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A VIVÊNCIA DE UMA IDOSA CUIDADORA DE UM IDOSO

DOENTE CRÔNICO
INAGAKI, Rosana Kasumi 1
YAMAGUCHI, Miriam Harumi 2
KASSADA, Danielle 3
MATSUDA, Laura Misue 4
MARCON, Sonia Silva 5
 
Introdução - A idade considerada idosa a maior parte das tarefas. Já o cuidador se-
pela Organização Mundial da Saúde (OMS) cundário pode até realizar as mesmas tare-
é estabelecida conforme o nível sócio-eco- fas que o primário, mas o que o distingue
nômico de cada nação. Em países em de- do primeiro é o fato de não ter o mesmo
senvolvimento, é considerado idoso aquele nível de responsabilidade e decisão. Ele
que tem 60 ou mais anos de idade. Nos pa- também atua de forma pontual em algumas
íses desenvolvidos, a idade se estende para tarefas de cuidados básicos e, em casos de
65 anos1. No Brasil o crescimento da popu- deslocamentos e transferências, dá ajuda
lação idosa tem aumentado de forma pro- doméstica e se reveza com o cuidador pri-
gressiva. Hoje são 15 milhões de idosos e a mário4. Geralmente são as mulheres que
estimativa para 2020, poderá exceder 30 desempenham o cuidado ao idoso e esse
milhões, chegando a representar quase 13% papel é visto como natural, pois está inscri-
do total da população brasileira2. O dado to socialmente no papel de mãe5. Cuidar
anterior é preocupante visto que o aumento dos familiares idosos, portanto é mais um
da população idosa demanda mudanças nos dos papéis que a mulher assume na esfera
diversos segmentos que estruturam a socie- doméstica. No cuidado ao idoso, observa-
dade como: educação, saúde, política, eco- se uma variável significativa e preocupan-
nomia e outros. No âmbito da saúde, sabe- te: a faixa etária do cuidador freqüentemen-
se que a atual longevidade dos brasileiros, te á a mesma do idoso dependente/doente.
associada à freqüência das doenças crôni- Esse fato foi percebido em estudo sobre as
cas, são as duas principais causas do cresci- tarefas executadas pelos cuidadores, fami-
mento das taxas de idosos portadores de liares de idosos com alta dependência, o
incapacidades3. A perda de independência e qual constatou que a idade média daqueles
até da autonomia de um idoso, pressupõe era de 61 anos6. Diante da expectativa de
que, no contexto familiar, alguém deve as- aumento de sobrevida no país, associado ao
sumir a função de cuidador. Quando este é fato de se ter um grande número de idosos
algum membro da família ou pessoa próxi- que cuidam de idosos, estes, na maioria das
ma (esposa/marido, filha(o) ou outro paren- vezes, portadores de várias doenças e de-
te), denomina-se cuidador primário e este pendentes de atenção ininterrupta, faz-se
tem responsabilidade pelo cuidado e realiza necessário conhecer, ainda que em parte, a
problemática que envolve o cuidador ido- de labirintite que, no momento, não são
so. Acredita-se que as informações forneci- controlados com medicamento. Faz acom-
das por um cuidador podem contribuir para panhamento médico, porém a medicação
o conhecimento acerca do idoso que cuida não tem os efeitos esperados, pois a verti-
de idoso e assim favorecer na formação e gem permanece (sic). Relata não ter onde
na atuação de profissionais que atendem a ou com quem verificar sua pressão arterial
esse tipo de clientela. O objetivo desse es- com freqüência, porque os Agentes Comu-
tudo é apresentar a vivência de uma idosa, nitários de Saúde (ACS) raras vezes apare-
cuidadora do marido idoso. Metodologia cem para visitá-la. Devido à distância, só
– Trata-se de um estudo de caso realizado vai à Unidade Básica de Saúde (UBS) para
