estudos que faziam uso de
esquemas múltiplos. Supostamente, um fármaco que se liga a seu receptor e provê uma
ação sobre o comportamento não deixa de ligar-se a esse receptor em função da alteração
de um determinado estímulo ambiental. Os estudos que utilizam esquemas múltiplos (p.
ex.: Barrett, 1976) apontam que diferenças no responder podem derivar da conseqüência
da resposta, não de sua taxa, ou do fármaco em questão. Lembre-se que Barrett (1976)
utilizava o mesmo animal sob a mesma dose do mesmo fármaco e observava alterações
no padrão de resposta quando o estímulo discriminativo que sinalizava a conseqüência da
resposta era alterado. Essa alteração no responder não poderia, portanto, derivar de
alterações na ligação da droga com o receptor, haja vista que a droga era a mesma e os
esquemas alteravam-se em pequenos intervalos de tempo. Dito de outro modo, a teoria
dos receptores pouco informa sobre fatos importantes envolvendo a produção de
reforçamento dependente de esquemas sob efeito de drogas. Presumivelmente, a exposição
de um sujeito que esteja respondendo sob um esquema de Fl ou FR e sob efeito de um
fármaco não influenciará sobre qual receptor essa droga irá se ligar. Porém, está claro que
um sujeito, respondendo nesses esquemas, pode modificar profundamente o tipo de efeito
da droga e essa evidência ainda carece de uma explicação.
A limitação da hipótese dos receptores pode ser vista no texto de Graeff (1989),
muito embora o autor aponte a necessidade de se buscar justificativas, no organismo,
para explicação desse fenômeno, ofuscando a evidência de que essas alterações podem
derivar de fatores ambientais.
"Em animais [...] as anfetaminas aumentam a atividade exploratória e a freqüência
da emissão de comportamentos instrumentais dirigidos à obtenção de recompensas
ou a evitar a punição. [...} Respostas que ocorrem a baixa freqüência na ausência
de drogas tendem a ser facilitadas pelas anfetaminas; porém, quando a mesma
ocorre com alta freqüência em condições basais, as anfetaminas tendem, ao
contrário, a deprimi-las [...]. Entretanto, os mecanismos neurais envolvidos nessa
ação continuam obscuros" (Graeff, 1989; P. 112).
O enfraquecimento da farmacologia comportamentaí como disciplina ou área de
investigação não parece derivar simplesmente do fato de a proposta da taxa-dependência
ter se mostrado menos efetiva, nem tampouco pelo fato de a proposição dos mecanismos
comportamentais de ação ter sofrido com a carência de uma sistematização, ou ainda
que a teoria dos receptores proveu uma base ínterpretativa mais generalizável. A questão
apontada é que, enquanto a farmacologia fomece um parâmetro organizado e lógico a
partir do qual idéias podem ser derivadas e interpretadas, os princípios comportamentais
não são tão amplamente aceitos, e o eram ainda menos nos prim órdios do
desenvolvimento dessa disciplina (Blackman & Pellon, 1993; Branch, 1984; Graeff, 1999).
Portanto, atualmente existe a tendência em se dar prioridade e importância às variáveis
farmacológicas nessa ciência interdisciplinar. Existe a tendência de se achar que as
variáveis farmacológicas são mais importantes e que as variáveis comportamentais

Sobre Comportamento e Cognição 131


apenas introduzem um grau de ruído ou viés nos estudos da farmacologia e efeito de
drogas; a recíproca é verdadeira: a existência de uma tradição em psicologia
comportamentaí a qual acredita ser a conduta aberrante resultado de aprendizagem
inadequada, podendo ser corrigida por meio de técnicas de condicionamento, dispensa
o conhecimento do substrato neural das doenças (Branch, 1984; Graeff, 1999).

Algumas Áreas de Estudo da Farmacologia Comportamentaí


Desde o início do desenvolvimento da farmacologia comportamentaí varias
linhas de investigação científica se iniciaram, dentre estas algumas serão citadas aqui
com o objetivo de ilustrar esse campo. Grosso modo é possível dividir as pesquisas em
farmacologia comportamentaí em quatro grandes grupos, a saber, pesquisas que
investigam (1) o uso da droga como conseqüência da resposta, (2) o uso da droga
como estímulo discriminativo, (3) os parâmetros comportamentais da situação
(contingências) do uso de drogas, e (4) a toxicidade induzida por drogas.
Dentre o grupo de pesquisas que utilizam a droga como conseqüência para a
resposta, Todorov (1981) cita estudos onde uma injeção de cocaína, quando usada como
conseqüência da resposta, pode assumir um caráter de reforçador positivo a ponto de
promover um padrão de resposta comparável àqueles quando água ou comida são utilizadas
como reforçadores. Outros estudos demonstram que, quando o animal pode escolher
doses de cocaína, o grau de preferência para doses mais elevadas é comparável aos
dados dos estudos de preferência envolvendo reforçamento de maiores magnitudes ou
qualitativamente diferentes. Uma peculiaridade é que esta área de pesquisa em farmacologia
comportamentaí (a droga enquanto conseqüência de resposta ou o efeito da droga como
reforçador) tem feito bastante uso de agentes como anfetamína, morfina, cocaína ou mesmo
barbitúricos (drogas descritas pelos psicofarmacologistas por possuírem como
propriedades a interferência no sistema de recompensa); essa evidência aponta os possíveis
ganhos para ambas as ciências uma vez que se constituem em um saber interdisciplinar.
Acerca de drogas como estímulos discriminativos, essas podem ter função de
“dica" na qual o responder será reforçado, e uma discriminação baseada nessas
propriedades é desenvolvida. O efeito encoberto da droga pode assumir um caráter de
estímulo, onde uma discriminação interoceptiva de seus efeitos diferencia condições
onde a probabilidade da resposta ser conseqücnciada com reforço é alta. Como exemplo,
pressões a barra de um animal privado de alimento somente serão seguidas de comida
quando o animal foi injetado previamente com uma droga, mas não com salina; outras
variantes incluem o comportamento somente ser reforçado quando o anima! receber
uma determinada droga, mas não uma droga diferente, ou quando receber uma dose
específica da droga, mas não doses diferentes da mesma droga, dentre outras
possibilidades. Quando um estímulo como luz ou som é diferencialmente associado à
contingência de reforçamento, ela irá exercer controle sobre o comportamento operante
de modo que, em sua presença, a resposta ocorre apropriadamente a um esquema de
reforçamento, mas na sua ausência a resposta não ocorre. De maneira similar, é possível
reforçar diferencialmente o animal quando sob efeito da droga de maneira tal que essa
pode se tomar um Sd interoceptivo. A esse fenômeno dá-se o nome de aprendizagem
estado-dependente (Blackman & Pellon, 1993).
Por sua vez, o estudo acerca dos parâmetros comportamentais da situação que
predispõe a auto-administração de drogas possuiu uma clara preocupação aplicada. Uma
vez que a droga pode, por si só, adquirir caráter reforçador e controlar o comportamento de
animais tal qual é o controle de reforçadores incondicionados, tem-se como conseqüência

132 Aíidfé Am aral Bravin, José Eduardo Pandossio c Alessandra Rocha de Albuquerque
que a manipulação de determinados fatores da contingência (parâmetros comportamentais
da situação) podem afetar o comportamento de auto-administração de psicotrópicos,
podendo diminuir a ocorrência desse repertório (Blackman & Pellon, 1993).
Por fim, uma outra área de investigação versa sobre os efeitos tóxicos das drogas
sobre o comportamento operante. Basicamente, a investigação repousa na avaliação dos
próprios fármaços em altas doses. A investigação de outras substâncias tóxicas como
variáveis independentes, tais como chumbo, carbono, ozônio, tolueno, radiação, agrotóxicos,
para citar alguns, no comportamento de sujeitos que foram involuntariamente expostos a
esses agentes, seria do escopo de outra disciplina: a toxicologia com porta mental.

Algumas Contribuições Aplicadas da Farmacologia Comportamental


Várias implicações dos achados de laboratório têm sido transpostas para a atuação
do profissional de "saúde mental". Alguns achados relativos à farmacologia comportamental
acompanham essa mesma tendência, mas parece que muito da aplicação dos
conhecimentos dessa disciplina se dá em situações onde utilizam-se drogas de abuso.
Esse fenômeno provavelmente deriva dos achados de pesquisa que utilizam drogas
enquanto estímulos reforçadores. Nesse tipo de pesquisa, parece que a maioria dos
fármaços utilizados são aqueles que atuam sobre o dito “sistema de recompensa” no
cérebro. Na medida em que esses agentes reforçam o comportamento operante que as
produz, esse tem sido um achado que faz óbvio contato com o fenômeno da drogadição e da
dependência. Assim, o efeito esquema-dependente da droga como reforçador é similar
aos estímulos incondicionados utilizados como reforçadores em diferentes esquemas, o
que leva a crer que a forma de drogadição não apenas reflete propriedades da droga, mas
também a forma como a qual essa droga se relaciona com o comportamento do usuário
(Todorov, 1981). O reconhecimento de drogas enquanto estímulos reforçadores em conjunto
dos dados de outra área de investigação em farmacologia comportamental (p. ex.: os
parâmetros comportamentais da situação de auto-administração) têm provido subsídios
para intervenções. Esses fatores que controlam o comportamento de consumo podem ser
alterados de maneira a buscar-se mudanças na natureza do comportamento aditivo de
dependentes, e então os indivíduos podem ser extensamente ‘'protegidos'' do
desenvolvimento e continuação da adição por meios farmacológicos ou não; uma vez que
a história do sujeito e o contexto comportamental exercem uma influência no efeito reforçador
da droga, uma análise funcional bem elaborada poderá indicar os melhores parâmetros de
intervenções em uma terapêutica (Blackman & Pelloon, 1993).
Uma outra aplicação clínica pode derivar da aprendizagem estado-dependente
decorrente principalmente do uso dessas substâncias. Esse fenômeno pode explicar a
predisposição de ocorrência de alguns comportamentos, como os.ditos “comportamentos
anti-sociais", tais como a agressividade ou furtos. Nesse primeiro caso, a prática de
muitos analistas do comportamento mostra certa seletividade de alcoolistas a exibirem
comportamentos agressivos após fazerem uso de álcool somente a determinadas
pessoas de um grupo familiar (em uma família, a agressividade de um pai que fez uso
abusivo de álcool é direcionada somente à mãe de seus filhos, e não a seus filhos,
vizinhos ou outros que ele porventura encontre, por exemplo). É possível que a ocorrência
desse comportamento seja influenciada pelos efeitos da droga sobre a plataforma biológica
a ponto de predispor o repertório agressivo (desinibição comportamental), em conjunto
com a discriminação de estímulos interoceptivos (efeitos eliciados peio álcool) e de
estímulos exteroceptivos (esposa). Uma esposa submissa provavelmente reforçaria mais
o repertório agressivo desse hipotético marido, do que faria um "valentão” no bar que
poderia revidar a agressão do homem embriagado com mais agressão. Não é incomum

Sobre Comportamento e Cognição 133


ouvir relatos de algumas dessas mulheres que argumentam que “o problema dele é o
álcool. Se ele não bebesse não iria me agredir e não brigaríamos tanto".
Um outro exemplo, talvez mais elucidativo, da aprendizagem estado-dependente é a
de alguns drogadítos que somente cometem assaltos sob efeito de uma determinada droga.
Como no exemplo supracitado tem-se que o drogadito sob efeito da substância pode ter em
seu organismo algo que influencie sua plataforma biológica para a manifestação desses
comportamentos, mas não se despreza o fato de que cometer alguns delitos sob efeito de
drogas ilícitas, além de gerar os frutos do roubo (reforçamento positivo de forma intermitente)
em uma eventual situação onde o sujeito porventura seja preso, o fato de esse estar sob efeito
de substância pode ser atenuante de punições (reforçamento negativo). Em resumo, ensina-
se a pessoa que, quando da emissão do comportamento anti-social (resposta) sob efeito de
uma droga ilícita ou lícita (estímulo discriminativo), tem-se como conseqüência a diminuição
de estímulos aversivos ou punição (sansões legais), o que reforçaria o comportamento anti­
social da pessoa em questão, aumentando a sua probabilidade de ocorrência.
A aprendizagem estado-dependente também poderia explicar outros fenômenos.
Alguns clientes podem procurar atendimento psicoterápico para aprenderem a reeducar-
se em termos alimentares. Via de regra, esse acompanhamento ocorre em conjunto com
médicos (que prescrevem inibidores de apetite - p. ex.: psicoestimulantes) e nutricionistas.
Nessas condições, é possível que o cliente aprenda a exibir um comportamento de auto­
controle diante de alimentos hipercalóricos e tenda a preferir alimentos mais adequados
para a manutenção de hábitos saudáveis. Após atingir-se seu peso ideal, o médico tende
a descontinuar o uso dos medicamentos e, em alguns casos, observa-se um retomo do
peso do cliente e um abandono do repertório de auto-controie treinado. Alguns podem
argumentar que esse efeito derivou da retirada do medicamento que, por sua vez, deixou
de inibir o apetite do cliente, e fez com que ele retomasse seus antigos hábitos alimentares.
Outros argumentarão que o fato de ter-se descontinuado o fármaco atuou como a retirada
de um estímulo discriminativo que sinalizava a probabilidade de reforço dada a emissão
daquele comportamento. Assim como ocorre uma supressão no responder de animais
quando da retirada de uma luz que, por um processo de aprendizagem, sinalizava que
somente respostas na sua presença seriam reforçadas, a retirada da droga teria o mesmo
efeito; isto é, a aprendizagem não mais ocorre porque ela dependia do estado corporal
eliciado pela droga (aprendizagem estado-dependente). Tem-se, nesse caso, a droga
com sua função eliciadora - estímulo incondicionado - para algumas respostas, e sua
função discriminativa, que sinaliza a probabilidade de reforço para outras respostas
operantes aprendidas. Outros ainda argumentarão que esse efeito poderá derivar tanto
da retirada da droga que interage com a plataforma biológica para a manifestação do
comportamento alimentar (i.e.: núcleos hipotalâmicos específicos que modulam
comportamentos alimentares), quanto da retirada dos estímulos discriminativos relativos
àquela nova aprendizagem.

Farmacologia Comportamental: Perspectivas Futuras?


Atualmente, a farmacologia comportamental parece ainda carecer de algum
princípio unificador que explique o efeito dos fármacos derivarem de contextos
experimentais. Desde o estudo de Dews {1955), a hipótese que promulgava o efeito do
fármaco interagir com os estados emocionais subjacentes fora refutada. Porém, a
proposição taxa-depentende que emergiu naquele momento não parece ter sido
suficiente para explicar o fenômeno em sua íntegra. Os achados a partir de 1970
forneceram algumas dicas interessantes ao se assumir que o efeito dos fármacos

134 André Amaral Bravin, José Eduardo Pandossio e Alessandra Rocha dc Albuquerque
derivava de sua ligação com receptores específicos para aquela determinada droga,
contudo, essa explicação também não prevê um completo parâmetro a ponto de justificar
o diferente padrão de resposta dos ânimais quando esses eram submetidos em um
esquema múltiplo, e apresentavam diferentes perfis de resposta, independente do
receptor com o qual o fármaco tinha se ligado. A esse respeito, alguns autores (Branch,
1984) têm manifestado a opinião que todas as duas hipóteses explicativas (taxa-
dependência; receptores-alvos) referem-se a visões distintas e níveis de análise
diferentes para um mesmo fenômeno não sendo, portanto, necessariamente excludentes.
Uma coisa, contudo, permanece clara. Desde 1970 até os dias atuais, o termo
“farmacologia comportamentaí" não é mais empregado exclusivamente para uma
disciplina ou campo de estudo direcionado primeiramente à análise do ambiente
passado ou corrente e sua influência na ação de drogas; esse termo está bastante
contaminado e em diversos contextos é óbvia a sua confusão com a psicofarmacologia’2.
Barrett (2002) aponta que, para se propagar essa área de estudo, é fundamental posturas
críticas e inovadoras tais quais aquelas vividas na década de 1950. O autor cita que a
vitalidade da farmacologia comportamentaí irá depender da criatividade e de novas
abordagens como as adotadas pelos pioneiros Dews, Kelleher e Morse.
Ocorre que, atualmente, a farmacologia comportamentaí vem sofrendo pressões
em função do progresso e evolução de disciplinas correlatas, como a farmacologia
molecular, pesquisas genéticas, dentre outras, o que Barrett (2002) aponta como perigoso
devido ao fato de que essas pressões podem alterar a ênfase nos estudos em
farmacologia comportamentaí. Contudo, ao mesmo tempo em que esse pode ser um
momento de “crise”, pode ser possível pensar nesse momento histórico como um
contexto tão fértil ao desenvolvimento da farmacologia comportamentaí quanto aquele
ocorrido na década de 1950, Não foi o contexto histórico de 50 que propiciou a emergência
da farmacologia comportamentaí, mas o que os pioneiros fizeram do contexto; foi o fato
desses pesquisadores olharem criticamente para os fenômenos e hipóteses explicativas
(como a teoria dos estados emocionais subjacentes) que permitiram o desenvolvimento
dessa disciplina. Se esses pesquisadores eram agentes do tempo, somos também
nós diante de todo o desenvolvimento tecnológico que ocorre atualmente.
Uma modesta possibilidade de conciliar ou fazer uso dessas inovações para o
desenvolvimento da farmacologia comportamentaí é, por exemplo, o uso de contextos
experimentais (modelos animais) desenvolvidos pela psicobiologia para a avaliação do
efeito clínico de fármacos, Muitos dos estudos em farmacologia comportamentaí apontam
a eficácia da caixa de condicionamento operante para avaliar o efeito de fármacos. Contudo,
esse aparato não responde sobre a sensibilidade terapêutica para as drogas. Em outros
dizeres, a caixa de condicionamento operante é importante na medida em que aponta
uma diferença no responder de animais a ela submetida, a depender do esquema de
reforçamento, demonstrando que variáveis ambientais de controle do comportamento
estão em estreita relação com o controle da ação de fármacos. Contudo, dizer que uma
droga aumenta ou diminui um determinado padrão de resposta não explica em que
medida essas variáveis de contexto prejudicam a eficácia clínica da droga dado
determinado contexto, o que poderia contribuir na explicação de pessoas refratárias ao
uso de medicamentos. Nesse caso, essa avaliação poderia ser mais bem investigada
l! A Farmacologia Comportamentaí drí&e-se da Pstcofarmacologia em, peio menos, dois aspectos marcantes, um metodológico, e sobre o
nlvel da análise. Ao passo que a Farmacologia Comportamentaí prima pelo esludo do eleito de dragas utiSzando técnicas de condicionamento
operante fazendo uso de ‘ caixas de Skinner”, a Psicofarmacologia tende a utilizar modelos animais baseados no nicho e habitat para estudo
do efeito óesses fármacos, aíérn da já citada diferença entre metodologia de sujeito único e de grupo (aspecto relativo a metodologia). Além
disso, a Farmacologia Comportamentaí preocupa-se majorttariamente rom o esludo das influências ambientais e sua retaçso com a
responstvidade farmacológica A Paicofarmacologia, por outro lado, preocupa-se majofitaria mente em avaliar os mecanismos bioiógicos
subjacentes ao comportamento para eluddar questões relativas a responsividade farmacológica (aspecto relativo ao nfvd de análise)

Sobre Comportamento c Cognição


em equipamentos específicos para esse fim, como os modelos animais para o estudo
de psicopatofogias. Além do que, esses instrumentos também possibilitariam a avaliação
da influência da história de reforça mento sobre os comportamentos ali induzidos.

