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CONTROLE DE TERRAS NO PARAGUAI: UM ESTUDO ATRAVÉS DA

APROPRIAÇÃO DO TERRITÓRIO POR EMPRESAS ARGENTINAS,


BRASILEIRAS E URUGUAIAS
LORENA IZÁ PEREIRA1

Resumo: Desde 2007/2008, como resposta a convergência de crises, intensifica-se a corrida


mundial por terras. Concomitante emerge uma corrida acadêmica em torno do processo, inclusive
sobre como denominar o mesmo – land grabbing, land control e estrangeirização. Neste trabalho
defendemos a utilização do termo land control, traduzido como controle de terras, como o mais eficaz
para designar a corrida mundial por terras, uma vez que remete ao poder de controlar o território –
multidimensional e multiescalar – e obter benefícios a partir deste controle. A questão agrária
paraguaia está inserida nesse processo. O controle de terras neste país é um processo histórico
composto por três fases. A fase atual é composta por novos elementos – como o capital financeiro –
e redefini o papel dos agentes regionais, como o caso das empresas argentinas, brasileiras e
uruguaias, na qual esse artigo propõe analisar.

Palavras-chave: Controle de terras; Território; Paraguai.

Abstract: Since 2007/2008, as response to the convergence of crisis, increase the land rush. In the
same time, increase an academic rush around the land grabbing, including how to name it - land
grabbing, land control and foreign ownership. In this paper, we defend the use of the term land control,
translated as land control, as the most effective to designate the global land rush, since it refers to the
power to control the territory - multidimensional and multiescalar – and get benefits from this control.
The Paraguayan agrarian question is part of this process. The control of land in this country is a
historical process composed of three phases. The current phase is composed of new elements - such
as financial capital - and redefined the role of regional agents, such as the case of Argentine, Brazilian
and Uruguayan companies, in which this article proposes to analyze.

Keywords: Land Control; Territory; Paraguay.

1 – Introdução
Este trabalho está inserido na pesquisa de mestrado em desenvolvimento no
Programa de Pós-Graduação em Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia
(FCT/UNESP) intitulada “A presença brasileira e argentina na aquisição de terras no
Paraguai: impactos e resistências”, no qual tem como objetivo geral analisar o
processo de controle de terras pelo capital estrangeiro, no caso regional, e como o
campesinato é impacto e se organiza para resistir a este processo. Ressaltamos que
as questões debatidas aqui são resultados das reflexões da pesquisa em

1 - Acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual Paulista (UNESP),


Faculdade de Ciências e Tecnologia. Pesquisadora visitante no International Institute of Social Studies (ISS),
Erasmus University Rotterdam. Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
(FAPESP). E-mail de contato: lorena.izap@gmail.com

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andamento, como por exemplo o caso do capital uruguaio que não estava na
proposta de pesquisa inicial, mas que no desenvolvimento da mesma tornou-se
essencial para a compreensão do controle de terras pelo capital regional no
Paraguai.
Desde 2007/2008 observa-se em escala global a emergência de uma corrida
mundial por terras, como resposta a uma convergência de crises – alimentar,
ambiental, energética e financeira (BORRAS JR. e FRANCO, 2010 e 2012;
SCOONES, HALL, BORRAS JR, WHITE e WOLFORD, 2011). Nesse contexto, uma
gama de pesquisadores e instituições se inclinaram para o estudo do processo, o
que possibilita uma diversidade de definições, inclusive no que tange a própria
nomenclatura do mesmo, onde há um debate entre as terminologias land grabbing,
land rush e land control no inglês e estrangeirização da terra, no português. Estes
termos não se distinguem apenas pelo idioma ou grafia, mas pelo significado, uma
vez que o land grabbing, o termo frequentemente utilizado, quando traduzido para o
português, significa grilagem de terras, o que remete a outro processo sobretudo no
Brasil.
Diante deste debate propomos a utilização do termo land control – traduzido
para o português como controle de terras – para se referir a atual corrida mundial
por terras. Compreendemos o controle de terras como ao poder de controlar o
território e os recursos a este associados, com o objetivo de obter benefícios a partir
desde controle para a acumulação de capital. O controle de terras envolve uma nova
territorialidade – do capital – a partir de um processo de desterritorialização,
territorialização e desterritorialização (D-T-R). O controle de terras pode ocorrer
através diferentes mecanismos, como compra via mercado, arrendamento, contratos
de parcerias e demais estratégias de territorialização do capital.
Apesar da intensidade e velocidade atual do controle de terras, este processo
é histórico e cíclico (SASSEN, 2013; EDELMAN e LEÓN, 2014). Um bom exemplo é
o caso do Paraguai, no qual é possível identificar três ciclos distintos do processo de
controle de terras. O primeiro inaugurado em após a Guerra da Tríplice Aliança
(1864-1870), através da aprovação das Leys de Venta de Tierras Públicas, em 1883
e 1885, com o objetivo de gerar divisas para pagar as dívidas geradas pela guerra

