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O décimo nono passo

Contam que em um ano de grande fartura de uma das aldeias mais afastadas de uma
extensa pradaria, uma jovem, entre um grupo de amigos, adentrou uma das famosas
casas por suas árvores frutíferas.

- Calma - eu disse indignado - essa é a aldeia de sua história e você quem deve ser
a jovem, para que contar assim?

Capturados, cada um sofreu por quantas frutas havia comido. A jovem, sendo a que
mais se saciou, foi encarcerada imediatamente. A deusa da terra molhada, que nada
compreendia da natureza humana, ignorou as confissões que a jovem fazia em sua
cela. Roubara, não pelo prazer dos frutos, mas pelo prazer do roubo conjunto. E
como a deusa também não entendia das tolas leis dos homens, não entendeu um
julgamento de roubo baseado nos frutos que ela gerara (ou assim os considerava).
Assim, os habitantes da aldeia, um a um, foram transformados em grandes árvores
produtoras de deliciosos frutos, destinadas a saciarem a jovem.

A jovem, por sua vez, foi liberta de sua jaula quando um dos troncos, das novas
árvores, retorceu as barras que a aprisionava. Assim que observou o pátio e o
conjunto de habitações se admirou com a tamanha beleza da nova floresta daquela
pradaria.

— É sério?! - Eu arregalava os olhos com tanto desdouro- Todos seus parentes morrem
e você vê beleza em algumas árvores?
No começo - continuou, novamente me ignorando - os frutos eram deliciosos e a
aliviavam de qualquer dor, contudo, passaram-se os anos, a jovem não sabia se por
monotonia ou reconhecimento da deusa os frutos foram amargurados e ela também
inserida na maldição da aldeia.
A história parecia terminada, minhas pernas começaram pouco a pouco a se
enrijecerem, minha pele estava engrossando, minhas veias ficando espessas. Com
esforço eu me locomovia dentre as árvores, extraia seus frutos e os mastigava.
Quando degustei de sua polpa me dei conta do delicioso sabor da história. Continuei
a comê-los e a separar suas sementes no canto de minha boca, quando eu já andava e
permanecia imóvel, agachei-me em resistência final, cobri uma das sementes que
guardara a pouco com a terra entre minhas raízes, fiz o mesmo para três outras
sementes.
Das sementes cresceram pelos e assim se seguiram ossos, carne e pele. Meus pés
estavam mais soltos e éramos cinco pessoas na aldeia. Dali um pouco, quando as
sementes não mais cresciam, eu estava rodeado por aldeões mais ou menos lúcidos.
Caminhei até a mulher de trinta anos confiante no discurso que já havia pensado.
— Eu recomendo que venha comigo - eu baforava com um sorriso incrédulo - afinal,
esse pessoal tem uma moral tão duvidosa quanto a sua - eu olhava a minha volta -
quem prende uma criança? Eu te apresento como uma monja - retornei a mulher - você
me segue enquanto quiser, encontramos um lugar que goste, você fica, sem remorsos -
concluí.
A mulher parecia legitimamente surpresa, olhou-me nos olhos e disse:
— O senhor não come as sementes?
Antes de sair da aldeia observei por uma das janelas uma árvore crescida de uma das
camas. A mulher sorria ao meu lado.

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