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136 André Am aral Bravin, José Eduardo Pandossio e Alessandra Rocha de Albuquerque
Relatos de pesquisa
Capítulo 13
Verbalizações de terapeuta e cliente sobre
sentimentos, emoções e estados
motivacionais na terapia
analítico- comportamental1

Joao Ilo Coelho Barbosa*


VFC

A abordagem de sentimentos, pensamentos e estados motivacionais (SEM)


relatados pelo cliente faz parte das atividades do terapeuta. De acordo com Skinner (1989/
1991), descrições de estados privados podem, em algumas ocasiões, se constituir na única
possibilidade que o terapeuta dispõe para aprender sobre a história pessoal do seu cliente.
Apesar do reconhecimento da relevância da abordagem clínica de SEM, a
literatura internacional aponta para uma condição de escassez de dados sobre tal
questão. Por outro lado, a partir do final da década de 90, pesquisadores brasileiros têm
buscado desenvolver métodos próprios para a investigação de relatos verbais de
terapeutas e clientes que fazem referência a eventos privados ocorridos em uma situação
de atendimento terapêutico (Tourinho, Neno, Garcia, Brandão, Souza, Batista, Lima,
Barbosa, Endemann & Oliveira Silva, no prelo; Zamignani, 2001).
Os resultados desses estudos também estão fornecendo subsídios relevantes
para a elaboração de um modelo de intervenção clínica frente aos SEM, consistente
com os princípios da análise do comportamento (e.g. Azevedo, 2001; Barbosa, 2006;
Brandão, 2003; Garcia & Tourinho, 2004; Maciel, 2004; Martins, 1999; Medeiros, 2001;
Souza Filho, 2001; Souza & Garcia, 2003; Zamignani, 2006).
Em uma das primeiras investigações sobre verbalizações em terapia que
abordavam eventos privados, ainda em caráter exploratório, Martins (1999) concluiu
que, no desenvolvimento de uma metodologia para o estudo dessas verbalizações, era
conveniente estabelecer uma distinção entre: 1) categorias mais genéricas e comuns a

' Este artigo reproduz partes da Tese de Doutorado apresentada polo autor ao Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do
Comportamento. Universtíade Federal do Pará, orientado pelo Prnf Dr Emmanuel Zagury Tourinho Trabalho pardalmento firwncindo peia
Cooirienação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nlvel Superior, CAPES {bolsa PICDT-Processa n. 23067.5532/03-16).
í E-mall: llo@cemp.com.br

Sobre Comporíamcnlo c Cognição


qualquer situação de atendimento clínico, definidas como “categorias de registro”; e 2)
outras categorias definidas a partir da problemática específica a ser estudada,
denominadas “categorias de análise".
Estudos posteriores aprimoraram as categorias de registro inicialmente propostas
por Martins (1999) e as mesmas passaram a ser denominadas “categorias relativas às
funções básicas das verbalizações de terapeuta” (FBVT), tendo sido subseqüentemente
utilizadas por outros autores (e.g., Barbosa, 2006; Maciel, 2004; Oliveira-Siíva & Tourinho,
2006). Atualmente são consideradas sete categorias de FBVT; Informar (IFO), investigar
(INV), dar feedback (FBK), confrontar (CFR), dar conselho (CON), verbalizações mínimas
(MIN) e outras verbalizações (OUT). Quanto às categorias de análise, diferentes formas de
categorização pertinentes ao caráter específico do problema investigado foram propostas
em estudos subseqüentes (e.g., Barbosa, 2006; Brandão, 2003; Maciel, 2004; Yano, 2003).
A proposição e o aperfeiçoamento das categorias de FBVT têm contribuído de
forma significativa para o estabelecimento de um instrumento comum a pesquisadores
da terapia analítico-comportamental. Entretanto, ainda restam problemas que dificultam
sua utilização de forma mais ampla. Um desses problemas refere-se ao fato de que
aquelas categorias são definidas parcialmente pela topografia da resposta verbal,
embora sua forma nem sempre esteja de acordo com as funções que exerce. Quando
o terapeuta indaga "Mas quem disse que ele iria aceitar sua desculpa?”, por exemplo,
tal verbalização corresponde topograficamente a uma investigação, embora a função
exercida sobre o comportamento do cliente possa não ter sido apenas de fazer uma
investigação, mas de produzir uma informação nova (IFO) ou confrontar o cliente com
um relato anterior seu (CFR), de acordo com o contexto verbal em que ela se deu.
É evidente, portanto, que a complexidade dos processos envolvidos na
determinação do comportamento verbal ainda se constitui em um problema a ser
superado para uma categorização mais precisa das funções das verbalizações do
terapeuta (Tourinho e cols., no prelo).
No que se refere às categorias de análise, como dito anteriormente, sua
proposição está subordinada ao problema a ser investigado. Ao estudar ansiedade no
contexto da terapia analítico-comportamental, por exemplo, Maciel (2004) elaborou
categorias de análise específicas para a investigação do conteúdo das verbalizações
de terapeuta e cliente que faziam referência ao comportamento ansioso. Por sua vez,
Yano (2003) trabalhou com "categorias de comportamento do cliente", que favoreciam a
identificação da evolução da problemática do cliente ao longo do processo terapêutico;
uma variável relevante em seu estudo.
Brandão (2003) investigou o modo como terapeutas intervinham frente a
referências do cliente a emoções. Para tanto, readaptou um instrumento originalmente
elaborado por Shaver, Schwartz, Kirson e OConnor3, que estabelecia critérios para a
identificação de episódios emocionais, definidos como uma seqüência de verbalizações
de terapeuta e cliente relacionadas a uma descrição de uma “reação afetiva do cliente
em resposta a uma situação, contexto ou evento que ocorreu ou que está acontecendo
no momento presente na sessão" (Brandão, 2Q03, p. 1).
Ainda no campo de estudo das emoções, Barbosa (2006) procurou avaliar qual
a participação das referências a sentimentos, emoções e estados motivacionais (SEM)
nos relatos de terapeuta e cliente, em relação ao desenvolvimento do processo
terapêutico. Especialmente no que se refere à demanda por uma abordagem

JShaver, P. R., Schwartz, J Kirson D.,&OCnnnor, C. (1987). Emotion knowledge: Further exploration of a proMype approach Journal of
Personality and Social Psyctvlogy, 52,1061 -1086.

140 João llo Coelho Barbosa


diferenciada de tais relatos pelo terapeuta analítico-comportamental. Para tanto, Barbosa
acompanhou a evolução de um caso clínico, procurando identificar e analisar possíveis
relações entre as verbalizações do cliente que faziam referências a seus sentimentos,
emoções e estados motivacionais, as intervenções do terapeuta frente a esses relatos
e a evolução dos problemas relatados pelo cliente como queixas.
No presente estudo, serão apresentados resultados parciais referentes à tese
de doutorado daquele autor, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Teoria e
Pesquisa do Comportamento, da Universidade Federai do Pará, intitulada “Análise das
funções de verbalizações de terapeuta e cliente sobre sentimentos, emoções e estados
motivacionais na terapia analítico-comportamentaP.
Serão enfocados aqueles resultados relacionados às funções desempenhadas
pelas verbalizações de terapeuta e às relações estabelecidas entre respostas da cliente
e eventos ambientais, presentes nas verbalizações de terapeuta e cliente. Dessa forma,
espera-se colaborar com a discussão sobre aspectos metodológicos necessários para
uma abordagem comporta mental de relatos verbais sobre eventos privados, ocorridos
em uma sessão terapêutica.

Método
Participaram do estudo uma terapeuta analítico-comportamental com quatro anos
de experiência em atendimento clínico e uma cliente de 29 anos, sem históneo psiquiátrico,
e com queixa inicial de problemas conjugais. As sessões, sendo 36 ao todo e distribuídas
ao longo de um ano, foram registradas em áudio e posteriormente transcritas e analisadas.
O considerável período de acompanhamento do caso clínico propiciou a análise de um
maior número de sessões, facilitando a observação da evolução das categorias investigadas.
As categorias utilizadas por Barbosa (2006) foram:
a) categorias de funções básicas de verbalizações de terapeutas (FBVT): Informar (IFO),
investigar (INV), darfeedback (FBK), confrontar (CFR), dar conselho (CON), verbalizações
mínimas (MIN) e outras verbalizações (OUT);
b) categorias de análise do conteúdo de verbalizações de terapeuta e cliente, assim distribuídas:
b.1) Categorias do terapeuta:
T-EV: Terapeuta refere eventos da vida atual ou passada do cliente, pertinentes à sua
problemática, sem estabelecer relações (indagando, afirmando a ocorrência ou dando
feedback a uma descrição);
T-REL: Terapeuta aborda relação antecedente-resposta (T-REL-AR), resposta-
conseqüência (T-REL-RC), ou antecedente-resposta-conseqüência (T-REL-ARC) na
referência a eventos presentes ou passados da vida do cliente.
T-OUT: Verbatizações que não referem eventos ou relações pertinentes à problemática
do cliente (p. ex., “Chegou cedo hoje?’’).
b.2) Categorias do cliente:
C-EV: Cliente refere eventos da sua vida atual ou passada, pertinentes à sua
problemática, sem estabelecer relações (p. ex., "Eu tô péssima.");
C-REL: Cliente aborda relação antecedente-resposta (C-REL-AR), resposta-
conseqüência (C-REL-RC), ou antecedente-resposta-conseqüência (C-REL-ARC) na
referência a eventos presentes ou passados.
C-OUT: Verbalizações do cliente que não referem eventos ou relações pertinentes à sua
problemática.

Sobre Comportamento e Cognição 141


Além dessas, Barbosa (2006) utilizou outras categorias de análise que não serão
abordadas neste estudo.

Resultados
A evolução das categorias de FBVT ao longo das sessões é apresentada na
Figura 1. Pode-se observar que a categoria CFR foi a mais freqüente em 29 das 36
sessões. Nas outras sete, somente a categoria ÍNV ultrapassou CFR em número de
ocorrências, principalmente nas duas primeiras sessões, nas quais a terapeuta procurou
obter informações sobre as queixas da cliente e sobre sua história de vida.

t/) W Cfl K (O *“ •“ •" •" •" « * *

Figura 1. Distribuição da freqüência relativa (% da categoria em relação ao total de categorias na


sessão) de FBVT no conjunto das sessões4.

Na Figura 2 encontra-se a distribuição das categorias de análise da terapeuta


ao longo das sessões. A categoria T-EV correspondeu a 82,4% do total de ocorrências
daquelas categorias, enquanto as categorias T-REL-AR, T-REL-RC e T-REL-ARC
corresponderam respectivamente a 8,2%, 5,7% e 1,3% do total de ocorrências, Embora
não tenha sido possível id en tificar claram ente um padrão para a evolução das
ocorrências da categoria T-REL-AR, pode-se dizer que esta foi a mais freqüente dentre
as três categorias de análise T-REL.
A distribuição das categorias de análise da cliente ao longo das sessões é
apresentada na Figura 3. A categoria C-EV apresentou uma média de 74,8% de
ocorrências de categorias de análise do cliente, enquanto as categorias C-REL
corresponderam, juntas, a uma média de 23,7% do total daquelas ocorrências. Dentre
as C-REL, 13% foram de C-REL-AR, 8,1% de C-REL-RC e 2,6% de C-REL-ARC. Esses
re su lta d o s m o stra m que, assim co m o p a ra a terapeuta, p re d o m in a ra m nas
verbalizações da cliente referências a eventos de sua vida sem o estabelecimento de

*Neste e nos gráficos subseqüentes, as Bnhas que unem os pontos Indicadores dos resultados em cada sessão não signiícam que há um
conbnuum entre as sessões, pois os resultados representam dedos discretos das sessões

142 joão lio Coelho Barbosa


relações comportamentais e, em relação às categorias C-REL, as relações do tipo
antecedente-resposta também foram as mais freqüentes.

Figura 3. Distribuição da freqüência relativa'(% da categoria em relação ao total de categorias na


sessão) de categorias de análise do cliente no conjunto das sessões.

Sobre Comportamento e Cognição 143


A Figura 4 compara o número de ocorrências das categorias de análise da
terapeuta e da cliente. O que se pode observar é que. ao longo das sessões, as
verbalizações da cliente quase sempre apresentaram um maior número de ocorrências
de categorias de análise, em comparação com a terapeuta. A consistência desse
resultado pode ser evidenciada pela forma como as proporções dessas categorias
variaram de forma congruente, para terapeuta e cliente, durante todo o atendimento.

Figura 4. Comparativo entre o número de ocorrências de categorias de análise da terapeuta e da


cliente no conjunto das sessões.

Discussão
Os resultados obtidos evidenciaram a ocorrência de diferentes categorias de FBVT,
mostrando que as intervenções verbais realizadas pela terapeuta variaram ao longo das
sessões. Isso reforça a idéia de que o terapeuta analítico-comportamental não adota um
modelo de intervenção padronizado, embora sua forma de intervir pareça estar parcialmente
controlada pelas contingências presentes na situação de atendimento. Em particular, pelos
comportamentos do cliente (Banaco, 1993; Brandão 2003; Zamignani. 2001).
Apesar da variação apresentada, foram freqüentes as categorias de caráter
ínvestigativo (INV) e as que confrontavam a cliente com uma afirmação de ocorrência de
eventos, condições ou relações, pertinentes a questões anteriormente abordadas pela
mesma (CFR). A prevalência de ambas as categorias nas verbalizações da terapeuta durante
todo o processo terapêutico é consistente com os resultados de outros estudos (cf. Margotto,
1998; Zamignani, 2001), apontando esses tipos de verbalização como as atividades mais
elementares do terapeuta analítico-comportamental. Além disso, esse resultado indica que
as intervenções da terapeuta foram coerentes com a idéia de favorecer o autoconhecimento
da cliente, de acordo com a noção behaviorista de que o terapeuta constitui-se numa
contingência social capaz de aumentar a auto-observaçao do cliente (Skinner, 1989/1991).

144 loão 11o Coellio Barbosa


Foi observada ainda uma proporção de ocorrências dc INV consistentemente superior
à proporção de ocorrências de CFR, nas duas primeiras sessões. Esse resultado está de
acordo com a conduta que os terapeutas costumam adotar no inicio do atendimento dinico.
Ou seja, mais ínvestigativa no tocante às queixas e de fatores a elas relacionados e procurando
fazer com que o cliente descreva suas queixas com a maior riqueza de detalhes possível.
As ocorrências das demais categorias em relação ao total de ocorrências de FBVT
apresentaram uma proporção ligeiramente superior de IFO em relação às categorias FBK,
CON, MIN e OUT. Entretanto, não foi possível fazer afirmações conclusivas sobre a ocorrência
de tais categorias, já que foram poucas e muito variadas ao longo das sessões .
Uma das dificuldades encontradas para se categorizar as verbalizações da
terapeuta quanto às categorias de FBVT se deu pelo fato de que o comportamento verbal
pode estar sob controle simultâneo de múltiplas contingências, dificultando a escolha de
uma unidade de análise capaz de evidenciar tais relações de controle. Em alguns trechos
da interação verbal investigada, não havia claneza sobre a extensão de episódios verbais
que permitam identificar relações de controle entre uma determinada verbalização e outras
verbalizações que não a antecediam imediatamente. Dessa forma, a escolha de uma
unidade de análise que reflita as múltiplas variáveis que controlam o comportamento verbal
dos interiocutores no processo terapêutico toma-se um grande desafio para o pesquisador.

Categorias de Análise do Terapeuta


As ocorrências mais observadas em relação às categorias de análise do
terapeuta se referiam às categorias do tipo T-EV, que apresentaram uma média de
82,4% em relação ao total. Em função disso, é possível concluir que, na maior parte do
atendimento, a terapeuta fez referências a eventos da vida atual ou passada da cliente,
mas sem estabelecer relações entre tais eventos e o seu comportamento atual.
Tal resultado pode estar relacionado à necessidade do terapeuta possuir um conjunto
de conhecimentos prévios sobre eventos relevantes da vida do díente para que possa vir a
estabelecer essas relações comportamentais em um momento posterior no processo
terapêutico, Isso poderia ser uma explicação para a menor proporção das categorias T-Relações
em reiaçâo às categorias T-EV, e estaria exemplificado nesta seqüênda de verbalizações:
SESSÃO 6
T1 04 T-EV A pa rte de acompanhamento de funcionários, essas coisas, lu não faz, náo?
C104 Faço.
T1Û5 T-EV Faz?
C 105 Faço.
T 106 T-EV Avatinção, desempenho?
C106 Faço.
Ah, ótimo. Por isso, que tu tá pensando nessa especialização em recurso;
T107 T-REL-ARC
humanos, né? Aí, tu vai poder abranger mais.