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(PASTORE,1972). O segundo ciclo inicia-se em meados da década de1950 com a
migração de brasileiros para a país em decorrência da revolução verde no país e,
por fim, o terceiro que ocorre desde o século XXI, em um contexto de convergência
de crises.
Neste sentido, este trabalho tem um duplo objetivo. Primeiramente propomos
debater as nomenclaturas, definições e agentes do processo de controle de terras
atual baseado na literatura, sobretudo internacional, de land grabbing, land rush e
land control. O nosso segundo objetivo é analisar o processo de apropriação de
terras paraguaias por empresas de origem argentina, brasileira e uruguaia, uma vez
que são os principais agentes do processo no país, mostrando as estratégias de
territorialização destas empresas e evidenciando a dinâmica territorial e regional da
nova fase do controle de terras na América do Sul, que segundo Borras Jr., Kay,
Gómez e Wilkinson (2012), é um dos principais elementos para compreender o
controle de terras na América Latina.
Para atingir os objetivos propostos utilizamos como procedimentos
metodológicos uma densa revisão bibliográfica a respeito do processo aqui debatido,
incluindo, sobretudo, referenciais teóricos internacionais. Além disso, utilizamos
reflexões oriundas do estágio de pesquisa no Agrarian, Food and Environmental
Studies (AFES), do Internacional Institute of Social Studies (ISS), da Erasmus
University Rotterdam, sob a orientação do Professor Saturnino Borras Jr. e dos
trabalhos de campo realizados no Paraguai nos anos de 2015 e 2016.

2 – Desenvolvimento

Breve debate teórico sobre a corrida mundial por terras: a proposta do


controle de terras
Desde 2007/2008 vivenciamos um período de intensificação da apropriação
de terras em escala global. Segundo a GRAIN (2012), entre 2006 e 2012 foram
registrados 416 casos de land grabbing2, em 66 países, totalizando

2 A GRAIN compreende por land grabbing a aquisição em larga escala de terra pelo capital
estrangeiro.

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aproximadamente 35 milhões de hectares. Apesar da polêmica entorno da
veracidade destes dados, devido a metodologias de levantamento não confiáveis
(EDELMAN, 2013; OYA, 2013), o processo tornou-se alvo da mídia, de pesquisas
acadêmicas, institucionais e governamentais. Basta observar o número de eventos,
reportagens e artigos sobre o tema, como ressalta Holt-Gimenéz (2012), “land
Grabbing é manchete”. Este processo possibilita a ascensão de diferentes
interpretações sobre a atual corrida mundial por terras, cada qual com diferentes
elementos, periodizações, agentes, contextos e nomenclaturas.
A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO)
(2012) define Land Grabbing a partir de três elementos fundamentais: transações de
terra em grandes escalas; participação de governos; terras adquiridas devem ser
destinadas a produção de alimentos básicos, neste caso, produção de commodities
como cana-de-açúcar para agrocombustíveis não se enquadraria na sua definição
de land grabbing. Ou seja, a proposta da FAO é uma tentativa que quantificar e
determinar elementos para definir o processo.
Autores como Wily (2012) argumentam que o processo de land rush não é
novo e que tanto no passado quando no atual momento tem invocado manipulações
legais que negam direitos a comunidades locais e indígenas, legalizando o roubo
das terras dos pobres (WILY, 2012, p. 751). O land rush refere-se a aceleração
desde de 2008 (principalmente) na transferência formal de terras nos estados
agrários da agricultura camponesa para produtores em larga escala ou
especuladores, que podem ser locais e internacionais e não incluem apenas o setor
privado, mas Estados estrangeiros ou paraestatais.
Ao abordar o caso do Brasil, Fernandes (2009) compreende a
estrangeirização da terra como sinônimo de land grabbing, uma vez que o principal
agente do processo de land grabbing no Brasil e demais países do Sul global é o
capital internacional. Fernandes (2009) traz para o debate o aumento da produção
de agrocombustíveis e os problemas gerados à produção de alimentos,
proporcionando a procura de novos territórios para a expansão da agricultura e
destaca o papel da Geopolítica da questão agrária.