junto a uma família do tipo nuclear, com- retirar o kit de medicamentos. Queixa-se de
posta por uma cuidadora idosa (esposa), algia em MSD o que dificulta os movimen-
um idoso dependente, portador de doença tos e impossibilita-a de levantar peso. De-
crônica (marido) e uma filha adulta, resi- sistiu de tratar a micose porque segundo
dentes numa cidade do interior paranaense. ela, não melhora. Possui uma diarista, que a
Os mesmos são assistidos pelo projeto de auxilia nos serviços domésticos a cada 15
extensão “Assistência e apoio à família de dias. Afirma que precisa de uma pessoa
pacientes crônicos no domicílio” e recebe para ajudá-la nos cuidados com o esposo,
visitas domiciliares quinzenais. A coleta de mas não tem condições financeiras para tal.
dados foi realizada através de duas entre- Diz que quando a filha arruma trabalho, ela
vistas, agendadas por telefone especifica- não ajuda nos serviços de casa. Lamenta
mente para este estudo. ALMD tem 81 não poder participar de nenhuma atividade
anos, dona-de-casa, cuidadora há quatro religiosa ou de lazer como: missa, reuniões
anos, branca, casada, aposentada, teve nove no Centro Social, “passear” no centro da
filhos dos quais três são falecidos, nunca cidade, visitar amigos e/ou parentes. O ma-
trabalhou “fora”, nem freqüentou a educa- rido MDD de 89 anos é branco, aposenta-
ção formal, mas sabe ler e escrever. É cató- do, analfabeto é católico não praticante. É
lica, portadora de bursite em ombro direito, portador de hipertensão arterial, já sofreu
diabetes mellitus tipo II, labirintite, hiper- dois acidente vascular cerebral (AVC). É
tensão arterial e micoses em leito ungueal dependente total de sua esposa. Ao exame
de membros superiores e inferiores (MMSS físico apresenta-se calmo, pouco cooperati-
e MMII). Apresenta-se orientada no tempo vo, desorientado no tempo, dificuldade de
e espaço, com boa comunicação verbal, verbalização, turgor cutâneo preservado,
restrição de movimentos em membro supe- pele íntegra, boa higiene física, fica de pé
rior direito (MSD). Deambula sem dificul- com auxílio, mas demonstra fraqueza nos
dade de acordo com a idade. Refere que o MMII, não deambula sozinho, não possui
seu quadro clínico é agravado pelas crises controle sobre as eliminações, não é fu-
mante e nem etilista. Fica no leito a maior Isso não permite nem mesmo a satisfação
parte do tempo. A filha, GFD tem 52 anos, de suas necessidades, como cuidar da sua
solteira, professora aposentada do Ensino própria saúde e realizar alguma atividade
Fundamental. Há períodos em que trabalha de lazer. Dar banho, realizar higiene ínti-
e contribui para a renda familiar, mas no ma, dar comida e remédio na hora certa,
momento está desempregada. Os demais além das tarefas domésticas, foram relata-
cinco filhos do casal residem em outra ci- dos como os procedimentos diários mais
dade. Por ser muito religiosa, ALMD acre- freqüentes. Sabe-se que algumas atividades
dita que cuidar do marido é uma missão de cuidado, quando o doente não colabora,
dada por Deus, e que sendo esposa, tem a algumas são difíceis de serem realizados
obrigação de cuidar dele e não se queixa sozinho como é o caso do banho, da troca
por isso. Embora ALMD refira que a tarefa de roupas e da mobilização fora do leito.
de cuidar do marido desperta sentimentos Todos esses encargos, seguramente, tornam
de utilidade, força e doação com significa- o dia-dia do cuidador mais agitado e exaus-
do para a vida, ao mesmo tempo, ela de- tivo. ALMD referiu muito cansaço que se
monstra impaciência, solidão e tristeza por deve ao fato de ter idade avançada, ter que