Do total de ocorrências das categorias de análise do terapeuta, 15,3%


corresponderam às categorias T~relações. Dessa proporção, 53% das ocorrências foram
T-REL-AR, 38,7% T-REL-RC e 8,3% T-REL-ARC. Esse resultado não foi consistente
com aquele obtido por Zamignani (2001), que identificou um maior número de relações
estabelecidas entre o comportamento do cliente e eventos ambientais conseqüentes,
nas explicações sugeridas por dois terapeutas analítico-comportamentais.
Zamignani (2001) considerou a possibilidade de que explicações do terapeuta
para o comportamento do cliente, baseadas em eventos antecedentes, pudessem indicar
um afastamento do modelo selecionista. Entretanto, o autor levantou algumas hipóteses

Sobre Comportamento e Cognição 145


para justificar a presença desse tipo de explicação nas verbalizações dos terapeutas.
Uma delas estaria relacionada a pouca previsibilidade envolvida na situação de
atendimento, que poderia aumentar a imprecisão das análises feitas pelos terapeutas.
Além disso, afirma Zamignani, haveria a possibilidade de que explicações que atribuíssem
o comportamento a outros agentes causais poderiam ocorrer acompanhadas de outros
determinantes relacionados à história filogenética, ontogenética ou cultural do cliente.
Em algumas ocasiões também foi observado nas verbalizações da terapeuta o
uso de termos ou o estabelecimento de relações supostamente mentalistas. Sobre
esta questão, Medeiros (2001) discutiu a possibilidade do terapeuta anaiítico-
comportamental lançar mão desse recurso apenas para tornar a linguagem mais
acessível ao cliente. Portanto, explicações dn tipo evento antecedente-resposta ou o
uso eventual de termos mentalistas nem sempre são suficientes para considerar a
intervenção do terapeuta incompatível com os princípios da Análise do comportamento.
Um exemplo de que, algumas vezes, a referência a termos mentalistas não
parece ter implicado a aceitação de uma explicação baseada em um modelo dualista,
está em algumas referências da terapeuta à vontade da cliente:

SESSÃO 5
E a ssim : e s s a fa lia dc v o n la d e . essa q u e s lá o , . o íã to de a c o rd a r ê tra b a lh a r, í u tá
p e rc e b e n d o is s o rna>s in le nsam en tc essa s e m a n a ? Ou vem p e r c e b e n d o há m ais de uma
sem ana?

SESSÃO 23
C o m o é e s s a v o n l a d e de n á u fa z* r n a d a , n é ? A s s Im t v o l t a um p o u q u i n h o á S e m a n a
S a n t a e, assum P o r q u e vocè me f al ou da I nd i s p o s i ç ã o e s t o m a c a l , n é ? A l g u m a coi sa
q u e te te z ma l . E, a s s i m , c o m o e r a e s s a f a l t a de vo n ta d a ? E l a v J n ha Junt o c o m o u t r o
s e n i l m e n t e ? T u t i n h a v o n t a d e de f i car s ó ? Me f a l a m a i s .

E as v e z e s gue te rJ á v o n ta d e de c h o ra r, q u a n d o tu c o n s e g u e c h o ra r, a s s im , tu v in c u la
Tfin e s s a v o n la d e a a lgum a c o is a ? Ou è aQ uele c h o ro que vo c ê não tem um a explicação?
Q u e v o c ê , p s e u d a m e n te (sic), não sa b e p o rq u e eu lò com e s s a vo n ta d e de c h o ra r?
O o m o é e s s a re la ç ã o tío s íp n b icado do ch o ro pra ti?

Nas verbalizações descritas, é possível constatar que as referências feitas à


vontade não impediram que a terapeuta continuasse a investigar contingências
relacionadas à resposta da cliente. Noutras ocasiões, entretanto, a terapeuta fez referências
à vontade como um agente de comportamentos. Nesses casos, a verbalização da
terapeuta realmente parece ter se afastado de uma perspectiva compatível com o modelo
analítico-comportamental, e passou a controlar verbalizações subseqüentes da cliente:
SESSÃO 13
[A cliente está se queixando da sua vida se xua l com o m a rid o ]
C 1 24
É c o m o se eu tiv e s s e , a s s i m , vendendo meu co rpo .
T 1 25 Eu e n te n d i. P o ro u e não é um ato da tua v o n ta d e , né?
C 125 N ão. não é um aio da minha vo nta de , não é um ato do meu d ese io . não é nada. Í...1

Faz-se necessário, portanto, considerar todo o contexto verbal no qual o terapeuta


analítico-comportamental faz uso de termos mentalistas para se avaliar se a utilização
de termos mentalistas realmente se constitui necessariamente em um afastamento
dos princípios de uma ciência do comportamento. Apesar disso, é razoável supor que o
uso de uma linguagem de cunho internalista deve ser feito com parcimônia, pois o
constante emprego de uma linguagem pouco esclarecedora, mas tão socialmente
reforçada, aumenta a probabilidade do estabelecimento de relações causais pouco
produtivas para a resolução dos problemas trazidos pelo cliente.

146 João lio Coelho Barbosa


Categorias de Análise do Cliente
A maior parte das referências da cliente aos eventos de sua vida foi feita sem o
estabelecimento de relações entre suas respostas e contingências ambientais, como
pode ser observado pela proporção de categorias do tipo C-EV (74,8%) em relação ao
total de ocorrências das categorias de anáíise da cliente.
Avaliando as altas proporções encontradas para as categorias C-EV e de T-EV,
é possível afirmar que, na maioria das vezes, os temas discutidos na terapia foram
abordados de forma descritiva, mas pouco relacionai. Esse resultado parece indicar
que a terapeuta não conseguiu o êxito esperado quanto à função de estabelecer relações
de contingência (e também de levar o cliente a estabelecê-las) que permitissem
esclarecer os fatores determinantes dos problemas relatados.
Quando a ciiente estabelecia relações comportamentais em suas verbalizações,
pôde-se observar que, dentre as categorias C-Relações, 55,1% delas foram ocorrências
de C-REL-AR, 34,5% de C-REL-RC e 10,4% de C-REL-ARC. Essa distribuição foi próxima
àquefa encontrada para as categorias T-Relações (53%, 38,7% e 8,3%, respectivamente),
indicando pouca variação na forma como terapeuta e cliente costumavam relacionar
respostas desta última a eventos ambientais.
A maior proporção de ocorrências das categorias C-Relações (23,7% do total
de ocorrências das categorias de análise de cliente) em comparação com a proporção
de categorias T-Relações (15,3% do total de ocorrências das categorias de análise de
terapeuta) parece evidenciar uma dificuldade da terapeuta em propor explicações
funcionais para as respostas da cliente. Entretanto, é preciso considerar que o total de
categorias de análise de cliente foi quase sempre superior ao número de ocorrências
de categorias de análise de terapeuta, a cada sessão. Portanto, outra explicação para
os resultados observados poderia estar no fato de que as verbalizações da cliente
costumavam ser mais extensas que as da terapeuta.

Considerações finais
Os resultados encontrados por Barbosa (2006) permitiram uma melhor observação
de como evoluem as verbalizações em um processo terapêutico analítico-comportamental.
Um dos fatores relevantes para se chegar a tais resultados parece ter sido a decisão
metodológica de analisar as verbalizações de terapeuta e cliente quanto à referência a relações
comportamentais, o que possibilitou a análise de como a cliente descrevia suas próprias
respostas e de como a terapeuta fazia uso de tais relatos, ao longo do processo terapêutico.
Por outro lado, ficaram evidentes algumas dificuldades metodológicas para o
estabelecimento de uma taxonomia para as intervenções verbais de terapeutas. Embora
as categorias de FBVT e as categorias de análise do terapeuta e do clienjte possam
representar um passo adiante frente à tarefa de identificar as funções comportamentais
presentes nas verbalizações dos interlocutores em um processo terapêutico, tais
categorias não conseguiram superar todos os problemas relativos à identificação e
análise das complexas e múltiplas relações de controle do comportamento verbal, na
referência aos sentimentos, emoções e estados motivacionais do cliente. É fundamental,
portanto, que outros pesquisadores tenham a iniciativa de testar novas propostas de
análise para a abordagem de SEM, relatados na terapia analítico-comportamental.

Sobre Comporiamento e Cognição 147


Referências
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148 João lio Coelho Barbosa


Capítulo 14
Efeito da apresentação contingente
(Fhmin.) e não contingente
(FTlmín.) de um evento aversívo
(jato de ar quente) sobre a
frequência de pressão à barra em
rattus norvegicus1

Marcus Bentes de Carvalho Neto*


Hernando Borges Neves Filho
Rubilene Pinheiro Borges
CJracy Kelly da Silva Tobias
UFPa

As pesquisas experimentais sobre contingências aversivas em animais não-


humanos adotaram majoritariamente o choque elétrico como estimulo aversivo (Azrin & Holz,
1975, p.463; Baron, 1991, p. 176; Donjam & Burkhard, 1993, p. 283). Com o objetivo de testar
a generalidade das regularidades observadas, recentemente um jato de ar quente (JAQ),
emitido p or um secador de cabelos, vem sendo testado como um evento aversivo alternativo
ao choque elétrico em Rattus norvegicus. Até o momento o estímulo se mostrou um supressor
eficaz de respostas prévia e concorrentemente fortalecidas por reforçamento positivo, tanto
quando apresentado de maneira contínua, quanto quando apresentado de mâneira
intermitente (Carvalho Neto et al, 2005; Carvalho Neto, Maestri & Menezes, 2007). Carvalho
Neto, Rico, Tobias, Gouveia Jr e Angerami (2005) recentemente relataram uma supressão
maior do responder (percentual e total) quando o êstímuto foi apresentado de maneira não-
contingente (FT10 seg.) do que quando foi apresentado contínua e contingentemente em
ratos. Os dados são incompatíveis com os apresentados por Camp, Raymond & Church
(1967) usando choque elétrico contingente e não-contingente. Os autores verificaram nesse
estudo que o choque contingente suprimiu mais intensamente o responder do que o não-

1O trabalho foi parcialmente financiado pelo CNPq através de bolsas PIBIC, concedidas aos T e 3-autores, e pelo Edital Universal 019/2004
(Proccsso No '176238/2004-8).
! E-rrail marajs_bentoft@yahoo.cotri.br

Sobfc Comportamento c Cognição 149


contingente. Uma conclusão possível seria atribuir a diferença de resultados aos aversivos
utilizados em cada estudo: choque elétrico e jatos de ar quente. Contudo, o trabalho de
Carvalho Neto, Rico, Tobias, Gouveia Jr. & Angerami (2005) não é conclusivo, pois alguns
detalhes de procedimento permitiriam uma explicação alternativa. No referido estudo não só
o esquema de apresentação do JAQ, contingente e não-contingente, foi manipulado, mas a
densidade de eventos aversivos também. No grupo não-contíngente o JAQ era apresentado
em um esquema FT10 seg., ou seja, o evento avensivo foi apresentado a cada 10 segundos,
independentemente dos que os sujeitos faziam, ao longo de toda a sessão.
No grupo contingente, por sua vez, o JAQ só era apresentado após a emissão
da resposta-alvo: pressionar a barra. O número de jatos apresentados para cada grupo,
foi, por isso, desproporcional. O máximo que um sujeito recebeu de jatos no grupo
contingente foi 21 (PC2), enquanto qualquer sujeito do grupo não-contingente recebeu,
após 25 minutos de sessão, aproximadamente 150 jatos. Outra variável seria o intervalo
entre jatos do esquema temporal. A apresentação continuada do JAQ a cada 10 seg.
poderia produzir um efeito de somação do aquecimento na caixa, o que seria outra
dimensão do aversivo. Assim, um JAQ que produziria uma elevação de aproximadamente
2 graus após 10 segundos de acionamento, terá efeitos muito diversos se a temperatura
inicial for 25 ou 30 graus. Além das variáveis de procedimento, o estudo de Carvalho
Neto, Rico, Tobias, Gouveia Jr. & Angerami (2005), em função de problemas técnicos,
realizou apenas uma sessão de apresentação não-contingente do jato que ar quente.
O objetivo desse trabalho foi replicar o experimento de Carvalho Neto, Rico,
Tobias, Gouveia Jr. & Angerami (2005), controlando uma das variáveis problenáticas
mencionadas: o tamanho do FT. Aumentou-se o intervalo entre jatos para 1 minuto no
esquema não-contingente, evitando com isso o efeito de somação. O número de sessões
também foi aumentado para cinco em cada fase.

Método
Sujeitos
6 ratos albinos, machos, da espécie Rattus norvegicus, linhagem Wistar,
experimentalmente ingênuos. O regime alimentar para todos os sujeitos era a d libitum.
Em uso experimental eram privados de água por 24 horas, com fornecimento desta
após as sessões durante 20 minutos.

Equipamentos e Materiais
O aparato, uma Caixa de Condicionamento Operante Adaptada, e os parâmetros
do jato de ar quente, JAQ, foram os mesmos descritos por Carvalho Neto et al (2005).

Procedimento
O experimento foi dividido em 7 fases. Na Fase 1 foi estabelecida uma linha de
base inicial em nível operante. Na Fase 2 a resposta de pressionar uma barra (RPB) foi
estabelecida através do treino ao bebedouro e da modelagem. Na Fase 3 depois de
estabelecida a RPB foi fortalecida ao longo de cinco sessões de CRF. Na Fase 4 o JAQ
foi apresentado de modo contingente à resposta (RPB) em esquema Fi 1 minuto. Cada
JAQ durava 5 segundos e concorria com a água, apresentada simultaneamente em
CRF. Na Fase 5 foram realizadas sessões de recondicionamento da RPB. Na fase 6 o
JAQ foi novamente apresentado, mas agora de maneira não contingente. Vigorou para
o JAQ um esquema FT 1 minuto. Novamente, cada JAQ durava 5 segundos e concorria

150 Marcus Betites de C. Neto, Hemando B. N . Filho, Rubilenc P. Borges e Qracy Kelly da S. Tobias
com a água, apresentada simultaneamente em CRF. Na fase 7 foram realizadas sessões
de recondicionamento da RPB.
A figura 1 a seguir resume o delineamento:
Fase 1 Fase 2 Fase 3 Fase 4 Fase 5 Fase 6 Fase 7

Nivd Treino de CRF 1* F&cortiiaonamerrto 2* Reoondidofiament

Operante Bebedouro e d Final

Modelagem do JAQ do JAQ

1 sessão 1 sessão 5 sessões Continpjente S sessões em CRF NSo- 5 sessões em CRF

em CRF ÇÁgua) Oonöngerte (Agua)


(Agua) JAQ por 5

Seg em Fl 1 JAQ por 5

min. + Agua Seg.em FT 1

em CRF mn. + Aflua em

5sessóes CRF)

5 sessões

Fig. 1 - Delineamento Experimental.

Resultados e discussão
A figura 2 mostra a freqüência absoluta da RPB de cada sujeito ao longo das sessões:
Figura 2: Freqüência absoluta da RPB dos três sujeitos (S1, S2 e S3) ao longo
das sessões.

Sessões
Figura 2 * Freqüência absoluta da RPB dos três sujeitos (S1, S2 e S3) ao longo das sessões.

S o b re C om portam ento c C o g n içã o 151


A figura 3 compara as freqüências médias dos sujeitos ao iongo das fases:

Fig. 3 - Freqüências médias dos sujeitos ao longo das fases.

Os resultados indicam que:


a) O JAQ funcionou como um supressor parcial do responder nas duas condições
(Contingente e Não-Contingente) com percentuais acima de 21%. Os dados diferem
dos trabalhos anteriores, quando a supressão se manteve acima de 85% (Carvalho
Neto et al, 2005; Carvalho Neto, Rico, Tobias, Gouveia Jr. & Angerami, 2005; Carvalho
Neto, Maestri & Menezes, 2007). A explicação para a menor supressão provavelmente
está relacionada ao esquema de punição utilizado. Nos trabalhos anteriormente
mencionados o JAQ era apresentado continuamente (CRF) e no presente estudo ele foi
apresentado de modo intermitente (seja em FI1 Min., seja em FT1 Min.). O efeito
supressivo da punição é afetado por muitas variáveis e uma das principais delas seria
o seu esquema de apresentação. Existe uma relação direta entre a freqüência de
respostas punidas e a sua supressão. Espera-se que um esquema contínuo reduza
mais a freqüência de um responder do que um intermitente (Azrin & Holz, 1975). Portanto,
os dados aqui descritos corroboram a literatura com choque elétrico (como em Estes,
1944, e Banks, 1966, por exemplo). Em relação ao grupo não-contingente usado por
Carvalho Neto, Rico, Tobias, Gouveia Jr. & Angerami (2005), que produziu níveis de
supressão igualmente altos mesmo sendo, teoricamente, um esquema intermitente, a
unidade temporal adotada em cada caso poderia explicar as diferenças. No tópico a
seguir o argumento será desenvolvido.
b) Em FI1 Min. (contingente) a diminuição foi 23,5%, houve posteriormente um aumento de
84,7% durante o Recondicionamento e novamente uma queda após a segunda introdução
do JAQ, em FT1 Min. (Não-Contingente), de 21,9%. Não foi observada uma supressão
significativamente diferente nas fases contingente (23,5%) e não-contingente (21,9%). Os
dados diferem dos produzidos por Carvalho Neto, Rico, Tobias, Gouveia Jr. & Angerami
(2005), quando foi observada uma supressão maior no esquema não-contingeníe. O vaior
usado no FT de cada trabalho pode ter sido a variável crítica. Na referida pesquisa, o JAQ era
apresentado a cada 10 segundos, enquanto no presente estudo a mesma intensidade do
jato era apresentada a cada 60 segundos. O espaçamento entre as apresentações do
aversivo foi maior agora. Na ocasião o FT adotado foi de 10 Seg., enquanto o do presente
estudo foi de 60 Seg. A possibilidade das respostas serem consequenciadas com o JAQ foi
muito maior no primeiro estudo. No estudo aqui apresentado mais respostas puderam
ocorrer na ausência do aversivo programado, o que provavelmente fortaleceu mais o
responder. Os dados aqui descritos sugerem que o efeito observado por Carvalho Neto,
Rico, Tobias, Gouveia Jr. & Angerami (2005) tenha sido na verdade um artefato da densidade
diferencial de JAQ apresentada em cada caso e não um efeito do esquema de apresentação
dos eventos aversivos (não-contingente) em si.
c) Quanto às respostas emocionais (‘'Defecar'', “Urinar”e “Lamber as Patas Dianteiras e
Passar no Focinho"), observou-se que houve um aumento na freqüência dessas respostas
em ambas as fases de apresentação de JAQ, em comparação com as fases CRF e
Recondicionamento. Contudo, esse aumento ocorreu em maior freqüência na fase não-

152 Marcus Bentes de C . N eto, Hemando B. N . Filho, Rubilene P. Borges e Qracy Kelly da 5. Tobias
contingente. Mais especificamente, as respostas de ‘defecar" e “urinar” mantiveram o
mesmo nível, em médte, em íoçjqs as fases. A resposta de “Lamber as Patas Dianteiras
e Passar no Focinho" fembem se'manteve com mesmo nível de freqüência nas sessões
de CRF, de apresentação contingente do JAQ e de Recondicionamento, entretanto,
aumentaram em três vezes na fase de Apresentação não-contingente. Portanto, a resposta
“emocional” que aumentou diferencialmente na fase não-contingente foi o "Lamber as
Patas”, provavelmente em função do maior aumento da temperatura no piso pelo
acionamento mais sistemático do JAQ. Tal resposta seria provavelmente de fuga (e talvez
esquiva), mantida pelo resfriamento das patas. Tais dados diferem dos produzidos por
Carvalho Neto e colaboradores (2005), quando o defecar e o urinar aumentaram
consistentemente de freqüência no grupo ,não-contingente. A explicação talvez esteja no
delineamento em cada estudo. No trabalho citado o JAQ era apresentado de maneira ou
contingente ou não-contingente em cada um dos dois grupos. Cada sujeito só tinha
experiência com umà forma de apresentação do JAQ. No presente trabalho os mesmos
sujeitos recebiam primeiro o JAQ de maneira contingente e depois de maneira não-
contingente. Essa exposição iniciai ao JAQ de maneira controlável pode ter sido suficiente
para produzir tanto habituação ao aversivo, diminuindo o seu efeito eliciador, quanto
“vacinação", neutralizando ou reduzindo o efeito ''emocional” da incontrolabilidade posterior,
“imunizando” os sujeitos e também diminuindo a função eliciadora do defecar e do urinar.