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Ao estudar o Uruguai, Piñero (2012), defende que no país a definição de
land grabbing proposta pela FAO (2012) não é condizente com a realidade,
evidenciando a importância dos agentes regionais (Brasil e Argentina) no processo
de land grabbing, estrangeirização e controle de terras. No caso da Argentina,
Murmis e Murmis (2012) definem o land grabbing como um processo antigo que
ocorre no espaço rural, mas não apenas para o investimento na agricultura, mas
também em outros setores e com outros objetivos, como especulação imobiliária. No
contexto da Argentina, segundo os autores, há falta de alimentos e os agricultores
familiares são desterritorializados em prol do Land Grabbing.
No caso do Paraguai, Galeano (2012) utiliza o termo estrangeirização para
relatar o processo histórico de apropriação do território pelo capital regional, gerando
concentração fundiária e desterritorialização de comunidades camponesas e
indígenas. Galeano (2012) contesta a definição da FAO (2012) afirmando que o
papel do Estado é mais amplo do que a compra direta de terras, no caso do
Paraguai o Estado brasileiro não compra terras, mas influencia diretamente na
aquisição de terras por empresas brasileiras.
Como observamos a partir desta breve exposição, há uma diversidade de
elementos para o debate da atual corrida mundial por terras, inclusive a própria
nomenclatura. O termo mais utilizado é land grabbing, que significa a apropriação do
território pelo capital (nacional ou internacional) com o objetivo de acumular capital e
impactando diretamente comunidades camponesas e indígenas. O termo land
grabbing quando traduzido para o português significa grilagem de terras, contudo, no
Brasil, o termo grilagem de terras remete a um processo histórico de “apropriação
ilegal de terras públicas por parte de especuladores” (ALENTEJANO, 2012, p. 355),
ou seja, não apresenta o mesmo sentido do land grabbing. Neste sentido,
Inicialmente alguns pesquisadores brasileiros utilizavam o termo estrangeirização
para se referir ao processo de land grabbing, como nós mesmos fizemos em
trabalhos anteriores (PEREIRA,2016). Essa postura foi tomada porque nos países
do Sul global, a maioria dos agentes deste processo são corporações transnacionais
de países como EUA, Japão e nações da União Europeia. Porém, após diversos
debates compreendemos o land grabbing como um processo de controle de terras,

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logo, utilizaremos este termo, ou seja, como o poder de controlar a terra e os
recursos a esta associados com a intenção de obter benefícios a partir desse
controle, o que significa uma apropriação multidimensional e multiescalar do
território envolvendo um novo uso do mesmo, isto é, uma nova territorialidade do
capital através de um processo de territorialização, desterritorialização e
reterritorialização (T-D-R). Qualquer agente pode exercer o controle de terra, seja
este nacional ou estrangeiro, desde modo, a estrangeirização corresponde ao
controle de terras pelo capital estrangeiro. Assim, a estrangeirização está inserida
em um processo mais amplo de controle de terras.

O capital regional e o controle de terras no Paraguai


O processo de controle de terras no Paraguai é um processo histórico no
qual o principal agente, desde os primórdios, é o capital regional. Ao realizar revisão
bibliográfica sobre este processo no Paraguai, é possível identificar três fases
distintas. O primeiro período se inicia em 1883 e 1885, quando foram aprovadas leis
de venda de terras públicas, o que permitia a venda de terras a baixo preço com o
objetivo de gerar divisas para arcar com as dívidas da Guerra da Tríplice Aliança
(1864-1870) (PASTORE, 1972). Neste período estrangeiros adquiriram terras no
país, sobretudo empresas oriundas ou registradas na Argentina (CABELLERO,
2012). O principal alvo foi o Chaco Paraguaio, devido a intenção do geopolítica do
governo do Paraguai de povoar as fronteiras próximas à Bolívia, uma vez estas não
estavam definidas (VÁZQUEZ, 2013), o que posteriormente culminou na Guerra do
Chaco (1932-1935).
A segunda etapa tem início a partir da década de 1950 quando Alfredo
Stroessner assume a presidência do país (1954-1989) e “reparte la tierra y asigna
los fondos entre empresarios ‘amigos’ de la casa militar quienes empiezan a vender
tierras a empresarios brasileños” (PALAU ET AL, 2007, p, 184). A partir da década
de 1950, a modernização da agricultura na região Sul do Brasil propiciou a migração
de camponeses e latifundiários desta região para o Paraguai, uma vez que as terras
eram baratas e havia incentivos do Estado, tanto brasileiro quanto paraguaio, o que
evidencia que a questão agrária ultrapassa as fronteiras políticas. Com a migração