ter que renunciar “às coisas” que gostaria cuidar do marido com grau de dependência
de fazer, como ir à igreja ou passear. Em quase total e ainda realizar todas as ativida-
relação às mudanças que ocorreram em seu des relacionadas ao lar. A cuidadora deste
dia-a-dia após tornar-se cuidadora do mari- estudo, com o passar dos anos, se adaptou e
do, ALMD deixa explícito que ficou mais se resignou às condições que a prática cui-
“corrido”. O tempo que antes dedicava para dativa impõe sobre sua vida. Isso pode ser
si diminuiu muito porque o marido solicita percebido na forma que ela se utiliza para
a sua presença diuturnamente. Refere que minimizar as suas frustrações que às vezes
com dificuldades consegue fazer as tarefas deixa transparecer, de maneira velada, atra-
da casa e que pelo excesso de trabalho e vés de queixas e lamentos. Em todo mo-
pelas vezes que é acordada durante a noite, mento, ela busca entender o idoso depen-
dorme muito pouco e nunca se sente des- dente e a suas vontades como se ele tivesse
cansada. Outro agravante notado são a ex- sempre razão. O crescimento acentuado da
cessiva limpeza e organização da casa que população idosa em associação com as do-
seguramente lhe causa desgaste físico e enças crônicas, muitas vezes levam o idoso
mental, visto que, segundo ela, não conse- à dependência, gerando a necessidade de
gue deixar nenhuma tarefa para fazer de- um cuidador para o idoso dependente. 
pois, ainda que seja tarde da noite. Percebe- Como é o caso relatado neste estudo. O re-
se que a vida diária da cuidadora restringe- lato da vivência de uma cuidadora idosa de
se à dedicação exclusiva às atividades rela- um idoso fragilizado/dependente nos per-
cionadas ao marido dependente e ao lar. mite afirmar que as tarefas desempenhadas
por uma cuidadora idosa são árduas, exaus- 5. Caldas CP. Envelhecimento com depen-
tivas e muitas vezes solitárias. Além disso, dência: responsabilidades e demandas da
família. Cad Saúde Pública  2003;19(3):
a grande demanda de tempo e dedicação, a
733-81.
neutraliza, afastando-a das atividades de la-
zer, do cuidado para com si própria e dos 6. Perracini, MR. Análise multidimensional
das tarefas desempenhadas por cuidado-
contatos com amigos e parentes. Enfim,
res familiares de idosos de alta dependên-
pensar no bem-estar do cuidador é interfe- cia [dissertação]. Campinas: Programa de
rir indiretamente na qualidade de cuidados Pós Graduação em Educação/UNICAMP;
com o idoso.  Nesse sentido, uma das res- 1994. 
ponsabilidades do profissional da saúde é
conhecer as necessidades, minimizar as di-
ficuldades e a sobrecarga das atividades da-
quele que cuida. Além disso, um cuidador
bem orientado, saudável e bem assistido
garantirá a realização de ações básicas es-
senciais para o idoso dependente. 
Palavras-chave: Idoso; Doença crônica;
Assistência domiciliar. 

Referências

1. WHO (2002) Active Ageing – A Police


Framework. A Contribution of the World
Health Organization to the second United
Nations World Assembly on Aging. Ma-
drid, Spain, April, 2002.

2. Instituto Brasileiro de Geografia e Esta-


tística. Perfil dos Idosos Responsáveis pelos
Domicílios no Brasil 2000, Rio de Janeiro:
IBGE; 2002, 97 p.

3. Karsch UM. Idosos dependentes: famí-


lias e cuidadores. Cad Saúde Pública 2003;
19 (3): 861-66.

4. Sá SPC, Lindolpho MC, Santana R, Fer-


reira PA, Santos IS, Alfradique P, et al. Ofi-
cinas terapêuticas para cuidadores de ido-
sos com demência: atuação da enfermagem
no programa interdisciplinar de geriatria e
gerontologia da UFF. Rev Bras Geriatr Ge-
rontol 2006; 9(3).

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