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Sobre C om portam ento e C o g n içã o 153


Capítulo 15
Variações paramétricas em pré-requisitos
da linguagem II; novas análises
das interações criança
acompanhante1

Carlos Barbosa Alves de Souza2


Sílvany Ellen Risuenho Brasil3
UFPa

Desde uma perspectiva funcional a “linguagem", ou o comportamento verbal


como preferia Skinner (1957), pode ser caracterizado como um conjunto de repertórios
aprendidos e mantidos pelas conseqüências mediadas pela comunidade verbal na qual
eles ocorrem. Nos últimos anos têm-se notado o crescimento de propostas que procuram
analisar os aspectos funcionais da aquisição e desenvolvimento de repertórios verbais
(Home & Lowe, 2006; Lowenkron, 2006; Ribes & Quintana, 2003; Souza, 2001; Stemmer,
1996). Porém, mesmo neste âmbito funcional de abordagem do comportamento verbal
persistem as controvérsias sobre as variáveis explicativas do seu processo de aquisição.
Souza (2001; 2003) procurou avaliar o efeito da mera exposição à relação palavra-
referente (i.e. o pareamento palavras-objetos/ações) sobre a aquisição de três
comportamentos verbais básicos (1-repetir vocalizações de maneira exata, reduzida,
ampliada ou combinada; 2- apontar sob critérios lingüísticos; e 3- nomear objetos/
eventos do mundo). Em uma série de experimentos com crianças de dois anos de
idade (Souza, 2001) verificou-se que o pareamento palavra-referente foi condição
suficiente para a aquisição das respostas de ‘apontar’ e ‘nomear’ (repetir vocalizações
já era uma classe generalizada de resposta). Em uma replicação com crianças mais
novas (de 7 a 13 meses) (Souza, 2003), verificou-se que o pareamento palavra-referente
não foi condição suficiente para o aprendizado dos comportamentos de 'apontar' ou
‘nomear’. No entanto, foi observado a aquisição gradual de respostas de observação
conjunta, de imitação motora e de imitação vocal, repertórios caracterizados como pré-
requisitos na aquisição da "linguagem’’ (Tomasello, 2003).

’ Pesquisa financiada pelo CNPq (Processos 403178/2003-7 e 301173/2003-6)


! Professor Adjunio 3 do Programa te Pós-graduaçáo em Teoria e Pesquisa do Comportamento UFRft. Home-page: hflpJ/wwwS ufpa.br/
ppglpcí E-fnail. carkK.souza@pesquisador.cnpq br
1Bolsista de Iniciação Científica do CNPq

154 Carlos Barbosa A lv e s de Souza e Silvan y Ellen Risuenho Brasil


Considerando estes resultados e os resultados positivos obtidos em outros estudos
que usaram o pareamento palavra-referente (com ou sem retraso) como procedimento para
a aquisição de respostas verbais em crianças de 18 a 24 meses. (Baldwin, 1993; Moore,
Angelopoulos & Bennett 1999; Tomasello & Barton, 1994), e de 13 a 18 meses (Shafer &
Plunkett, 1998; Woodward, Madman & Fitzsimmons, 1994), Souza (2003) sugeriu que no
período inicial da aquisição de repertórios verbais processos tipo-operante e tipo-respondente
podem atuar de forma sincrônica (ver também Alcaraz, Martínez-Casas, Padilla & Puga, 1998;
Stemmer, 1992). Assim, a situação ònde as pessoas emitem palavras em relação a objetos/
eventos do mundo (situações de pareamento) pode ser uma condição importante para a
aquisição de comportamentos que são caracterizados como pré-requisitos na aquisição da
"linguagem" (Tomasello, 2003). Ao mesmo tempo, as situações de interações onde alguém
providência conseqüências para as respostas da criança (situações contingenciais) promovem
a aquisição de classes de respostas verbais (Moerk, 1999; Souza, 2001), que podem ser
ampliadas posteriormente novamente por meio dos eventos de pareamento (ver ‘eventos
ostensivos’ em Stemmer. 1992). No entanto, Souza (2001; 2003) apontou que variações
paramétricas nas situações de pareamento e contingenciais pareciam influenciar diretamente
a aquisição de comportamentos pré-requisitos da linguagem” e de repertórios verbais básicos.
Whitehurst e colaboradores realizaram um conjunto de estudos avaliando os efeitos
de variações paramétricas em algumas variáveis consideradas relevantes no processo de
aquisição de repertórios verbais e de seus pré-requisitos (Whitehurst, 1996; Whitehurst &
DeBaryshe, 1989; Whitehurst&Kedesdy, 1981; Whitehurst, Kedesdy&White; 1982; Whitehurst
& Valdez-Menchaca, 1988). De maneira geral, os resultados de seus estudos apontaram que
a aquisição de respostas de compreensão e produção verbal em crianças pequenas foi
facilitada quando: 1) a 'freqüência' da relação palavra-referente (número de vezes em que a
relação palavra-referente era apresentada para a criança) era alta; 2) a ‘tipicidade’ da relação
palavra-referente (número de palavras utilizadas em relação a certo referente) era baixa; 3) a
‘contiguidade temporal1entre a nomeação do referente e a sua apresentação era imediata
(defasagens de apenas 10 segundos afetavam negativamente a aquisição das respostas);
4) a “atenção" (‘direção do olhar”) da criança e do falante estava concomitantemente no referente
nomeado; 5) o ‘valor do referente’ (grau de preferência por um referente em um situação de
escolha) era alto; e 6) o ‘nive! de abstração’ e o ‘grau de contexto intraverbal’ (grau de correlação
entre grupos lingüísticos ou entre frases) do referente eram baixos (para uma descrição mais
detalhada destes estudos ver Souza & Pontes, no prelo).
Souza e Pontes (no prelo) mostraram os resultados iniciais de um estudo que vem
procurando identificar em situações naturais de interação criança-acompanhante (durante
os primeiros anos de vida da criança) algumas das variáveis apontadas por Whitehurst e
colaboradores como pré-requisitos no processo de aquisição da linguagem’’ (freqüência,
tipicidade, contigüidade temporal e direção do olhar na relação palavra-referente), e analisar
suas variações paramétricas. As análises das interações de três díades criança-
acompanhante filmadas uma vez por semana em suas casas, de 3 a 5 meses consecutivos,
mostraram que: 1) quanto à variável ‘contigüidade temporal', verificou-se que na maioria das
vezes o acompanhante-nomeava objetos/eventos presentes, mencionando raramente
objetos/eventos em condições não contíguas (passado e futuro); 2) quanto a 'freqüência' da
relação palavra-referente, os acompanhantes nomearam diversos objetos e ações,
nomeando até os seis meses de idade mais objetos que eventos, e depois mais ações; 3)
quanto à tipicidade' da relação palavra-referente, de maneira geral os referentes foram
nomeados por uma palavra apenas; 3) quanto à ‘direção do olhar1, para duas das díades
inicialmente (2 a 5 meses) era o acompanhante que olhava para o objeto/ação nomeado,
mas gradualmente, nas três díades, a criança também começou a olhar o referente nomeado.

So b re C om portam ento e C o g n içã o 155


Estes resultados mostram, em uma situação de observação natural longitudinal, a ocorrência
de condições que têm sido apontadas por estudos experimentais (e.g. Whitehurst &
DeBaryshe, 1989) como importantes para a aquisição de repertórios lingüísticos.
O presente estudo procurou dar prosseguimento ao trabalho de identificação e
análise em situações naturais de interação criança-acompanhante (durante os primeiros
anos de vida da criança) das variações paramétricas em algumas das variáveis
apontadas na literatura como pré-requisitos no processo de aquisição da “linguagem”.

Método
Participantes
Participaram do estudo cinco crianças, três meninas (P1- quatorze meses no
início do estudo; P3- cinco meses; P5 - três meses) e dois meninos (P2 e P4- três meses
no início do estudo), sendo P5 a única que tinha um irmão e era geralmente acompanhada
pelo pai e não pela mãe. Nenhum dos participantes apresentava limitações de audição e
visão ou apresentou problemas de saúde graves durante o período do estudo. As famílias
de P1 e P3 eram de nível sócio-econômico médio e as famílias de P2, P4 e P5 de nível
sócio-econômico baixo. Os responsáveis peias crianças assinaram um termo de
consentimento livre e esclarecido (conforme os critérios estabelecidos na resolução 196/
96 do Conselho Nacional de Saúde), autorizando o desenvolvimento do estudo.

Equipamento
Durante a filmagem das sessões de interação foi utilizada uma câmara de vídeo
(8 mm), um tripé e alguns brinquedos e objetos que as crianças dispunham no momento
da sessão. No processo de codificação das filmagens foram utilizadas a câmera
mencionada, uma televisão e folhas de registro divididas em intervalos de 5 minutos.

Procedimento
Foi realizada uma sessão por semana, sem dia fixo, na casa dos participantes,
inicialmente foram realizadas algumas visitas à família procurando habituar a criança e o
acompanhante à presença do experimentador e da câmera de vídeo. Uma vez estabelecida
esta habituação teve início o registro semanal das interações. Cada sessão possuía um
tempo de duração que dependia do momento de interação criança-acompanhante registrado
(uma média de 15 minutos por sessão), o qual poderia ser (a) uma situação de higiene
(banho ou troca de fraldas), (b) uma situação na qual a criança estivesse sendo alimentada,
ou (c) uma situação na qual o acompanhante estivesse brincando com a criança. Foi dada
preferência à situação (c), por ser o momento em que a criança mostrava-se mais participativa.
No início de cada sessão o experimentador ligava a câmera, posicionando-a
em um tripé, de modo a registrar o melhor ângulo frontal da interação, e então, iniciava
a filmagem, sem interferir nela. Em alguns casos, devido ao deslocamento de alguns
participantes, o uso do tripé foi descartado. Ao término da sessão, o experimentador
desligava a câmera e desmontava o equipamento.

Análise dos dados


As gravações foram analisadas em intervalos de 5 minutos. Buscou-se identificar
em cada momento da interação criança-acompanhante a ocorrência das variáveis
mencionadas anteriormente. Considerando o período de desenvolvimento das crianças

156 Carlos Barbosa A lv e s de Souza e Silvany Ellen R isuenh o Brasil


que participaram do estudo, foram analisadas as seguintes variáveis: 1) ‘C ontigüidade
Tem poral' entre a nomeação do referente e sua apresentação (distribuída em quatro
categorias: CTO - condição presente da nomeação do referente. CT1 - condição passada
da nomeação do referente, CT2 - condição futura da nomeação do referente e A ausência
do referente nomeado); 2) 'Tipicidade' da relação nome/referente; 3) ‘Direção do Olhar
da criança e do acompanhante no momento da nomeação do referente (distribuída em
quatro categorias: A - olhar do acompanhante para o referente nomeado, AC olhar de
ambos para o referente nomeado, C - olhar da crianca para o referente nomeado e DF
- olhar em direções diferentes)-, e 4) a ‘Freqüência' com que o referente foi nomeado.
Trinta por cento das sessões foram analisadas por um segundo experimentador
para estabelecer um índice de concordância entre observadores ((Concordâncias/
Concordâncias + Discordânciãs] x 100) para o registro das categorias analisadas,
produzindo uma concordância que variou de 87 a 100% para as diferentes categorias.

R esultados e discu ssã o


Foram registradas e analisadas 10 sessões das díadas de P1 e P5 e 20 sessões
das demais d fades. Os resultados das diades de P2, P4 e P5 foram semelhantes, e se
optou por mostrar apenas os resultados de P2. Os resultados da freqüência absoluta das
palavras utilizadas e seus referentes podem ser vistos nas Tabelas 1 a 3 a seguir. Pode-
se observar a ocorrência de um grande número de nomeações de objetos e ações, que
se repetem diversas vezes (tais nomeações ocorriam, naturalmente, em frases - não
mostradas nas Tabelas, com exceção das 'perguntas'). Verifica-se ainda que, de maneira
geral, determinado referente (objeto/ação) foi nomeado principalmente por uma só palavra,
que dado o contexto em que é utilizada, assume com maior freqüência a fúnção de nome
do referente. Estes resultados replicaram aqueles de Souza e Pontes (no prelo) o
ampliaram a demostração em situação natural da ocorrência de variáveis aportadas por
estudos experimentais como importantes no processo de aquisição de repertórios verbais
(e.g. Whitehurst & Kedesdy, 1981).
Deve-se ressaltar que esta alta freqüência de nomeações das propriedades do
mundo contrasta com a hipótese de pobreza de estímulos (HPE) na etapa inicial da
aquisição da “linguagem', i.e. a hipótese de que o “input" verbal ao qual as crianças são
expostas no início da aprendizagem do comportamento verbal é demasiado pobre para
explicar a riqueza do repertório verbal que elas apresentam a partir dos 2 anos e meio de
vida (ver Pullum & Scholz, 2002). Esta suposta dissociação entre o “input" inicial e o
“output” observado depois é apontada pelos defensores da HPE como uma evidência do
caráter inato do processo de aquisição da linguagem (Pinker, 1994). Contudo, conforme
pode se observar neste estudo, este “input" não é tão pobre assim.
Com exceção da díade de P1, em todas as outras se observa que o referente
mais nomeado foi a própria criança, confirmando o dado da literatura sobre a fase inicial
da interação mãe-criança que aponta para a predominância das interações face-a-face
(Lyra & Chaves, 2000; Seidl de Moura, Ribas, Seabra, Pessóa, Ribas & Nogueira, 2004).
Isto parece estar relacionado com o fato de que na cultura ocidental a fala dirigida ao bebê
tende a referir-se a ele, e somente a partir do momento em que seu “foco de atenção”
(direção do olhar) passa a ser dirigido a objetos ou atividades do seu interesse, o
acompanhante apresenta novos estímulos para a criança (Correa, 1999; Lyra, 2000)
Na díade de P1 observou-se que a criança não recebeu tantas nomeações se
comparada aos outros participantes. Isto parece ter ocorrido em função da mudança no
padrão de interação criança-acompanhante estabelecido com o aumento na complexidade
do repertório verbal da criança (ver Souza & Vieira, submetido). Por exemplo, nos dados

S o b re C om portam en to e C o g n içã o 157


desse participante observa-se o surgimento de perguntas do acompanhante sobre os
referentes, de forma que se estabelece uma relação do tipo intraverbal (Skinner, 1957),
com estímulos verbais antecedentes do acompanhante servindo como ocasião para
respostas verbais da criança. Na díade de P2 começam a surgir verbalizações do tipo
“pergunta", mas neste caso o acompanhante não demanda da criança respostas verbais
e sim respostas motoras/gestuais.
Quando o acompanhante emite respostas verbais para dirigir as respostas de
observação da criança, geralmente aponta para referentes à sua volta, estabelecendo
estímulos eficientes para indicar aspectos do ambiente através das palavras (ver Stemmer,
1992; 1996). A relação palavra-referente começa a ficar bem estabelecida quando a criança
começa a participar ativamente nesta indicação, dirigindo as respostas de observação do
adulto para o referente que lhe interessa em dado momento, como ocorre com P1, que
passa a nomear o objeto ‘boneca’ como ‘neném’ (como a própria criança é, por algumas,
vezes nomoada).