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de brasileiros, na década de 1970 foi introduzido o cultivo de soja no Paraguai, no
qual Ezquerro-Cañete (2016) argumenta que foi impulsionado por uma estratégia de
desenvolvimento nacional de colonização motivada, em grande parte, pela política
de Stroessner de aproximação com o Brasil. No final da década de 1990 iniciou-se o
cultivo ilegal de soja transgênica no país, desterritorializando demais cultivos
alimentares e camponeses. Enquanto no primeiro período o capital argentino era
hegemônico no controle de terras, na segunda fase o capital brasileiro passa a
exercer este papel.
Por fim, o terceiro período inicia-se no século XXI seguindo a tendência
global da ascensão do controle de terras. O capital brasileiro e argentino continuam
exercendo o controle do território, mas há novas lógicas envolvidas, novos
elementos e novos agentes, como o caso do capital financeiro. Com a crise de
sobreacumulação desde 1970 (HARVEY, 2003), o capital necessita de novos
mercados que possibilitem maior acumulação e a agricultura e o mercado de terras
é uma possibilidade. Fairbairn (2014) destaca que é interessante este aumento de
investimentos do capital financeiro porque a distinção estabelecida entre as fontes
de lucro 'produtivas' e financeiras nem sempre é tão fácil de discernir, a atual onda
de investimentos em terras agrícolas combina em renovado interesse em ativos
produtivos e reais com uma adesão subjacente à lógica da financeirização.
No caso do Paraguai a atuação dos investidores institucionais após
2007/2008 é cada vez mais expressiva. Durante a pesquisa de campo no Paraguai
identificamos a atuação direta de sete agentes institucionais, todos com atividades
iniciadas após 2007: Deutsche Investitions Fund (DEG) (Alemanha); Calyx Agro
(pertencente ao grupo francês Louis Dreyfus Company, mas registrado na
Argentina); Lumix AgroDirect Fund (sem origem do capital majoritário informada);
APG Investment (Países Baixos); Global Farming Limited (GFL) (registrado em
Guernsey); The Southern Cone Group (registrado no Uruguai) e Southern
Connections Consulting & Management (EUA).
Outro agente que emerge no controle de terras no século XXI no Paraguai
são as empresas oriundas do Uruguai. No contexto de corrida mundial por terras
atual, intensificou-se no Uruguai a presença do capital internacional, como em todos

