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Quem se debruça sobre a obra queirosiana, inevitavelmente

passa pelo ensaio de Antonio Candido “Entre Campo e Cidade”. O crítico


brasileiro, vendo a obra de Eça como um todo, estabelece uma relação
dialética no projeto literário do português: ora a perspectiva adotada é a
da vida urbana, ora a rural. Desta forma, aquela corresponde à primeira
fase do romancista, “O Primo Basílio” e “O Crime do Padre Amaro”, em
que há uma crítica mais “escancarada” ao atraso de Portugal e sua
burguesia, além do elogio à modernidade e ao progresso histórico,
enquanto esta ocorre a partir de “Os Maias”, em que se observa um
resgate dos valores da vida rural, assim como um maior entendimento e
reflexão sobre a situação da sociedade portuguesa. Percebemos que
Candido propõe um movimento pendular na obra de Eça, em que há um
deslocamento da cidade para o campo, e que esse movimento feito pelo
artista acompanharia a própria sociedade portuguesa do séc. XIX,
também numa dialética rural-urbana. O ensaísta, assim, não vê Eça como
um “vencido” pela burguesia e que virou “à casaca”, mas, um escritor que
viu mais significação no campo português do que na cidade e desenvolveu
mais a liricidade do que “panfletaria”, alcançando sua maior
potencialidade com “A Ilustre Casa de Ramires”.
Esse rápido resumo do ensaio já é capaz de mostrar a
perspicácia de Candido, assim como a sensibilidade de Eça, entretanto,
nas ciências humanas nada é fechado, assim, detalhar e questionar alguns
pontos da análise pode ser proveitoso. Antonio Candido, para chegar a
essa conclusão, utilizou o método dialético, assim como fez em outras
análises, “Dialética da Malandragem”, “De Cortiço a Cortiço”, em que se
chega a uma síntese. À primeira vista, o método parece funcionar
perfeitamente para a obra queiroziana, porém, talvez, não seja possível
estabelecer essa síntese. Boa Ventura de Sousa Santos afirma que
Portugal é um Caliban quando visto da perspectiva dos Super-Prósperos
europeus, ao descrever o sistema colonial português. Ampliando essa
analogia, tomando “Caliban” como “campo” ou atraso e “Próspero” como
cidade ou “modernidade”, para nosso estudo, Portugal seria um país
atrasado, ou seja, periférico em relação a outros países Europeus que já
haviam superado sua dialética de campo e cidade. Sendo assim, a nação
portuguesa estava à mercê dos países centrais, pois comprava produtos
industrializados dos países europeus e vendia matéria prima, um duplo
reforço para o atraso, logo, se industrializando muito tardiamente. Se o
caminho que traçamos até aqui está correto, Portugal do séc XIX não
havia como superar essa dialética do campo e cidade, sua
pseudomodernidade seria apenas uma cópia das grandes cidades
europeias num sistema rural, ou seja, uma dialética negativa, que não há
síntese. Desta forma, Eça intuiu que não havia possibilidade de solução no
interior do país, apenas no espaço globalizado das transações econômicas
chefiado pelos países centrais, passando, assim, a criticar a relações de
poder entre países centrais e periféricos, assim como da burguesia
internacional e local. Gonçalo, n’A Ilustre Casa de Ramires, pode ser
considerado a personificação dessa crítica. O personagem do romance, um
capitalista rural, tem o objetivo de conseguir um cargo político a fim de
restabelecer o renome de sua família, contudo, ao conseguir, passa a ter
outro objetivo, ir à África. Esta última meta lhe surge na mente após seus
ancestrais, num sonho, lhe darem as “armas” com que ganharam suas
batalhas e Gonçalo usá-las, com a figura do chicote, para subjugar seus
inimigos. No fim, ficamos sabendo que Gonçalo, após 4 anos em terras
africanas, se tornou infinitamente mais rico, porém, não é dito de que
forma, contudo, podemos imaginar: por meio da violência colonial (afinal
o chicote é sua “arma de guerra”). Com isso, Eça nos mostra que o poder
não está nas mãos dos burgueses locais, ou Gonçalo teria ficado em sua
aldeia, mas na burguesia internacional, que usa da violência, seja
financeira, física (como é o caso de Gonçalo) ou simbólica, como forma de
subjugação dos países periféricos e manutenção de seu poder. Além disso,
vemos que o “sucesso” é individual, não há mudança na nação
portuguesa, não há uma superação de sua dialética.

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