REFERENTES N O M E AÇÕ ES E V A L O R E S C O R R E S P O N D E N T E S

filh a (5 9 ), 'n o m e da b e b ê ' (3 5 ), d im in u tiv o d o ‘ n o m e da b e b é ’

(2 6 ), n en ém (2 5 ), n e n é m ria m am ã e (1 7), gata (1 2 ), m e u a m o r

(1 1 ), v e lh a (1 1) e o u tro s

M ãe m a m ã e ( 4 2 ), m ãe (2 0 )

Pai p a p a i (3 2 )

Avó v o v ô (16)

Tia tia (1 2 ), titia (7)

E x p e rim e n ta d o ra tia ( 9 ) , 'n o m e da e x p e r im e n ta d o ra " (fi)

Mariz da m ã e n a riz da m a m ã e (8)

O re llia da m ãe o re lh a da m a m â e (7)

Den le da b o ne ca d e n te (11)

Pè da r.n a n ç a pé (9)

Boca da c r ia n ç a boca (1 6}

D ente ria c ria n ç a òe n te (1 4 ), d e n tã o (3 )

J o e lh o da criança jo e lh o (8)

P erna da c ria n ç a p e r f la ( 9 ) ,p e r n in h a (6)

C a b e lo da c ria n ç a c a b e lo (11)

O lh o da c ria n ç a o lh o (1 2 )

Mão da c ria n ç a m ào (2 2 ), m ã o z in h a (1 4 )

C a b e ç a da c ria n ç a cabeça (1 4)

C a c h o rro cachorro (ô), auau (7)

G a lo g a to (1 1 ), g a tin h o (7 ), c h a n in h o (5)

D e s e n h o da p a s s a rin h o passarinho < 12)

158 Carlos Barbosa A lv e s de Souza e Silvan y Ellen R isuen h o Brasil


D e s e n h o s cm g e ra l d e s e n h o s (2 0 ), fig u ra s (8)

F Oto 5 fo to (10), fo to g ra fia (3)

Xíca ra xíc a ra (7)

C o t h er c o lh e r (6)

P ra ia p ra to (5)

M am 3 cie ir a m a m a d e ira (9)

L e ilfi l ei t e ( 1 0 )

0 c u l os óc ulos (7)

Ven tila d o r v e n tila d o r (9)

Livro liv ro (9)

S ofá sofá (1 3 )

T ele vis ao iv (5) te le v is ã o (3)

C h a ve chav e (1 3 }

V e lo c fp id e v e lo o ip id e (6 )

B o is b o la ( 1 5). b o lin h a (5)

B oneca n e n é m (3 3), b o n e c a (1 5 ), b o n e q u in h a (7)

B o n e ca da m ânic3 m õnic a (6 )

B o n e c a d a m m n ie m inn ie (19) m ickey (9)

G ato de b rin q u e d o g a tin h o (1 2 ), g a to (8)

C a c h o r r o de b rin q u e d o c a c h o rro (1 6)

U rso de brinq ued o u rs in h o (7)

T a b e la 1 - C o n tin u a ç ã o

T a rta ru g a d e b r i n q u e d o ta rta ru g a (9)

P o r c o de b r i n q u e d o p o r c o (1 2 )

M a c a c o n a tv m a c a c o (6)

B o n e c o de b a n a n a b a n a n a (5)

Pape I p a p e l ( 1 4 ) , fo lh a em b ra n c o (G)

Caderno c a d e rn o (1 0 ), c a d e rn e ta (7 }, fo lh a (5 )

Ações o lh a r (5 1 ), p e g a r (4 5 ), e s c r e v e r (2 1 ), a b rir (2 0 ). Ia la r (1 9 ),

c o n v e rs a r (1 9 ), g u a rd a r (1 9 ), cham ar (1 7 ), d e s e n h a r (1 7 ),

d a n ç a r (16), a p e rfa r (1 6 ), b r in c a r (1 5 ), jo g a r (1 3), sen ta r (1 3),

v e r (1 3 ), v ira r (1 2 ), c h o r a r (1 0 ), g ira r (1 0 ), ler (9), c a n ta r (9),

cair ( 8 ), b a te r p a lftia s (6), rir ( 6 } passear ( 6 ) , m o rd e r (5),

en si n a r (5), dorm ir (5 ), m a c h u c a r (4 ) , re c la m a r (3) e ou tro s

Sobre Comportamento e Cognição 1 59


Pergunta s

Galrnha de brinquedo como é que a galmfia faz? (8)

C achorro como é que o cachorrinho faz? (13)

Gato como é que o gatinho faz? (15)

Objetos diversos o quR é is so? (^0)

Pessoas/fotos quem é cssa(o)? (45)

Verbalizações da crianca

Cachorro de brin q u ed o au au (1 5)

Gatinha de brinquedo cocó (1 3)

Sapo de brinquedo apo (4)

Gato miau (11)

Pé Pé (12)

C aneta neta (4)

Prfma nené (4)

Boneca nené (21)

Criança nené (2£>)

M am âe mama (40). mamãe (30)

Papai papa (21), papai (29)

Vovó v ó (6 )

F oto da criança nené (13)

Foto do pai papa (4)

Foto da avó v ó (3 )

Foto do gato mau (1)

Foto da m ãe mama(1 0)
Foto do balão ão(3)

Mão ão (2)

Sofá fá (2)

Ações não (22) dá (12)

Tabela 1: freqüência das palavras que nomearam cada objeto/ação nas 10 sessões de P1.

Obs: Alguns referentes que foram nomeados menos de 5 vezes no total não
foram apresentados na tabela para não torná-la muito extensa, o mesmo ocorrendo
nas demais Tabelas.

160 Carlos Barbosa A íves de Souza e Silvany Ellen Risuenho Brasil


R E F E K E N fE S N O M EAÇ Õ ES E VALOK fcS CO RK ESPO ND EN TES

C riança meu filho (61), “ nome do bobe’ (45), butiu {15), m enino (10). pai (7),

dim inutivo do 'n om e d o b e b è ' (7), filtunho da mam ãe (6). neném (6),

m enino (6), gatinho (5), chorão (4), babu (4) e outros

Mõe mamãe (31). m a m ã e iin h a (15), ‘ nome da mãe" (11)

Pai nome do pai (18), papai (12), p a í(9 )

Tia tia (13). “ nome da lia ' (fi)

Prini o “ nome do prim o’ (11), primo (13)

Pad ninho “ nome do padrinho" (1?). padrinho (4)

fcxperi montadora “ nome da e xpe rim e ntad o ra ' (14), m enina (7). iia (6)

Boca da criança boca ( 12)

I órax da criança peitinho (13)

Dedo da criança dedo (18)

Deu to da criança dente (4)

Pescoço da criança pescoço (11 )

R osto da criança rosto (21 )

Braço da criança braço (27)

Pà da criança p erin h o (31 )

Mão da criança mão (15), m ãozinha (7)

Perna da criança perna ( 13) canela (3)

Chu peta chupetínha (9), chupeta (6)

Sapato sapato (12), sapatinho (fi)

Cama cam a (1 fi)

Rede rede (21)


Balão balão (14), balãozinho (4}

Chapéu ch a peu z in h o ( 13), b o in a (4)

P apai noel ínflâvel p a p a i n o e l (8)

T e le fo n e te le fo n e (13)

T alco tale o (11)

Ven tila dor ve n tila d a r (1 fi)

Meia fn ei a (12)

C arro de brinquedo tre n z ln h o (1 2 ), c a rro (8), ca rrin h o (5)

C a c b o rro d e b rin q u e d o c a c h o rrin h o (1 1 ), au au (fl) c s c h o iru (S)

C adeado c a d e a d o (6)

Bois a bols a (7 )

P en te p e n te (21)

Toalha to a lti a (11 )

Sobre Comportamento e Cognição


Travesseiro travesseiro (8)

Pipa papagaio (5)

C hocalho chocalho (11), m aracá (6)

Balão balão (15)

Ações olh a r (22). pular (29), b rin ca r (15), com er (1 1 ), p e g a r ( 1 1), ch am a r (9),

se nta r (8), levantar (8) .a n d ar (8), d ançar (7 ), p asse a r (7). tomar (7),

so rrir (7), m order (6), dorrrs ir (6), chorar (6), dizer (5), m exer (4), fazer

(4), csntsr (4), gritar (4), tira r (2) e outros

Tabela 2: freqüência das palavras que nomearam cada objeto/ação nas 20 sessões de P2

REFERENT ES NOMEAÇÕES E VA LO R E S C O R R E S P O N D E N TE S

criança "nome da b eb é ” (112), m inha filha {81), “dim inutivo do nome da

cria n ça ” (31), bebê (29), bebezão (14), bebezinho tía mamãe (9),

menina (9), moleca (5) e outros

mâe mamãe (55). m ãezinha (23), m ie (17)

pai p a p a i(2 6 ), p a i( 1 3 ) ,“n o m n d o p a i"( 9 )

avó vovó (14)

avõ vovô (9)

tio tio (12), tibo (7).

experim entadora "nome da exper.” (1 7), titia (5)

nariz da criança nariz (1 9)

boca da criança boca (23), boquinha (1 1)

rosto da criança rosto (23)

pescoço da criança pescoço (8) .garganta (4)

mão da criança mãozinha (34), m ão (29).

bochecha da criança bochecha (11)

olhos da criança olho(18), ottiinho (6)

braço da criança braço (19)

sandália sandália (8), chineío (5)

sapato sapato (11)

Blusa blusinha (12), blusa (8), roupa (8),

óculos óculos (7)

babá “ nome da b a b á "(7)

chocalho chocalho (12)

162 Carlos Barbosa A lves de Souza e Silvany EUen Risuertho Brasil


Desenho/Figuras ' désenho (42). figura (1 0)

form iga de brinquedo form iga (15)

pato de brinquedo patinho (23)

carro de brinquedo carro (24) carnnho (12)

chaves de brinquedo chave (15), chave rosa (11). chaveiro (8)

foca de: brinquedo foca (12), foquinha (6)

cobra de brinquedo cobra (12). cobrinha (6)

palhaço rie brinquedo palhaço (18)

cisne de brinquedo patinho (15), cisne (S),

boneca bebèzinha (31)

boneca Mônica M õnica (8)

enfeite de cabelo travessinha (7), ch ap o u (O

roupa de cama edredon (8)

escova de cabeto escova de cabelo (21)

espelho e spelho (19)

cotonete cotonele (6)

bola bola (22), bolinha (9)

a ções olh a r (24), pegar (20), dizer (6), fa la r (7), sentar(5), s e g u ra r (6),

bater (5), m exer (5), to c a r(1 ), g u a rd a r (6), m ostrar (2), a c h a r (3),

co lo ca r (9), devolver (2), virar (5). jo g a r (5), m order (4), c h u ta r (4),

dar (3), com er (3), largar (3), dorm ir (2). am assar (1), a n d a r (5),

ca ir (2), enxugar (2). molhar (1), ligar (1), rir (2), puxar (2), s a ir (1),

g rita r (2), vestir (1), leva n ta r (1) e outros

D ivervos objetos cadê? (22), quer pegar? (18), m e d á ? (15)

C riança C adê o bebè? (15)

Tabela 3: freqüência das palavras que nomearam cada objeto/ação nas 20 sessões de P3.

Conforme mencionado antes, as nomeações dos acompanhantes ocorreram


em frases, e estas geralmente apresentaram características da fala ‘diferenciada para
a criança’ (motherese), como por exemplo, frases curtas, repetidas, com entonação
mais aguda, com vocabulário mais limitado e correto, replicando um achado comum
dos estudos sobre aquisição da “linguagem" {Borges & Salomão, 2003; Ribes & Quintana,
2003; Silva & Salomão, 2002).
Esta fala diferenciada ocorreu com todas as diades deste estudo. No entanto,
na díade de P1 a motherese gradualmente passou a ser acompanhada de estratégias
de ensino do acompanhante, procurando demonstrar para a criança como dizer alguma

Sobre Comportamento e Cognição 1Ó 3


coisa (ver Souza & Vieira, Submetido). Neste estágio do desenvolvimento é importante
que a mãe pronuncie corretamente determinada palavra ou expressão, abandonando
alguns elementos da motherese, mas conservando alguns, como a gesticulação e uso
de sentenças curtas (Bornstein & Tamís-LeMonda, 2004).
Os resuitados sobre a freqüência das categorias dc ‘Contigüidade Temporal’
da apresentação palavra-referente podem ser vistos nas Figuras 1 a 3 a seguir.
Observa-se que a maioria das relações de contigüidade foi do tipo CTO (condição
presente), replicando os resultados experimentais de Whitehurst e Kedesdy (1981) (ver
também Whitehurst, 1996) e os dados em situação natural de um estudo anterior (Souza
& Pontes, no prelo). A condição presente parece ser a condição mais adequada no
processo de aquisição do repertório verbal. Segundo Whitehurst e Kedesdy (1981), 10
segundos que distanciaram a apresentação do objeto e a nomeação pelo falante,
prejudicaram significativamente o desempenho lingüístico, retardando a aquisição de
respostas de compreensão e produção verbal.
Comparando-se as freqüências das condições 'futura’ e ‘ausente' nas sessões
dos participantes, observa-se que há uma maior ocorrência destas categorias para o
P1 (aquele com repertório verbal mais complexo) e P3, que está numa etapa do
desenvolvimento em que começa produzir imitação vocal. Na díade de P1, por exemplo,
ocorreu um aumento na freqüência da categoria ausente devido a maior ocorrência de
perguntas da mãe para a criança sobre pessoas e objetos que não estavam presentes
no momento daquela interação. Na díade de P3 o crescimento na freqüência da categoria
CT2 (condição futura) esteve relacionado com o fato da mãe nomear os objetos antes
de apresentá-los à criança, buscando fazer com que a bebê procurasse pelo objeto
antes dele ser mostrado por ela. Em ambos os casos se observa o processo de
"desligamento’1do contexto físico-químico que as interações verbais começam a exigir
do comportamento da criança a partir da sua inserção em um grupo verbal como escuta
(primeiro) e faiante competente (Ribes & Quintana, 2003).
Nos resultados dispostos nas Figuras 4 a 6, sobre a ‘Direção do Olhar’ com
relação ao referente nomeado, também pode ser verificada uma certa regularidade
quanto aos dados dos participantes. Para todas as díades, à exceção da díade de P1,
registrou-se a freqüência mais elevada do olhar do acompanhante (A) em direção ao
referente nomeado. Este resultado advém do fato, mencionado antes, do referente
nomeado ser, nos meses inicias de vida, na maioria das vezes a própria criança (Souza
& Pontes, no prelo). Gradualmente, com o aumento das habilidades perceptuais e
motoras os bebês começam a explorar o seu ambiente de maneira mais sistemática,
proporcionando assim oportunidades para que o acompanhante, por exemplo, nomeie
objetos/ações que o bebê está observando (tyra & Chaves, 2000; Seidl de Moura et al.,
2004; Souza & Pontes, no prelo).
Dados da literatura sobre a interação mãe-criança indicam que a partir do
segundo mês de vida o bebê demonstra interesse pela faia da mãe e orienta seu olhar
para rosto desta (Lyra, 2000; Lyra & Chaves, 2000; Seidl de Moura et al., 2004). Como as
mães, inicialmente, se mostram mais voltadas para conhecer o bebê do que para
apresentar a ele objetos e eventos, se estabelece o contato face-a-face na interação.
Parece ser que esta condição, na qual a criança observa o rosto da mãe enquanto esta
fala com ela, tem um importante papel na produção inicial de sons pela criança (Lock,
2Q04;Zambertan, 2002). Segundo Lyra e Chaves (2000) após esta etapa de interações
iniciais face-a-face (dinâmica de estabelecimento), gradualmente a interação evolui
para a dinâmica de extensão (trocas de sorriso, toque), seguida da dinâmica de
abreviação, que implica interações mãe-objeto-bebê, com atividades como mostrar e
esconder objetos, fazer perguntas, etc.

1Ó 4 Carlos Barbosa A lves dc Souza e Siívany Ellen Risuenho Brasil


Figura 1: freqüência acumulada da Contigüidade Temporal nas 10 sessões de P1

Intervalos de análise
Figura 3: frequência acumulada da Contiguidade Temporal nas 20 sessões de P3

Sobre Comportamento e Cognição • 1 Ó 5


Intervalos de análise
Figura 4 : Freqüência acumulada da Direção do Olhar nas 10 sessões de P1

intervalos ae anaiise
Figura 5: Freqüência acumulada da Direção do Olhar r»as 20 sessões de P2

* l* I* ! 1 i i i i f i» r n i i i < i n "i t •
1 3 6 7 9 11 13 15 17 19 21 23 25 27 29 31 33 35 37 39 41 43 45 47 49 51 53 55 57 6â

Intervalos de análise
Figura 6: frequência acumulada da Direção do Olhar nas 20 sessões de P3

1Ó Ó Carlos Barbosa A lves de Souza e Silvany Ellen Risuenho Brasil


O fato da díade de P1 apresentar uma maior ocorrência da categoria de 'Direção
do Olhar1 na qual a criança e acompanhante olham para um mesmo objeto nomeado
(AC), pode ser explicado pelo processo de estabilização do comportamento de ‘olhar
conjunto’ (mutual gazing), que começa a emergir a partir do sexto mês de vida (Bornstein
& Tamis-LeMonda, 2004). O estabelecimento do comportamento de ‘olhar conjunto’
pode ser um elemento importante para que os acompanhantes possam discriminar e
responder adequadamente às necessidades e formas comunicativas da criança,
produzindo ajustes em seu comportamento em relação a essas dicas comportamentais
dos bebês (Borges & Salomão. 2003, Rtbes & Quintana, 2003, Seidl de Moura et al.,
2004; Souza, 2003). Os ajustes podem ser percebidos tanto em aspectos do
comportamento não-verbal (posicionamento das díades frente-a-frente) quanto do
comportamento verbal, quando as mães modificam características do seu discurso
para se ajustar ao nível de habilidade da criança, produzindo a já mencionada motherese.
De modo geral, estes resultados mostram que as crianças desde os meses
iniciais de vida são expostas ao uso regular do muitos exemplares de diferentes relações
verbais, dado que contradiz a hipótese de pobreza de estímulos no processo de aquisição
e desenvolvimento da linguagem (ver Puilum & Scholz, 2002 para uma análise crítica
desta hipótese). A exposição repetida a estas relações verbais parece favorecer o
estabelecimento de diferentes padrões comportamentais na interação criança-
acompanhante (ver Souza & Affonso, no prelo; Souza & Vieira, submetido), possibilitando
um tipo de "espiral virtuoso", no qual o estabelecimento dos padrões (por exemplo, o
início dos jogos de perguntas e respostas para P1 e P3) permitem a exposição a novas
relações verbais, com as alterações paramétricas analisadas neste trabalho (por exemplo,
as mudanças na direção do olhar da criança e do adulto para o referente), que a sua vez
levam a novos ajustes nos padrões comportamentais da interação criança-acompanhante
(por exemplo, a possibilidade de um maior desligamento funcional do ambiente imediato).
O andamento desta linha de pesquisa procurará confirmar estes dados com novos
participantes, procurando analisar especialmente o período dos 8 aos 14 meses de idade,
no qual as crianças começam a produzir as primeiras respostas verbais (de compreensão
e produção- ver Souza, 2001), o que permitirá analisar de maneira mais detalhada a relação
entre os padrões de input verbal aos quais a criança é exposta e o seu desempenho verbal.
Além do procedimento observacional adotado até o momento, se planeja realizar alguns
estudos experimentais procurando avaliar de maneira mais precisa esta relação; por
exemplo, controlando a freqüência de apresentação de certos referentes e avaliando o
desempenho da criança em testes de produção e compreensão com estes referentes.

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1 68 Carlos Barbosa A lv e s tie Souza e Silvany Ellen Risuenho Brasi!