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os países da América Latina. De acordo com REDES (2011), entre 2000 e 2008 os
proprietários de nacionalidade uruguaia perderam 1.810.000 hectares, no qual
estima-se que 1.068.000 estima-se que esteja em posse do capital internacional.
Segundo a entrevista realizada com Fabricio Vázquez durante o trabalho de campo
em Asunción em 2015, a maioria das empresas que buscam o Uruguai como
alternativa na aquisição de terras são de origem argentina.
Por sua vez, empresas e pecuaristas uruguaios desterritorializados
encontram como alternativa o Chaco paraguaio. As primeiras empresas iniciaram os
investimentos no início do século XXI, porém as primeiras notícias a respeito
começaram a serem publicadas em 2011. De acordo com reportagem publicada no
portal Farmland Grab (20 abr. 2011), empresas uruguaias passaram a procurar o
Chaco devido a seu potencial para a pecuária. Em 2012, o INDERT confirmou a
existência de uruguaios em terras destinadas a reforma agrária, sobretudo no
departamento de Alto Paraguay. Um exemplo naquele momento era a colônia María
Auxiliadora, destinada a reforma agrária, mas que 35.000 hectares estavam em
posse de brasileiros e uruguaios e apenas 3.000 em posse de 35 famílias
paraguaias (LA DIARIA, 12 jun. 2012).
Em reportagem publicada pelo jornal El País (14 jan. 2013), os uruguaios
haviam comprado até aquele momento mais de 1.000.000 de hectares no Chaco
paraguaio e a terra estava cada vez mais valorizada, cerca de 20% a mais do que
estava no início do século XXI quando começaram os primeiros investimentos. Isso
explica porque as empresas imobiliárias uruguaias, como a Estudio 3.000, também
voltaram a atenção para o Chaco. O Díario Cínco Días (12 jan. 2015) afirmou que
2.000.000 hectares no Paraguai eram explorados por uruguaios, ou seja, o
correspondente a aproximadamente 12% da atividade pecuária do Paraguai estava
em 2015 sob o controle de empresas uruguaias.
Em 2016 o Díario Cínco Días (22 jan. 2016) mais uma vez noticiou o
aumento da apropriação de terras no Chaco paraguaio pelos uruguaios, desta vez
ressaltando a qualidade do solo e os baixos preços, inclusive em relação ao sistema
tributário paraguaio, que historicamente atrai investidores de todos os setores da
América do Sul. Ainda em 2016 o jornal paraguaio En Perspectiva (17 mar. 2016),

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atribuiu o aumento do PIB do país ao investimento de empresas uruguaias na
pecuária e no mercado imobiliário no Chaco, enfatizando que em 2016 havia 53
empresas uruguaias territorializadas no Paraguai em diferentes setores da
economia.
É necessário enfatizar que as empresas e latifundiários uruguaios são
ótimos agentes regionais na apropriação de terras no Paraguai, uma vez que não
são prejudicados pela Ley de Seguridad Fronteiza, de 2005, que proíbe a venda de
terras em uma faixa de cinquenta quilômetros da fronteira a estrangeiros de países
limítrofes. Mesmo com a lei, empresas argentinas e brasileiras conseguem adquirir
terras, mas não a mesma seguridade jurídica que as empresas uruguaias. A
territorialização do capital uruguaio para a pecuária e para a especulação imobiliária
têm causado intensos conflitos com comunidades indígenas e camponesas,
impactos ambientais alarmantes e um aumento no preço da terra, dificultando ainda
mais uma possível reforma agrária.

4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
A estrangeirização da terra está inserida em um processo mais amplo de
controle de terras, ou seja, poder de controlar as terras e demais recursos a esta
associados, como a água, biodiversidade, mineração e demais. A estrangeirização
da terra é um processo antigo, sobretudo na América Latina (BORRAS JR., KAY,
GÓMEZ e WILKINSON, 2012) e que emerge no século XXI inserido em um contexto
de controle de terras com diversos aspectos novos - fundos de investimento como
agentes na apropriação de terras; novas escalas de apropriação de terras e de
capital; financeirização da agricultura; agronegócio globalizado e impactos
territoriais, gerando novas territorialidades e culminando no processo de
territorialização; desterritorialização e reterritorialização - que torna a
estrangeirização da terra como um elemento estrutural para a questão agrária atual
e para o desenvolvimento territorial nos países estudados durante a pesquisa de
mestrado. Emergem novas estratégias técnicas para a territorialização e de
discurso, a fim de justificar o controle de terras.

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No caso da América Latina um dos elementos essenciais para compreender
o processo de controle de terras é o capital regional. O Paraguai é o exemplo mais
nítido do controle de terras pelo capital regional. No primeiro ciclo de controle de
terras no país, no final do século XIX e início do século XX, o principal agente era o
capital argentino, sobretudo no Chaco Paraguaio para a exploração do Quebracho.
Na segunda fase do controle de terras, iniciada na segunda metade do século XX, o
capital brasileiro tornou-se o principal promotor do processo. Na terceira e atual fase
os capitais oriundos da Argentina, Brasil e Uruguai são os principais agentes do
processo. Enfatizamos que empresas e latifundiários buscam na aquisição de terras
no Paraguai uma alternativa, uma vez que as terras uruguaias estão sendo
apropriadas pelo capital argentino. Nesse sentido, o processo de controle de terras
na Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai não deve ser abordado na escala de
análise nacional isolada, mas sim em um contexto Sul-Americano, no qual envolve
questões geopolíticas históricas.

5 - REFERÊNCIAS

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