Capítulo 16
Pré-requisitos da linguagem II: novas
análises de padrões
eomportamentais na interação
criança acompanhante 1

Carlos Barbosa Alves de Souza5


Josie Rodrigues Vieira5
UFPa

A interação social é um fator fundamental no desenvolvimento verbal (Ribes &


Quintana, 2003; Skrnner, 1957, Souza, 2001; Tomasello, 2003, Wittgenstein, 1953). Logo
após o nascimento os comportamentos do bebê (e.g. expressões faciais, gestos,
vocalizações) adquirem significado em um contexto social, sendo este mediado pelos
outros através da “linguagem" (Ribes & Quintana, 2003). Desde modo, o estudo da
interação mãe (acompanhante)-criança, nas etapas iniciais do desenvolvimento, se
mostra importante na identificação e análise de variáveis relevantes para a aquisição de
repertórios verbais (Borges & Salomão, 2003; Braz & Salomão, 2002; Lima, Barbarini,
Gagliardo, Arnais & Gonçalves, 2004; Lyra & Chaves, 2000; Souza & Affonso, no prelo;
Souza & Pontes, no prelo; Souza & Brasil, submetido).
Seidl de Moura, Ribas, Seabra, Pessôa, Ribas e Nogueira (2004) analisaram
características das interações iniciais mãe-bebê, as relações entre estas características,
atividades da mãe, relação destas com o estado de vigília do bebê e a concepção acerca
das competências dos bebês. Foram estudadas trinta díades mãe-bebê (bebês com
idade média de vinte e nove dias). Os resultados mostram uma alta freqüência dos
comportamentos maternais de olhar e tocar o bebê. As atividades do bebê mais
predominantes foram ‘olhar o ambiente’, ‘vocalizar’, ‘olhar a mãe’ e ‘mamar’. Todos os
episódios de interação foram de domínio social (e não mediados por objetos), mostrando
que neste período inicial as mães interagiam mais diretamente com o bebê do que

1Pesquisa financiada peto CNPq (Processos 403178/2003-7 e 301173/2003-6)


1 Professor Adjunto 3 do Programa de Põs-graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento UFPA. Home-page: http://www3 .ufpa.br/gtpc/
E-mail.cartos.souza@pesquisador.cnpq.br
’ Bolsista PIBICdoCNPq

Sobre Comportamento e Cognição 1Ó 9


apresentavam para ele objetos e eventos (o que começa a ocorrer com maior freqüência
a partir do segundo mês de vida, ver Souza & Affonso, no prelo; Souza & Brasil, submetido).
Conforme os bebés eram avaliados como mais competentes peias mães (ao responderem
o Questionário sobre a Concepção de Competências do Bebê Recém-Nascido), mais
estas lidavam “com eles como interlocutores e realizam mais freqüentemente atividades
comunicativas do tipo falar e sorrir {Seidl de Moura et al., 2004, p. 301).
Lyra e Chaves (2000) investigaram a interação mãe-bebê durante os oito primeiros
meses de vida do bebê, analisando a aquisição/desenvolvimento de repertórios
comunicativos. Elas observaram dois tipos principais de interações: face-a-face e mãe-
objeto-bebê. Nestas interações as autoras identificaram três padrões diferentes (ver também
Lyra, 2000). Inicialmente a interação face-a-face ocorre em função do estabelecimento da
relação entre a criança e a mãe (dinâmica do estabelecimento). Gradualmente esta interação
passa a ocorrer também em função de episódios de extensão das ações da díade (dinâmica
de extensão- trocas de sorriso, toque, etc.). Posteriormente, com o avanço na coordenação
de repertórios motores-visuais da criança, e com o surgimento das interações mãe-objeto-
bebê, as interações passam também a ocorrer em função dos ajustes do comportamento
da mãe a comportamentos específicos do bebê em rolação a objetos/eventos no mundo
(dinâmica de abreviação- mostrar brinquedos, esconder objetos, etc.).
Este ajuste do comportamento da mãe (ou outras pessoas) ao repertório da criança
é um dado sistematicamente verificado na literatura (Zamberlan, 2002): por exemplo, a
adaptação da fala da mãe para o nível de habilidade infantil (motherese) (Bonges & Salomão,
2003; Lock, 2004). A fala ajustada para a interação com a criança é a mais provável de ser
seguida por uma resposta imediata da criança, e é considerado um tipo de input característico
da fala das mães (ou outro acompanhante) que envolve a criança na interação e facilita a
comunicação. As sentenças longas e complexas enfraquecem a função comunicativa do
diálogo, pois têm um efeito inibidor do comportamento responsivo das crianças (Borges &
Salomão, 2003, Silva & Salomão, 2002).
Braz e Salomão (2002) analisaram a interação de 16 díades mãe-bebê (bebês
com idades entre 24 e 30 meses), divididos por gênero: procurava-se investigar os estilos
comunicativos dirigidos a meninos e meninas, especialmente os diretivos, as solicitações,
informações e de tipo feedback. Observou-se que para os meninos foram emitidos mais
diretivos de atenção, sugerindo que houve menor envolvimento destes nas atividades
iniciadas pelas mães, enquanto que para as meninas foram emitidas mais solicitações
de completar e sugerir, de modo a dar continuidade à atividade da diade.
A importância da apresentação de feedbacks ao comportamento de responder
da criança é um dado bem documentado nos estudos que analisam aspectos relevantes
no processo de aquisição de repertórios verbais (Borges & Salomão, 2003; Moerk,
1999; Souza, 2003). A fala materna direcionada à criança propicia o desenvolvimento do
repertório verbal e a manutenção deste; apresentar feedbacks à criança, especialmente
'repetir' e ‘reformular’ uma verbalização da criança, e fazer solicitações à criança,
especialmente 'perguntar' e ‘ordenar’ a dizer ou fazer algo é efetivo para manter a criança
na conversação, favorecendo-lhe o desenvolvimento da linguagem (Borges & Salomão,
2003; Moerk, 1999; Silva & Salomão, 2002).
O efeito da falta de apresentação adequada de feedback pode ser exemplificada
pelos resultados de Lima et al. (2004). Estes autores avaliaram o desenvolvimento da
linguagem e das funções auditivas em 115 crianças (com idades entre três meses e 15
dias e 12 meses e 15 dias) mantidas em uma creche. Foi utilizado para a avaliação o
Protocolo da Observação do Desenvolvimento de Linguagem e Funções Auditivas e

170 Carios Barbosa Alves de Souza c josie Rodrigues Vieira


Visual. Constatou-se um atraso no início do balbucio e um número reduzido de crianças
imitando e produzindo jogos gestuais, o que parecia estar relacionado com a ausência
de um adulto interagindo mais diretamente com cada criança.
Moerk {1978; 1983; 1990; 1996; 1999) em uma série de estudos re-analisando os
dados obtidos por Brown (1973 apud Moerk, 1978) em um estudo longitudinal das interações
de três díades mãe-criança, buscou estabelecer uma análise funcional dos padrões
comportamentais que emergem destas interações, procurando verificar suas possíveis funções
de pré-requisitos para a aquisição de repertórios verbais. De maneira geral, seus resultados
mostraram que: 1) estratégias filiais de aprendizagem e técnicas maternas de ensino de
repertórios verbais ocorriam durante as interações; 2) as relações contingenciais (relações
entre estimulação ambiental, resposta e conseqüências) entre os comportamentos das mães
e das crianças eram freqüentes; e 3) análises seqüenciais das contingências mostraram que
estas ocorriam tanto em intervalos curtos de tempo como relativamente longos, sem que
ocorresse nenhuma interferência na relação entre os elementos da contingência (para uma
descrição mais detalhada dos resultados de Moerk ver Souza & Affonso, no prelo).
Ribes e Quintana (2003), baseando-se nos resultados de Moerk (e.g. 1999),
propuseram um conjunto de padrões comportamentais da interação mãe(cuidador)-
criança que devem analisados na tentativa de se desenvolver uma análise funcional do
processo de aquisição de repertórios verbais, entre eles: 1) Estratégias de Ensino do
cuidador: comportamentos em itidos pelo acom panhante que antecedem ou
conseqüenciam o comportamento da criança; 2) Aquisições Cognitivas da criança:
comportamentos das crianças que resultam em respostas motoras (ou de orientação)
e em respostas verbais (com morfologias vocais e não-vocais) as propriedades
funcionais do seu ambiente; 3) Interações Lingüísticas e P ro to lin g ü ística s:
comportamentos verbais ou proto-verbais definidos a partir do padrão comportamental
que dá início à interação (ver detalhamento no Método); 4) Modos de Episódios
Lingüísticos e Protolingüísticos’: indicam os modos (ativo x reativo) e as modalidades
nas quais as interações lingüísticas e protolingüísticos podem ocorrer; e 5) Módulos
Dinâmicos das interações: comportamentos que modulam a duração e ritmo das
interações, podendo determinar o início e o final das interações e a velocidade (ritmo)
dos intercâmbios comportamentais (criança-acompanhante) que acontecem nela.
Com base nos resultados e análises de Moerk (e.g., 1999; 1996) e na proposta de
Ribes e Quintana (2003) uma pesquisa longitudinal vem sendo desenvolvida com o objetivo
de identificar e analisar alguns padrões comportamentais (e.g. ‘estratégias de ensino
maternas', ‘aquisições cognitivas’ filiais, 'interações protolingüísticas’) estabelecidos nas
interações criança-acompanhante durante os primeiros anos de vida da criança, avaliando
os possíveis papéis daqueles padrões como pré-requisitos para aquisição da ‘linguagem’
(Souza & Affonso, no prelo). As análises das interações de três díades criança-acompanhante
filmadas uma vez por semana em suas casas, de 3 a 5 meses consecutivos, mostraram
que inicialmente os comportamentos maternos 'adaptar e ‘apontar’ e o comportamento
filial ‘observar’ foram os mais emitidos. A partir do quinto mês observou-se que 'apontar',
‘Aquisições cognitivas' e ‘Sons’ ocorreram com maior freqüência. Além disso, verificou-se
que os 'Módulos dinâmicos’, 'chorar1, 'rir1 e ‘interação motora’, a ‘Interação protollngüística’
‘não-verbal do acompanhante’ e as 'Estratégias de ensino', ‘apontar1, ‘adaptar" e “fornecer
feedback’ foram as que apresentaram maior freqüência. De maneira geral se observaram
co-variações entre os comportamentos do acompanhante e os da criança, sugerindo a
ocorrência de relações contingenciais entre eles.
Este estudo procurou dar continuidade ao trabalho de identificação e análise de
padrões comportamentais (e.g. ‘estratégias de ensino maternas’, ‘aquisições cognitivas’

Sobre Comportamento è Cognição 171


filiais) estabelecidos nas interações criança-acompanhante durante os primeiros anos
de vida da criança, avaliando as suas possíveis funções como pré-requisitos para
aquisição de repertórios verbais.

Método
Participantes
Participaram do estudo cinco crianças, três meninas (P1- quatorze meses no
início do estudo; P3- cinco meses; P5 - três meses) e dois meninos (P2 e P4- três meses
no início do estudo), sendo P5 a única que tinha um irmão e era geralmente acompanhada
pelo pai e não pela mãe. Nenhum dos participantes apresentava limitações de audição e
visão ou apresentou problemas de saúde graves durante o período do estudo. As famílias
de P1 e P3 eram de nível sócio-econômico médio e as famílias de P2, P4 e P5 de nível
sócio-econõmico baixo. Os responsáveis peias crianças assinaram um termo de
consentimento livre e esclarecido (conforme os critérios estabelecidos na resolução 196/
96 do Conselho Nacional de Saúde), autorizando o desenvolvimento do estudo.

Equipamento
Durante a filmagem das sessões de interação foram utilizados uma câmara de
vídeo (8 mm), um tripé o alguns brinquedos e objetos que as crianças dispunham no
momento da sessão. No processo de codificação das filmagens foram utilizadas a câmera
mencionada, uma televisão e folhas de registro divididas em intervalos de 1 minuto.

Procedimento
Foi realizada uma sessão por semana, sem dia fixo, na casa dos participantes.
Inicialmente foram realizadas algumas visitas à família procurando habituar a criança e o
acompanhante à presença do experimentador e da câmera de vídeo. Uma vez estabelecida
esta habituação teve início o registro semanal das interações. Cada sessão possuía um
tempo de duração que dependia do momento de interação criança-acompanhante registrado
{uma média de 15 minutos por sessão), o qual poderia ser (a) uma situação de higiene
(banho ou troca de fraldas), (b) uma situação na qual a criança estivesse sendo alimentada,
ou (c) uma situação na qual o acompanhante estivesse brincando com a criança. Foi dada
preferência á situação (c), por ser o momento em que a criança mostrava-se mais participativa.
No início da sessão, o experimentador ligava a câmera, posicionando-a em um
tripé, de modo que registrasse o melhor ângulo frontal da interação, e então, iniciava a
filmagem, sem interferir nela. Em alguns casos, devido ao deslocamento de alguns
participantes, o uso do tripé foi descartado. Ao término da sessão o pesquisador
desligava a câmera e desmontava o equipamento.

Análise dos dados


As gravações foram analisadas em intervalos de 1 minuto e transcritas em
uma folha de registro. Buscou-se identificar em cada momento da interação criança-
acompanhante a ocorrência dos seguintes padrões comportamentais:
1- Estratégias de Ensino\ Expandir, Substituir; Completar; Repetir; Corrigir; Etogiar; Aprovar;
Encorajara Continuar; Punir; interromper; Adaptar; Encadear; Modelar/Instigar; Perguntar;
Ordenar; Instruir/Dar dica inicial; Exemplificar; Apontar; Incentivar; e Dar Instruções.
2- Aquisições Cognitivas: Atender; Discriminar; Acompanhar instruções; Indicar; Escolher;
Manipular; Nomear; e Repetir/Reproduzir,

172 Carios Barbosa Alves de Soma e Josie Rodrigues Vieira


3- Interações Lingüísticas e Protolingüisticas: definidas a partir dc quem inicia a interação
como: 1) não-verbais do acompanhante, 2) não-verbais da criança, 3) não-verbais do
acompanhante com respostas vertais do mesmo sobre a interação, 4) não-verta is da criança
com respostas vertais do acompanhante sobre a interação, 5) vertais do acompanhante, e
6) verbais da criança. As interações Protolingüisticas caracterizam os padrões comportamentais
definidos como protocon versa ções (Lock, 2004), sendo que a caractcristica ‘não-verbal’ desta
categoria implica um padrão de respostas vocais de um dos membros da díade (e.g. sons
vocálicos ou consonantais repetidos, ecolalías silábicas ou de palavras) que não constitui os
elementos fonológicos usados consistentemente em uma comunidade verbal.
4- Sons: vocalizações da criança sem consequenciação imediata do acompanhante
(portanto; diferentes das vocalizações das interações lingüísticas e protolingüisticas)
5- Módulos dinâmicos de extensão e rittno de episódios: Ações Motoras; Comportamentos
Efetivos direcionados a objetos e pessoas; Interação Motora; Chorar; Rir; Gritar e
Gesticulação ativa ou reativa
6- Modo de episódios: Gesticular; Falar; Observar; Escutar; Indicar; Gesticular e Indicar,
Observar e Escutar; Gesticular, Indicar e Escutar; Falar e Observar.
Um segundo experimentador analisou 30% das sessões codificadas para estabelecer
um índice de concordância para o registro das categorias analisadas([Concordâncias /
Concordâncias + Discordâncias] x 100). Obteve-se uma concordância entre observadores
de 85,5 a 100% para as diferentes variáveis analisadas.

Resultado e discussão
Foram registradas e analisadas 10 sessões das díades de P1 e P5 e 20 sessões
das demais díades. Os resultados das díades de P2, P4 e P5 foram semelhantes, e se optou
por mostrar apenas os resultados de P5. Os resultados da análise minuto a minuto para cada
tipo de variável são apresentados em Figuras de freqüência acumulada por minuto, nos quais
intervalos de aproximadamente 15 minutos correspondem a uma sessão (uma semana).
As Figuras 1 a 4 mostram, respectivamente, a freqüência acumulada de
comportamentos emitidos na díade de P1 nas categorias Estratégias de Ensino emitidas
pelos acompanhantes; Aquisições Cognitivas e Emissão de Sons da criança; Interações
Lingüísticas e protolingüisticas; Módulos Dinâmicos e Modos de Episódio das interações.
Pode-se observar nas interações da díade de P1 a ocorrência de um grande número
de itens na categoria Estratégias de Ensino: foi registrada a ocorrência de doze itens (itens
que apresentaram uma freqüência acumulada menor que 10, como 'elogiar’, 'incentivar',
‘aprovar’, não foram apresentados na Figura) enquanto nas sessões dos outros participantes
foi registrada um número menor (ver Figuras 5 e 9), e mesmo no caso no qual se verificou um
número também alto de itens dessa categoria (díade de P3- Figura 5, na qual não constam os
itens ‘elogiar5, ‘incentivar1, e ‘aprovar”, que apresentaram uma freqüência acumulada menor
que 10) a freqüência de ocorrência foi bem menor. Essa diferença parece indicar um ajuste do
acompanhante ao repertório verbal das crianças: P1 apresentou um repertório verbal maior e
mais complexo, em comparação com os demais participantes (ver os dados das freqüências
das categorias Aquisição Cognitiva e Emissão de Sons e Interações Lingüísticas e
protolingüisticas de todos os Participantes - Figuras 2, 3,6, 7, 10 e 11).
Pode-se observar nas Figuras 1 a 4 que a ocorrência (e mesmo o padrão de
distribuição) de comportamentos de Estratégia de Ensino como ‘perguntar’, ‘modelar’ e
‘repetir’ apresentaram uma distribuição que variou juntamente com comportamentos
da categoria Aquisição Cognitiva como ‘manipular’, ‘atender’ e Emissão de Sons, de

Sobre Comportamento e Cognição 173


Interações Lingüísticas ‘verbais do acompanhante e da criança’, e de Módulos Dinâmicos
e Modo de Episódio como 'comportamentos efetivos' e ‘rir’, indicando, pelo menos, uma
relação de co-variação entre eles.
As Figuras 5 a 8 mostram, respectivam ente, a freqüência acumulada de
comportamentos emitidos na díade de P3 nas categorias Estratégias de Ensino emitidas
pelos acompanhantes; Aquisições Cognitivas e Emissão de Sons da criança; Interações
Lingüísticas e protolingüísticas; Módulos Dinâmicos e Modos de Episódio das interações.
Pode-se observar que a ocorrência de itens nas diferentes categorias foi
semelhante àquela da díade de P1, e que, de maneira diferente da díade de P5, a
freqüência dos itens também foi parecida (a exceção da categoria Estratégias de Ensino
conforme mencionado antes). Foi registrada a ocorrência de oito comportamentos da
categoria Estratégias de Ensino, os mais freqüentes foram ‘adaptar’, ‘modelar’ e ’repetir’
(itens que apresentaram uma freqü ên cia acu m ulada m enor que 10 não foram
apresentados na Figura). Os comportamentos de Aquisição Cognitiva mais freqüentes
foram ‘manipular’ e atender', observando-se também uma alta ocorrência de Emissão
de Sons. As Interações lingüísticas e protolingüísticas mais freqüentes foram ‘não-
verbais do acompanhante com descrição da interação* , ‘não-verbais da criança com
descrição da interação' e 'verbais do acompanhante’. Os Módulos Dinâmicos e Modos
de Episódio mais freqüentes foram, respectivamente, ‘comportamentos efetivos’, ‘rir’ e
‘interação motora'. Uma análise visual dos padrões de ocorrência dos comportamentos
nas quatro figuras (Figuras 5 a 8), novamente sugere uma co-variação entre categorias.

Figura 1: Freqüência acumulada das Estratégias de Ensino nas sessões de P1.

Figura 2: Freqüência acumulada das Aquisições Cognitivas e Emissão de Sons nas sessões de P1.

174 Carlos Barbosa Alves de Souza e Jode Rodrigues Vieira


t 5 17 25 33 J1 49 57 65 73 81 09 97 105 113 121 129 137 14S 153 161 163
Minutos
Figura 3: Freqüência acumulada das Interações Lingüísticas e Protolingüísticas nas sessões de P1

iH W TiiiniiTTJHi i H m ir n in i n i i m n rn im i n r n n m i u n m m rPTn m m i f M H m H m m rrm Tu rTm i n itttttu m i i i m i n i n tu r»

10 19 28 37 46 55 64 73 82 91 100 109 118 127 135 145 154 163


Minutos
Freqüência acumufada de Módulos Dinâmicos e Modos de Episódio nas sessões de P1.

WWlIflWWiWBffimãwBiiiiirigitwBiiBWiiiiniininuiirfrw!i wifW BTin rB ^i iiia i i i iii »»*■■■*■«<>


1 13 25 37 49 61 73 85 97 109 121 133 145 157 169 161 193 205 217
Minutos
Figura 5'. Freqüência acumulada das Estratégias òe Ensino nas sessões de P3.

Sobre Comportamento e G ognífâo ”J 7 5


1 13 25 37 49 61 73 85 97 109 121 133 145 157 169 181 193 20521 7
M inutos
Figura 6 Freqüência acumulada das Aquisições Cognitivas e Emissão de Sons nas sessões de P3.
120

1 13 2S 37 49 61 73 BS 97 1D9 121 133 145 157 1 6 9 1Q1 1 9 3 2D 5 2 1 7


Minutos
Figura 7: Freqüência acumulada das Interações Lingüísticas e Protolingüísticas nas sessões de P3

1 13 25 37 49 61 73 85 97 109121133 145 157 169 181193 205 217


Minutos
Figura 8: Freqüência acumulada de Módulos Dinâmicos e Modos de Episódio nas sessões de P3.

176 Carlos Barbosa Alves de Sou7a e Josíe Rodrigues Vieira


As Figuras 9 a 12 mostram, respectivamente, a freqüência acumulada de
comportamentos emitidos na díade de P5 nas categorias Estratégias de Ensino emitidas
pelos acompanhantes; Aquisições Cognitivas e Emissão de Sons da criança: Interações
Lingüísticas e prololingüisticas; Módulos Dinâmicos e Modos de Episódio das interações.
Foi registrada a ocorrência de cinco comportamentos da categoria Estratégias
de Ensino, sendo que os mais freqüentes foram ‘adaptar’, ‘modelar’ e 'perguntar’. Os
comportamentos de Aquisição Cognitiva mais freqüentes foram ‘manipular’ e ’reproduzir’,
ambos superados no entantç pela Emissão de Sons. As Interações Protolingüistioas
mais freqüentes foram ‘não-vérbais do acompanhante com descrição da interação’. Os
Módulos Dinâmicos e Modos de Episódio mais freqüente foram ‘comportamentos
efetivos’, ’rir’ e ‘chorar’. De maneira geral o padrão de distribuição dos dados desta
díade difere das demais pela baixa ocorrência de comportamentos nas diferentes
categorias nas primeiras semanas das filmagens, o que vai sendo gradualmente
alterado na direção do padrão das demais díades a partir do quarto mês de vida. Por
outro lado, este início com pouca interação permite visualizar ainda melhor o efeito de
co-variação entre as diferentes categorias (principalmente entre Estratégias de Ensino
e Aquisições Cognitivas o Emissão de sons) quando estas começam a ocorrer

Minutos
Figura 9: Frequência acumulada das Estratégias de Ensino nas sessões de P5.

Figura 10: Freqüência acumulada das Aquisições Cognitivas e Emissão de Sons nas sessões de P5.

Sobre Comportamento e Cognição 1 77


5 5
LL.

0 W d rf f ftf f trrrrr r r m r r r r i m n rt t t r m m rnm t W H t t t t f m ^ i f m rrtA


1 8 IS 22 29 36 43 50 57 64 71 78 85 92 99 1D 6 113 120 12 7 134
Minutos
Figura 11: Freqüência acumulada das Interações Lingüísticas e Protolingüísticas nas sessões de P5.

1 B 15 22 29 36 43 SD 57 64 71 70 85 92 99 1U6 113 120 127 134

Minutos
Figura 12: Freqüência acumulada de Módulos Dinâmicos e Modos de Episódio nas sessões de P5.

Estes resultados, de maneira gerat, replicam aqueies obtidos por Souza e Affonso
(no prelo). Comparando os resultados de todos os participantes, quanto às freqüências de
Estratégias maternais de ensino e os comportamentos de Aquisições Cognitivas e Emissão
de Sons da criança, estes sugerem que o comportamento do acompanhante tende a se
ajustar ao comportamento da criança: o acompanhante modela, corrige e amplia o repertório
comportamental da criança, comportamento este que ao ser "modelado" pelo outro vai se
ajustando gradualmente às novas configurações do ambiente que a maturação sócio-
biológica permite (como se pode observar mais nitidamente no caso do Participante 1). A
fala materna contingente à Emissão de Sons e Aquisições Cognitivas da criança sugere um
padrão de ajuste funcional entre esses comportamentos: o comportamento materno mantém
a criança na interação, e as respostas destas reforçam a emissão dos comportamentos
interativos da mãe (Borges e Salomão, 2003, Ribes e Quintana, 2003).
Cruzando as informações de Interações Lingüísticas e Protolingüísticas com
aquelas dos padrões comportamentais observadas nas Figuras sobre Estratégias de
Ensino, verifica-se a existência de uma alta correlação entre a produção de Estratégias de

178 Carlos Barbosa A lves de Souza e Josie Rodrigues Vieira


Ensino por parte do acompanhante e o estabelecimento de Interações lin g ü ís tic a s cm
um dado episódio da interação (sendo esta correlação mais visível no caso da d fade do
P1, considerando a maior complexidade do seu comportamento verbal), resultado que
reforça as posições que indicam a importância dos processos c procedimentos de
aprendizagem (e.g. modelagem, correções, reforçamento, etc.) na aquisição da linguagem
(e.g. Moerk, 1996,1999, Ribes e Quintana, 2003, Souza, 2003), e confrontam as hipóteses
sobre mecanismos instintivos na aquisição da linguagem (Pinker, 1994).
Estudos futuros nesta linha de pesquisa devem procurar analisar em situações
experim entais como diferentes processos com portam entais (e.g. habituação,
discriminações simples e condicionais) e procedimentos (co-variação de estímulos,
estabelecimento de olhar conjunto) podem ser efetivos na aquisição de diferentes
repertórios pré-lingüisticos e lingüísticos.

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Sobre Comportamento e Cognição 179


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180 Carlos Barbosa Alves de Sou? a e Iode Rodrigues Vieira


Capítulo 17
Estudo comparativo da variabilidade
operante em animais e
humanos: efeitos de
contingências e história de
reforçamento 1

M aria Helena Leite Hunzíker*


Marcos Takashi Yamada5
USP

A variabilidade do comportamento pode ser controlada por suas conseqüências?


A resposta a essa questão envolve uma controvérsia: se, por definição, o reforçamento
aumenta a probabilidade de ocorrência de respostas semelhantes àquela que o produziu
{Catania, 1984), então o efeito do reforço é o de reduzira variabilidade do comportamento
(Schwartz, 1980; Skinner, 1938). Sendo assim, como esperar que contingências
operantes gerem variabilidade comportamental?
Apesar de teoricamente lógica, essa análise não coincide com a observação de que
comportamentos variáveis (“criativos") podem ter, nas diferentes espécies, função adaptativa,
o que sugere seu controle pelas conseqüências. Assim, essa controvérsia mobilizou
pesquisas experimentais que, elas sim, poderiam dar respostas mais convincentes sobre a
possibilidade de haver um controle operante da variação do comportamento. Como resultado,
nos 60 e 70 foram publicadas diversas pesquisas sobre os efeitos do reforçamento contingente
à variabilidade do comportamento, ou seja, contingente a diferenças em alguma dimensão da
resposta em análise (Hunziker & Moreno, 2000). Por exemplo, Schoenfeld, Harris e Farmer
(1966) reforçaram diferendalmente intervalos entre respostas (IRTs) que não repetiam o IRT
anterior, sendo que de 10 categorias de IRTs especificadas os ratos aprenderam a altemar
entre duas delas. Na mesma direção, Blough (1966) demonstrou que pombos apresentavam
distribuição de IRTs que se aproximava de uma distribuição aleatória reforçando apenas os
IRTs menos freqüentes ao longo da sessão. Na mesma época, divulgou-se que variações na
topografia de respostas foram obtidas através de reforçamento diferencial, tanto em golfinhos
(Pryor, Haag & 0 ’Reill, 1969) como em crianças (Goetz e Baer,1973), e que o reforçamento

' Esse trabalho foi apresentado no XV Enoontro da ABPMC, reaifeadoem Brasilia-DF, em setembro de 2006.
! Bolsistas CNPq: Produtividade
em Pesquisa. E-maíl: hunziker@usp.br
J Bolsistas CNPq: Mestrado.

Sobre Comportamento e Cognição 181


aumentou a variação dos caminhos percorridos por ratos em labirinto (Olton, Collison & Werz,
1977; Wong, 1977). Já na década de 80, estudos com macacos mostraram igualmente que
variações na topografia de respostas podiam ser obtidas através do reforçamento contingente
a essa variação (Iversen, Ragnardsdottir & Randrupp, 1984). De uma maneira geral, esses e
outros trabalhos publicados nessa época levaram à condusão de que quando um animal é
reforçado a fazer alguma coisa diferente do que ele vinha fazendo, um comportamento variável
é gerado, podendo haver uma distribuição de respostas próxima da aleatória, a depender da
contingência utilizada.
Entretanto, foi apontado que esses estudos permitiam mais que uma
interpretação dos resultados, fato que colocava em dúvida a conclusão sobre o
reforçamento da variabilidade. A questão básica é que diversos estudos já haviam
demonstrado que a intermitência do reforçamento é, em si, uma condição que induz a
variabilidade (por exemplo, Eckerman & Lanson, 1969). Como em todos esses estudos
o reforçamento intermitente era a regra (pois nem sempre o sujeito atendia a exigência
de variação para obter reforçamento), uma interpretação possível dos resultados
relatados era que a variabilidade do comportamento não era diretamente reforçada,
mas sim induzida pela intermitência do reforçamento. Sendo a indução um processo
que é função da condição antecedente, não se pode atribuir o seu efeito ao controle
pelas conseqüências, o que equivale a dizer que a variabilidade induzida não é operante.
Essa dupla interpretação era decorrente de um problema metodológico: os
procedimentos empregados que não isolavam o efeito da intermitência do reforçamento
daqueles supostamente selecionados pelo reforçamento da variação. Nessa linha de
análise, Schwartz (1980; 1982) estabeleceu um procedimento que, supostamente
controlando os efeitos da indução pela intermitência do reforço, demonstrou que pombos
não aprenderam seqüências variáveis de respostas em duas chaves. Esses estudos
fortaleceram, com dados experimentais, a noção de que o reforçamento operante, em
si, não aumenta a probabilidade de comportamentos variáveis.
Contudo, tais conclusões foram questionadas por Page e Neuringer (1985) que,
apesar de concordarem com o objetivo de separar os dois tipos de variação (induzida e
operante), apontaram um erro experimental no trabalho de Schwartz que distorceu os
resultados obtidos. Resumidamente, os pombos de Schwartz (1982) eram colocados
frente a um painel com duas chavcs o uma matriz quadrada de 25 lâmpadas (5X5), onde
apenas uma lâmpada era iluminada a cada momento. Ao iniciar a tentativa, a luz se
situava no canto superior esquerdo, sendo que o reforço era liberado apenas quando a
luz chegava no canto inferior direito. Bicadas na chave esquerda (E) moviam a luz para
baixo e na chave direita (D) moviam a luz para a direita. Portanto, eram necessárias oito
bicadas (sendo quatro D e quatro E) para que o pombo recebesse o reforço. A contingência
de reforçamento estabelecida por Schwartz exigia que o animal apresentasse uma
seqüência de quatro respostas D e quatro E diferente da apresentada na tentativa anterior
(procedimento chamado de LAG 1). Por exemplo, se numa tentativa o sujeito fosse
reforçado após a seqüência EEDDDDEE, essa mesma seqüência não seria reforçada
na tentativa seguinte, mas apenas outra que envolvesse quatro respostas D e quatro E,
dispostas em seqüência diferente da anterior (por exemplo, EEEDDDDE, EEEEDDDD,
etc.). Caso o sujeito emitisse uma seqüência igual à anterior, ou com mais de quatro
respostas em uma das chaves, a luz da matriz se apagava por um breve período, encerrando
a tentativa sem a apresentação do reforço. Portanto, além de exigir que a seqüência
diferisse da anteriormente reforçada, esse procedimento impunha ao pombo uma
penalidade (perda da chance de ser reforçado) caso ele apresentasse mais de quatro
respostas em uma mesma chave. Page e Neuringer apontaram que essa penalidade

182 Maria Helena Leite Hunziker c Marcos Takashi Yamada


excluía a possibilidade de reforçamento da maior parte das seqüências passíveis dc
serem emitidas pois, dentre as 256 seqüências possíveis, apenãs 70 têm quatro respostas
E e D. Considerando que um padrão aleatório de respostas (que corresponde ao máximo
de variabilidade possível) envolveria com igual probabilidade todas as 256 seqüências, a
contingência de Schwartz punia a variabilidade, ao invés de reforçá-la.
Para testar se essa crítica era pertinente, Page e Neuringer (1985) realizaram diversos
experimentos. No primeiro deles, utilizaram procedimento semelhante ao de Schwartz, tendo
obtido iguais resultados: os pombos variaram pouco e receberam poucos reforços. Esses
resultados foram então comparados ao “comportamento” de um gerador de números
aleatórios (programado para “responder'’ aleatoriamente E ou D), submetido igualmente à
contingência de Schwartz: obteve-se que o gerador recebeu baixa freqüência de reforçamento,
o que equivale a dizer que um responder aleatório (variável) raramente satisfazia a exigência
para reforço. Entretanto, quando foi removida a exigência de apresentar quatro respostas em
cada chave, os pombos (e o gerador) apresentaram seqüências bastante variáveis, atingindo
90% de reforçamento. Esses dados fizeram Page e Neuringer concluir que a variabilidade do
comportamento poderia ser controlada por suas conseqüências e sugerir que a conclusão
oposta de Schwartz (1982) foi fruto de um erro experimental.
Contudo, essas demonstrações, por si, não respondiam a crítica sobre o controle
da variabilidade: ela era função das conseqüências sobre o variar ou era meramente
induzida peia intermitência do reforçamento? Essa questão, crucial para a identificação
do controle operante da variabilidade, foi respondida no experimento 5 de Page e
Neuringer (1985). Pombos foram submetidos ao reforçamento da variabilidade
(procedimento LAG) e depois passaram a uma fase denominada acoplamento (yoked),
onde o reforço era liberado seguindo a mesma ordem dos reforços obtidos pelo próprio
sujeito na fase anterior. Dessa forma, na fase de acoplamento mantinha-se a mesma
intermitência do reforço, sem a exigência da variabilidade para liberá-lo. Os resultados
demonstraram que a variabilidade caiu, em comparação à fase LAG, confirmando que a
intermitência do reforço não bastava para produzir os altos níveis de variabilidade obtidos
inicialmente, sendo necessária a exigência de variabilidade para liberação do reforço.
Esse procedimento aparentemente solucionou a questão metodológica apontada nos
primeiros estudos, encerrando, com dados experimentais, a controvérsia sobre a
possibilidade de o reforço selecionar a variação. Hoje, é amplamente aceito que, a
depender da contingência de reforçamento em vigor, podem ser selecionados diferentes
graus de variação do comportamento, desde padrões de respostas com ocorrências
próximas da aleatoriedade (variabilidade máxima) até a sua repetição sistemática,
chamada de estereotipia comportamental (Neuringer, 2002; 2004).
Nos estudos que se seguiram a essa demonstração do controle operante da
variabilidade, foram empregados diversos critérios para o reforçamento da variação ou
repetição do comportamento (ver Abreu-Rodrigues, Lattal, Santos & Matos, 2005; Barba &
Hunziker, 2002; Hunziker, Yamada, Manfré & Azevedo, 2006; Machado, 1989; 1992; 1993; 1997).
Apesar das diferenças nos procedimentos, os resultados desses estudos têm confirmado
que a variabilidade pode ser função direta do seu reforçamento diferencial.
Apesar dos resultados sistemáticos, uma pergunta ainda não foi respondida
com clareza: O que, de fato, está sendo selecionado frente a essas contingências? A
variabilidade é, em si, uma dimensão do comportamento que é selecionada pelas
conseqüências? Neuringer, em seus diferentes estudos, afirma que a variabilidade é
uma dimensão que é , em si, selecionada pelo reforçamento (ver Neuringer, 2002, para
uma revisão de áreâ). Outròs autores sugerem que a variabilidade talvez seja apenas
um subproduto de outros comportamentos que estão sendo selecionados pelas suas

Sobre Comportamento e Cognição


conseqüências, tais como a resposta de alternação entre os maniputanda (Machado,
1997). O fato é que os resultados até agora obtidos não são conclusivos (Machado,
1997; Barba & Hunziker, 2002). De concreto, o que os dados existentes até o momento
permitem afirmar é que comportamentos variáveis podem ter sua probabilidade de
ocorrência alterada pelo reforçamento contingente às diferenças no comportamento
emitido, o que caracteriza esse padrão comportamental como um operante.
O Laboratório de Análise Biocomportamental, situado no Departamento de Psicologia
Experimental da USP, vem pesquisando diversas questões relacionadas á variabilidade
operante, com resultados divulgados em diferentes periódicos, dissertações e teses. O
trabalho que segue representa uma meta-análise de alguns desses estudos, que se faz
reagrupando resultados de trabalhos já divulgados com outros em fase de publicação. Nosso
objetivo com essa análise é identificar o controle de diferentes contingências e histórias de
reforçamento sobre a variabilidade comportamental, em animais e humanos.
Como descrição geral desses estudos, apontamos que os trabalhos realizados
com animais utilizaram ratos Wistar, provenientes de diferentes biotérios, enquanto que
os realizados com humanos tiveram como sujeitos alunos do curso de graduação em
Psicologia da USP, geralmente do primeiro ano, ou seja, alunos que ainda não haviam
entrado em contato com a abordagem analítico-comportamental.
O procedimento básico envolveu como condição mínima para reforçamento a
emissão de quatro respostas em dois maniputanda localizados à direita (D) ou à esquerda
(E) do sujeito. Nos estudos com ratos, os manipuianda consistiam em duas barras e, nos
estudos com humanos, em duas teclas do computador (teclas P e Q, que pela sua distribuição
espacial podem ser igualmente consideradas como direita e esquerda, ou seja, D ou E). Ás
seqüências de respostas poderiam diferir (variar) entre si pela distribuição das respostas E
e D, compondo um universo de 16 seqüências possíveis (2*), como DDEE, EDED, etc.
Quanto ao reforço, utilizou-se água, para os ratos, e pontos que se acumulavam
ao longo da sessão, para os humanos. Importante destacar que esses pontos não
tinham valor de troca por nenhum outro ganho, quer material ou acadêmico.
Em diversos desses estudos, o procedimento acoplado foi utilizado nos mesmos
moldes descritos por Page e Neuringer (1985), ou seja, mantendo-se a equivalência de
distribuição dos reforços em função da ordem de sucessão das seqüências.
A medida de variabilidade empregada foi basicamente o índice estatístico U,
extraído da teoria da informação de Attneave (1959), e calculada segundo a fórmula
U=(Spi,íog2pi)/4, onde pi é a probabilidade de emissão de cada seqüência particular,
extraída de sua freqüência relativa. Este índice estatístico pode adquirir valores de 0 a 1,
sendo 0 representativo do padrão máximo de repetição e 1 indicador do máximo de
variabilidade. No estudo do comportamento, o U será tanto mais elevado quanto mais o
sujeito distribuir eqüitativamente suas seqüências dentre todas as 16 seqüências
possíveis (maior variabilidade); emissões preferenciais por algumas seqüências, ou
não apresentações de outras, reduzem o valor de U, de forma que a emissão de uma
única seqüência produz o U=0,0, valor esse que traduz o máximo de repetição.

Variabilidade comportamental operante, em animais e humanos, como


função de diferentes contingências de reforçamento
Os estudos aqui analisados comparam os índices de variabilidade produzidos
por duas contingências de reforçamento (LAG e RDF), e pela contingência de acoplamento
(ACO). A contingência LAG estipula que a apresentação do reforço se dará após a emissão

184 M aria Helena Leite Hunziker e Marcos Takashi Yamada


da seqüência desde que eia não repita nenhuma das “n" últimas seqüências apresentadas
Por exemplo, no LAG 2, a apresentação do reforço se dá após a emissão da seqüência
desde que ela não se assemelhe a nenhuma das duas últimas seqüências apresentadas;
no LAG 4, ela deve diferir das quatro últimas apresentadas, etc. Hipoteticamente, no caso
do sujeito ter emitido as seqüências EDEE, EEEE, EEOD, DEED, e a seqüência seguinte
fosse EDEE, o reforço seria apresentado se a contingência em vigor fosse LAG 2 , mas
não se ela fosse LAG 4, Portanto, o aumento do valor do “n" toma a contingência LAG mais
exigente quanto á amplitude do universo de seqüências diferentes que devem ser emitidas
para se obter reforçamento, o que equivale a dizer que exige maior variação. Nos estudos
relatados abaixo, foi manipulado o valor de “n" entre 2, 4, 5, 6 e 8.
A contingência RDF (reforçamento dependente da freqüência) utiliza outros
critérios para reforçamento. Nela o reforço é inversamente proporcional à freqüência
relativa de emissão da seqüência. Em todos os estudos que realizamos o reforço só
era apresentado se a freqüência de emissão da seqüência não ultrapassasse o limiar
preestabelecido de 1/16 (ou seja, freqüência relativa não superiora 0,0625). Um segundo
critério tornava o reforço inversamente proporcionai à recência de emissão: ao ser
apresentada, cada seqüência produzia a multiplicação do fator 0,99 sobre a sua
freqüência de emissão. Dessa forma, a cada seqüência emitida as demais tinham
reduzido o registro de suas freqüências e, consequentemente, aumentadas as suas
probabilidades de reforçamento. Portanto, freqüência e a recência eram, em conjunto,
inversamente proporcionais à probabilidade de reforçamento.
Por fim, para cada uma dessas contingências utilizadas, foi realizado o controle
ACO, feito sessão a sessão, em pares de sujeitos, de forma que para cada sujeito exposto
a LAG ou RDF havia um submetido a ACO. Nessa condição, a apresentação do reforço, ao
final de cada seqüência, era dependente da distribuição dos reforços recebidos pelo par do
sujeito na sessão correspondente. Se, por exemplo, nas dez primeiras seqüências da
Sessão 2 um sujeito do grupo LAG houvesse obtido a liberação do reforço após as
seqüências 1, 5 e 7, o seu par ACO teria, na Sessão 2, reforço após as suas seqüências 1,
5 e 7, independentemente da distribuição D e E dessas e das seqüências anteriores.
A Figura 1 apresenta índices U de ratos (gráficos superiores) e universitários
(gráficos inferiores), submetidos a sucessivas sessões de reforçamento frente às
contingências LAG, RDF e seus respectivos controles ACO. Os dois pontos plotados para
cada sujeito equivalem à primeira e à ultima sessão, de um tratamento que envolveu dez
sessões (com animais) ou duas sessões (com humanos). Na Figura 2, os resultados da
última sessão são transformados em média, tendo-se as colunas representando o índice
de variabilidade sob LAG e RDF, e os pontos dentro das colunas indicando o U obtido
pelos sujeitos do grupo ACO relacionados a cada contingência de reforçamento.
humanos
Esse conjunto de dados mostra que são muitas as similaridades obtidas entre
animais e humanos:
(1) Os maiores índices de variabilidade foram obtidos sob a contingência RDF ;
(2) O índice U foi diretamente dependente do "n" do LAG, sendo tanto maior a variabilidade
quanto maior esse “n";
(3) O aumento do “n" reduziu as diferenças entre as contingências, sendo que o LAG
8 foi o que mais se aproximou dos resultados sob RDF.
(4) Os sujeitos expostos ao procedimento ACO apresentaram níveis de variabilidade
inferiores aos seus pares reforçados por variar.

Sobre Comportamento e Cognição 1 8 5


Figura 1. Níveis de variabilidade (U) das seqüências emitidas por sujeitos
submetidos ao reforçamento positivo sob as contingências LAG ou RDF, e
seus respectivos controles ACO. No conjunto superior estão dos resultados
dos animais sob LAG 2, 5 ou 8, e RDF, e abaixo deles os resultados dos seus
pares acoplados (exceção dos animais LAG 5 que não tivetam outros
acoplados a eles), O terceiro bloco mostra os resultados dos sujeitos
humanos submetidos a LAG 2 ,4 ,6 ou 8, e RDF, com os resultados dos seus
pares acoplados apresentados na parte inferior (Hunziker, Yamada &
Manfiré, dados não publicados).

Portanto, humanos e animais mostraram que o grau de variabilidade do seu


comportamento foi função do grau de exigência da contingência de reforçamento. Nessa
comparação é importante destacar que, embora ambas gerem variabilidade, as
contingências LAG e RDF requerem diferentes padrões de comportamento para produzir
reforçamento. Por exemplo, sob LAG 4, basta ao sujeito emitir cinco seqüências que se
alternem sucessivamente para que obtenha 100% dos reforços programados; sob
RDF, a probabilidade de reforçamento é tanto maior quanto mais o sujeito emitir todas
as 16 seqüências possíveis, com um mínimo de repetições sucessivas, o que significa
que se ete emitir apenas cinco seqüências será muito pouco reforçado. Por outro lado,
sob LAG 4, nunca uma repetição (das quatro últimas seqüências) será reforçada,

186 M aria H elen a Leite H unziker e M arcos Takashí Y am ada


enquanto que sob RDF uma mesma seqüência pode se repetir aigumas vezes, sendo
reforçada em meio ã sessão desde que a sua freqüência relativa até aquele momento
tenha sido baixa. Em resumo, isso significa que a contingência RDF exige, de fato, que
o sujeito varie muito para manter uma porcentagem razoável de reforçamento (em torno
de 50%), enquanto que a contingência LAG, a depender do “n", é mais permissiva
quanto a baixos índices de variação. Contudo, os resultados mostram que sob LAG os
sujeitos (animais e humanos) variam mais do que o diretamente exigido, nunca se
restringido ao mínimo de seqüências suficientes para atender ao critério estabelecido.
Mesmo assim, eles foram igualmente sensíveis ao aumenlo do “n”, indicando ser essa
uma variável critica nessa contingência. Por fim, é importante destacar que tanto animais
como humanos foram sensíveis à existência da contingência operante, sendo menor o
grau de variação quando expostos apenas à intermitência do reforçamento (ACO).

animais

humanos

Ftgura 2- Média dos níveis de variabilidade (U) das sequências emitidas por
grupos de sujeitos (arrimais e humanos) submetidos a reforçamento positivo
sob contingências LAG ou RDF, e seus respectivos controles ACO notar que
o grupo LAG 5 que não teve acoplamento), Da esquerda para a direita, as
colunas mostram os resultados sob LAG (nos valores 2, 5 e 8 para animais,
e 2, 4 e 8 para humanos, sendo a úttima relativa aos resultados em RDF. Os
ressultadosem ACO são apresentados pelos pontos negros dentro das colunas
(Hunziker, Yamada & Manfré, dados nào publicados)

Sobre Comportamento c Cognição


Em paralelo â semelhanças apontadas, diferenças também são notáveis nos
dados relatados. A mais destacada delas é que os animais mostraram índices muito mais
baixos de variação sob ACO do que os sujeitos humanos. Apesar de terem sido sensíveis
à exigência de variação, os sujeitos humanos apresentaram graus relativamente elevados
de variabilidade sob ACO, sugerindo um controle paralelo dessa variabilidade, além do
operante. Algumas variáveis que supomos serem determinantes dessas diferenças:
(1) Custo da resposta - A resposta de alternar de uma barra à outra aparentemente
envolve maior esforço físico para o rato do que a resposta de pressionar uma ou outra
tecla no computador (utilizando ambas as mãos), para humanos. Portanto, não sendo
exigida a variação na condição ACO, os animais têm maior probabilidade de permanecer
respondendo em uma mesma barra, o que, indiretamente, gera menor variabilidade.
(2) Magnitude do reforço - A água é possivelmente um estímulo mais reforçador para
ratos privados do que o são os pontos ganhos pelos alunos universitários, principalmente
se considerarmos que esses pontos ganhos tinham um mero valor simbólico.
(3) H istória de reforçam ento - Universitários têm história de teclar em
computadores, ao contrário dos ratos que não têm experiência prévia de pressionar
barras. Além disso, o uso do computador geralmente está associado a reforçadores
intrínsecos (por exemplo, executar jogos) ou sociais. Essa interpretação soma-se às
duas anteriores uma vez que está sendo suposto que há outros reforçadores associados
ã teclar, além dos pontos (sem o equivalente para ratos), e que, devido ao treino prévio,
a resposta testada é mais fácil para humanos do que para os ratos.
Essas interpretações, que precisam ser testadas experimentalmente, são uma
tentativa de compreender as diferenças obtidas entre animais e humanos quanto ao
grau de variação sob ACO. Até o momento, apenas a interferência da história de
reforçamento já foi investigada no nosso laboratório, conforme apresentado a seguir

E feito da h istó ria de reforçam ento so b re a variabilidade operante


Embora ainda não tenhamos verificado situações que tomem mais análogas as
histórias de variabilidade dessas diferentes espécies, comparamos o efeito da ordem de
exposição às contingências VAR (equivalente ao LAG 4) e ACO, em animais e humanos.
Com ratos, foi feito um delineamento ABACAB, onde A representa uma linha-de-base
sob uma contingência denominada CRF, na qual toda e qualquer seqüência emitida era
reforçada. Portanto, em CRF não era exigido variabilidade nem estabelecida a intermitência
do reforçamento, o que permitia o controle experimental dessas duas variáveis
supostamente determinantes da variação do comportamento. Essa contingência também
intercalou as condições B ou C, cada uma relativa a uma das contingências (VAR ou ACO)
cuja ordem de apresentação foi manipulada. Cada contingência era mantida por 10
sessões, uma por dia. Quanto aos sujeitos humanos, foram submetidos diretamente à
ordem VAR/ACO ou ACOA/AR, com 10 sessões que ocorreram sucessivamente, sem
intervalo entre si, havendo apenas um intervalo de 5 min para a mudança da contingência.
Os resultados apresentados nas Figuras 3 e 4 mostram que ambas as espécies
sofreram um mesmo efeito; sem uma historia de reforçamento por variar, o padrão
apresentado em ACO foi de menor variabilidade (conforme visto anteriormente, com as
diferenças já apontadas entre animais e humanos); contudo, se o sujeito foi inicialmente
reforçado a variar, ele manteve um relativo grau de variabilidade quando passou a ser
reforçado em ACO, mesmo que variar não fosse mais exigência para reforçamento
(notar que sob ACO a variabilidade, embora não seja exigida, ela é permitida, ou seja,
não sofre qualquer punição). Esses dados sugerem que, tanto em animais como em

188 Maria Helena Leite H un 2 iker e Marcos Takashi Yamada


humanos, as contingências históricas só afetaram o comportamento quando seu controle
não produziu perda de reforços; quando o comportamento controlado pela história foi
‘'prejudicial" ao sujeito, ele fiou sob o controle estrito da contingência presente.

, . ANIMAIS

Figura 3. Níveis de variabilidade (U) das seqüências emitidas por dais sujeitos (ratos) expostos ao
reforçamento em CRF (qualquer seqüência era sempre reforçada), VAR (Lag 4) ou ACO: na primeira
linha, o animal foi exposto a VAR antes de o ser a ACO; na linha abaixo, o segundo sujeito passou
por ordem inversa (adaptado de Hunziker, Caramori, Silva & Barba, 1998).

Figura 4 - índices U obtidos com sujeitos humanos: à esquerda os valores de U obtidos por universitários
expostos à ordem VAR/ACO , e è direita os submetidos à ordem inversa (adaptado de Hunziker, Lee,
Ferreira, Silva & Caramori, 2002)

Em outro trabalho, realizado apenas com animais, sujeitos expostos tanto a


LAG 5 como a RDF confirmaram que a variabilidade é controlada pelo esquema em
vigor, e não pela história de reforçamento, quando em todas as condições o variar é
condição para liberação do reforço. A Figura 5 mostra um delineamento ABA, onde
sujeitos foram submetidos ao reforçamento em LAG/RDF/LAG (dados superiores) ou
RDF/LAG/RDF (dados inferiorés). Todos os 14 sujeitos utilizados mostraram maior
grau de variação sob RDF, independentemente da ordem de exposição às contingências.

Sobre Comportamento e Cognição 1 8 9


Figura 5. Níveis de variabilidade (U) das seqüências emitidas por ratos submetidos a reforçamento positivo
da variabilidade através das contingêndas LAG 5 e RDF. Na parte superior encontram-se os dados dos
sujeitos expostos à ordem LAG/RDF/LAG, e abaixo os resultados dos animais expostos a RDF/LAG/RDF.
Cada ponto representa o índice ü obtido na sessão (Yamada & Hunziker, dados não publicados).

No seu conjunto, os resultados aqui apresentados sugerem processos equivalentes


em a n im a is e h u m a n o s no que diz re s p e ito ao c o n tro le o p e ra n te da v a ria b ilid a d e
comportamental. Eles indicam que o grau de variabilidade é uma dim ensão do comportamento
extrem am ente sensível a pequenas mudanças nos parâmetros da contingência que a reforça
seletivamente, sendo tanto m aior quanto m ais ela for exigida diretamente. Também apontam
para o fato de que as contingências históricas só afetam a variabilidade com portam ental
qua ndo seu controle sobre o com portam ento nã o produz perda de reforços; quando o
com portam ento controlado pela história é “prejudicial" ao sujeito {ou seja, acarreta perda de
reforços), ele fica sob o controle estrito da contingência em vigor.
Esses d a d o s so m a m -se ao con ju n to existe n te na literatura que aponta para a
a m p lia ç ã o da fu n ç ã o s e le tiv a do re fo rç o , q u e a tin g e a p ró p ria v a ria ç ã o . E les têm
im p lica çõ e s diretas para o estu d o dos p ro ce sso s com porta m entais que e n volvem ciclos
cum ula tivo s de va ria çã o e seleção, a m p lian d o o substrato sobre o qual novas seleções
p o d e m o c o rre r, fa v o r e c e n d o n o v a s a n á lis e s d a a p re n d iz a g e m , e m g e ra l, e do
com porta m e n to criativo, em particular.

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